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Entrevista Motivacional em contexto prisional 1 Entrevista Motivacional em contexto prisional Daniel Rijo (Coord.), Alexandra Almeida, Ana Margarida Coelho, André Costa, Catarina Marcos, Joana Leal e Patrícia Mendes PGISP – Projecto Gerir e Inovar os Serviços Prisionais Entrevista Motivacional em contexto prisional 2 Título: Entrevista Motivacional em contexto prisional* Autores: Daniel Rijo** (Coordenador), Alexandra Almeida, Ana Margarida Coelho, André Costa, Catarina Marcos, Joana Leal e Patrícia Mendes Centro de Estudos e Formação Penitenciária, Janeiro 2009 *Este manual foi desenvolvido a partir de um trabalho dos autores realizado no âmbito da disciplina “Intervenções Cognitivo-Comportamentais no Comportamento Anti- social”, do plano de estudos do Mestrado Integrado em Psicologia da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra. Contou com a preciosa colaboração de diversos técnicos e profissionais da DGSP que participaram nos dois primeiros cursos de formação em Entrevista Motivacional promovidos pelo CEFP no âmbito do PGISP. Esta colaboração permitiu a revisão do texto original e a edição que agora se apresenta procurou melhorar o texto original a partir das críticas e sugestões apontadas. **NEICC – Núcleo de Estudos e Intervenção Cognitivo-Comportamental da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Coimbra Entrevista Motivacional em contexto prisional 3 Índice 1. Entrevista Motivacional: natureza e contextos de utilização 2 2. Modelo teórico: processos e estádios de mudança 5 2.1. Pré-contemplação - “ O pior cego é aquele que não quer ver...” 7 2.2. Contemplação - “Mudar ou não mudar… eis a questão!” 10 2.3. Preparação para a Acção- “Devagar se vai ao longe...” 13 2.4. Acção - “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje...” 15 2.5. Manutenção da Mudança - “A persistência tudo alcança...” 17 2.6. Recaída - “ Há males que vêm por bem...” 19 3. A relação de ajuda e a resistência à mudança 21 3.1. Natureza da relação de ajuda 21 3.2. A resistência à mudança 22 4. A Entrevista Motivacional no contexto prisional 29 4.1. O que é a Entrevista Motivacional? 29 4.2. Princípios da Entrevista Motivacional? 31 4.3. Estratégias de intervenção nos estádios de mudança 34 Referências bibliográficas 43 Entrevista Motivacional em contexto prisional 4 1. Entrevista Motivacional: natureza e contextos de utilização A Entrevista Motivacional pode ser descrita como uma abordagem promotora da mudança, indicada para ser utilizada em diversos contextos nos quais técnicos da área social, psicólogos, médicos e profissionais da reabilitação lidem com indivíduos resistentes à mudança. Mesmo quando os técnicos possuem competências de intervenção altamente especializadas e/ou trabalham em formatos de intervenção bem definidos e validados, quando se deparam com indivíduos resistentes à mudança, que negam possuir um problema e negam a necessidade de mudar qualquer aspecto na sua maneira de ser ou no seu comportamento, tais estratégias e programas podem falhar redondamente uma vez que não está garantido um aspecto fundamental para o sucesso da intervenção: que o indivíduo se envolva na mudança. Recentemente, o paradigma do empowerment, tem salientado a necessidade de envolver os indivíduos beneficiários, técnicos e as próprias organizações intervenientes na reabilitação psicossocial nos esforços de mudança. No entanto, se os indivíduos não reconhecerem a necessidade e as vantagens da mudança, qualquer abordagem, Entrevista Motivacional em contexto prisional 5 participativa ou não, pode ficar gravemente comprometida nos efeitos a alcançar. Por tudo isto, o uso da Entrevista Motivacional, da sua filosofia de abordagem aos problemas e à resistência à mudança, ou apenas de algumas das suas estratégias e técnicas, pode ser particularmente útil em todos os contextos de intervenção psicossocial, sendo particularmente relevante em contextos de intervenção tais como o prisional. Saliente-se que a Entrevista Motivacional é um modelo de intervenção que pode ser utilizado de diversas formas e em diversos timings. Tanto pode ser visto como uma fase prévia ao envolvimento dos sujeitos num qualquer programa terapêutico, de formação profissional ou de desenvolvimento social, como pode também (e deve!) ser utilizado ao longo de todo o processo de mudança, ajudando técnicos e indivíduos alvo da intervenção a lidarem melhor com as dificuldades do processo de mudança e com as possíveis recaídas ao longo do mesmo. Por tudo isto, é fundamental que todos os envolvidos no processo de mudança que constitui “O meu guia para a liberdade” dominem competentemente o modelo de mudança subjacente à Entrevista Motivacional, bem como sejam capazes de aplicar os princípios, estratégias e técnicas da mesma Entrevista Motivacional ao longo de todo o trabalho de mudança com os reclusos. O modelo apresentado por Prochascka & Diclemente (1982, 1984) (cf. Fig 1), tornou-se um grande impulsionador para o desenvolvimento de uma abordagem especificamente orientada para lidar com questões da motivação, e materializou-se no aparecimento da Entrevista Motivacional. Serviu de base para impulsionar o tratamento de indivíduos com problemas aditivos ou comportamentais, tratando-se assim de um grande passo na procura de melhorias nos métodos e estratégias utilizadas junto dessa mesma população, contribuindo também para o aumento do sucesso nas taxas de Entrevista Motivacional em contexto prisional 6 recuperação. Por fim, teve ainda o mérito de salientar a necessidade de adequar o tipo de intervenção ao estádio de mudança em que cada indivíduo se encontra, implementando as estratégias adequadas a cada indivíduo, em função do estádio de mudança do mesmo. Em suma, perturbações e problemas até aí considerados intratáveis (ou indivíduos considerados altamente resistentes), passaram a ser alvos de maiores esforços de intervenção por parte dos diversos técnicos, sabendo estes últimos compreender melhor a resistência dos primeiros e podendo ajudá-los a ultrapassar essa mesma resistência. Em jeito de ilustração, resta referir que a Entrevista Motivacional tem sido utilizada com sucesso empiricamente demonstrado em áreas tão diversas da reabilitação como o tratamento de indivíduos com perturbações do comportamento alimentar, toxicodependências, alcoolismo, outros comportamentos aditivos, jogo patológico e perturbações da personalidade. Entrevista Motivacional em contexto prisional 7 2. Modelo teórico: processos e estádios de mudança Prochascka & Diclemente (1982), desenvolveram um modelo que viria a revolucionar a compreensão da motivação humana, rompendo com ideologias pré-concebidas acerca da natureza deste constructo. Inicialmente entendida com um traço imutável do indivíduo, onde nada podia ser feito para contrariar a inércia que poderia imobilizar o sujeito (anulando assim qualquer possibilidade de mudança), a motivação passa a ser compreendida como possuindo uma natureza dinâmica. De acordo com esta nova perspectiva, passa a ser possível manipular a motivação e, em consequência, promover a mudança. Representado num círculo que engloba várias fases, este modelo pretende traduzir a ideia de que, num processo de mudança é frequente o indivíduo percorrer diferentes níveis ou estádios de motivação para a mudança, que se dispõem segundo a ordem apresentado na figura 1. Estes estádios são, especificamente e por esta ordem: Pré-contemplação, Contemplação, Preparação paraa Acção, Acção, Manutenção da Mudança e Recaída. É de salientar que pode ser necessário um sujeito percorrer várias vezes o ciclo até atingir um nível estável de mudança. Não devemos, portanto, Entrevista Motivacional em contexto prisional 8 desanimar se uma primeira tentativa de mudança não permitir instaurar uma mudança definitiva. Em seguida, descrevemos detalhadamente cada um dos estádios do processo de mudança. Para cada estádio, foram seleccionados exemplos do quotidiano de cada um de nós e exemplos aplicados ao contexto prisional (atitudes e verbalizações típicas da população reclusa, em cada um dos estádios da mudança). Evidentemente, um manual deste tipo não dispensa a necessidade de o técnico conhecer bem o modelo e de ser capaz de identificar, a partir das verbalizações, Recaída Fig.1 O ciclo da mudança (adaptado de Proschaska & Diclemente, 1984) Início Entrevista Motivacional em contexto prisional 9 comportamentos e respostas emocionais do indivíduo, o estádio respectivo da mudança em que o mesmo se encontra. 2.1. Pré-contemplação - “ O pior cego é aquele que não quer ver...” Os indivíduos que se encontram neste estádio identificam-se facilmente pelo facto de não admitirem que o seu comportamento (comportamento anti-social, por exemplo) é um problema e, como tal, não ponderam nem a necessidade nem a possibilidade de mudança. Tipicamente, adoptam uma postura defensiva e resistente, que se reflecte numa menor abertura na comunicação dos seus próprios problemas, pensamentos e sentimentos. Tradicionalmente, esta postura corresponde às noções de “negação” e de “racionalização”. Isto é, o indivíduo pode negar que tem um problema (por exemplo, atribuindo a factores externos a responsabilidade pelas consequências negativas do seu comportamento), pode negar que tenha existido dano para terceiros ou mesmo para si próprio resultante do seu comportamento prévio, ou racionalizar quando é confrontado com as suas atitudes e comportamentos (por exemplo, justificando certas atitudes como determinadas por circunstâncias particulares de dada situação). Por estes motivos, seria contraproducente procurar uma mudança prematura quando alguém se encontra em pré-contemplação face à mudança. Tal atitude por parte do técnico poderia levar ao aumento da resistência ou mesmo à desistência do indivíduo. É importante salientar que, mesmo após o julgamento e a condenação, um número considerável de reclusos encontra-se e mantém-se neste estádio por muito tempo (basta atentar no número de reclusos, sobretudo os condenados por algumas categorias de crimes, que apela repetidamente às injustiças do sistema judicial!). Entrevista Motivacional em contexto prisional 10 Como já foi referido, um dos motivos mais comuns pelo qual o comportamento problemático não é reconhecido como um problema consiste na racionalização que estes indivíduos tendem a fazer quando confrontados com comportamentos ou atitudes disfuncionais: - Para mim, isto não é um problema - Problema? O que quer dizer com isso? - Quem disse que eu tinha um problema? - Se você estivesse lá, teria feito a mesma coisa! A contribuir ainda para a não consciencialização do problema, está o facto dos indivíduos com comportamento anti-social tenderem a: reter selectivamente as consequências positivas do seu comportamento; ignorar ou desvalorizar as consequências negativas do seu comportamento; passar pouco tempo a reavaliar-se a si próprios (menos processamento da informação; evitamento e distorção da informação relacionada com os seus problemas); experienciar uma menor quantidade de reacções emocionais relativamente aos aspectos negativos dos seus problemas. Face ao exposto, os objectivos de qualquer intervenção com indivíduos em fase de Pré-contemplação consistirão em facilitar a passagem para o estádio de Contemplação. Na verdade, o modelo de mudança apela a que esta mesma mudança, ocorrendo mais rapidamente ou mais vagarosamente, decorra da vivência dos diversos estádios e pela ordem proposta. Assim, as funções do técnico consistem sempre em tentar que o indivíduo alcance o estádio seguinte do processo de mudança. Entrevista Motivacional em contexto prisional 11 No caso dos indivíduos em pré-contemplação, para promover a passagem ao estádio de contemplação, o técnico deve socorrer-se das seguintes estratégias: Fornecer indirectamente informação acerca do problema; Aumentar a consciencialização do sujeito sobre o problema; Aumentar a percepção do indivíduo para os riscos e problemas que o seu comportamento actual pode ter causado ou pode vir a causar. Exemplo 1 Um técnico perante a proposta de um novo procedimento no seu trabalho feita por um colega: “ Que ninguém me venha ensinar como devo trabalhar, já estou no meio há muitos anos. Sinceramente, nunca vi ninguém ensinar a missa ao padre!!!” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o seu técnico de reeducação: “Quem vos disse que roubar era um problema, não sou o único a fazê- lo. Se os outros não querem roubar é lá com eles.”. Exemplo 3 Um recluso perante um profissional de saúde: “Tenho por hábito consumir mas isso não é um problema, está tudo controlado! Quando quiser deixar de fumar essas cenas, é na boa! Sou mais forte que o vício.” O indivíduo passará para o estádio de Contemplação caso seja capaz de reconhecer a existência do problema. Caso contrário, permanecerá em pré-contemplação por tempo indefinido. Entrevista Motivacional em contexto prisional 12 2.2. Contemplação - “Mudar ou não mudar… eis a questão!” Este estádio, no qual os indivíduos tendem a ficar por um tempo prolongado, é caracterizado pela ambivalência que, ao nível do discurso do “contemplador”, se manifesta por apresentar simultaneamente: motivos de preocupação (sabem que o comportamento é problemático) e motivações para a mudança (têm que mudar), juntamente com... justificações ou racionalizações (não estão preparados para a mudança), que minorizam a preocupação. Em suma, é como se uma parte do indivíduo desejasse mudar e outra parte permanecesse ligada ao comportamento problemático. A ambivalência, tipicamente manifestada por reclusos que se encontram neste estádio, é comum ao que acontece a qualquer pessoa num qualquer processo de tomada de decisão. A mudança é contemplada; contudo, é rejeitada não sendo posto em prática nenhum compromisso para a acção, uma vez que a mudança é, pelo menos em parte, ameaçadora. A este respeito, é comum os indivíduos neste estádio verbalizarem que querem mudar mas o seu comportamento não é coerente com a informação verbalizada. Aliás, como sabemos todos por experiência pessoal, não basta tomar a decisão de mudar para que a mudança real ocorra. Muitas das mudanças importantes que conseguimos operar em nós próprios passaram necessariamente pela contemplação e pela ambivalência que a caracteriza. Por exemplo, quando alguém está insatisfeito com o seu peso e imagem corporal, quantas vezes não pensou em fazer dieta e/ou exercício físico. Pode até ter chegado a informar-se acerca de determinados regimes alimentares de perda de Entrevista Motivacional em contexto prisional 13 peso, ter pensado em ir ao ginásio pedir informações ou pensar em comprar um aparelho de abdominais para fazer exercício em casa. No entanto, enquanto pensa e não pensa, vai defendendo que o valor das pessoas está naquilo que são e não na aparência física, que não precisamos de ter todos um corpo atlético, etc. Quando vai comprar roupa nova, volta a pensar em perder peso perante a constatação de que certas peças de roupa não lhe assentam bem… No entanto, na altura de passar à acção justifica-se com o excesso detrabalho, com a vida stressante que tem e vai adiando a decisão de iniciar a dieta ou de frequentar o ginásio. Os contempladores, por comparação com os indivíduos em pré- contemplação, para além da ambivalência, caracterizam-se ainda por se encontrarem mais abertos a experiências emocionais à medida que vão tomando consciência do seu problema. Mostram-se mais aptos a reavaliarem os valores que defendem, bem como os seus problemas e eles próprios, quer afectiva quer cognitivamente. Muitas das pessoas que procuram apoio voluntariamente, encontram-se em estado de contemplação. No entanto, no caso da população reclusa, há que atender ao seguinte: muitos indivíduos, após todo o processual do julgamento e condenação, já se encontrarão em contemplação, enquanto outros, mesmo que condenados por crimes mais graves e a penas mais severas, podem estar ainda em pré-contemplação! Sendo a ambivalência a atitude típica do estádio de contemplação, os objectivos da intervenção do técnico consistirão em: promover um desequilíbrio entre os argumentos ambivalentes, favorecendo a evocação de razões para mudar e evidenciando os riscos e consequências da “não mudança”; Entrevista Motivacional em contexto prisional 14 incentivar a descoberta, por parte do contemplador, das vantagens e desvantagens da mudança; reforçar a auto-eficácia do indivíduo (percepção da sua capacidade de mudança), para mudar o seu comportamento actual; proporcionar uma atmosfera positiva para a mudança desejada. Exemplo 1 Um técnico de reabilitação perante a proposta de um novo procedimento no seu trabalho: “ Bem, realmente estas novas técnicas até parecem ser interessantes e úteis, mas daí a pô-las em prática vai uma longa distância.” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o seu técnico de reeducação: “Doutor, roubar não é a melhor coisa na vida, mas também desde de pequeno que estou nesta vida, o que é que um tipo como eu pode fazer? Nada… parece-me…” Exemplo 3 Um recluso perante uma entrevista de aconselhamento: “ No outro dia, fiquei possuído!? Queria fumar as minhas cenas e não tinha nada… andei de todo, se calhar estou viciado nisto...mas depois também penso que, se não me fez mal até agora, qual é a crise?” Se a resolução da ambivalência for no sentido da implementação da mudança, o indivíduo passará para o estádio seguinte: Preparação para a Acção. Caso contrário, o técnico deve continuar a promover a resolução da ambivalência. Muitas vezes, os técnicos forçam o indivíduo a tomadas de decisão precoces, uma vez que existem timings pré definidos para frequentar programas de formação, ateliers, actividades escolares, etc. No entanto, se a ambivalência não estiver ainda resolvida, apressar o Entrevista Motivacional em contexto prisional 15 processo de mudança pode ser meio caminho andado para que ocorra um retrocesso no mesmo. 2.3. Preparação para a Acção- “Devagar se vai ao longe...” A preparação para a Acção é um estádio que antecede a concretização dos objectivos da mudança, que devem ser clarificados e definidos neste estádio. Por vezes, podem mesmo ter existido diferentes alternativas para alterar o comportamento; porém, tais tentativas foram em geral limitadas e/ou fracassadas, não reconhecidas ou não identificadas correctamente. Muitos reclusos já foram alvo de abordagens diversas, preconizadas por técnicos de reeducação ou por projectos e instituições intervenientes em contexto prisional. É preciso avaliar as anteriores tentativas de mudança e procurar identificar os motivos para o fracasso das mesmas. Se, neste período, o individuo entrar num movimento de acção, o processo de mudança prossegue; caso contrário, o sujeito regressará ao estádio de contemplação. É fundamental que o técnico tenha em mente que: o processo de mudança não é linear; oscilações e flutuações na motivação são muito frequentes, nomeadamente numa fase de clarificação e definição dos objectivos; mudar gera sempre ansiedade e desconforto (e medo de falhar); assim, tem de haver um compromisso com a mudança e o indivíduo tem de conceptualizar os custos da manutenção do comportamento problemático como superiores aos seus benefícios para que a mudança ocorra; Entrevista Motivacional em contexto prisional 16 caso contrário, manter-se-á resistente à mudança. Nesta etapa, será importante que o técnico recorra às seguintes estratégias de intervenção: ajudar o indivíduo a encontrar uma estratégia de mudança aceitável, acessível, apropriada e eficaz; avaliar os níveis do comprometimento para a mudança; clarificar e definir os objectivos (claros e realistas para o técnico, e acessíveis para o recluso); promover a fase da acção e implementação da mudança. Exemplo1 Um técnico perante a proposta de um novo procedimento no seu trabalho: “Bem... Pensando melhor nessas técnicas, o que é que eu precisaria de saber para as implementar? Como é que poderia fazer isso? Não sei se tenho competências para isso… Mas estou disposto a tentar, desde que tenha ajuda já que isto não se aprende de um dia para o outro…” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o seu técnico de reeducação: “Até largava esta vida se soubesse que conseguia trabalhar, mas não sei muito bem como é que hei-de conseguir isso… nunca o fiz na vida, nem sei se sou capaz… Vou mesmo precisar de ajuda para conseguir…” Exemplo 3 Um recluso perante um profisional de saúde: “Acho que tenho mesmo um problema sério com as drogas...até devia deixar estas coisas, mas como é que isso se faz? Eu já tentei uma vez mas não consegui… Tenho algum receio de não ser capaz outra vez…” Entrevista Motivacional em contexto prisional 17 Se o indivíduo for capaz de clarificar e definir os objectivos de mudança, estará apto para os concretizar no estádio seguinte (Acção). Mas é importante que não se gaste tempo a definir objectivos e a propor alternativas ou tarefas quando o indivíduo ainda não estiver preparado para mudar. Só quando a mudança fizer sentido para o indivíduo e este acreditar que tem capacidade para a executar é que faz sentido, por exemplo, implementar um processo de orientação profissional ou propor-lhe um curso de formação, formação escolar, etc. 2.4. Acção - “Não deixes para amanhã o que podes fazer hoje...” Este estádio é definido como o período em que a mudança é concretizada. Os indivíduos modificam o comportamento, experiências ou o seu ambiente no sentido de ultrapassarem o problema. Esta fase corresponde assim a uma mobilização activa de recursos e forças adaptativas do indivíduo, as quais confluem para uma consolidação da mudança comportamental que conduz, em última análise, ao termo dos comportamentos problemáticos. Note-se que, embora em última análise a mudança real se traduza em modificações no comportamento observável do sujeito (alteração do padrão comportamental e atitudinal, mudança na forma de reagir a determinadas situações, etc.), a mudança real e estável no comportamento observável exige que haja também mudança ao nível cognitivo, isto é, na forma como o indivíduo processa informação e atribui significado aos eventos e situações. O técnico deve estar atento e observar se alterações nas reacções emocionais e nos comportamentos do sujeito são coerentes e consistentes com alterações na forma como o mesmo interpreta a realidade (se houve também alteração na forma como se vê a si próprio, como vê os Entrevista Motivacional em contexto prisional 18 outros e o mundo que o rodeia). Pode acontecer que determinados indivíduos procurem dar ao técnico a ideia de que estão efectivamente a mudar a sua maneira de ser, alterando padrões comportamentais sem no entanto haver uma mudança real na forma de entender o mundo. Istopode ocorrer quer porque o sujeito procura manipular a impressão que causa nos outros de forma intencional, quer porque, estando a trabalhar no seu processo de mudança, quer convencer-se a si próprio de que está verdadeiramente a tentar mudar. No entanto, se se tratar de um indivíduo muito rígido nas suas crenças disfuncionais, é preciso garantir que é alterado o seu grau de convicção nas mesmas; caso contrário, não ocorrerá mudança estrutural ou, dito de outra forma, o que parecem ser indicadores de mudança poderão revelar-se instáveis ou pouco duradouros. Para além de motivar o sujeito para a mudança, os objectivos a atingir neste estádio consistirão em: formular e apresentar estratégias de mudança que sejam aceitáveis, acessíveis e apropriadas para pôr em prática (passar à acção, testar e experimentar); procurar desenvolver mudanças profundas no estilo de vida (hábitos, padrões de comportamento, crenças, tomada de decisão), exigindo uma abordagem flexível que incentive o processo natural de mudança; apoiar o indivíduo para que este dê os passos necessários em direcção à mudança, valorizando e reforçando a implementação de acções de mudança por parte do mesmo. Exemplo1 Um técnico perante a proposta de um novo procedimento. “ Pensei melhor e vou arriscar para ver no que dá. Uma pessoa tem que se actualizar nos seus conhecimentos e naquilo que faz. Caso contrário, não passo do mesmo. Já estou a ler o manual… agora terei Entrevista Motivacional em contexto prisional 19 que praticar pelo menos num caso, para começar a dominar isto na prática.” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o seu técnico de reeducação: “Bem, vou-me deixar mesmo desta vida de não fazer nada. Vou começar a frequentar as aulas para ver se ao menos tiro o 9º ano…” Exemplo 3 Um recluso perante um profissional de saúde: “Decidi deixar de fumar os dois maços por dia... Já estou a reduzir para um e meio durante este mês. Depois vai-me custar mais, penso eu… Vamos ver se me aguento.” Uma vez concretizados os objectivos da mudança, o desafio será o de manter as mudanças efectuadas, tal como é estipulado no estádio seguinte. 2.5. Manutenção da Mudança - “A persistência tudo alcança...” Neste estádio, verifica-se a consolidação da mudança e/ou a estabilização dos progressos alcançados anteriormente no sentido de se evitar uma recaída. Importante será salientar que a manutenção não corresponde a ausência de mudança mas antes a continuação desta. Nesta etapa, o desafio do técnico consiste em concretizar os seguintes objectivos: ajudar a manter as mudanças alcançadas; Entrevista Motivacional em contexto prisional 20 tentar perceber como o indivíduo percepciona essas mudanças, e como as generaliza para as outras áreas da sua vida (social, familiar, profissional...); ajudar o indivíduo a perceber as vantagens das mudanças ocorridas no seu comportamento; prevenir eventuais recaídas. Exemplo1 Um técnico perante a proposta de um novo procedimento: “ Afinal vocês tinham razão, estas técnicas ajudam muito. A partir de agora vou começar a utilizá-las sempre que me parecerem úteis. De facto, uma pessoa pensa que já sabe tudo e acaba por fazer sempre os mesmos erros… ainda bem que alinhei em estudar isto…” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o seu técnico de reeducação: “Não é que consegui fazer a Matemática? Era aquilo que achava mesmo que não era capaz… Estou a fazer aquilo que tínhamos combinado e acho que desta vez é a valer. Não me deixe desistir disto que o mais difícil foi começar…” Exemplo 3 Um recluso perante um profissional de saúde: “Tou parvo comigo mesmo: já não fumo um maço por dia há 2 meses! Dantes, eram dois por dia, agora até estranho como um maço me dura tanto tempo. De facto, sinto-me bem melhor assim…” O sucesso do indivíduo na concretização das mudanças não o torna imune a possíveis retrocessos na manutenção das mesmas. Quando tal sucede, o indivíduo pode ter uma Recaída. Entrevista Motivacional em contexto prisional 21 2.6. Recaída - “ Há males que vêm por bem...” Alguns avanços e retrocessos no ciclo de mudança são comuns, antes de se solidificarem os novos padrões cognitivos, emocionais e comportamentais. Assim sendo, a recaída pode ser considerada uma ocorrência normal, inerente a todo e qualquer processo de mudança, podendo igualmente ocorrer em qualquer um dos estádios da mudança. O técnico não deve: rotular a intervenção como frustrante ou ineficaz; culpabilizar o indivíduo pela sua recaída. Mas deve antes: ajudar o indivíduo a perceber os ensinamentos a retirar da recaída, ajudando assim a prevenir recaídas futuras; implementar estratégias que promovam o reinício do processo de contemplação, preparação e acção. Exemplo 1 Um técnico perante a proposta de um novo procedimento “Bem disse que isso não era assim tão linear! Como se costuma dizer, o diabo sabe muito, não por ser diabo, mas por ser velho... Eu bem sabia que estas modernices não resolviam tudo!” Exemplo 2 Um recluso numa sessão com o técnico de reinserção: “Eu sabia que este patrão era como os outros... mandou-me embora pá!!! E eu lá voltei à minha vidinha! Sempre ouvi dizer quem sai aos seus não degenera e afinal é nos biscates que eu me safo melhor.” Entrevista Motivacional em contexto prisional 22 Exemplo 3 Um recluso perante um profisional de saúde: “A cena de ser certinho e não fumar não é p’ra mim. Voltei a encontrar-me com os meus amigos do costume e não resisti, é mais forte do que eu. No fundo, sempre soube que não seria capaz... Era apenas uma questão de tempo.” Entrevista Motivacional em contexto prisional 23 3. A relação de ajuda e a resistência à mudança 3.1. Natureza da relação de ajuda O estabelecimento de uma relação de confiança constitui-se como um aspecto central para o processo de mudança, uma vez que se trata do principal meio de obter e manipular informação acerca de ideias, pensamentos, comportamentos e sentimentos que são fundamentais para a mudança terapêutica. Quando tal relação não está estabelecida, não é provável que ocorra a mudança no sentido desejado. As circunstâncias que rodeiam a construção de uma relação terapêutica com indivíduos que apresentam comportamentos anti- sociais diferem daquelas que caracterizam a relação com a maior parte dos doentes psiquiátricos, os quais admitem facilmente o sofrimento e o desconforto psicológico e o atribuem aos seus problemas ou comportamentos. A excepção ocorre nos doentes com perturbações da personalidade, onde o técnico se confronta muitas vezes com uma atitude de resistência no início do processo terapêutico. Esta atitude e consequentes comportamentos negativos por parte do doente poderão produzir um forte sentimento de raiva e tendências para actuar de forma congruente com esses sentimentos no terapeuta. É importante Entrevista Motivacional em contexto prisional 24 que o terapeuta contextualize a resistência como o reflexo de aspectos centrais do grau da perturbação ou patologia do sujeito. A forma como estes doentes (com patologia da personalidade) constroem a relação terapêutica está muitas vezes associado aos estilos interpessoais. Assim, as atitudes e comportamentos do doente perante o terapeuta podem ser vistos como uma fonte de informação importante acerca dos esquemas (crenças acerca do Eu e dos Outros) e estilo interpessoais problemáticos do indivíduo em causa. A relação fornece pois um meio para examinar as distorções e falsas percepções que os indivíduos perturbados utilizam nas suas relações interpessoais. Em suma, a relação de ajuda, seja em contexto clínico oude reabilitação, constitui-se como uma fonte de informação privilegiada que o técnico deve utilizar não só como fonte adicional para o conhecimento do indivíduo, mas também como tendo utilidade para o estabelecer de hipóteses acerca da influência do comportamento deste no comportamento dos que com ele interagem, permitindo compreender possíveis factores interpessoais que estejam a contribuir para a manutenção dos problemas do sujeito. 3.2. A resistência à mudança A resistência à mudança é um aspecto crucial a considerar por qualquer técnico que trabalhe em contexto prisional, nomeadamente se pretende trabalhar com estratégias da Entrevista Motivacional. Assim, um dos objectivos da Entrevista Motivacional é o de evitar estimular ou aumentar a resistência à mudança pois, quanto mais o recluso resiste, menor a probabilidade de este mudar, estando também mais propenso a desistir da intervenção (Miller & Rollnick, 1991). Apesar da resistência ser vista por muitos autores como um obstáculo no processo de aconselhamento ou de psicoterapia, ela constitui um feedback importante que pode ajudar o técnico a reavaliar em que estádio motivacional o indivíduo se encontra e, em Entrevista Motivacional em contexto prisional 25 consequência, readaptar a forma como o processo de ajuda está a ser realizado. Neste sentido, a questão importante não é se o sujeito alvo da intervenção se mostra ou não resistente, mas sim como é que o técnico poderá identificar essa mesma resistência e estabelecer a melhor forma de lidar com ela de modo a reduzi-la. Várias investigações têm mostrado que um terapeuta que utiliza a Entrevista Motivacional de forma competente, consegue manter os níveis de resistência baixos. Portanto, a resistência manifestada pelo paciente é, pelo menos em parte, um problema do próprio técnico! De certo modo, o estilo do técnico que intervém determinará o quanto o recluso vai resistir, daí a importância de reconhecer a resistência para depois saber como lidar com a mesma (Miller & Rollnick, 1991). Uma das principais causas de resistência é a falha na identificação do estádio motivacional em que o indivíduo se encontra, bem como o facto de o técnico não ter procedido à avaliação da motivação do indivíduo nem da sua “balança interna” de vantagens e desvantagens da mudança. Assim sendo, o técnico não deve ter um método standard para lidar com todos os indivíduos que procura ajudar, devendo antes adaptar a sua actuação a cada sujeito em particular. Tal adaptação requer, como já foi dito, uma boa avaliação do estádio motivacional em que o sujeito se encontra. O técnico deve discutir com o indivíduo todos os tipos de planos que este vê como bons e quais os que são para ele um problema. Mas o que é a resistência? Podemos defini-la como um comportamento observável que ocorre durante um qualquer tratamento ou intervenção, na relação técnico-utente. Segundo Prochascka e DiClemente (1982), a resistência pode ser um sinal de que o técnico está a usar estratégias ou técnicas inapropriadas para o estádio de mudança no qual o sujeito se encontra naquele momento. De alguma forma, é como se o indivíduo dissesse: “Espere um minuto. Não o estou a seguir. Eu não concordo.” Neste momento, o técnico terá de ser capaz de reconhecer comportamentos e atitudes típicas da Entrevista Motivacional em contexto prisional 26 resistência e de perceber quando esta está a ocorrer, devendo descobrir em que fase o indivíduo se encontra para trabalhar com este em função do estádio de mudança correspondente. De acordo com os modelos cognitivos e de processamento de informação, a resistência à mudança é explicada pelo elevado grau de distorções no processamento de informação por parte das estruturas de atribuição de significado. Estas, quanto mais perturbado um indivíduo é, mais rígidas e disfuncionais são. Assim, distorcem o significado dos eventos e das interacções sociais de forma a manterem intacto o seu conteúdo e, consequentemente, a coerência na visão que o indivíduo tem de si próprio, dos outros e/ou do mundo. Por exemplo, um indivíduo paranóide possui crenças de desconfiança em relação a terceiros. Podem ter-se formado cedo na vida, a partir de experiências reais de abuso e de humilhação por outros significativos (pais, irmãos, amigos…). Tais crenças terão sido funcionais enquanto permitiram antecipar, com alguma certeza, comportamentos de abuso e de humilhação por parte de terceiros, ajudando o indivíduo que as possui a proteger-se. No entanto, uma vez formadas, distorcem a informação presente em relacionamentos saudáveis, levando o indivíduo a interpretar como ameaçadores e como tendo intenção de provocar dano comportamentos perfeitamente inócuos ou até amistosos por parte dos outros. Quando tais crenças são muito rígidas, por mais que as pessoas tentem que o indivíduo perceba realmente o que se passou, deparam-se com uma certeza inabalável do outro lado: “Fizeste de propósito para me humilhar!”. Tal certeza resulta não daquilo que realmente ocorreu mas sim da interpretação enviesada que o indivíduo fez da situação. Ora, esta interpretação nega parte da informação disponível na altura e distorce outra parte dessa informação; no entanto, a interpretação feita está de acordo com as crenças de desconfiança e continua a reforçá-las. Em consequência, as emoções e os comportamentos do indivíduo podem parecer desajustados face ao que realmente ocorreu mas são totalmente coerentes com a interpretação que fez da situação e, em última Entrevista Motivacional em contexto prisional 27 análise, com as crenças de desconfiança em relação aos outros. É neste sentido que referimos anteriormente que a rigidez no comportamento traduz também a rigidez no estilo de processamento de informação e, numa perspectiva cognitiva, a rigidez das crenças disfuncionais sobre si próprio, os outros ou o mundo. Para que ocorra mudança comportamental/atitudinal, tais crenças terão também que tornar-se mais flexíveis ou serem mesmo substituídas por crenças mais funcionais. Por outras palavras, quando ocorre mudança real, algo de significativo mudou na maneira como o indivíduo se vê a si próprio e na maneira como vê os outros. Existem vários tipos de comportamentos que assinalam resistência: discutir, interromper, negar e ignorar, etc. Apesar disso, o que importa não é tanto identificar o tipo mas sim o facto de alguma resistência estar a ocorrer. De certa forma, é comum existir alguma resistência em todo e qualquer processo de mudança, especialmente no início do mesmo. Cabe ao técnico perceber se esta relutância inicial se vai tornar um padrão ou não, sendo o modo como o técnico irá responder à resistência que fará a diferença no resultado final da intervenção. Em síntese, uma mudança no estilo do técnico/terapeuta conduz obrigatoriamente a mudanças na resistência por parte do recluso/paciente (Miller & Rollnick, 1991). Estratégias para lidar com a resistência Miller e Rollnick (1991), propõem oito estratégias para lidar com a resistência. 1ª Estratégia: reflexão simples. Esta primeira estratégia diz-nos que uma boa forma para responder à resistência é através da “não resistência”. Deve-se simplesmente constatar que o indivíduo discorda ou que ele sente algo, o que vai permitir explorar melhor a situação ao contrário de aumentar as defesas daquele. (Exemplo: Utente – Porque está sempre a dar-me conselhos? O que é que você sabe sobre as drogas? Provavelmente você nunca fumou um charro! Técnico – Pode Entrevista Motivacional em contexto prisional 28 ser difícil para si imaginar a possibilidade de eu conseguir compreender isso.) 2ª Estratégia: reflexão ampliada. Com esta estratégia, a ideia seria devolver ao indivíduo o que ele disse de uma forma amplificada ou mesmo exagerada (Exemplo:Sujeito - Eu tomo conta de mim mesmo. Não preciso que os meus pais andem sempre em cima de mim, a vigiar-me! Técnico - Então quer dizer que estarias muito melhor, a sério, sem pais?). Deve ter-se cuidado com o tom de voz pois um comentário num tom sarcástico pode ter o efeito contrário e aumentar a resistência, enquanto que o apropriado é fazê-lo directamente, de forma a apoiar a ideia transmitida pelo sujeito. 3ª Estratégia: reflexão Double-Sided (de dois lados). Esta é uma abordagem baseada na escuta crítica, em que o técnico constata o que o sujeito diz e acrescenta a isto o outro lado da ambivalência do sujeito, utilizando o material fornecido anteriormente de outras sessões e nunca o mencionado na mesma sessão. (Exemplo: Sujeito – Eu sei que o que está a tentar fazer é ajudar-me, mas eu não quero! Técnico – Por um lado, sinto que você que existem problemas bem reais e que eu estou a tentar ajudá-lo, mas, por outro lado, o que eu sugiro não é aceitável para si.) 4ª Estratégia: Mudar o foco. Consiste em mudar o foco de atenção do sujeito de algo que parece um obstáculo para a sua superação. (Exemplo: Sujeito – Ok, eu até fui à escola como tínhamos combinado e veja lá o resultado… quase todos fizeram o 9º ano e eu continuo na mesma… Técnico – De facto, vários colegas seus fizeram o 9º ano este ano lectivo. Uns porque já estavam à mais tempo na escola, outros porque tinham mais anos de escolaridade à partida. E de facto você não conseguiu este ano. Mas já viu a diferença do que é capaz de fazer em relação aquilo que sabia quando entrou na escola? Agora, o que devemos fazer é....). Entrevista Motivacional em contexto prisional 29 5ª Estratégia: Concordar, mas com alguma mudança. Aqui, o técnico concorda com algo que o sujeito diz mas muda subtilmente de direcção (Exemplo: Sujeito - Não sei porque é que vocês não param de me chatear por causa da formação. E a formação dos outros? Técnico - Tem razão, temos de ter uma visão mais ampla: problemas com a formação, de uma forma ou de outra, todos têm). 6ª Estratégia: Enfatizar a escolha e o controlo pessoal por parte do sujeito. Nesta estratégia, devemos assegurar sempre à pessoa que, no fim de contas, quem tem a última palavra é ela, o que vai ajudar a diminuir a sua relutância. (Exemplo: Sujeito – O director disse-me que eu teria de vir aqui. Não tenho qualquer escolha quanto a isso! Técnico – Actualmente tem várias escolhas. Escolheu vir aqui em vez de contrariar o que o Sr. Director lhe disse para fazer. Não o posso obrigá-lo a fazer o que quer que seja, uma vez que quem manda em si é você. O que eu posso fazer é trabalhar consigo e tentar ajudá-lo a melhorar a sua vida… mas apenas se você o decidir. A escolha é sempre sua e não quero nem posso obrigá-lo a nada...) 7ª Estratégia: Reinterpretar. Isto é, colocar os comentários do sujeito num outro contexto ou mesmo dar-lhe outra interpretação, alterando o sentido dos mesmos (Exemplo: Sujeito - Eu não aguento mais tentar e não conseguir! Desisto! Técnico - Realmente, muitas vezes é difícil ver uma luz no fundo do túnel. Eu percebo o seu esforço em tentar e admiro-o por isso. Lembra-se do processo de mudança que discutimos: quanto mais vezes passar pelas fases, maior a probabilidade de chegar à manutenção do que ganhou). 8ª Estratégia: Paradoxo terapêutico. Esta estratégia equivale a dizer a um doente com toxicodependência: "OK! Talvez seja melhor mesmo continuar a consumir drogas..." de uma forma calma, de modo a que o mesmo se encontre num espaço entre a oposição e a Entrevista Motivacional em contexto prisional 30 resistência face aos movimentos do técnico, conduzindo-o de certa forma numa determinada direcção. Como o próprio nome indica, trata- se de uma estratégia de intervenção paradoxal, quase equivalente à ideia de “prescrever o sintoma”. Porém, esta estratégia requer muita experiência e deve ser aplicada com cuidado. (Por exemplo, Sujeito – Eu posso ser castigado mas não me rebaixo… Se o guarda continuar a falar comigo naquele tom, eu faço o que já fiz e ele tem que levar comigo em cima. Apanho castigos mas não me rebaixo! Técnico – Entendo a sua posição… é uma forma de lidar entre muitas outras alternativas mas entendo que a possa escolher independentemente de eu concordar ou não com essa escolha. Continue a responder dessa forma se lhe parece que isso resulta. É uma alternativa possível.) Todas as questões colocadas pelo técnico, todas as observações que faça sobre a existência da situação, a maneira como o fizer, bem como o tom de voz, irão afectar a forma como o sujeito irá estar e responder durante a entrevista. Uma má escolha de uma única palavra pode levar o sujeito a sentir-se não compreendido, bem como levá-lo a adoptar uma atitude defensiva e resistente (Miller & Rollnick, 1991). Por vezes, a resistência é óbvia, noutros momentos é subtil e o técnico poderá ter apenas um leve feeling de que a entrevista não está a correr bem. Em suma, a resistência pode transformar-se na chave para uma intervenção de sucesso se o técnico souber reconhecê-la como uma oportunidade: na Entrevista Motivacional faz parte da arte do técnico saber identificar e ultrapassar a resistência. Entrevista Motivacional em contexto prisional 31 4. A Entrevista Motivacional no contexto prisional 4.1. O que é a Entrevista Motivacional? A entrevista motivacional deve ser compreendida, explorada e trabalhada recorrendo-se a uma abordagem directiva mas centrada no indivíduo. O objectivo da entrevista motivacional consiste na promoção de mudanças comportamentais nas quais o indivíduo tem um papel central, activo e, por isso, é importante facilitar a sua consciencialização do problema para que possam surgir outras soluções possíveis e com aplicação exequível. É neste contexto que os técnicos especializados na Entrevista Motivacional assumem um papel fundamental, auxiliando o indivíduo a ultrapassar a ambivalência que o impede de mudar e que o faz manter o comportamento desadequado e a resistência à mudança. É de salientar que considerar a entrevista motivacional como um conjunto de técnicas a serem aplicadas taxativamente é, por si só, um obstáculo à mudança. Deste modo, tendo em consideração o objectivo último da entrevista motivacional, a forma de estar com o indivíduo toma lugar de destaque, na medida em que a relação deve basear-se na cooperação entre os intervenientes no processo de mudança e na crença, por parte do técnico, de que o indivíduo detém a capacidade e competência necessárias para potenciar este processo. Entrevista Motivacional em contexto prisional 32 Sendo a Entrevista Motivacional um conjunto de técnicas que o técnico deve dominar, ela por si só não desencadeará o processo de mudança. É necessária uma articulação saudável entre as características pessoais e o comportamento interpessoal do técnico e do indivíduo. Compreende-se, deste modo, que é necessário haver uma co-construção da mudança, em detrimento de um trabalho individual. O técnico precisa de ter consciente que, como num puzzle, as peças só fazem sentido se se conjugarem umas com as outras e que, existindo de uma forma isolada, nenhum puzzle será acabado, ou seja, a mudança não poderá ser alcançada. Um puzzle é constituído por um conjunto de peças, todas diferenciadas mas que só fazem sentido por pertencerem àquele puzzle, o mesmo acontecendo com os princípios e estratégias que constituem a Entrevista Motivacional. Da mesma forma em que, quando estamos a construir um puzzle, há a tentativa de encaixe das peças que não têm compatibilidade para a peça em questão, também o técnico deve evitar forçar o indivíduo, devendo respeitar o timing e o estádio de mudança em que este se encontra. O insistir em colocaruma peça que não encaixa numa outra pode levar a um processo de estagnação no processo de construção do puzzle, ou até mesmo a um processo de desistência. Quando uma das peças não encaixa num dos locais, podemos sempre recorrer a outra! Com isto, queremos dizer que o técnico, ao utilizar uma estratégia ou técnica que não está a ter o efeito desejado no processo de mudança, não deve desistir mas antes partir para a aplicação de uma nova estratégia. Também o puzzle apresenta uma grande variedade de peças a que podemos recorrer até encontrarmos o correcto local de cada uma. Falsas Concepções acerca da Entrevista Motivacional A entrevista motivacional é Não-directiva – Ainda que a entrevista motivacional seja caracterizada pela empatia e escuta activa, tal não interfere com o facto de, em determinados momentos, se recorrer a uma confrontação construtiva e empática. Assim, é importante que o Entrevista Motivacional em contexto prisional 33 técnico analise com o indivíduo as mudanças que entende como necessárias, bem como o melhor modo de as alcançar. A entrevista motivacional é Não-confrontativa – Como ficou referido no ponto anterior, a confrontação é relevante desde que se tenha em consideração a fase em que o indivíduo se encontra. Desta forma, a questão não reside no facto de “confrontar ou não confrontar” mas sim em como confrontar e em relação a quê. A entrevista motivacional é um método que “às vezes serve, outras vezes não serve” – A Entrevista Motivacional é fulcral nos primeiros momentos da intervenção. Porém, é útil recorrer-se a ela durante todo o processo de intervenção para se evitar a resistência e ultrapassar a ambivalência. Nesta linha de ideias, deve ter-se em consideração que o ritmo de mudança dos indivíduos varia de sujeito para sujeito. Assim, compreende-se que o uso de determinadas técnicas possa resultar nuns casos e não noutros, pelo que o técnico deve adequar a sua forma de actuar perante cada indivíduo e cada situação específica. 4.2. Princípios da Entrevista Motivacional São cinco os princípios subjacentes à Entrevista Motivacional, nomeadamente: expressar empatia, desenvolver discrepâncias, evitar a argumentação, diminuir a resistência e reforçar a auto-eficácia. Expressar empatia A empatia facilita a compreensão da realidade subjectiva do indivíduo, auxiliando-o a superar a ambivalência que experimenta. Para que este entendimento seja mais perceptível, ou seja, para que possa apreender a forma como o indivíduo percepciona a realidade, o técnico deve tentar colocar-se no seu lugar. A empatia passa, então, pela tentativa de se colocar no lugar do outro, tentando ver o mundo através dos olhos do sujeito, procurando pensar e sentir como ele Entrevista Motivacional em contexto prisional 34 pensa e sente. Passa também pela partilha de experiências (em última análise, todos partilhamos, embora em graus que podem ser muitos diferentes, experiências do mesmo tipo). Quanto mais os indivíduos se sentirem compreendidos, mais facilmente se dispõem a partilhar as suas experiências, ou seja, num clima de confiança sentem-se mais capazes de abordar aquilo que são as suas dificuldades. Quando o fazem, tal atitude pode ser interpretada como um sinal de que o processo de mudança se está a iniciar: o indivíduo sente-se mais confortável na análise da sua ambivalência, admitindo a existência do seu problema. A empatia implica uma escuta reflexiva e portanto crítica, respeitando o que o sujeito comunica quer verbal quer não verbalmente, devendo ser feita uma devolução clara da informação para que este se considere compreendido. Desenvolver Discrepâncias O técnico deve levar o indivíduo a explicitar os seus objectivos futuros, no sentido de, posteriormente, o fazer ponderar acerca dos seus comportamentos actuais e estabelecer a discrepância entre o ponto onde pretende chegar e o caminho que escolhe para lá tentar chegar. Ou seja, o técnico desempenha neste contexto um papel- chave, permitindo o estabelecimento de ligações entre o comportamento actual do indivíduo e a sua frustração na concretização de objectivos de vida importantes para ele. Deste modo, espera-se que o indivíduo tome consciência de que o seu comportamento desajustado não o levará a atingir os objectivos que pretende alcançar. É a discrepância que funcionará como potenciadora de motivação (intrínseca) para a mudança Evitar a Argumentação O técnico deverá evitar a utilização de estratégias confrontativas (o que é diferente de evitar o confronto do sujeito com os seus próprios problemas ou comportamentos problemáticos), pois estas só Entrevista Motivacional em contexto prisional 35 aumentarão a resistência e poderão igualmente levar a um jogo de forças entre técnico e indivíduo. Se tal acontecer, mais do que promover mudança, apenas dificultará a tomada de consciência por parte do indivíduo sobre o que diz respeito ao seu comportamento desajustado e às consequências do mesmo. A argumentação torna-se, assim, uma técnica contraproducente, visto que nos afasta do objectivo – iniciar o processo de mudança –, podendo pôr em causa a confiança e, consequentemente, a relação entre ambos os intervenientes. Diminuição da resistência O técnico não deve lutar contra a resistência do sujeito, mas auxiliá-lo a ultrapassá-la. Deve saber usar os timings do indivíduo para poder explorar os seus pontos de vista, ajudando-o a modificar a sua percepção quando lhe é apresentada uma nova informação ou novas perspectivas sobre a mesma situação. Este aspecto torna-se relevante na medida em que o técnico deve aceitar o que provém do indivíduo e deve fazer uso dessa informação, não indo porém contra ele nos momentos iniciais do processo de ajuda. A partir disto, pretende-se que seja o próprio sujeito a desenvolver as suas próprias soluções para os seus problemas, não sendo estas impostas, ainda que possam ser sugeridas pelo técnico. Com isto, espera-se que ocorra uma diminuição da resistência, dado que o sujeito não é forçado a argumentar nem a assumir-se como opositor face às sugestões do terapeuta. Reforçar a auto-eficácia Numa atitude de apoio e de valorização das competências do sujeito, o técnico deverá promover a confiança do indivíduo nas suas próprias capacidades e recursos para fazer face às suas dificuldades e, deste modo, para levar a cabo as acções necessárias à mudança. Se o indivíduo acreditar que é capaz de ultrapassar os obstáculos implicados neste processo, mais facilmente se dispõe a fazê-lo. Entrevista Motivacional em contexto prisional 36 Numa tentativa de reforçar a auto-eficácia, o técnico deve tentar dotar o indivíduo de um conjunto de estratégias alternativas com vista à mudança, salvaguardando a sua auto-confiança, mesmo quando a estratégia escolhida não se revelou eficaz. Neste caso, é importante recorrer a outras alternativas pensadas por ambos, uma vez que não existe um único caminho possível para que a mudança desejada ocorra. Outra via de reforçar a auto-eficácia do sujeito passa pela normalização do problema, isto é, o técnico pode apresentar ao sujeito casos com temáticas semelhantes à sua, nos quais o processo de mudança foi bem sucedido, mesmo que com avanços e recuos prévios à mudança definitiva. 4.3. Estratégias de intervenção nos estádios de mudança As estratégias adoptadas na entrevista motivacional estão de acordo com os próprios princípios e objectivos da mesma. Assim se depreende que estas sejam de tipo persuasivo (por oposição a um estilo de coação), acentuando mais a escuta empática do que a confrontação, a clarificação em vez da argumentação. Em cada momento, a escolha das estratégias não é arbitrária mas deve ser realizada em função do estádio de mudança em que o indivíduo se encontra, talcomo já foi referido diversas vezes. Para potenciar o estabelecimento de uma boa relação de ajuda, no seio da qual se possam criar condições para abordar o problema no sentido de trabalhar a ambivalência gerada e procurar facilitar a mudança, são apresentadas cinco estratégias de intervenção preferenciais. Entrevista Motivacional em contexto prisional 37 Questões Abertas Uma das estratégias a que o técnico deve recorrer consiste na colocação de questões abertas. Este tipo de questões encontra o seu fundamento na medida em que potencia um ambiente de aceitação incondicional e de confiança, respeitando assim alguns dos princípios supracitados. Uma vantagem associada ao uso destas questões relaciona-se com o facto das mesmas constituírem uma base essencial para a abordagem e exploração do problema, de modo a recolher informação que permita ao técnico apreender como é que o indivíduo percepciona a sua situação. Deste modo, tendo em conta que as questões abertas não pressupõem respostas do tipo sim/não, o indivíduo encontra um espaço onde se pode expressar livremente, sem se sentir pressionado, o que o poderá levar a uma maior tomada de consciência sobre o seu problema. Este tipo de questões é igualmente útil quando se pretendem esclarecer aspectos pouco claros ou avaliar determinadas incongruências. Exemplo 1 O nosso casamento não está a funcionar. Já não aguento viver assim! Ele já não me dá a atenção que eu preciso. Sinto-o cada vez mais distante. 1. Em que é que se baseia para dizer isso? 2. O que é que já fez para evitar essa distância? 3. O que é que o seu marido faz ou não faz que lhe desagrada? Exemplo 2 Quando sair lá para fora, tenho receio que as pessoas me rejeitem e me virem as costas, mesmo os meus amigos. 1. O que o leva a pensar que as pessoas o irão rejeitar? Entrevista Motivacional em contexto prisional 38 2. O que de pior podia acontecer se os seus amigos o rejeitassem? 3. Pode falar-me um pouco mais sobre isso? Escuta Reflexiva Através da escuta reflexiva, o técnico, sem partir do pressuposto de que já sabe o que o indivíduo tem para lhe dizer, procura perceber qual o universo de significados deste, ajudando-o a explicitá-los de forma clara. Pretende-se que o indivíduo se dê conta da forma como entende as suas dificuldades para que mais facilmente tome em consideração outros pontos de vista sobre as mesmas. Esta estratégia revela-se particularmente útil para abordar a ambivalência face à mudança ao identificar e explorar as áreas- problema do indivíduo sobre as quais tem agora oportunidade para reflectir. A escuta reflexiva pode concretizar-se de diferentes maneiras: a repetição de palavras-chave referidas pelo indivíduo, a reformulação para clarificar determinados aspectos, a paráfrase de modo a tentar perceber o significado implícito do comportamento do indivíduo, os silêncios de forma a criar um espaço de auto-observação. Nesta altura, é importante salientar que o técnico se poderá expressar através de questões e/ou afirmações. Contudo, o recurso a afirmações parece ser mais adequado visto que a colocação de questões pode ter um efeito contraproducente no indivíduo, tal como a adopção de um comportamento defensivo. Exemplos: Exemplo 1 Ultimamente tenho-me sentido muito em baixo. Parece que toda a minha família me quer ver pelas costas. 1. Tem-se sentido mais em baixo nos últimos dias… Entrevista Motivacional em contexto prisional 39 2. É importante para si perceber porque é que a sua família a quer ver pelas costas. 3. Você anda mais em baixo… mais triste, mais abatido… Exemplo 2 Estou à espera da data do julgamento, que nunca mais chega. Sinto-me nervoso! 1. É normal que se sinta nervoso… 2. Neste momento sente que não consegue controlar a sua ansiedade enquanto não tiver uma data definida… 3. Então o que me está a tentar dizer é que está preocupado com o seu julgamento? Apoiar Reforçar o sentimento de aceitação do indivíduo, reabilitar a sua auto-estima e confiança é um aspecto vital para o processo de mudança. Apoiar é uma estratégia que promove a auto-eficácia do indivíduo: importa perceber as suas capacidades e potenciá-las, dando-lhe assim um maior sentimento de controlo sobre a situação. Exemplo 1 Tenho tentado relacionar-me com todos eles (familiares), mas sinto que nem sempre é fácil. 1. O facto de estar a tentar uma aproximação, só revela que está interessado em resolver o seu problema. 2. Deve ter sido complicado tomar a decisão de se aproximar dos seus familiares e você revelou coragem ao fazê-lo! Entrevista Motivacional em contexto prisional 40 Exemplo 2 Estou farto de falar do crime que cometi. Já fui condenado por isso, estou a cumprir a minha pena, não quero que as pessoas me julguem mais por isso. Quero pensar no meu futuro. 1. Compreendo que para si não seja muito fácil ser constantemente julgado por todos… E o importante de facto é preparar o futuro. 2. É de realçar o modo como se demonstra empenhado em pensar no seu futuro. Sumariar Esta estratégia permite ao técnico compactar toda a informação que foi dita pelo indivíduo durante a sessão ou parte da mesma, conseguindo de forma facilitada distinguir a informação essencial da acessória. O sumário apresenta-se como uma ferramenta útil para o técnico dar mais relevo a determinados aspectos, essenciais para a mudança; ao mesmo tempo, é importante no processo de mudança visto que o técnico tem a possibilidade de salientar as discrepâncias entre a situação actual e as alternativas desejáveis, ajudando à tomada de decisão. Para além disso, o sumário é pertinente para verificar se o técnico compreendeu correctamente o que o indivíduo lhe disse, fazendo com que a etapa de devolução de informação faça sentido para o indivíduo, pois este ouve mais uma vez as suas afirmações auto-motivacionais. Exemplo 1 Sinto muito medo de estar sozinho, por isso evito ficar sozinho em casa, fazer a viagem para o trabalho sozinho, fazer compras sozinho, ir a qualquer lado ou fazer alguma coisa pela primeira vez. Então o que me está a tentar dizer é que sente medo de ficar sozinho em diferentes contextos. Entrevista Motivacional em contexto prisional 41 Exemplo 2 Eu só queria falar com eles. A minha intenção não era agredir ninguém. Só queria mesmo falar com eles, que eles me ouvissem. Se estivesse mais calmo, nunca faria uma coisa destas. Descontrolei-me e parti para a agressão… Deixe-me ver se o compreendi. Apesar de querer muito falar com eles e de ser essa a sua intenção, na altura ficou mais agitado e nervoso e acabou por explodir. Entendi bem? Promover o discurso de mudança/desencadear afirmações auto-motivacionais Esta estratégia distingue-se das restantes, por ser mais directiva e específica na abordagem da questão da ambivalência. Reforçando o papel activo do indivíduo no seu processo de mudança, o técnico deverá funcionar apenas como alguém que facilite a descoberta de “portas de mudança” para as quais o indivíduo já possui “as chaves”. Ou seja, procura promover-se a consciencialização das suas dificuldades e a procura de caminhos de mudança, sem que esta surja como uma imposição do exterior. Deve respeitar-se o timing do indivíduo nesse processo, procurando gerar uma adesão sincera às acções que a mudança implica. O objectivo desta estratégia passa por levar o indivíduo a um discurso de mudança a diferentes níveis – cognitivo, afectivo e comportamental – que se expressa através do seu grau de comprometimento, desejo, necessidades/motivos, capacidade percebida para a mudança. Existem diferentes técnicas para pôr em prática a estratégia que acabámos de definir: perguntas evocativas, balanço decisional, utilizar extremos,elaboração, paradoxo. Em seguida, cada uma destas técnicas é brevemente descrita. Entrevista Motivacional em contexto prisional 42 Perguntas Evocativas As perguntas evocativas são colocadas em função do tipo de afirmações auto-motivacionais que queremos desencadear no indivíduo e, por isso, devem respeitar a fase de mudança em que este se encontra e os objectivos que se pretendem alcançar nessa mesma fase. Através de questões abertas, podemos suscitar no indivíduo afirmações que expressem ou que nos permitam perceber em que medida reconhece e se preocupa com os seus problemas/dificuldades, até que ponto chega a sua intenção de mudar ou o seu optimismo face à mudança. Exemplos - “Como é que a dificuldade em controlar os seus impulsos tem afectado a sua relação com os outros?” (reconhecimento do problema) - “O que pensa que poderá acontecer se não mudar?” (preocupação) - “Estar aqui revela que, pelo menos, uma parte de si está disposta a fazer alguma coisa, não lhe parece?” (intenção de mudar) - “O que é que o leva a pensar que vai conseguir mudar?” (optimismo) Balanço Decisional O balanço decisional consiste em avaliar com o indivíduo as consequências positivas e negativas do seu comportamento actual e de outros comportamentos alternativos, no sentido de clarificar ambos os lados da ambivalência. Poderá ser útil recorrer a um quadro de dupla entrada onde poderão analisar-se os custos e benefícios de mudar e não-mudar. No final desta análise, o indivíduo deverá considerar que os benefícios da mudança são superiores aos benefícios da não mudança. Deve também percepcionar que os custos da mudança são aceitáveis e que vale a pena assumi-los, tendo em conta as vantagens de mudar. Deve ainda ser claro para o sujeito quais os custos de não mudar (no presente e para o futuro). Entrevista Motivacional em contexto prisional 43 Um dos erros mais frequentes nestes processos de ajuda prende-se com o facto de o técnico ter uma visão do problema que avalia realisticamente os custos de não mudar e valoriza os benefícios da mudança, enquanto o sujeito tende a valorizar os benefícios da não mudança e a minimizar as vantagens de mudar (maximizando os custos da mudança). Trabalhar o balanço decisional, enquanto simultaneamente se reforçam as expectativas de auto-eficácia do sujeito é uma das ferramentas mais úteis de que o técnico dispõe para promover a mudança. Custos Benefícios Mudar Não Mudar Utilizar extremos É pedido ao indivíduo que antecipe os aspectos mais negativos que poderão estar associados à manutenção do comportamento problemático. Por exemplo, “Quais são os seus maiores medos se decidir não mudar?”, “Diga-me quais as piores coisas que acha que lhe poderão acontecer se continuar nesta situação?”. Utilizando a mesma lógica, pede-se agora ao indivíduo que nos diga quais as implicações mais positivas que imagina estarem relacionadas com a mudança do seu comportamento. Por exemplo, “Como gostaria que as coisas corressem se decidisse mudar?”. Entrevista Motivacional em contexto prisional 44 Elaboração Num trabalho de parceria, técnico e indivíduo procuram encontrar razões que legitimem/validem a mudança. Paradoxo O técnico coloca-se, paradoxalmente, a favor da manutenção do comportamento problemático ou da não mudança. Por irónico que pareça, com esta técnica pretende-se que o indivíduo verbalize afirmações que demonstrem o reconhecimento do seu problema, preocupação e intenção de mudar, bem como optimismo face à mudança, ou seja, que coloque em causa o rumo que a sua vida tomou. O técnico assume o papel de “advogado do diabo” para que o indivíduo adopte o papel oposto. Por exemplo, o técnico diz: “Ok! Estou de acordo que, se continuar no mesmo estilo de vida, esmo que corra alguns riscos, acabará por ter sucesso com o dinheiro e será reconhecido como um indivíduo com nível.” Esta é uma técnica que não deverá ser utilizada indiscriminadamente em qualquer fase, uma vez que só poderá produzir o resultado que se pretende se já estiver construída uma relação sólida entre técnico e recluso. Caso contrário, pode ser pervertida a sua finalidade. Além disso, há que atender às capacidades cognitivas do indivíduo, pois alguns sujeitos podem não perceber o alcance desta técnica. Miller e Rollnick (2002), alertam ainda para a necessidade de estar atento a determinadas “armadilhas” que podem surgir nos primeiros contactos e que podem colocar em causa os objectivos do processo de mudança. O técnico deverá estar atento para não cair na tentação de transformar a relação de ajuda numa espécie de “interrogatório policial”. Uma atitude confrontativa deverá ser evitada uma vez que mais facilmente o sujeito oferecerá resistência, negando a existência do problema. De igual forma, uma postura de perito por parte de um Entrevista Motivacional em contexto prisional 45 terapeuta que oferece soluções, contraria os princípios em que se baseia a Entrevista Motivacional. Rotular o sujeito a partir do seu problema e envolver-se em discussões sobre “quem é o culpado?”, são atitudes anti-terapêuticas que criam barreiras entre técnico e indivíduo que está a ser ajudado e são irrelevantes para a intervenção. Por fim, é fundamental controlar o impulso de “ir directo ao assunto” e permitir que o indivíduo comece por abordar as suas necessidades e preocupações, respeitando o seu timing pessoal na análise de determinados temas que podem ser, para o próprio, ameaçadores e cujo o confronto com os mesmos requer tempo e coragem. Referências bibliográficas Miller, W.R.; Rollnick, S. (2002) Motivational Interviewing: Preparing People for change. New York: Guilford Press Prochascka, J. O.; Diclemente, C. C. (1982) Transtheoretical Therapy : Toward a More Integrative Model of Change. Psychotherapy: Theory, Research and Practice
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