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APRESENTAÇÃO DO CASO: C.L.S.V., 2 anos e 3 meses, sexo masculino, chegou a unidade pediatrica do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto. A mãe relatou ao médico, que a criança estava bem anteriormente, mas que nos últimos dois dias começou com febre alta (39,5 °C), vômitos, não queria comer, estava bastante irritado e tinha aparecido pequenos pontos vermelhos no corpo. A mãe negou convulsões, perda de peso, alterações gastrointestinais e urinárias. Ao exame físico foram observados FR: 18 ipm; FC: 140 bpm; Temperatura: 37,5°C, ativo, irritado, eutrófico, hidratado, anictérico e acianótico. Mucosas normocoradas e pele com petéquias distribuídas por todo o corpo, sem adenomegalias e musculatura normotrófica. As avaliações do aparelho respiratório e cardiovascular não mostraram nenhuma alteração. Entretanto, as avaliações neurológicas mostraram sinais de Kernig e Brudzinski positivos. Foi solicitada a punção lombar, exames de imagem (RNM) e hemocultura. Inicialmente, a RNM evidenciou abscesso cerebral e empiema subdural, com suspeita de lesão de massa (Figura 1). Figura 1: RNM de crânio, em corte axial, mostrando lesão hipodensa mais acentuada em giro temporal superior direito, área de abscesso cerebral no joelho da cápsula interna esquerdo, na borda anterior do putamen e cabeça do núcleo caudado, além da dilatação do sistema ventricular. Beatriz Gurgel - Medicina - UFMS CPTL ⚕ TUTORIA 6- CASO CLÍNICO SOBRE MENINGITE EM CRIANÇA Posteriormente, a análise do líquor evidenciou aspecto: Turvo; 2.000 células/mm3 23 (72% de neutrófilos); Glicose: 34 mg/dl; Proteínas: 150 mg/dl. O Hemograma evidenciou leucocitose (23.000), neutrofilia (70%), com desvio para esquerda (13% de Bastões) e plaquetopenia (50.000). Discussão do caso Anatomia do SNC O sistema nervoso central (SNC) é fortemente protegido contra impactos e infecções. Essa proteção se deve à presença de ossos e de outras estruturas relacionadas, fazendo com que, mesmo que patógenos circulem na corrente sanguínea, geralmente eles não conseguem invadir o tecido nervoso central e a medula. Essa característica é devido a presença da barreira hematoencefálica (BHE). Entre a aracnóide e a pia-máter está o espaço subaracnóideo, que contém o fluido cérebro- espinhal. Ele também promove proteção do SNC e mantém a hemostasia do organismo. Relembrando a composição do líquor entre as meninges: alguns íons possuem concentração no plasma e no líquor bem parecida, como o sódio. O potássio de cálcio é um pouco reduzida no licor. O pH também é muito parecido. A glicose e os aminoácidos possuem uma quantidade mais reduzida no líquor em relação ao plasma. E isso se repete também na presença de proteínas como albumina, imunoglobulina, etc., nas quais há uma concentração bem menor no líquor em relação ao plasma. Isso ajuda bastante na identificação meningite, já que alterações nessas concentrações (principalmente glicose e proteínas) pode estar relacionado a manifestações das meningites. Características gerais do gênero Neisseria Possuem morfologia de diplococos gram negativos, achatados lateralmente. Para identificação laboratorial, destaca-se que são oxidase positivo, mas também pode utilizar catalase. São várias espécies relacionadas a Neisseria, mas muitas não causam infecções, algumas estando até na nossa microbiota normal (N. mucosa, N. elongata, etc.). Entretanto, duas espécies são patógenos humanos de grande importância clínica: N. gonorrhoeae e N. meningitidis. A N. gonorrhoeae é conhecida como gonococo e causa a gonorreia, que é uma infecção sexualmente transmissível (IST) e também pode causar infecções no neonato durante a passagem no canal do parto de uma mãe infectada, causando a oftalmia neonatal no recém-nascido e também infecções orais. Beatriz Gurgel - Medicina - UFMS CPTL ⚕ TUTORIA 6- CASO CLÍNICO SOBRE MENINGITE EM CRIANÇA DEFINIÇÃO: Meningite é um processo inflamatório envolvendo as meninges dentro do espaço subaracnóideo; se a infecção se espalhar para o cérebro subjacente, é chamada de meningoencefalite. A meningite é causada normalmente por uma infecção, mas também pode ocorrer meningite química em resposta a um irritante não bacteriano introduzido no espaço subaracnóideo. A meningite infecciosa pode ser dividida geralmente em piogênica aguda (normalmente bacteriana), asséptica (normalmente viral) e crônica (normalmente tuberculosa, por espiroquetas ou criptocócica). O exame do LCR muitas vezes é útil para distinguir entre vários casos de meningite. Meningites bacterianas (MB) são processos agudos que acometem as leptomeninges (pia-máter e aracnóide) que envolvem o cérebro e a medula espinhal, podendo acometer a dura-máter e outras estruturas do sistema nervoso central (SNC), provocando reação purulenta detectável no líquido cefalorraquidiano (LCR) – aspecto opalescente, hipercelularidade, aumento de proteínas (> 200 mg/dL) e diminuição da glicose (< 40 mg/dL). Estão associadas a uma elevada incidência de complicações e risco de sequelas e são causa de alta morbimortalidade, principalmente em crianças menores de cinco anos de idade, com maior risco entre os lactentes de 6 a 12 meses de idade. Beatriz Gurgel - Medicina - UFMS CPTL ⚕ TUTORIA 6- CASO CLÍNICO SOBRE MENINGITE EM CRIANÇA Os principais agentes bacterianos causadores de meningite são o Streptococcus pneumoniae, o Haemophilus influenzae e a Neisseria meningitidis (meningococo). O meningococo é um diplococo gram-negativo que coloniza o trato respiratório superior de modo assintomático. A transmissão ocorre por contato pessoal direto com secreções de nasofaringe ou através da inalação de gotículas de secreção eliminadas por tosse ou espirro. A punção lombar revela aumento na pressão; o exame do LCR mostra abundância de neutrófilos, elevação na proteína e redução na glicose. As bactérias podem ser vistas em um esfregaço e ser cultivadas, às vezes, poucas horas antes de os neutrófilos aparecem. Os patógenos mais frequentes em crianças variam de acordo com a idade, apresentando a seguinte distribuição: - ≥ 1 mês e < 3 meses: Estreptococos do grupo B (39%), bacilos gram negativos (32%), Streptococcus pneumoniae (14%),Neisseria meningitidis (12%). - ≥ 3 meses e < 3 anos: S. pneumoniae (45%), N. meningitidis (34%), Estreptococos do grupo B (11%), bacilos gram negativos (9%). - ≥ 3 anos e < 10 anos: S. pneumoniae (47%), N. meningitidis (32%) - ≥ 10 anos e < 19 anos: N. meningitidis (55%). Neisseria meningitidis (conhecida como meningococo) Causa meningite adquirida na comunidade. Ela pode colonizar a orofaringe de indivíduos saudáveis. Cerca de 20 até 50% de indivíduos saudáveis podem estar colonizados com ela, tornando-os portadores assintomáticos que podem transmitir por gotículas, fala, espirros, contato direto, etc. A partir da colonização da orofaringe, ela pode migrar para as meninges. Essa capacidade de migração é devido à fatores de virulência. Na imagem, vemos um polimorfonuclear com gram- negativos em seu interior. Os sintomas de meningite bacteriana variam com a idade, mas consistem principalmente em febre,