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realizar sua pretensão (“exigência da subordinação do interesse de outrem ao próprio”), e não poder. Entre as razões para tal ocorrência temos uma que é particularmente útil destacar nesse momento: a pessoa que devia satisfazer a pretensão de outrem não o faz. Não o faz seja porque crê estar com a razão, seja porque, a despeito de saber que o outro tem razão, não quer abrir mão da satisfação do seu interesse.9 Os desentendimentos fazem parte do cotidiano de cada um, de modo que podem ser entendidos como inerentes à condição humana e pendem às complexidades ao longo de sua existência. No entanto, as desavenças não podem ser entendidas como destrutivas, mas relevantes para a formação humana, tal forma que se torna imprescindível a maneira como se percebe e lida com elas.10 Em regra, intuitivamente se aborda o conflito como um fenômeno negativo nas relações sociais que proporciona perdas para, ao menos, uma das partes envolvidas. Em treinamentos de técnicas e habilidades de mediação, os participantes frequentemente são estimulados a indicarem a primeira ideia que lhes vem à mente ao ouvirem a palavra conflito. Em regra, a lista é composta pelas seguintes palavras: guerra, briga, disputa, agressão, tristeza, violência, raiva, perda e processo.11 Os conflitos normalmente envolvem custos inerentes a questões emocionais, saúde, tempo, financeiras, materiais e ou produtivas, de modo que a situação requer o necessário manejo dos valores envolvidos buscando atingir dois objetivos: primeiro reduzir custos, quando inevitáveis, para que os benefícios da mudança não sejam 8 Ibidem, p. 73. 9 DELLORE, Luis; SOUZA, André Pagani de; CARACIOLA, Andrea Boari. Teoria Geral do Processo Contemporâneo. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2018. p. 2. 10 BIANCHI, Angela Andrade; JONATHAN, Eva; MEURER, Olivia Agnes. Teorias do Conflito. In: ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva (Coords). Op.cit., p.73. 11 AZEVEDO, André Gomma de (org.). Op. cit., p. 49. 6 encobertos pelo esforço de realizá-la; e segundo, transformar os custos em ganhos, fazendo com que haja um saldo positivo durante essa transformação.12 Os conflitos devem ser vistos como fase de transição nos relacionamentos, que de certa forma pressionam o ser a reconhecer as realidades subjetivas, que podem ser inúmeras, tornando necessário negociar para juntos criar uma realidade comum, mas, o que pode transformá-las em algo positivo ou negativo são as ações escolhidas por cada um de modo a resolvê-los ou não.13 1.1 MOTIVAÇÕES E FORMAS DE CONFLITO Identificar as múltiplas motivações dos conflitos é determinante para que se realize a abordagem adequada. Antes de entender as causas de cada conflito, primeiramente é necessário examinar suas raízes, BIANCHI14, citou as possíveis fontes do conflito, como sendo: (i) O poder que remete a capacidade de coação; (ii) Necessidades, associadas à busca de satisfação das mesmas; (iii) Os valores, vinculados às crenças centrais; (iv) Os interesses, muitas vezes a respeito aos objetivos desejados; e (v) A percepção e a comunicação, relacionadas à interpretação e expressão. Através das fontes do conflito é possível identificar ainda suas várias formas e para cada uma delas, suas possíveis causas, conforme BIANCHI15 elenca: (i) Conflitos de valores, que consiste em utilizar critérios diferentes de avaliar ideias ou comportamentos; (ii) Conflito de interesses, em que ocorre certa competição, percebida ou real, em torno de interesses substanciais; (iii) Conflito de informação: ocorre o surgimento de certo equívoco ou mesmo ausência de dados; (iv) Conflito de relacionamento em que existam a presença de emoções fortes ou percepções equivocadas, muitas vezes ocorre uma comunicação ruim ou mesmo a falta de comunicação e ainda comportamentos negativos ou repetitivos que dificultam a convivência; e (v) Conflitos estruturais em que decorrem de padrões destrutivos de comportamentos ou interação, ou ainda, situações de desigualdade, propriedade ou 12 BIANCHI, Angela Andrade; JONATHAN, Eva; MEURER, Olivia Agnes. Teorias do Conflito. In: ALMEIDA, Tania; PELAJO, Samantha; JONATHAN, Eva. (Coords). Op.cit., p.74. 13 Ibidem, p.73. 14 Idem. 15 Ibidem, p. 75. 7 distribuição de recursos, presença de fatores geográficos, físicos ou ambientais que dificultam a cooperação. Para identificar as raízes, formas e causas dos conflitos é necessário ainda fazer uma distinção entre a causalidade real e aparente, o que pode ser denominado de “causa irrealista”, BIANCHI observa uma situação paradoxal: “conflitos aparentes tendem a ter suas motivações manifestadas da maneira fácil e aberta pelos envolvidos, ao passo que desavenças reais tendem a possuir origens veladas, não verbalizadas facilmente.” 16 Nota-se a necessidade em conhecer as causas genuínas ou reais do conflito, pois a situação provoca sentimentos negativos e mal-estar, além de ser necessária para a compreensão, de modo a trabalhar transformando de forma positiva a situação conflitiva.17 BIANCHI18 descreve a “Teoria do Conflito” elaborada por Robert Bush e Joseph Folger, baseada no significado que o conflito possui para os envolvidos, dividido em três principais teorias: (i) Teoria do poder, que remete ao trabalho realizado por Abel em 1982; (ii) Teoria dos direitos, vinculada ao trabalho realizado por Fiss em 1984; e (iii) Teoria das necessidades, que remete aos estudos de Menkel- Meadow em 1984. Essas teorias representam a percepção das pessoas sobre os conflitos, a depender da situação em que se encontram, seja pelo poder, pelos direitos ou necessidades, baseadas por suas percepções, buscam ajuda nas situações conflituosas esperando determinados resultados.19 Apoiada em estudos na área da comunicação, psicologia cognitiva e social, a teoria transformativa propõe que o “conflito significa uma crise no seu relacionamento com o outro”, propondo que o foco da intervenção deve ser a maneira como as pessoas compreendem as desavenças no contexto de suas relações pessoais.20 Para que se possa compreender melhor o conflito é necessário mapeá-lo, de modo que ao classificá-lo, seja possível determinar ações de acordo com as 16 Ibidem, p.76. 17 Ibidem, p.76-77. 18 Ibidem, p.77 . 19 Idem. 20 Idem. 8 particularidades da situação, que se permita prevenir, gerir ou resolvê-lo de forma efetiva. Neste sentido, BIANCHI propõe a estrutura elaborada por Dennis Sandole, composta por três pilares: 1º Os elementos do conflito que são as partes envolvidas, muitas vezes podem ser grupos, organizações, sociedades, Estados e regiões; 2º Causas e condições, que são os conflitos que podem ter natureza pessoal, familiar, laboral, ambiental, identidade e internacional; 3º Possibilidades de intervenção, que são divididas quanto aos níveis, podem ser: intrapsíquico, interpessoal, intragrupal e intergrupal. 21 Identificadas as estruturas, causas e formas de conflitos, se faz necessário ainda, identificar os estágios em que se encontram de modo a identificar o melhor momento para a possível intervenção. BIANCHI cita o trabalho de Louis Pondy, em que são identificados cinco estágios do conflito, conforme: Latente: é a situação em que os envolvidos não estão plenamente conscientes de sua presença; ii) percebido: as dificuldades de diferença ou de opinião entre as pessoas são prontamente identificadas e compreendidas; iii) Sentido: emoções como raiva, medo, ressentimento, tensão e ansiedade, são adicionadas a situação conflitiva; iv) manifesto: existe o comportamento abertamente agressivo, visando frustrar ou bloquear o alcance das metas e objetivos da outra parte; v) desfecho: o futuro da relação é influenciado segundo a maneira como a controvérsia é resolvida. Se solucionada