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Resenha de "Os Russos" do Angelo Segrillo Capítulos: As Origens e a Cristianização; Conquistada e Conquistadora; A Rússia e o Ocidente.

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UFF – A RÚSSIA NO SISTEMA INTERNACIONAL 
RESENHA: SEGRILLO, Angelo. Os Russos. São Paulo: Contexto, 2015. 
 
Daniele Thomaselli Vasques de Oliveira 
 
Angelo Segrillo é historiador especialista em História russa e eurasiana e coordenador 
do Laboratório de Estudos da Ásia no Departamento de História da Universidade de São Paulo 
(USP). Mestre pelo Instituto Pushkin de Moscou, escreveu em seu doutorado na Universidade 
Federal Fluminense (UFF) uma tese pioneira na historiografia brasileira a respeito da Rússia, 
ao se dedicar à análise documental de fontes primárias soviéticas1. No presente trabalho, serão 
resenhados alguns capítulos de seu livro “Os Russos”. 
As perspectivas expostas na obra em questão fazem parte tanto do crivo acadêmico 
quanto da experiência pessoal de Segrillo na Rússia, onde viveu em dois momentos de sua vida: 
durante a confederação soviética enquanto cursava o mestrado; e, após o declínio da URSS, 
quando se debruçou sobre as pesquisas do doutorado. Nesse sentido, ele examina a História da 
Rússia e dos russos levando em conta aspectos geopolíticos, socioeconômicos e culturais, 
apontando discursos disputados a respeito da trajetória nacional. 
No capítulo “As Origens e a Cristianização”, o historiador analisa a formação da 
civilização russa, que teve seu seio em torno do Estado Rus’ Kievano, originado a partir do 
território que hoje corresponde à Ucrânia – fato elucidante da relação dual entre essas nações. 
Nesse momento, existia tão somente um conglomerado de cidades-Estado governadas por 
nobres que possuíam relação de vassalagem com o Grande Príncipe de Kiev. 
Ele narra, então, a contestada “crônica primária russa”, a qual defende que a expansão 
nacional teria se voltado para áreas despovoadas ou sido realizada mediante alianças com 
nativos. Essa ausência de resistência que permeia o imaginário russo é defendida, por exemplo, 
na tese de Numa Mazat.2 Para Segrillo, contudo, esse mito fundacional de incorporação 
amistosa dos territórios contíguos é uma contrapartida à missão civilizatória pretensamente 
empreendida pelas metrópoles ocidentais em suas colônias ultramar. Ainda, ele aponta para a 
importância da ortodoxia na construção do caráter civilizatório russo, a qual foi uma “pedra 
angular definidora” (SEGRILLO, 2015, p. 105). 
 
1 Essas informações foram retiradas do Lattes de Angelo de Oliveira Segrillo. Disponível em: 
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4792492D7. Acesso em 23 nov. 2020 
2 Ver em: MAZAT, Numa. “Uma Análise Estrutural da Vulnerabilidade Externa Econômica e Geopolítica da 
Rússia. Tese (Doutorado em Economia Política Internacional) – Instituto de Economia, Universidade Federal do 
Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 2013. 
Pérsio
Grão-Príncipe
Pérsio
Ortodoxia
Pérsio
Crônica Primária
 
No capítulo seguinte, “Conquistada e Conquistadora”, é desenvolvida uma avaliação 
no que tange à fragmentação da Rus’ Kiev, que não apenas levou a um atraso em relação ao 
Ocidente no período de ascensão da Renascença, mas também se refletiu em desunião no 
combate a invasões externas. Isso fez com que o domínio pelo Império Mongol fosse bem-
sucedido, desde a plena conquista em 1242 até 1480, com a libertação via batalha do Rio Ugra. 
Segrillo se preocupa, em tal seção, em trazer luz ao debate acerca da subjugação da 
Rus’ Kiev ao Império de Gengis Khan: alguns afirmam que a tomada de poder pelos mongóis 
foi responsável pelo atraso russo, e outros declaram que não houve grande mudança tendo em 
vista a pouca interferência mongol na vida político-cultural de seus domínios. Contrapondo-se 
a essas visões, o acadêmico aponta que a pax mongólica permitiu o florescimento do comércio 
eurasiano, contribuiu para a formação de um governo centralizado e fortaleceu os pilares de 
sustentação do posterior Império Czarista: a Monarquia e a Igreja Ortodoxa. 
No mesmo capítulo, trata das correntes que teorizam sobre a identidade nacional russa 
em “uma guerra de estereótipos” (SEGRILLO, 2015, p. 133). Os estudiosos se dividem em 
ocidentalistas, eurasianistas e eslavófilos, que enxergam o caminho para o progresso sob 
diferentes óticas. A esse respeito, Segrillo (2015, p. 124) afirma que “na maior parte da história 
era na Ásia que se encontravam as civilizações mais avançadas do mundo e não no Ocidente”. 
Com a retirada dos mongóis do território russo por Ivan III, a dinâmica nacional passou 
a se alterar – com destaque para ascensão da cidade de Moscou, que veio a se tornar a capital 
russa. Oficialmente, o Império Czarista foi inaugurado por Ivan IV, O Terrível, ao dissolver o 
poder feudal autônomo e inaugurar a autocracia no país. Do século XV ao XVI, o processo de 
formação do Estado Moscovita centralizado marca o nascimento do que se entende pela atual 
Rússia e a consolidação de uma identidade própria povo grão-russo. 
Por fim, no capítulo “A Rússia e o Ocidente”, Segrillo narra brevemente os governos 
de Pedro, O Grande, e Catarina II, enfatizando a aproximação com o Ocidente. Uma déspota 
esclarecida, a monarca Catarina II contribuiu para a modernização e elevação cultural dentro 
de parâmetros do Iluminismo europeu, o que propiciou o surgimento da intelligentsia russa – 
essencial para movimentos de oposição que viriam a se deflagrar, como a Revolução de 1917. 
É possível notar, portanto, que a retomada histórica feita por Segrillo nos dá um 
panorama global a respeito dos eventos que delinearam a crônica da Rússia. Cabe ressaltar, 
outrossim, a inexistência de um único ponto de vista: como se espera de uma nação com um 
território tão extenso e uma composição étnico-social tão diversa, há diferentes narrativas em 
vias de debate. Os acúmulos socioculturais, resultado de disputas políticas e dinásticas, levam 
à conformação de uma trama cuja interpretação varia a depender dos interesses envolvidos. 
Pérsio
Essa foi a libertação de jure, o confronto do Rio Ugra terminou sem uma batalha real. A batalha definidora da autonomia russa foi em 1380 em Kulikovo.

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