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Diana Cristina de Abreu Márcia Maria da Silva T ó p ic o s A v a n ç a d o s d e E d u c a ç ã o Tó pi co s Av an ça do s de E du ca çã o Di an a Cr is tin a de A br eu e M ár ci a M ar ia d a Si lv a Tópicos Avançados de Educação Curitiba 2011 Diana Cristina de Abreu Márcia Maria da Silva 2ª edição FAEL Diretor Executivo Maurício Emerson Nunes Diretor Acadêmico Osíris Manne Bastos Coordenadora do Núcleo de Educação a Distância Vívian de Camargo Bastos Coordenadora do Curso de Pedagogia EaD Ana Cristina Gipiela Pienta Secretária Acadêmica Dirlei Werle Fávaro EDITORA FAEL Coordenadora Geral Dinamara Pereira Machado Coordenador Editorial William Marlos da Costa Edição Jaqueline Nascimento Revisão Ivana Valeria Gonçalves Silvia Milena Bernsdorf Projeto Gráfico e Capa Denise Pires Pierin Diagramação Sandro Niemicz Ilustração da Capa Cristian Crescencio Ficha Catalográfica elaborada pela Fael. Bibliotecária – Siderly Almeida CRB 9/1022 Abreu, Diana Cristina de A162t Tópicos avançados de educação / Abreu, Diana Cristina de; Silva, Márcia Maria da. – 2. ed. – Curitiba: Editora Fael, 2011. 124 p. ISBN 85-64224-37-7 Nota: conforme Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. 1. Educação. 2. Ensino médio – Legislação. I. Silva, Márcia Maria da. II. Título. CDD 372 Direitos desta edição reservados à Fael. É proibida a reprodução total ou parcial desta obra sem autorização expressa da Fael. apresentação A obra intitulada Tópicos Avançados de Educação prenuncia sua legitimidade perante a educação básica brasileira. Representa o forta- lecimento dos profissionais da educação que acreditam na construção de novos saberes escolares e alimentam a esperança de renovação do processo educativo. É dessa maneira que me incluo, com satisfação, ao retratar um trabalho consolidado por elementos reflexivos propostos pelas autoras, que estão comprometidas com a superação de uma cultura de gestão centralizadora, em favor de uma gestão democrática no âmbito político e educacional. O ensino médio seria, então, um espaço para análise da verdadeira função social e histórica da instituição escolar, bem como da sua relação com os diversos problemas sociais, entre eles, a falta de perspectivas de emprego por parte dos estudantes inseridos em uma sociedade capita- lista, cujo modelo econômico é excludente. As transformações econômi- cas e tecnológicas do mercado de trabalho, de forma perversa, acabam gerando a exclusão dentro e fora do universo escolar dos estudantes das classes populares. Tais questões ilustram uma preocupação com a formação de profes- sores, não apenas inicial, mas também continuada, que deve ter a inten- cionalidade de permitir aos docentes repensarem suas práticas pedagó- gicas, por meio das situações cotidianas vivenciadas no contexto escolar. Para o enfrentamento de todas as situações, é preciso construir uma relação necessária na busca pelas mudanças educacionais, que implicam um projeto político-social mais amplo e uma perspectiva de mundo, de homem, de escola e de educação brasileira. Construir um caminho de análise e reflexão das referidas contra- dições, para reforçar a função formadora da educação voltada para a aprendizagem escolar, concebida como um dos instrumentos de formação apresentação cultural e de construção do sujeito político, social e ético é, com certeza, um grande desafio para a sociedade e, em especial, para os profissionais da educação. Apesar de tudo, é preciso lutar pelos sonhos, como fonte de novas esperanças. Maria Cristina Elias Esper Stival* * É pedagoga da rede estadual e municipal de ensino. Professora adjunta da Universidade Tuiuti do Paraná e da Fael, no curso de Pedagogia, nas modalida- des presencial e a distância. É doutoranda em Educação pela Pontifícia Universi- dade Católica do Paraná (PUCPR). apresentação apresentação apresentação Neste livro, as autoras traçam um panorama sobre a dimensão política, legal e pedagógica da educação em nosso país. Dessa forma, iniciam abordando a temática da função da escola em seu aspecto con- ceitual e legal, ampliando, a seguir, para as questões referentes à gestão educacional, financiamento da educação e avaliação institucional. A partir dessa dimensão macro, são discutidos os conteúdos rele- vantes sobre o ensino médio –, chamando a atenção para o tortuoso processo que antecedeu a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9.394/96 –, a concepção e princípios, assim como os principais aspectos de sua legislação. Também encontra aporte a questão curricular, por meio das Diretrizes Curriculares Nacionais para esse nível de ensino, em que o referencial político e legal passa a ser especificado com a finalidade de estabelecer a sua necessária diferen- ciação pelos momentos da história da educação brasileira, em que a sua clássica dualidade estrutural aparece de forma implícita ou explícita. Nos últimos tópicos, as autoras detalham os conteúdos da educa- ção profissional, seguindo a mesma lógica de abordagem utilizada para o ensino médio, enfatizando os elementos constituintes, trazendo em sua historicidade a concepção, a legislação e a estrutura que rege, atualmen- te, essa contraditória modalidade de ensino presente em nosso sistema educacional, com dados que possibilitam uma visão quantitativa sobre a realidade de sua oferta. O trabalho é finalizado com uma abordagem específica sobre o en- sino médio integrado, última forma de oferta aprovada pela legislação para a educação profissional, com destaque para os dados de matrícula, a partir de sua implementação no Brasil, esclarecendo a trajetória de aprovação dos decretos que lhe conferem legalidade. Na perspectiva dessa apresentação, resta acrescentar que a pro- dução representa um material de excelente qualidade, uma vez que seu apresentação conteúdo encontra-se devidamente adequado. As questões formuladas e a bibliografia recomendada atendem à necessidade de orientação e pesquisa, constituindo-se um importante roteiro de leitura que, certa- mente, auxiliará a compreensão de seus leitores. Maria Aparecida de Souza Bremer* * É doutoranda na Universidade Federal do Paraná (UFPR), com linha de pesquisa em mudanças no mundo do trabalho e educação. Mestre em Tecnologia, pela mesma univer- sidade, com linha de pesquisa em tecnologia e trabalho. Especialista em Planejamento e Gestão da Educação Pública (UFPR), é professora e pedagoga da rede pública estadual de ensino, e assessora técnico-pedagógica do PDE/SEED. apresentação apresentação Prefácio.......................................................................................9 1 Função social da escola ...........................................................11 2 A formação de professores no Brasil ......................................23 3 Gestão democrática, financiamento e Sistema Nacional de Avaliação ..............................................................................37 4 As concepções históricas do ensino médio no Brasil ..............59 5 O ensino médio na legislação nacional ....................................69 6 Concepções históricas da educação profissional no Brasil ....79 7 A legislação na educação profissional .....................................91 8 Ensino médio integrado ............................................................101 Referências...............................................................................113 sumário sumário 9 prefácio prefácio Nesta obra, analisamos algumas questões relevantes para a educação nacional, tais como a função social da escola,formação de professores, gestão e financiamento da educação nacional, além de te- mas relacionados às políticas, projetos e legislação do ensino médio e educação profissional, ao longo do século XX e início do século XXI. Nos três primeiros capítulos apresentamos uma discussão sobre temáticas gerais – muito apropriadas quando se trata de educação –, ou seja, discutimos como constitui-se historicamente a função social da escola, considerando diversos contextos e tendências pedagógicas. Apresentamos uma análise sobre a constituição e atuais desafios para a formação de professores no Brasil. Abordamos aspectos relativos à gestão democrática na escola e os desafios para a consolidação da democratização da educação, em um cenário político, econômico, cultural e social, no qual se acirram as de- sigualdades. Apresentamos, também, uma introdução sobre um assun- to que geralmente passa despercebido, mas que interfere efetivamente nas políticas educacionais, são os padrões de financiamentos definidos atualmente no ordenamento jurídico brasileiro. Discutimos, ainda, o atual sistema de avaliação da educação no Brasil, do qual fazem parte os exames nacionais, tão em voga na contemporaneidade. Em seguida, nos capítulos 4 a 8, fundamentados na categoria da totalidade, analisamos as concepções de formação humana predomi- nantes nas políticas de ensino médio e educação profissional no século XX e início do século XXI, bem como o aprofundamento sobre a legis- lação que regulamenta esses níveis educacionais. Por questões metodo- lógicas, a fim de melhor explicitar as especificidades do ensino médio 10 e da educação profissional para a sociedade brasileira, no período re- cortado, trabalhamos, dos capítulos 4 a 7, o histórico e a legislação da formação geral e da formação para o trabalho separadamente. Nessa perspectiva, os capítulos 4 e 6 dessa obra realizam uma caminhada histórica pelas concepções de ensino médio e educação profissional, desenvolvidas no Brasil desde o início do século XX até a década de 90, com o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em seguida, apresentamos alguns elementos do processo de transição para o governo do Partido dos Trabalhadores, que reacen- de as expectativas de mudanças políticas e sociais. Nos capítulos 5 e 7, refletimos sobre questões vinculadas à legislação, que orientam os dois níveis educacionais analisados. Por fim, tratamos da reintegração do ensino médio e da educa- ção profissional de nível técnico, proposta no primeiro governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de 2003 a 2006. As autoras.* * Diana Cristina de Abreu é doutoranda em Políticas e Gestão da Educação, pela Universi- dade Federal do Paraná (UFPR), mestre em Políticas e Gestão da Educação e especialista em Organização do Trabalho Pedagógico, pela mesma universidade. Trabalhou na rede estadual de ensino no período de 2005 a 2010. Atua como professora da rede municipal de ensino de Curitiba desde 2000. Márcia Maria da Silva é mestre em Educação, Cultura e Tecnologia na linha de Mudanças no Mundo do Trabalho e Educação, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Especia- lista em Organização do Trabalho Pedagógico pela mesma instituição, atua como profes- sora da rede estadual e municipal de ensino de Curitiba. prefácio prefácio 11 Antes de introduzirmos uma discussão sobre a função social da escola, faz-se necessário um posicionamento teórico acerca da própria definição de educação. Nesse sentido, podemos recorrer à conceituação de Paro (2001), segundo o qual a educação deve ser entendida como o processo de apropriação da cultura humana produzida historicamente, e a escola enquanto instituição que provê a educação sistematizada. Sobressai a importância das medidas visando à realização eficiente dos objetivos da educação escolar, em especial da escola pública básica, vol- tada ao atendimento das camadas trabalhadoras. A escola e sua função social Os objetivos esperados da instituição escolar, de acordo com Paro (2004), situam-se na própria construção da humanidade do educando, na medida em que é pela educação que o ser humano se humaniza e atualiza-se enquanto sujeito histórico. O debate sobre a função social da escola no Brasil apresenta formas diferenciadas, de acordo com as influências no campo teórico, filosófi- co e político no qual está inserida. Esse é um tema de grande relevância nas sociedades contemporâneas, em que inúmeros desafios envolvem o processo educativo. Dessa forma, tal questão exige dos educadores maior competên- cia, compromisso e responsabilidade frente à tomada de decisões no cotidiano escolar que norteiam o desenvolvimento da educação e do ensino. Essa nova condição deve-se aos próprios apelos da sociedade civil organizada, que nos anos 1980 e 1990 compreendiam que a gestão Função social da escola 1 Tópicos Avançados de Educação FAEL 12 da escola, em uma perspectiva democrática, deveria abranger todos os segmentos da comunidade escolar. Tais reivindicações resultaram na aprovação da Nova Lei de Di- retrizes e Bases da Educação Nacional – LDB n. 9.394 –, de 1996 ( BRASIL, 1996a). Nessa nova legislação espera-se que a comunidade escolar envolva-se não somente com as atividades de ensino-aprendiza- gem, mas também na elaboração dos projetos político-pedagógicos das unidades escolares e da avaliação dos seus resultados. Segundo Santos (2005), isso implica compromisso e dedicação permanente no sentido de formar o sujeito pleno, ético, cognitivo, estético, sua mente, sua memória, sua emoção, sua corporeidade e sua identidade de classe, de raça, de gênero. Recoloca-se em pauta a importância de refletir e discutir a função da escola e de comprometer-se com ela. Esse compromisso, entendido a partir de Ferreira (2002, p. 239), é uma obrigação de caráter social, nossos compromissos preci- sam ser encarados como obrigações a partir do momento em que forem com muita lucidez assumidos. É nosso contributo como ser social e profissional da educação que acredita, par- ticipa e espera construir um mundo bem melhor, um mundo mais justo, humano e igualitário. A sociedade brasileira ainda está longe de um patamar desejável de justiça social, o que é demons- trado nos dados coletados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios PNAD/2009, rea- lizada pelo IBGE. Se, em 2004, 18,4% da população brasileira tinha o ensino médio completo, em 2009, esse percentual subiu para 23%, portanto, menos de 70% da população completou esse nível de ensino. Outro dado preocupante relativo à educação é o alto índice de analfabetos ainda existentes no Brasil: 14,1 milhões de pessoas, o que representa 9,7% da população com 15 anos ou mais. A PNAD/2009 evidencia Em dezembro de 2010, o então presidente Lula recebeu o documento acerca do Plano Na- cional de Educação, que passará por votação no Congresso Nacional e por debates travados pela sociedade, governo e parlamento. Entre as vinte grandes metas para a educação estão a elevação da taxa de alfabetização da popu- lação com 15 anos ou mais para 93,5 %, até 2015, a erradicação, até 2020, do analfabetis- mo absoluto e a redução, em 50%, da taxa de analfabetismo funcional. Saiba mais Capítulo 1 Tópicos Avançados de Educação 13 que a porcentagem de analfabetos funcionais – pessoas que sabem assi- nar o nome, mas não conseguem interpretar um texto, por exemplo – é de 20,36% da população (IBGE, 2009). Em 2010 foi realizada a Conae, primeira conferência nacional da educação no Brasil. Segundo o documento final da Conae, disponível no site <http://conae.mec.gov.br/>, no que concerne aos indicadores de anal- fabetismo, há um abismo entre brancos e negros: 59,4% da população negra, acima de sete anos, analfabeta, contra 12,1% da população branca. Portanto,é necessário criar condições para reduzir a defasagem ano esco- lar/idade, repetência, evasão e, principalmente, o analfabetismo no país. Nesse contexto educacional, ainda muito desigual, compromisso pres- supõe estudo contínuo, aprofundamento teórico na compreensão da reali- dade, constituída de contradições e indagações, decorrentes dos movimen- tos de uma sociedade global, desafiadora, instigante e coetaneamente rica e carente de interpretações, que impõe à escola novos desafios e funções. A função social da escola frente às diferentes tendências pedagógicas A função social da escola está vinculada à promoção da cidadania. Podemos fazer essa afirmação porque a escola dá início à cidadania, já que é por meio dessa instituição que a criança deixa de pertencer à família e passa a integrar uma comunidade mais ampla, de acordo com o que afirma Canivez (1991). É também no interior da escola que a criança/cidadã terá acesso ao direito à educação. Portanto, as políticas educacionais que promovem a ampliação da oferta visam garantir um direito que atualmente é obrigató- rio no Brasil dos 6 aos 14 anos, ou seja, nove anos de escolaridade. Com a Emenda Constitucional n. 59/2009 (BRASIL, 2009a), a obrigatorieda- de deverá ser dos 4 aos 17 anos, progressivamente, até 2016. A escola, para assegurar a cidadania e promover a inclusão, deverá ampliar a oferta, garantin- do qualidade educacional para não perder outra especificidade, Uma emenda constitucional altera, fazendo inclusões ou exclusões, o texto da Constituição Federal. A EC n. 59/2009 ampliou para 12 anos a escolarização obrigatória no Brasil. O prazo para a União, estados, municípios e Distrito Federal se adequarem a essa norma vai até 2016. Saiba mais Tópicos Avançados de Educação FAEL 14 que é a transmissão do conhecimento historicamente elaborado e siste- matizado pela humanidade. Há, pois, uma estreita articulação entre as relações de convi- vência social instituídas pela escola e a cidadania. Ou seja, é no exercício da vivência entre os seres diferentes que se aprendem normas, sem as quais não sobrevive a sociedade. Mas, por cer- to, não é apenas para a convivência social e para a socialização que existe a escola. Ela surge da necessidade que se tem de transmitir de forma sistematizada o saber acumulado pela hu- manidade. Na chamada sociedade do conhecimento este papel tende a assumir uma importância sem precedentes. Outro as- pecto é que a escola é uma instituição datada historicamente. Ou seja, cada sociedade, cada tempo forja um modelo escolar que lhe é próprio. Este, por sua vez, é atravessado por marcas e interesses diferenciados (MORAES, 2007, p. 171). Ao afirmar que as formas escolares estão datadas no tempo, a auto- ra considera que são evidentes as interferências políticas, socioculturais e econômicas das classes sociais na função que a escola desempenhou durante vários momentos históricos. Esses interesses diversos, e muitas vezes divergentes, podem ser ve- rificados quando analisadas as manifestações de práticas ou tendências pedagógicas na educação brasileira, que são comumente classificadas em Escola Tradicional, Escola Nova, Tecnicista e Histórico-Crítica ou Crítico-Social dos Conteúdos. Na concepção tradicional ou conservadora de educação, que predo- minou no país até 1930, o papel da escola era converter o súdito em cida- dão, transmitindo a esse sujeito doses de conhecimento acumulado pela humanidade. A escola ainda exercia a função de preparação moral dos indivíduos para assumir seu lugar na sociedade. Nas palavras de Libâneo (2004, p. 23), “a atuação da escola consiste na preparação intelectual e moral dos alunos para assumir sua posição na sociedade. O compromisso da escola é com a cultura, os problemas sociais pertencem à sociedade”. Prevalecia um modelo elitista de educação voltada para a acomo- dação das relações sociais já existentes. Vale lembrar que poucos tinham acesso à escola, portanto, dizer que cada um deveria assumir o seu papel na sociedade era uma forma de reafirmar o modelo de sociedade vigen- te. Esse processo autoritário de gestão e organização da instituição de ensino inibia a participação dos alunos, os conteúdos trabalhados eram, Capítulo 1 Tópicos Avançados de Educação 15 por vezes, enciclopédicos e descontextualizados, havia a transmissão do conteúdo, mas ele era desconexo com relação à realidade social. A partir dos anos 30 do século XX, especialmente com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, de 1932, predominou uma concepção de escola que ressaltava a preparação dos indivíduos para desempenhar os papéis sociais; a ênfase era dada à promoção do au- todesenvolvimento e realização pessoal, assim, o enfoque era na for- mação individual. A prática pedagógica conhecida como Escola Nova, apesar de pri- vilegiar os problemas psicológicos em detrimento das questões sociais, apresentava um avanço considerável à medida que priorizava situa- ções-problema de interesse dos alunos e se contrapunha ao autoritaris- mo da escola conservadora (MORAES, 2007). Entretanto, o professor passava a ser um mero facilitador da aprendizagem e, ao centrar-se em aspectos emocionais e psicológicos, não considerava a mudança nas re- lações sociais preexistentes. A concepção tecnicista de educação surgiu no Brasil a partir dos anos 50 do século XX, quando a sociedade brasileira passou por um intenso processo de industria- lização e urbanização, que se acentuou nos anos 60 do mesmo século, passando a predominar com a centralização autoritária do regime militar, em 1968. A função social da escola está articulada ao sistema pro- dutivo, visando ao aperfeiçoa- mento do sistema capitalista, destaca a formação dos alunos/ indivíduos para o mercado de trabalho, de acordo com as exi- gências da sociedade industrial e tecnológica. Nesse cenário de centra- lismo autoritário a escola assume um papel de modeladora do compor- tamento humano e deve funcionar como uma empresa, com ênfase na eficiência e eficácia, produtividade e neutralidade diante dos problemas sociais (ABREU et. al., 2004). Em 1932, por influência de importantes autores, como John Dewey, Adolphe Ferrière, Willian Heard Kilpatrick, Ovide Decroly, Maria Montessori, Eduard Claparède, Jean Piaget e Roger Cousinet, buscou-se uma educação renovada, que instigasse a mudança social. O método era inovador e valorizava a autofor- mação e a atividade espontânea da criança. Assinaram o manifesto importantes persona- lidades brasileiras, entre elas destacamos o professor Anísio Spínola Teixeira. Saiba mais Tópicos Avançados de Educação FAEL 16 Por fim, na concepção crítico-social dos conteúdos – ou históri- co-crítica –, a escola, por constituir-se uma instituição social, é con- dicionada pelos aspectos sociais, políticos e culturais dessa sociedade. Ao mesmo tempo e contraditoriamente, a escola pode suscitar trans- formações desses condicionantes, à medida que propõe compreender a realidade histórica e social explicitando o papel dos sujeitos como construtor e transformador dessa mesma realidade. A escola passa a ser considerada o espaço social responsável pela apropriação de um saber universal (SAVIANI, 1992), que é elaborado e socializado também pelas camadas populares. A apropriação crítica e histórica desse conhecimento enquanto instrumento de compreensão da realidade social pressupõe a atuação crítica e democrática do aluno como sujeito na transformação dessa realidade. Como consequência dessa concepção histórica e crítica da educa- ção escolar, ainda permanece o caráter transformador da educação e, portanto, da escola, à medida que possibilita uma formação humana voltada para os princípios da cidadania e justiça social. Ao caracterizarmos as tendências pedagógicasconsiderando um marco temporal para cada uma delas, não podemos cravar na história uma data para início e término de cada uma. Ao reforçar essa lineari- dade, corremos o risco de esquecer a mediação necessária para a análise das influências de cada uma na educação brasileira. Sugestão de Leitura O livro de Demerval Saviani, Escola e Democracia (1992), que apresenta uma análise das tendências pedagógicas aqui consideradas, é também um importante instrumento de debate acerca da função social da escola na so- ciedade brasileira. SAVIANI, D. Escola e democracia. São Paulo: Autores Associados, 1992. Sugestão de Leitura O que queremos dizer é que possivelmente ainda existam práticas escolares que se assemelhem com uma ou outra na contemporaneidade, Capítulo 1 Tópicos Avançados de Educação 17 assim “numa mesma sociedade, tempo e lugar várias tendências podem conviver” (VIEIRA, 2002, p. 132). No cenário contemporâneo, todavia, a função social da escola encontra-se em xeque ao ser confrontada com as constantes transfor- mações econômicas, políticas e sociais da escola. Como instituição social educativa, a escola vem sendo ques- tionada acerca de seu papel ante as transformações econômi- cas, políticas e sociais e culturais do mundo contemporâneo. Elas decorrem, sobretudo, dos avanços tecnológicos, da rees- truturação do sistema de produção e desenvolvimento, da compreen são do papel do estado, das modificações nele ope- radas e das mudanças no sistema financeiro, na organização do trabalho e nos hábitos de consumo. Esse conjunto de transformações está sendo chamado, em geral, de globalização (LIBÂNEO, 2004, p. 51). As transformações que ocorrem no mundo atual atingem todas as dimensões da vida em sociedade, criam novas sociabilidades e afetam a educação escolar de forma diversa. Entre essas formas destaca-se a necessidade de formação de um novo tipo de trabalhador flexível e po- livalente, portanto requerem da escola a formação de novas habilidades cognitivas, acrescentando na formação do aluno uma série de novas competências sociais e pessoais. O modo de produção capitalista estabelece para a escola finalida- des mais compatíveis com os interesses do mercado, proporciona, tam- bém, o estabelecimento de novos valores, objetivos, atribuições para a instituição. De acordo com Libâneo (2004), diante dessa sociedade do conhecimento, a inovação tecnológica tende a mudar as práticas esco- lares. Essa característica da escola se evidencia nas políticas educativas adotadas, que constantemente atribuem à instituição novas funções, especialmente aquelas de assistência social. O papel cada vez mais relevante que a escola tem assumido na realidade brasileira atuando na distribuição de renda – como agência de implementação de programas sociais, tais como Bolsa Família e o Projovem, entre outros, determinando o controle e seleção de público-alvo, bem como a sua presença na efetivação de certas políticas de saúde (vacinas, exames mé- dicos) e alimentação (via merenda escolar) – tem contribuído para que sua função seja cada vez mais debatida e posta em questão (OLIVEIRA, 2005, p. 17). Tópicos Avançados de Educação FAEL 18 As políticas educacionais possuem um compromisso com o desen- volvimento intelectual das camadas populares. Dessa forma, não basta ampliar as condições de oferta da educação básica, políticas especiais serão, muitas vezes, necessárias, podemos citar como exemplo o progra- ma da merenda escolar e tantos outros que, em sua essência, criarão um ambiente favorável para a intelectualização das massas. Vale ressaltar que essa situação paradoxal evidencia que estamos diante de uma crise da função social da escola, o que não nos deixa dúvidas de que ela ainda é um importante instrumento de mobilidade social, sendo passagem obrigatória na vida de quem objetiva ser sujeito na sociedade (OLIVEIRA, 2005, p. 18). Nesse cenário, temos, por um lado, a progressão das demandas impostas à escola pelas forças produ- tivas e pelo aumento do uso de novas tecnologias; por outro lado, a escola convive com velhos problemas, como o baixo desempenho dos alunos, comprovados nos resultados dos exames externos aferidos pelo sistema de avaliação nacional. A função social da educação profissional e do ensino médio Diante das complexidades postas pela sociedade contemporânea, precisamos debater os dilemas que estiveram presentes historicamente envolvendo o ensino médio e a educação profissional, dando ênfase à dualidade entre um ensino voltado para a profissionalização obrigatória e outro para a formação humana mais ampla. Essa dualidade interfere na função social da escola que oferta o ensino médio como etapa da educação básica e a educação profissional como mais uma modalidade na educação nacional. Isso significa que algumas questões exigem nossa atenção: devemos formar para o mer- cado de trabalho, realizar uma formação humana ampla e diversa, ou, ainda, fazer ambas as formações em uma proposta integrada? No caso do ensino médio, além da garantia da oferta e perma- nência do adolescente e jovem, é latente a necessidade da garantia de um currículo norteado por princípios éticos, políticos e pedagógicos, voltados para a diversidade social e cultural dessa população específica. Capítulo 1 Tópicos Avançados de Educação 19 O Art. 35 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional deter- mina que o ensino médio tenha como finalidade (BRASIL, 1996a): I – a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino fundamental, possibilitando o prosse- guimento de estudos; II – a preparação básica para o trabalho e a cidadania do edu- cando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de se adaptar com flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; III – o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crítico; IV – a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina. Para garantir minimamente todos os objetivos postos a essa etapa da educação, a escola deve ser atrativa aos alunos, deve, também, mo- bilizá-los para a aprendizagem, indo além da simples preparação para o vestibular ou para a certificação. A democratização da escola no ensino médio passa pelo princípio da igualdade de acesso e permanência, no qual “os menos favorecidos estejam em condições de identificar, com- preender e buscar suprir, ao longo de sua vida, suas necessidades com relação à participação na produção científica, tecnológica e cultural” (KUENZER, 2000b, p. 43). Entre os anos de 1997 e 2007, devido ao Fundef, política educa- cional que priorizava o ensino fundamental em detrimento de outras etapas e modalidades da educação básica, foi ampliado significativa- mente o número de alunos concluintes dessa fase de ensino, aumentan- do, assim, a demanda para o ensino médio. Contudo, a ampliação das vagas será inócua se não forem garantidas condições de permanência, ou seja, é preciso combater a evasão e a repetência. O Fundef (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Funda- mental e de Valorização do Magistério), no ano de 2007, foi substituído pelo Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica Pública e de Valorização dos Profissionais da Educação). Tópicos Avançados de Educação FAEL 20 Essas políticas permitiram que a União vinculasse juridicamente a porcen- tagem de impostos destinados ao financiamento, manutenção e desenvol- vimento do ensino. A respeito da profissionalização obrigatória nessa etapa da edu- cação, não há consenso entre pesquisadores desse campo teórico e demais segmentos da sociedade civil, envolvidoscom a temática. Isso se deve à tensão que prevalece quando são postas em lados opostos a formação humana e a formação para o trabalho ou, em outros termos, a formação para o mundo do trabalho e a formação para o mercado de trabalho. Já no Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova, a polêmica sobre a separação entre trabalho manual e trabalho intelectual no Ensino Mé- dio, no período denominado Ensino Secundário, já estava presente. Nos anos 30 do século XX, a defesa dos pioneiros da Escola Nova era de que o ensino secundário passasse a ter uma base comum de cultura geral (três anos) para posterior bifurcação (dos 15 aos 18 anos) em seção de preponderância intelectual (com três ciclos de humanidades modernas; ciências químicas e biológicas), seção de preferência manual, ramificada, por sua vez, em ciclos, escolas ou cursos destinados à pre- paração para atividades profissionais. Assim, esperava-se para a escola secundária um primeiro ciclo de formação com duração de três anos e, em seguida, mais quatro anos de estudos bifurcados entre trabalho manual e intelectual, “para atender à diversidade crescente de aptidões e gosto” (ZIBAS, 2002, p. 16). Mesmo com a indicação feita no manifesto, a qualificação da mão de obra no Brasil não se tornou uma preocupação verificada nas políticas públicas do país, que foram atendidas à medida que apareciam as deman- das pelo mercado de trabalho, sem planejamento global e organizado. A formação de trabalhadores e cidadãos no Brasil, segundo Kuenzer (2000a), constitui-se historicamente pela categoria duali- dade estrutural, uma vez que existe uma nítida demarcação da traje- tória educacional dos que iriam desempenhar as funções intelectuais e instrumentais em uma sociedade cujo desenvolvimento das forças Capítulo 1 Tópicos Avançados de Educação 21 produtivas delimitava claramente a divisão entre capital e trabalho. Ainda para a autora, essa dualidade é antidemocrática, porque deter- mina, de certa maneira, aqueles que irão pensar e os que vão executar, preparando diferentemente os sujeitos, a considerar o lugar que cada um ocupará na sociedade. Da teoria para a prática No Brasil, apesar de termos 84,1% dos jovens de 15 a 17 anos na escola, apenas 54% estão no ensino médio. Dos jovens mais pobres, so- mente 29,6% conseguem estar matriculados na etapa final da educação básica. Vale lembrar, ainda, que muitos desses jovens fazem o ensino médio em escolas noturnas após um dia extenuante de trabalho. Diante desse cenário, quais seriam as alternativas para deixar a escola mais interessante? Como a gestão e a coordenação pedagógica poderiam enfrentar o desafio da evasão escolar? Síntese Nesse capítulo, discutimos a função social da escola, passando por várias tendências pedagógicas que se constituíram historicamen- te em uma escola tradicional, na escola nova e na tecnicista. Quanto à escola progressista, fizemos uma aproximação a uma de suas ver- tentes: a concepção histórico-crítica ou crítico-social dos conteúdos. Destacamos que não existe uma linearidade dessas tendências peda- gógicas e que em vários momentos, inclusive nos dias atuais, pode- mos perceber que as práticas pedagógicas mesclam esta ou aquela concepção escolar. Compreendemos que a escola tem um compromisso social com a emancipação humana, com a socialização do conhecimento historica- mente produzido pela humanidade, e que, em muitos casos, para atender a essa demanda e garantir o direito à educação e à justiça social, outras políticas especiais (ou compensatórias) deverão articular-se à escola. Tópicos Avançados de Educação FAEL 22 Para finalizar esse capítulo, discutimos a função social do ensino médio e da educação profissional, que devem ser concebidos de forma integrada e totalizante, aspectos que nem sempre foram considerados pelas políticas educacionais para essa etapa e modalidade da educação nacional. Diante do exposto, espera-se do ensino médio e da educação profissional a composição da totalidade de formação dos indivíduos, rompendo com a dualidade na formação que só faz prevalecer o caráter antidemocrático da escola. 23 A formação de professores é um tema de grande importância quando se debate a qualidade da educação ofertada aos cidadãos. Ela aparece, com frequência, relacionada à própria questão da valorização do magistério e da profissionalização docente. No campo da formação docente, dois temas que substanciam o de- bate são as condições iniciais de formação garantidas pelas instituições formadoras, sejam elas públicas ou privadas, e também as condições de formação continuada, que devem ser garantidas aos professores quando eles ingressam nas redes e sistemas de ensino. Ambas as formas interfe- rem tanto no aprimoramento profissional quanto no desenvolvimento organizacional das unidades escolares. Nesse sentido, precisamos compreender como se efetivaram histo- ricamente as políticas públicas de formação docente e suas respectivas normatizações, especialmente aquelas relativas aos cursos de magistério na modalidade normal, as licenciaturas nas mais variadas áreas do conhe- cimento e os cursos de pedagogia, que de fato formarão os professores da educação básica. As formações inicial e continuada A educação escolarizada é fator de extrema importância na formação do ser humano. Isso nos leva a pensar em diferentes elementos que interferem nesse processo, ou seja, a escola, os estudantes e os professores, que possuem uma relação recíproca e são determinantes para a qualidade do ensino. No Brasil, a busca pela qualidade da educação não é recente. No entanto, cada momento histórico caracteriza uma concepção que faz com A formação de professores no Brasil 2 Tópicos Avançados de Educação FAEL 24 que o termo qualidade esteja relacionado a diferentes sentidos e contex- tos. Oliveira e Araújo (2005) indicam três momentos: o primeiro, de 1930 a 1970, no qual se prioriza a expansão do ensino; o segundo, na década de 80 do século XX, caracterizado pela ampliação quantitativa da educação; o terceiro, de 1990 até a atualidade, em que destacam-se os resultados da aprendizagem. Essa característica é reforçada na LDB n. 9.394/1996, que, em seu Art. 9º, assume que a União deverá assegu- rar um processo nacional de avaliação dos resultados de aprendizagem dos alunos (BRASIL, 1996a). Nesse último período, então, tal avalia- ção aparece como elemento fundamental para elevação da qualidade na educação. Dessa forma, não há como desconsiderar que, se a qualidade de ensino de uma instituição decorre, entre outros fatores, dos resultados da aprendizagem de seus alunos, a formação dos professores também é questão determinante. Objeto de contínua atenção, a formação docente tem impulsio- nado, entre outros, a implementação de políticas públicas e o desen- volvimento de pesquisas, sendo um dos temas centrais debatidos pelo movimento sindical dos professores, no Brasil e na América Latina. No entanto, esse importante tema manifesta uma realidade contraditória, pois, se de um lado se destaca a necessidade e importância dessa for- mação, de outro ainda se questiona a qualidade do ensino ofertado por muitas das instituições formadoras. Essa situação, sem dúvida, exige re- pensar a formação – e aprimoramento – profissional que se desenvolve em dois momentos: na formação inicial e na formação continuada. A formação inicial corresponde àquela adquirida pelo professor na graduação, nos cursos de licenciatura oferecidos por instituições públi- cas e privadas, que devem garantir o conhecimento prático e teórico básico para o exercício da atividade docente ou organização pedagógica da escola. Os sistemas de ensino precisam ter uma preocupação gene- ralizada com a formação dos professores, que deve ser uma política de estado. Falaremossobre os condicionantes da formação inicial e todo o seu histórico na realidade brasileira na próxima seção. A formação continuada, por sua vez, é dever dos sistemas de ensino. Essa determinação está explicitada no Artigo 67 da LDB n. 9.394/1996 (BRASIL, 1996a); assim, estados e municípios devem Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 25 garantir o aprimoramento contínuo dos professores que integram seus sistemas de ensino. Essa formação terá um caráter de aprimoramento e atualização profissional, inclusive no próprio horário de trabalho. Por meio dessa contínua formação, o profissional realiza cursos e estudos que levam ao aperfeiçoamento técnico. No caso do professor, esse processo é essencial para a qualidade do trabalho desenvolvido e para a sua valorização, afinal, segundo Freire (1996, p. 58), “ninguém nasce educador ou marcado para ser educador. A gente se faz educador, a gente se forma, como educador, permanentemente, na prática e na reflexão da prática”. Nesse sentido, é necessário destacar que todo professor, antes de um profissional, é um ser humano que possui vivências, dificuldades, com- petências, enfim, experiências que interferem e determinam sua prática. Imbernón (2005, p. 58), ao tratar da formação inicial dos professores, destaca quatro importantes aspectos que interferem nesse processo: a experiência como discente, o conhecimento profissional resultante da formação inicial, a vivência profissional e a formação continuada. Formação de professores no Brasil: história e legislação Conforme afirmamos anteriormente, a formação dos professores está associada à valorização profissional e, portanto, devemos pensá-la articulada às condições de trabalho, carreira e salário adequadas. Nesse sentido, será necessária uma intencionalidade planejada do Estado, envolvendo as agências e instituições formadoras, sejam elas públicas ou privadas. Da universidade à escola (VIEIRA, 2007, p. 22), o proces- so de construção da identidade profissional exige o aprofundamento da gestão democrática, o respeito à pluralidade conceitual, a ampliação de espaços de reflexão coletiva e de inserção social. Desde a segunda metade do século XVI até a primeira metade do século XVIII (ABREU, 2008, p. 20) a instrução foi realizada pelos jesuí- tas, cujo real objetivo se dividia em: catequização em geral; recrutamento de fiéis e servidores, quando era direcionada aos indígenas e aos filhos de colonos; formação humanística, capaz de abrilhantar a inteligência quando se tratava dos filhos dos mais ilustres. Em todos os casos essa Tópicos Avançados de Educação FAEL 26 instrução não perturbava a ordem vigente, subordinando-se às condi- ções postas pela hierarquização social do Brasil Colônia ( ROMANELLI, 1986). As escolas eram dirigidas pelos jesuítas e por seus discípulos sem que o governo central tivesse qualquer ingerência sobre elas. Após a expulsão dos jesuítas, em 1760, o Marquês de Pombal, res- ponsável por tal, viu-se em séria dificuldade para instituir uma instrução pública não religiosa, uma vez que, com essa expulsão, desmantelou-se a estrutura administrativa de ensino. Devido à ausência de profissionais aptos para lecionar no ensino primário, leigos passaram a ser introdu- zidos no ensino formal. As escolas normais foram as primeiras instituições de formação de professores no Brasil, surgiram após a independência e ficavam sob a responsabilidade das províncias, em fins do Império; no entanto, a maioria dessas províncias não possuía mais que uma ou, quando muito, duas escolas normais públicas (SHEIBE, 2007, p. 43). Com a Proclamação da República e a promulgação da Constitui- ção de 1891, consagraram-se a descentralização e a concepção dualista. Nesse caso, o sistema dual refere-se a uma educação diferenciada entre os filhos das classes mais abastadas e os das classes menos favorecidas. Na prática, permaneceu a mesma concepção imperial de educação: es- colas secundárias e superiores para a classe dominante e escolas primá- rias para as camadas populares. Naquele momento, a sociedade republicana nascente tinha um aspecto que a diferenciava do modelo escravocrata de então. Surgiam outros extratos sociais, além dos agregados das fazendas, dos pequenos artesãos, dos imigrantes – que, na zona urbana, ocupavam funções que os caracterizavam como classe média e, na zona rural, se ocupavam da lavoura –, de comerciantes da zona urbana; aflorava, também, uma pequena burguesia, composta por intelectuais, padres e militares, e, ainda, o ensaio de uma burguesia industrial. A valorização dos professores, bem como sua formação, passou a ter destaque somente em 1932, com o lançamento do documento que ficou conhecido como Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova. Ainda quanto à formação dos professores, os chamados Pionei- ros da Educação Nova se voltavam para a defesa de uma unidade. Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 27 Segundo esse grupo, os professores brasileiros, até aquele momento, não recebiam a importância social, nem a formação adequada. Para eles, o professorado deveria fazer parte de uma elite intelectual de desta- que social. Além dessas constatações, os pioneiros também, já em 1932, apontavam para a necessidade de uma seleção pública do quadro de professores. Ainda quanto à formação, destacavam: A formação universitária dos professores não é somente uma necessidade da função educativa, mas o único meio de, ele- vando-lhes em verticalidade a cultura, e abrindo-lhes a vida sobre todos os horizontes, estabelecer, entre todos, para a realização da obra educacional, uma compreensão recíproca, uma vida sentimental comum e um vigoroso espírito comum nas aspirações e nos ideais. Se o estado cultural dos adultos é que dá as diretrizes à formação da mocidade, não se poderá estabelecer uma função e educação unitária da mocidade, sem que haja unidade cultural naqueles que estão incumbidos de transmiti-la (PEDAGOGIA EM FOCO, 1932). A constituição de 1934 foi a primeira das cartas magnas brasileiras a fixar a alçada para a elaboração de diretrizes da educação como com- petência privativa da União. Nessa legislação foi ainda prevista a ela- boração de um Plano Nacional de Educação que compreendesse todos os graus e modalidades de ensino, bem como a fiscalização e execução desse plano em todo o território nacional. Em 1934, também foi criado o Instituto de Educação da Universi- dade de São Paulo, nossa primeira experiência de formação universitária de professores. Segundo Sheibe (2007, p. 47), nessa experiência era con- templada a formação de pro- fessores secundários, técnicos de ensino e também a forma- ção de professores para a es- cola primária. Esse modelo de formação foi extinto logo em seguida, no ano de 1938. A orientação centrali- zadora que culminou no Es- tado Novo (1937-1945) fez com que a regulamentação de uma lei de diretrizes nacionais para a educação não acontecesse. Um plano nacional de educação chegou a Por iniciativa de Anísio Teixeira, um impor- tante educador brasileiro, houve, em 1935, na Universidade do Distrito Federal, na época o Rio de Janeiro, outra iniciativa de organi- zação de uma escola de nível superior para formar professores, que também foi extinta em um curto período de tempo, em 1939 ( SHEIBE; DANIEL, 2002). Saiba mais Tópicos Avançados de Educação FAEL 28 ser elaborado no período, sem nunca se efetivar, visto que a sua cons- trução ocorreu às vésperas do golpe que instituiu o Estado Novo. A Constituição de 10 de novembro de 1937, por sua vez, estabele- ceu como competência da União, no Artigo 15, inciso IX, fixar as bases e determinar os quadros da educação nacional, traçando as diretrizes a que devia obedecer a formação física, intelectual e moral da infância e dajuventude. Saviani (1992) destaca, ainda, que, dando cumprimento a esse dispositivo legal, o ministro Gustavo Capanema elaborou as Leis Orgânicas do Ensino, entre os anos de 1942 e 1946, também conheci- das como “Reforma Capanema”. Ainda sobre tal reforma, em 2 de janeiro de 1946, Gaspar Dutra, então Presidente da República, por meio do Decreto-Lei n. 8.529, estabe- leceu a Lei Orgânica do Ensino Primário, que, em seu Capítulo V, tratava de forma muito genérica do corpo docente e da administração escolar: Art. 34. O magistério primário só pode ser exercido por bra- sileiros, maiores de dezoito anos, em boas condições de saúde física e mental, e que hajam recebido preparação conveniente, em cursos apropriados, ou prestado exame de habilitação, na forma da lei. Art. 35. Os poderes públicos providenciarão no sentido de obterem contínuo aperfeiçoamento técnico do professorado das suas escolas primárias (BRASIL, 1946). A Lei Orgânica do Ensino Primário representou um avanço, pois se tratou da primeira normatização e indicou quem poderia exercer a ativi- dade do magistério, além da necessidade de aperfeiçoamento dos profes- sores, promovido pelo Poder Público, e a forma de escolha dos diretores. Encaminhada à Câmara Federal, em 29 de outubro de 1948, foi ini- ciada, no Congresso Nacional, em 29 de maio de 1957, a discussão sobre a primeira Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, que resultou na LDB n. 4.024, em 1961. Essa lei, fruto de intensos debates entre segmentos públicos e privados da educação, não trouxe mudanças signifi- cativas para a formação de docentes no país. O ensino normal prevaleceu como curso de preparação dos professores do ensino obrigatório. A formação de professores nas licenciaturas não sofreu mudanças com a LDB de 1961, ao contrário, tal formação pedagógica continuou sendo deixada de lado, visto que o bacharelado era supervalorizado. Dessa forma, continuou o modelo “3 + 1”, ou seja, nos cursos de Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 29 licenciatura as disciplinas pedagógicas eram ofertadas após o bacharela- do, assim, nos três primeiros anos, eram priorizadas as disciplinas espe- cíficas de cada curso que formava para as mais diversas licenciaturas. A primeira LDB se reportou apenas à formação para a atuação no magistério. Não fez referência à carreira e ao piso salarial dos profissio- nais. A lei aprovada incorporou em seu texto muito das leis orgânicas advindas da Reforma Capanema, que já estava em vigor. A ruptura política representada pelo golpe militar de 1964 exigiu adequações às legislações educacionais. Dessa forma, foram propostas pela ditadura militar reformas que resultaram nas Leis n. 5.540/68 e n. 5.692/71. A Lei n. 5.540, de 1968, reformou a estrutura do ensino supe- rior, sendo chamada de Reforma Universitária. Essa reforma criou as habilitações do curso de pedagogia e deu forma para as licenciaturas articuladas com o bacharelado no sistema “3+1”. A Lei n. 5.692, de 1971, apresentou uma concepção tecnicis- ta de educação e descaracterizou o modelo existente de formação de professores. Com a lei, o ensino obrigatório passou a denominar-se 1º Grau, estendendo-se de 4 para 8 anos, ou seja, o primário juntou-se ao ginásio; foi implantada a profissionalização compulsória no ensino de segundo grau, transformando as escolas normais em uma das habili- tações profissionais desse nível de ensino. A Lei também assegurava que os sistemas deviam fixar a remune- ração dos professores e especialistas, tendo em vista maior qualificação em cursos e estágios de formação, aperfeiçoamento ou especialização, sem distinção de graus de atuação. Essa Lei avança, ainda, quando, no seu Art. 30, estabelece forma- ção mínima para o exercício do magistério e, no seu Art. 34, explicita a condição de ingresso por concurso público de provas e títulos para a admissão de professores e especialistas. Nessa mesma legislação, os sistemas de ensino são responsáveis pelo estímulo ao aperfeiçoamento e especialização desses profissionais: A habilitação magistério do ensino de segundo grau, regu- lamentada em 1972, substituiu a escola normal tradicional. Foi estruturada em dois grandes eixos curriculares: um núcleo comum de formação geral constituído de disciplinas da área de Tópicos Avançados de Educação FAEL 30 comunicação e expressão, estudos sociais e ciências; e outro de formação especial, abrangendo os fundamentos da educação, a estrutura e o funcionamento do ensino de primeiro grau, e a di- dática que incluía a prática de ensino (SHEIBE, 2007, p. 45). Posterior a essa conjuntura ditatorial, a influência mais significativa no campo da formação de docentes no Brasil foi, sem dúvida, a nova LDB n. 9.394/96. Tal lei foi a expressão mais acabada de uma série de discussões e debates sobre os temas da educação nacional. Não podemos deixar de ressaltar que, nos anos 90 do século XX, as reformas educati- vas conferiam à formação de professores importância estratégica para a realização das mudanças políticas e educacionais em diferentes paí- ses, no contexto da “educação para todos” ( FREITAS, 2007, p. 24). Dessa forma, a nova LDB, em seu Artigo 62, estabeleceu que, para atuar como professor na educação básica, a condição seria o profissional possuir o en- sino superior. Essa formação de- veria ser obtida em cursos de li- cenciatura, em graduação plena. A lei, entretanto, admitiu que na educação infantil e nos anos iniciais do ensino fundamental a formação mínima poderia ser aquela de nível médio, na modalidade normal. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 atribuiu aos institutos superiores de educação a formação de professores para a educação básica. A única referência ao curso de pedagogia na lei está no Artigo 64: A formação de profissionais de educação para administração, planejamento, inspeção, supervisão e orientação educacional para a educação básica será feita em cursos de graduação em pedagogia ou em nível de pós-graduação, a critério da insti- tuição de ensino, garantida, nesta formação, a base comum nacional (BRASIL, 1996a). A Lei, então, faz uma clara separação entre a formação necessária ao professor e bacharel em pedagogia. Ocorre uma fragmentação na A Conferência de Educação para Todos, ocorrida em 1990, em Jomtiem, na Tailândia, estabeleceria bases para a criação de políticas para a expansão da educação básica nos países em desenvolvimento. No caso brasileiro, um dos desafios impostos pela conferência era a universalização do acesso à escola. Nossa questão central ainda não era a qualidade da educação oferecida à população, e, sim, garantir acesso e permanên- cia dos estudantes na escola. Saiba mais Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 31 formação profissional de educação, contrariando o que os movimen- tos sociais, sindicatos e associações docentes defendiam, ou seja, a não separação entre a teoria e a prática, ensino e pesquisa, conteúdo espe- cífico e conteúdo pedagógico ou, ainda, o fim do antagonismo posto nas estruturas curriculares tradicionais, que separam o bacharelado da licenciatura, os conteúdos específicos dos conteúdos pedagógicos. Em 2002, foram aprovadas as Diretrizes Curriculares Nacionais para Formação de Professores da Educação Básica. Para Freitas (2007), o documento foi aprovado em um momento de críticas profundas ao processo de instituição e regulamentação das reformas, principalmente pela negligência com relação a uma política de formação global, pela ausência de valorização dos profissionais da educação. Ainda de acordo com Freitas (2007), o desenvolvimento e mate- rialização das diretrizes seguiu uma orientação própria em cada institui- ção de ensino superior do país, a depender das especificidades de cada uma delase dos modelos já praticados nas suas licenciaturas. Outra importante regulamentação para a formação de professores no Brasil se deu por meio do Conselho Nacional de Educação/CNE, no ano de 2006, com a aprovação das Diretrizes Curriculares para o Curso de Pedagogia, aprovadas mediante os Pareceres n. 05/05 (BRASIL, 2005a) e n. 03/06 (BRASIL, 2006a) e a Resolução n. 01/06 (BRASIL, 2006b). A aprovação das diretrizes para o curso de pedagogia (FREITAS, 2007) adquiriu centralidade no encaminhamento das políticas de for- mação de professores, o que se deve à importância que o curso ocupa na produção de conhecimento na área de educação e também ao seu vínculo direto com a formação de professores para a educação básica. No atual ordenamento jurídico, o curso de pedagogia é uma gra- duação destinada à formação de professores, para a educação básica, e à organização e gestão dos sistemas e unidades de ensino. Cabe ao curso, segundo as diretrizes: A formação de professores para exercer funções de magisté- rio na educação infantil e nos anos iniciais do ensino funda- mental, nos cursos de ensino médio, na modalidade normal, de educação profissional na área de serviços e apoio escolar e em outras áreas nas quais sejam previstos conhecimentos pedagógicos. Tal formação, bem como as atividades docentes, Tópicos Avançados de Educação FAEL 32 também compreende a participação na organização e gestão de sistemas e instituições de ensino, que engloba o planeja- mento, execução, coordenação, acompanhamento e avalia- ção de tarefas próprias do setor da Educação e de projetos e experiências educativas; a produção e difusão do conhecimen- to científico-tecnológico do campo educacional, em contextos escolares e não escolares (BRASIL, 2006a). A resolução também deixou para as instituições de ensino públicas e privadas que ofertam o curso de pedagogia a necessidade de orga- nização de seus currículos, com um mínimo de 3.200 horas para a integralização dos cursos. Dessas horas, 2.800 devem ser destinadas a aulas, seminários, pesquisas e, somando a isso, 300 horas destinadas a estágio supervisionado e 100 horas para imersão em áreas específicas de interesse do educando. É importante destacar que, na prática, nas licenciatu- ras para a formação de profes- sores, ainda hoje predomina o clássico modelo “3+1”, no qual a formação específica da área do curso permanece muito dis- tante da formação pedagógica (SHEIBE, 2007). O contexto atual da formação dos professores da educação básica O papel das entidades formadoras de professores é fundamental quando pensamos em cursos de pedagogia e licenciaturas que cumprem sua função social e, ao mesmo tempo, estão sintonizados às mudanças e à atual conjuntura da escola. O diagnóstico que tem sido apresentado à sociedade nos últimos anos é o de que os cursos de licenciatura que preparam o professor para atuar na educação básica tornam-se cada vez menos atrativos para os jovens que estão diante da escolha de uma profissão. Nesse sentido, a relação entre formação e outros elementos que contribuem para a No debate nacional sobre a formação dos pro- fessores, desde 1990, temos a intervenção da Anfope – Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação – que é uma enti- dade de caráter político, científico e acadêmico. Desde sua origem, teve importância decisiva no debate e na proposição de políticas públicas no campo da formação de professores no Brasil. Saiba mais Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 33 valorização do profissional da educação deve ser alvo de políticas públi- cas que precisam tornar a atividade docente atrativa para aqueles que ingressarão nesse campo de trabalho. O Inep – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – publicou, em maio de 2009, os resultados do Censo escolar de 2007. Nesse estudo o instituto identificou o perfil dos pro- fissionais da educação, possibilitando a ampliação do conhecimento sobre a formação do professor e sua escolaridade. Os dados obtidos com o Censo constituem-se nas informações importantes para o plane- jamento e o monitoramento das ações voltadas para a formação inicial e continuada dos profissionais do magistério. Quanto à escolaridade dos professores da educação básica, os da- dos revelam um total de 1.288.688 docentes com nível superior com- pleto, que corresponde a 68,4% do total. Daqueles com graduação, 1.160.811 (90%) possuem licenciatura – formação adequada para atuar na educação básica, segundo a legislação educacional vigente. As áreas de formação superior com maior número de professores em relação ao total de docentes são: pedagogia (29,2%), letras/literatura/língua por- tuguesa (11,9%), matemática (7,4 %) e história (6,4%). O documento intitulado “Estudo exploratório sobre o professor brasileiro” destaca que, dentre aqueles que possuem escolaridade de ní- vel médio, 82,1% cursaram o ensino médio na modalidade normal ou magistério, formação mínima admitida por lei para o exer- cício da docência na educação infantil e nas quatro primeiras séries do ensino fundamental. O Inep constatou, ainda, que os professores que necessi- tam completar a formação mí- nima para exercer a docência na educação básica são aqueles que concluíram o ensino fundamental ou o ensino médio, mas não possuem a habilitação para o exercício do magis- tério. Os denominados “professores leigos” formam um contingente de 119.323 docentes (6,3%), distribuídos em todo o país, tanto nas zonas urbanas quanto nas rurais, atendendo a alunos de todas as redes de ensino. Para acessar o Estudo exploratório sobre os professores brasileiros em sua totalidade, indicamos o link <http://portal.mec.gov.br/ dmdocuments/estudoprofessor.pdf>. Além da análise referente à formação dos professores, o documento apresenta os principais resulta- dos obtidos no Censo de 2007. Saiba mais Tópicos Avançados de Educação FAEL 34 É importante destacar que os professores com menor qualificação e menos experiência geralmente desenvolverão suas atividades nas regiões mais periféricas e pobres. Os professores que cursaram apenas o ensino fundamental repre- sentam 0,8% do total, que corresponde a 15.982 docentes. Embora haja maior concentração de professores com essa escolarização na re- gião Nordeste, sua presença é verificada também nas demais regiões, em escolas urbanas e rurais e em todas as redes de ensino. O número de alunos atendidos por esses professores corresponde a cerca de 600 mil (1% da matrícula total da educação básica) e 67% deles encontram-se em escolas urbanas. Ademais, convém lembrar que também são enqua- drados como “professores leigos” 103.341 docentes (5,5% do total), que têm escolaridade de nível médio sem curso normal ou habilitação para o magistério (INEP, 2009a). Com os últimos avanços tecnológicos aplicados à educação, a mo- dalidade a distancia aparece como uma possibilidade de enfrentamento do problema referente à formação para atuação na educação básica. Atualmente, muito em parte pela estruturação da Universidade Aber- ta do Brasil e as mais recentes regulamentações legais, tal modalidade tornou-se confiável e acessível (PEDROSA, 2003, p. 79), podendo, ao garantir padrões de qualidade, favorecer a democratização do acesso ao ensino superior por profissionais da educação que, muitas vezes, possuíam somente ensino médio na modalidade normal. O Brasil, ape- sar de ter universalizado o ensino fundamental, ainda possui deficits de oferta no campo da educação infantil e ensino médio. Portanto, à medida que setores mais amplos da população tiverem acesso à escola, a educação a distância será um importante instrumento para a qualifica- ção de professores para atuação na educação infantil e anos iniciais. Da teoria paraa prática A reforma de 1971 definiu que as licenciaturas fossem oferecidas mediante habilitação específica para o ensino de 2º grau (atualmente de- nominado ensino médio), e por meio de habilitações por área do conhe- cimento para o ensino no 1º grau (ensino fundamental, anos finais). Capítulo 2 Tópicos Avançados de Educação 35 Segundo Sheibe (2007), a licenciatura-habilitação, ou seja, licen- ciatura por área de formação, inspirava um modelo de formação de professor polivalente. A proposta abrangia cinco áreas de formação: comunicação e expressão, educação artística, educação física, estudos sociais e ciências. Esse modelo de formação, na prática, ficou conhecido como licenciatura curta e foi extinto em 1996. A criação das licenciaturas curtas, naquele contexto histórico, in- dicava que havia a necessidade de formar professores rapidamente para atender às necessidades da população, porque a obrigatoriedade legal da escolarização passava de 4 para 8 anos. Em 2006, a obrigatorie- dade passou a ser de nove anos e, a partir da Emenda Constitucional n. 59/09 (BRASIL, 2009a), passou para quatorze anos. Propomos uma reflexão, articulando a importância da ampliação da escolarização obrigatória e cotejando com o impacto disso na forma- ção de novos contingentes de professores. Síntese Procuramos, neste capítulo, desenvolver uma análise da formação de professores no Brasil. Iniciamos a exposição conceituando formação inicial e continuada, destacamos a importância de cada uma delas no desenvol- vimento da profissionalização e valorização do trabalhador em educação. Em seguida, mostramos como se desenvolveu historicamente uma concepção de formação de docente, primeiro nas escolas normais, nos cursos de pedagogia e nas licenciaturas. Quanto a essas últimas, podemos constatar que houve uma priorização do bacharelado em detrimento da licenciatura. Finalizamos o capítulo com uma análise da formação dos professo- res no Brasil, tendo como referência um estudo do Inep de 2009, com base no Censo de 2007. 37 Ao iniciarmos uma análise sobre a gestão da escola pública, devemos fazê-la compreendendo que, anterior à gestão democrática no interior da escola, precisamos discutir o princípio da democratização da instituição enquanto direito social de todos. Dessa forma, a educação, para ser democrática, precisa estender-se a todos os segmentos e classes sociais. Estamos, portanto, falando de universalização do acesso e de condições de permanência qualitativa na escola, assim, não nos serve, do ponto de vista de uma sociedade que se reclama como democrática, uma escola que não garante a efetividade da educação. Entendemos efe- tividade como garantia do direito de ingressar, permanecer e aprender. Neste capítulo apresentaremos algumas considerações sobre as te- máticas de gestão democrática da escola, convidando o leitor a pensá-las nos contextos mais amplos de democratização da sociedade. Em se- guida, discutiremos como estão definidos no ordenamento jurídico brasileiro os padrões para o financiamento da educação. Para finalizar, apresentaremos as principais características do atual Sistema Nacional de Avaliação da educação nacional. A democratização da sociedade e da gestão da escola e o direito à educação A legislação brasileira que estabelece a gestão democrática como princípio para a educação básica não o diferencia com relação às etapas e modalidades, portanto, a mesma concepção de gestão está presente da educação infantil ao ensino médio, passando, inclusive, pela educação profissional. Assim, nessa seção, adotaremos o conceito de educação Gestão democrática, financiamento e Sistema Nacional de Avaliação 3 Tópicos Avançados de Educação FAEL 38 básica como opção metodológica para as análises, já que ele contempla a totalidade de etapas e modalidades da educação básica nacional. A sociedade capitalista, na sua forma pós-fordista ou da acumu- lação flexível (HARVEY, 1989), conjuga a flexibilização dos processos produtivos, a mobilidade dos mercados de trabalho, a flexibilização dos produtos e, também, dos padrões de consumo. Esse cenário favorece e caracteriza-se pela marginalização de amplos setores da população. No marco da sociedade capitalista, no qual as crises são frequentes e cíclicas, como pudemos evidenciar no ano de 2009, os setores mais vulneráveis socialmente sofrerão com a exclusão social e a eliminação de postos de trabalho. . Na relação capital e trabalho, isso pode ser verificado à medida que os trabalhadores estão imersos em práticas sociais e culturais que, his- toricamente, tornam precário o trabalho a cada agravamento de crises. Conceitos como o de qualidade, competitividade e empregabilidade surgem desviando o foco dos problemas estruturais e responsabilizam o indivíduo por seu fracasso, camuflando uma realidade mundial de desemprego estrutural e progressivo. Nesse cenário, no qual a economia mantém uma característica antissocial, como afirma Saviani (1992), é necessário que a população mais vulnerável e demais segmentos da sociedade civil se organizem em prol da ampliação de recur- sos para as políticas sociais. A política educacional é uma face dessas políticas. Portanto, democratizar o acesso à escola e garantir in- vestimentos para que ela tenha qualidade significa possibilitar mudança no padrão de vida das populações mais pobres, quali- ficação para os jovens aspirantes ao primeiro emprego e requalifica- ção profissional para os adultos que foram excluídos pelo desemprego estrutural do mundo produtivo. Para a efetividade das políticas sociais e, no nosso caso, da polí- tica educacional, o estabelecimento na legislação se traduz como um Desemprego estrutural é o nome dado ao tipo de desemprego originário de atividades econô- micas que são extintas e, geralmente, substituí- das pela automação. Nesse caso, a mão de obra humana é substituída por máquinas e o traba- lhador necessita requalificar-se para inserir-se em um outro ramo de atividade, pois seu posto antigo de trabalho não voltará a existir. Saiba mais Capítulo 3 Tópicos Avançados de Educação 39 passo importante para a consagração de qualquer direito. As leis pre- cedem, todavia, os anseios e lutas da sociedade. Dessa forma, deve- mos compreen der que elas não repousam na atividade livre, nem são destacadas da concretude social; o que percebemos em uma sociedade democrática é que a esfera do direito é um espaço político, também pode sofrer influência e transformar-se em função das necessidades da convivência coletiva e das dispu- tas entre as classes sociais. Para Norberto Bobbio (1992), existe a possibilidade de direito sem democracia, entre- tanto, não há democracia sem direito, já que ela exige normas definidoras dos modos de aquisição e exercício do poder. Ainda contrariando a ideia de direito natural do Jusnaturalismo, o autor afirma que o Direito é uma construção, um artefato, fruto da política: Se a democracia requer a construção jurídica das “regras do jogo” e o jogo do Direito é assim, um meio indispensável para modelar e garantir o “como” da qualidade das insti- tuições democráticas, a razão é um instrumento necessário porque o Direito não é um dado da natureza, pois a noção de “natureza” é tão equívoca que não nos oferece um critério para diferenciar o jurídico do não jurídico (BOBBIO, 1992, p. 177-178). Fruto das relações sociais e políticas, os direitos do homem são his- tóricos, nascidos em certas circunstâncias, marcados por lutas e defesas de novas liberdades em detrimento aos velhos poderes, e foram nascen- do de forma gradativa, “nem todos de uma vez, e nem de uma vez por todas” (BOBBIO, 1992, p. 5). A conquista dos direitos, na Modernidade, para a sociedade eu- ropeia, remonta, aproximadamente,três séculos. De acordo com a tipologia clássica de T. S. Marshall, no século XVIII consolidaram-se os direitos civis (liberdade pessoal, de expressão, crença, direito à proprie- dade, direito de justiça); o século XIX corresponderia à conquista dos direitos políticos (direito de votar e ser votado para cargos públicos); o século XX representa o acesso aos direitos sociais (direito à educação, saúde, segurança, moradia e lazer). Efetividade nas políticas públicas deve ser entendida como capacidade da política “gerar mudanças nas condições de vida da popula- ção-alvo” (FIGUEIREDO; FIGUEIREDO, 1986). Saiba mais Tópicos Avançados de Educação FAEL 40 No Dicionário de Política, Bobbio, Matteucci e Pasquino (1983) con- sideram que a tradição democrática apresenta três tradições históricas: a Clássica ou Teoria Aristotélica, na qual a democracia era considerada governo do povo, de todos os cidadãos ou daqueles que gozavam de direi- tos estabelecidos pela sociedade, portanto se distinguia da Aristocracia e da Monarquia; a segunda tradição decorre da Teoria Medieval, de origem Romana, que apoia-se na soberania popular, na qual o poder supremo deriva do povo e se torna representativo, ou deriva do príncipe e se trans- mite, por delegação, do superior para o inferior; a terceira tradição advém da Teoria Moderna de Maquiavel, que aparece com o surgimento do Es- tado Moderno, nos séculos XV e XVI. Nessa concepção de Estado, seriam possíveis duas formas históricas de governo, a Monarquia e a República. Nessa tradição, a democracia nada mais é que uma forma de República. Historicamente, a conceituação de democracia provocou varia- dos dissensos em torno de seus pressupostos e métodos (BOBBIO; MATTEUCCI; PASQUINO, 1983), mas foi a partir do século XIX que a discussão se tornou mais acirrada, pois tanto os teóricos do Libe- ralismo quanto os do Socialismo trataram de se apropriar do conceito para a legitimação de seus ideários. Na concepção liberal, a única forma de democracia que pode existir é a representativa, na qual um grupo de cidadãos elege e outro grupo é eleito. A Democracia Liberal consegue, ao longo da história, o alargamento gradual do direito ao voto, para a maioria dos cidadãos, e uma multiplicação dos órgãos representativos, mas o processo de democratização é meramente quantitativo e não qualitativo, já que não promove justiça social. Na relação entre Socialismo e Democracia, o ideário democrático representa um elemento integrante e necessário, mas não constituti- vo, e tem como meta o reforço da base popular do estado. É integrante e necessário, porque sem esse ideário jamais seria al- cançada a profunda mudança na sociedade. E não é constitutivo porque a transformação política não é o único objetivo da revolução socialista, mas, sim, a mudança do modelo de produção econômica. O sufrágio universal (direito ao voto estendido a todos os cidadãos) é ponto de chegada na Teoria Liberal e seria o ponto de partida na Teoria Socialista. Saiba mais Capítulo 3 Tópicos Avançados de Educação 41 Na democracia representativa, a garantia do sufrágio universal possibilitaria aos cidadãos da classe dominante e das classes trabalha- doras o mesmo direito à escolha de governantes. Entretanto, as condi- ções de alienação política, impostas pela sociedade dividida em classes antagônicas, impedem os cidadãos de se reapropriarem dos bens por eles mesmos criados, por meio do seu trabalho, “na medida que incide sobre a vida coletiva, a esfera da política deve ser algo pelo qual todos sejamos responsáveis, que todos nós experimentemos como um espa- ço de nossa liberdade e não de nossa alienação ou de nossa opressão” (COUTINHO, 1994, p. 13). O conceito de democracia e o ideário sobre a sociedade demo- crática exprimem uma série de construções sociais e históricas, reflexo da práxis estabelecida entre os homens e a realidade. Não se trata de discutir a ineficácia da representatividade democrática, nem de consi- derar que a democracia é uma mera regulamentação jurídico-formal. Chaui (2000, p. 430-431) considera que “há na prática democrática e nas ideias democráticas, mais profundidade e uma verdade, maiores e superiores ao que a ideologia democrática percebe ou deixa perceber”. Com isso, a autora sugere que a rotatividade do governo, que acontece em uma eleição para alternar o poder, representa aquele es- paço como vazio, e os eleitores periodicamente o preenchem podendo revogar o seu mandato. A existência de situação e oposição política também representa essa ideia de que na sociedade existe conflito e que, ao contrário de buscar uma unidade de posicionamento, as divisões são legítimas e podem posicionar-se publicamente. A ideia de direito do cidadão difere da de interesse, necessidade ou carência, o direito é universal, válido para todos os grupos sociais, é o que garante a condição de cidadão. Dizemos que uma sociedade e não um simples regime de go- verno é democrático, quando além de eleições, partidos polí- ticos, divisão de três poderes da república, respeito à vontade das maiorias e minorias, institui algo que é do próprio regime político, ou seja, institui direitos (CHAUI, 2000, p. 431). Convergimos, então, com a definição da autora e acrescentamos a isso um importante aspecto, quando nos referimos à realidade edu- cacional brasileira; a materialização de muitos direitos dos cidadãos, Tópicos Avançados de Educação FAEL 42 no Brasil, ocorre a partir da Constituição de 1988. Portanto, é corre- to dizer que, além de termos pouca experiência democrática na nossa sociedade (OLIVEIRA, 2002, p. 101), foi com a Carta Magna de 88 que obtivemos a ampliação do conceito de educação básica, ou seja, a educação infantil, o ensino fundamental e o ensino médio preconizam o mínimo a que todos os cidadãos deveriam ter acesso. A Constituição de 1988 também consagrou, no Art. 206, inciso VI, a gestão democrática do ensino público como princípio da educação nacional. O texto da constituição é reiterado pela Lei n. 9.394/96, que instituiu as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. O Art. 3º da LDB n. 9.394/96 define como princípios para a educação nacional: I – igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II – liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensamento, a arte e o saber; III – pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; IV – respeito à liberdade e apreço à tolerância; V – coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; VI – gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; VII – valorização do profissional da educação escolar; VIII – gestão democrática do ensino público, na forma desta Lei e da legislação dos sistemas de ensino; IX – garantia de padrão de qualidade; X – valorização da experiência extraescolar; XI – vinculação entre a educação escolar, o trabalho e as práticas so- ciais (BRASIL, 1996a). Em seus escritos, Apple e Beanne (1997) nos lembram que as esco- las públicas são essenciais para a democracia, pois é no seu domínio que os sujeitos envolvidos no processo educativo podem manifestar suas opiniões, questionando os conceitos preexistentes impostos pela cultu- ra dominante. Segundo os autores, a escola, para ser democrática, deve desmistificar o papel do aluno enquanto sujeito passivo e “consumidor de significados” para o papel ativo de “elaborador de significados”. Capítulo 3 Tópicos Avançados de Educação 43 Com relação à democracia no sistema escolar, Carlos Nelson Coutinho (1994) aponta três condições básicas para que esse sistema seja democrá- tico: a primeira condição diz respeito à educação tornar-se efetivamente um direito universal, no qual não haja somente uma apropriação, mas que ocorra a socialização efetiva
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