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Metabolismo Integrado: A Função Endócrina dos Órgãos (Organocinas) Hormônios Segundo o Tratado de Fisiologia Médica: “Hormônios endócrinos são liberados por glândulas ou células especializadas no sangue circulante e influenciam na função das células -alvo em outro local do corpo.” Existem tecidos/órgãos cuja função endócrina é mais reconhecida, como: • Tireoide • Adrenal • Gônadas Mas diversos outros tecidos/órgãos que também produzem hormônios importantes, como os que veremos nesse resumo: • Tecido adiposo • Músculos • Fígado Tecido Adiposo Tipos de Tecido Adiposo O tecido adiposo, se classificado de maneira funcional, se subdivide em duas categorias principais: tecido adiposo branco e marrom. Além disso, há uma terceira categoria que é um meio termo, chamado de tecido adiposo bege. Tecido Adiposo Branco Possui coloração branca por armazenar muita gordura e ter poucas organelas. A gordura nas células desse tecido se concentra em uma única grande vesícula, geralmente. Tecido Adiposo Marrom Possui coloração marrom por possuir uma alta quantidade de mitocôndrias. Além disso, a gordura dessas células fica dividida em diversas vesículas menores. Tecido Adiposo Marrom e Bege A função principal do tecido adiposo marrom e bege é a termogênese, ou seja, geração de calor. Sua função fica ainda mais evidente em animais hibernantes, como os ursos. Nas mitocôndrias das células desses tecidos adiposos há uma proteína chamada UCP1, que é uma proteína desacopladora de prótons. Basicamente, o intuito dessa proteína é possibilitar a passagem de prótons do espaço intermembranar para a matriz mitocondrial, mas sem gerar ATP, o que força um aumento na atividade da cadeia transportadora de elétrons. Desse modo, a atividade aumentada da cadeia, no intuito de gerar a mesma quantidade de ATP, acaba produzindo mais calor que o normal, por acelerar o gasto energético, aumentando os processos de glicólise e beta- oxidação. Os principais fatores que diferenciam o tecido adiposo branco do tecido adiposo marrom são a expressão de UCPT1 e a quantidade de mitocôndrias. Figura 1: Cadeia transportadora de elétrons, com a proteína desacopladora UCPT1. Adipocinas Leptina A leptina foi a primeira adipocina descoberta, a partir de uma mutação espontânea em um camundongo que não expressava o hormônio e acabou se tornando obeso. Essa primeira evidência da leptina ocorreu nos anos 50, mas só nos anos 90 que a proteína foi melhor estudada e descobriram que a mesma era expressa somente pelo tecido adiposo branco. Também foi descoberto que a leptina não tem uma liberação em momentos definidos, como a insulina, que ocorre sempre após alguma refeição. A partir disso, entendeu-se que o controle pela leptina é de longo prazo, reduzindo o apetite. Pro final dos anos 90 foram feitos estudos sobre a utilização da leptina no tratamento de pessoas com obesidade genética, em decorrência da ausência desse hormônio. Os estudos mostraram resultados bem promissores, com uma redução do peso considerável dentre as pessoas com ausência de leptina. Em pessoas obesas por dieta esse tratamento não funciona tão bem, uma vez que a obesidade comum é acompanhada de uma resistência à insulina e à leptina. Adiponectina A adiponectina é outro hormônio produzido pelo tecido adiposo, cuja principal função conhecida é a proteção contra o diabetes, ou seja, a adiponectina aumenta a sensibilidade dos tecidos à insulina. Em 2013, foi publicado um estudo com um fármaco agonista dos receptores de adiponectina, chamado AdipoRon, que foi testado em camundongos. Os resultados desse estudo foram muito bons, uma vez que o uso de AdipoRon aumentou a sensibilidade à insulina dos camundongos, reduziu a glicemia, reduziu os triglicerídeos no sangue e ainda aumentou a expectativa de vida dos camundongos com dieta hiperlipídica. Descobriu-se também que o AdipoRon aumenta a expressão de mitocôndrias no tecido muscular, o que melhora o consumo energético dos músculos, favorecendo o rendimento dos camundongos nas atividades físicas. diHOME Molécula com função autócrina sobre o tecido adiposo marrom, sendo produzida e agindo sobre ele. A diHOME é expressa em resposta ao frio, aumentando a captação de ácidos graxos pelo tecido adiposo marrom, o que favorece a geração de calor. Essa descoberta com relação ao frio foi publicada em 2017. Em 2018 foi publicado outro artigo sobre diHOME, dizendo que o hormônio também é produzido em resposta ao exercício, aumentando a captação e oxidação de ácidos graxos, não no tecido adiposo marrom, mas no tecido muscular, o que faz da diHOME um hormônio endócrino. É importante destacar que diHOME é um lipídeo, não uma proteína. Outras Proteínas Um estudo de 2018 sobre a secreção dos adipócitos disse haver mais de 1000 proteínas expressas somente no tecido adiposo, sendo pelo menos 100 delas adipocinas, ou seja, com função endócrina. Hepatocinas Fetuína É descrita como uma proteína capaz de interferir na fosforilação dos receptores de insulina. Camundongos nocaute para a fetuína são mais sensíveis a insulina, pois seus receptores são mais fosforilados no resíduo de tirosina, ativador do receptor. Por serem hipersensíveis à insulina, a captação de glicose nesses camundongos é bem elevada. FGF21 Hormônio produzido no fígado e que age nos adipócitos, aumentando a captação de glicose. A partir do FGF21, foi desenvolvido o DHGNA, um peptídeo com ação mimética ao hormônio e que vem sendo testado para o tratamento do diabetes mellitus do tipo 2 e da esteatose hepática, uma vez que promove a redução da glicemia, além da redistribuição dos ácidos graxos corporais. Músculo Esquelético Exercício Físico Um estudo publicado em 2012 comparou a taxa metabólica de indivíduos com diferentes padrões de atividade física. O indivíduo A é sedentário e apresenta taxa metabólica = 1,33; sendo que 1 é a taxa metabólica de uma pessoa dormindo, ou seja, ele está levemente acima de uma pessoa que fica deitada o dia todo. O indivíduo B possui dois picos de atividade física no dia e é sedentário no resto dele, sendo esse o padrão mais comum de exercício que vemos no mundo atual. Sua taxa metabólica é de 2,09; bem acima do indivíduo sedentário. Agora, C e D também apresentam um padrão de atividade física alto, mas não da maneira usual, como o indivíduo B. Ao invés de fazer atividade física intensa em dois momentos do dia, eles são ativos durante o dia todo, mas em atividades físicas mais leves. Suas taxas metabólicas são bem similares às do B (C = 1,80 e D = 2,08), o que indica que se manter ativo durante o dia vale tanto quanto se exercitar em horários específicos. Um outro estudo, publicado em 2010, comparou as diferenças metabólicas apresentadas por pessoas com restrição calórica de 25%, outro grupo com restrição calórica de 12,5% + atividade física e um terceiro grupo sem restrição calórica, que é o controle. O estudo observou que o grupo controle, como era esperado, se manteve em torno do mesmo peso. Enquanto isso, o grupo com restrição calórica intensa (25%) e o com restrição calórica leve (12,5%) + exercício físico, apresentaram aproximadamente a mesma perda de peso, com o grupo da restrição calórica intensa perdendo peso de maneira mais rápida. Até aí, parece que uma dieta mais restritiva vale tanto quanto uma vida ativa, ou talvez mais, no entanto, além da perda de peso, é importante observar o metabolismo desses grupos. O grupo com exercício físico apesenta: • Maior diminuição na pressão arterial (5%, contra 2% do outro grupo) • Maior queda no colesterol total (9%, contra 5% do outro grupo) • Maior queda no LDL (13%, contra 6% do outro grupo) • Maior aumento na sensibilidade à insulina (66%, contra 40% do outro grupo) IL-6 O IL-6 não é um hormônio produzido somente pelo fígado, na verdade está muito longe disso, já que ele é produzido principalmente pelo sistema imune. No entanto, essa citocina tem umaimportante relação com o fígado Figura 2: Gráfico indicando os picos de atividade física de 4 indivíduos diferentes. Estudo publicado em 2012. pois, em resposta ao exercício físico, a produção de IL-6 é inversamente proporcional à quantidade de glicogênio no fígado, ou seja, quanto menor a quantidade de glicogênio armazenada, mais IL-6. A IL-6, dentro da parte metabólica, tem como funções: aumentar o metabolismo oxidativo da glicose, aumentar o consumo de oxigênio e aumenta a sensibilidade à insulina. A IL-6 potencializa a ação da insulina em cerca de 100 vezes. Irisina A irisina é uma enzima produzida no fígado, sendo sua transcrição estimulada pelo PGC1-α. A função principal da irisina é estimular a produção de UCP1 no tecido adiposo branco, favorecendo sua conversão em tecido adiposo bege/marrom. Animais tratados com irisina apresentam mais adipócito beges e marrons, o que promove perda de peso, aumento no consumo de oxigênio e aumento da sensibilidade à insulina. Estudos mais recentes com a irisina vêm mostrando ação da mesma sobre diversos outros tecidos, trazendo mais benefícios ao organismo, como aumento na deposição de cálcio nos ossos, o que aumenta a resistência do osso e ajuda a prevenir a osteoporose. Além disso, um estudo recente da UFRJ mostrou que a irisina é capaz de reverter os efeitos do Alzheimer em ratos de laboratório, o que é muito promissor. Como a irisina é liberada em resposta ao exercício físico, basicamente esses estudos indicam que a atividade física produz um hormônio capaz de gerar: • Perda de peso • Regulação da glicemia • Fortalecimento ósseo • Efeito antialzheimer BAIBA O Ácido β-Isoaminobutírico é um aminoácido não proteico. Camundongos com uma super-expressão dessa molécula apresentaram aumento nas concentrações de GABA (neurotransmissor), Citosina (ácido nucleico) e BAIBA. Por BAIBA ser a molécula mais desconhecida das 3 e exclusiva do músculo, decidiu-se investigar mais sobre a mesma. BAIBA é um indutor oxidativo do tecido adiposo branco, agindo de forma similar a irisina, ou seja, promovendo a conversão do tecido adiposo branco em bege/marrom. A produção de BAIBA é estimulada por PGC1-α e pelo exercício físico. Camundongos tratados com BAIBA, assim como os tratados com irisina, exibem perda de peso e maior sensibilidade à insulina. Meteorina Meteorina é outro hormônio com ação similar à irisina e cuja expressão é estimulada por PGC1-α. Camundongos com uma super-expressão de PGC1-α são considerados “super atléticos”, pois o metabolismo oxidativo de seus músculos e tecido adiposo é maior, o que aumenta seu rendimento energético. Testes com camundongos mostraram que a meteorina é produzida em resposta ao exercício físico e ao frio. A meteorina então aumenta UCP1 no tecido adiposo, o que aumenta o metabolismo basal, gerando perda de peso e formação de calor. PGC1-α PGC1-α é uma das principais moléculas do organismo responsáveis por aumentar o metabolismo, sendo esse hormônio produzido em resposta ao exercício. Um estudo feito com camundongos buscou ver o efeito do exercício físico e a expressão de PGC1-α com relação à dieta. Foram criados 4 grupos: Camundongos em dieta normal sedentário, camundongos em dieta normal e exercício, camundongos com dieta hiperlipídica sedentário e camundongos com dieta hiperlipídica e exercício. Observou-se nesse estudo que os camundongos com dieta normal e exercício produziam cerca de 8 vezes mais PGC1-α que os camundongos de dieta normal sedentários, exibindo taxas bem satisfatórias. No entanto, os camundongos que faziam exercício, mas que tinha uma dieta hiperlipídica (obesos), apresentaram uma expressão bem inferior de PGC1-α, o que indica que a gordura corporal inibe a expressão desse hormônio, dificultando a perda de peso, mesmo na presença de exercício. Isso é ruim pois, pessoas obesas, que são as que mais precisam se exercitar, acabam se beneficiando menos do exercício que pessoas no peso ideal. Exercício-miméticos A indústria farmacêutica vem estudando e desenvolvendo fármacos que simulam os efeitos do exercício físico, na intenção de criar medicamentos que possibilitem uma vida saudável, sem a necessidade de grandes esforços, ideia que é um tanto fantasiosa, mas cada dia mais possível. GW1516 Aumenta a capacidade oxidativa dos músculos, mas não melhora a resistência do atleta, pelo menos não instantaneamente. Agora, caso o camundongo (atleta) seja colocado para fazer exercício físico durante algum tempo, como correr, a distância percorrida e o tempo da atividade são aumentados, ou seja, os efeitos do treino são potencializados pelo GW1516. AICAR Fármaco ativador da AMPK, o que aumenta a capacidade oxidativa do músculo, melhorando a resistência do atleta de forma espontânea, além de promover redução na massa gordurosa. O ICAR é quase que o protótipo da “pílula mágica” do emagrecimento. R419 Fármaco ativador de AMPK, mas que aparentemente não é tão seletivo, já que, mesmo com o uso de inibidores da AMPK, essa droga continua surtindo efeito. Seu efeito principal é a melhora da resistência a insulina, através do aumento na expressão de GLUT4. O R419 mostra que, além de melhorar o desempenho atlético, esses fármacos servem para o tratamento de doenças metabólicas. Resveratrol Molécula presente na casca de plantas de coloração roxa, como uva, açaí e berinjela. O resveratrol aumenta a taxa metabólica basal, o que promove perda de peso e aumento da temperatura corporal. Esses efeitos são gerados a partir do aumento na expressão de mitocôndrias nos tecidos, aumentando seu metabolismo oxidativo. Camundongos tratados com resveratrol mostraram maior resistência durante o exercício físico. Conclusão O desenvolvimento de exercício-miméticos é importante, embora pareça uma ideia de preguiçoso. Existem pessoas que não conseguem fazer exercício físico, como obesos mórbidos, alguns deficientes físicos ou mentais, dentre outros. Para essas pessoas, a única opção seria o uso de medicamentos exercício-miméticos, para que elas tenham uma vida mais saudável. Por outro lado, os fármacos exercício-miméticos podem ser utilizados no doping, para aumentar a capacidade física dos atletas, sendo GW1516 e AICAR substâncias proibidas nas disputas esportivas hoje em dia.
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