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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA ESCOLA DE TEATRO CURSO DE LICENCIATURA EM TEATRO COMPONENTE CURRICULAR: HISTÓRIA DO TEATRO MODERNO E CONTEMPORÂNEO ESTUDANTE: NAYARA BRITO PROVA DISSERTE SOBRE: 1. O nascimento do teatro moderno. As circunstâncias e principais nomes que contribuíram para a transformação da cena na virada do século XIX para o século XX. No livro “A linguagem da encenação teatral”, Jean-Jacques Roubine comenta sobre o processo histórico que levou ao nascimento do que entendemos como o teatro moderno. Segundo o autor, no final do século XIX estavam reunidas as condições para a transformação das artes cênicas, através da disposição do instrumento intelectual e das ferramentas técnicas necessárias. Para este autor, dois fenômenos resultantes da revolução tecnológica foram determinantes para o advento do teatro moderno: o recurso à iluminação elétrica e a dissolução das fronteiras entre os países. Pelo primeiro, o teatro pôde dispor, como nunca antes, da possibilidade, por exemplo, do blecaute, bem como de deixar a plateia no escuro, iluminando apenas o palco e garantindo o efeito de ilusão aspirado pela escola naturalista que será a primeira a marcar a moderna história das artes cênicas. Mas não foi só a ela que esse novo recurso serviu: para os simbolistas, ele surgiu como “possibilidade de moldar o espaço vazio, tornando-o espaço de sonho e poesia”. Essas duas vertentes, aliás, seguirão em oposição nos seus desenvolvimentos operados ao longo do século XX, cuja cena vai oscilar entre a busca pela verossimilhança ilusionista e a “determinação de assumir e explorar os recursos da teatralidade, através de artistas como Appia, Craig e Mayerhold. Com [motivo], o intercâmbio entre as produções dos países europeus, principalmente, se tornou muito mais profícuo, conforme podemos reconhecer, por exemplo, através da quase simultânea criação do Teatro Livre de André Antoine, do Freie Bühne berlinense e do Teatro de Arte de Moscou, de Stanislavski e Nimerovitch, que, em diferentes países e por diferentes artistas, realizaram pesquisas semelhantes entre si, aquelas reunidas em torno da estética Naturalista, pelo menos no início de cada projeto. É nesse contexto que surge a figura do encenador, que muda a perspectiva de compreensão do que seja um espetáculo cênico: de mera ilustração ou adaptação cênica do texto dramático, o espetáculo ganha autonomia artística. Segundo o que o crítico francês Bernard Dort aponta no livro “O teatro e sua realidade”, o encenador (e a encenação) passa a ser visto como o determinante do “verdadeiro caráter” da ação dramática, apresentando sempre “uma interpretação pessoal” da obra, possivelmente até contrária à do dramaturgo, “coordena[ndo] todos os elementos de um espetáculo, frequentemente segundo uma estética particular”, indo um passo (muito) além da simples disposição espacial, marcação da gestualidade dos atores, etc. realizada pelo régisseur. Nesse sentido, estabeleceu-se historicamente a convenção de tomar Antoine como o primeiro encenador moderno, como a primeira pessoa a “assinar” um espetáculo, da mesma forma que um pintor assina seus quadros. Uma questão essencial nasce, então, desse debate: o que é um espetáculo teatral? E mais: qual é a relação do espectador com o espetáculo? Foi na tentativa de responder a essas questões que o teatro do último século foi realizado. 2. A experimentação de novas formas: simbolismo e expressionismo. Também de acordo com Roubine, ao realizar “a ambição mimética de um teatro que sonha com uma coincidência fotográfica entre a realidade e sua representação”, Antoine teria precipitado o fim da era da representação figurativa. Assim, em reação ao Neoclassicismo, Neoromantismo e Naturalismo vigentes na Europa no final do século XIX, surge uma série de movimentos estéticos vanguardistas, entre os quais destaca-se o simbolismo, na França, e o expressionismo, na Alemanha. Conforme apresenta Margot Berthold em “História Mundial do Teatro”, esses movimentos vieram romper as convenções dramáticas daquelas tradições ditas realistas e que, há muito, dominavam os palcos europeus. Segundo a autora, o simbolismo teria sido o primeiro movimento a se insurgir contra essas tradições. Num texto intitulado “O ator e a supermarionete”, publicado por Gordon Craig em 1907, o diretor acusa o teatro de querer imitar, qual máquina fotográfica, a realidade. O que Craig e seus colegas simbolistas ambicionavam era, conformo o texto citado, a tomada de outro nível de realidade que não o empírico como referência para a criação artística: a tomada do nível do imaginário, operado por uma lógica diversa da que coordena o teatro dito realista. Como afirma uma personagem de uma peça (“A Gaivota”) de Anton Tchékhov a esse respeito: “É a vida que vemos em sonho que nós temos de reproduzir”. Nesse sentido, como observa a Berthold, “o empenho fotográfico do drama naturalista era uma tela que obstruía a penetração do olhar em vias mais profundas. O palco [...] [deveria] explorar zonas de estados d’alma. Sua tarefa não era descrever mas encantar.” É seguindo este projeto, e em alternativa ao Teatro Livre de André Antoine, que é inaugurado na França o Teatro de Arte, dirigido por Lugné-Poe, no qual foram montados textos de Maurice Maeterlinck e, mais à frente, de autores de outras escolas estéticas também contrárias ao realismo, tais como Alfred Jarry (surrealismo) e Ionesco (teatro do absurdo). Ali, segundo afirma Anatol Rosenfeld em “A arte do teatro”, tesou- se “adotar elementos simbolistas por meio de uma decoração sintética, não naturalista. Telões, com cores esvoaçantes, já não reproduzem fielmente a natureza e servem para a cenografia de peças de Maeterlinck”, por exemplo. Assim, enquanto que o naturalismo afirmava, o simbolismo sugeria, através, entre outros, da exibição dos instrumentos de ilusão – recurso encontrado depois também no teatro de Bertold Brecht. No que diz respeito ao movimento expressionista, conforme argumenta Gerd Borheim no livro “O sentido e a máscara”, dois aspectos fundamentais devem ser considerados: a reação contra o passado e o sentido impessoal da subjetividade. Sobre o sentido de ruptura contido no primeiro, é verdade que ele se fez presente em todo o movimento cultural daquela virada de século XX, como o próprio autor reconhece e como já observamos no simbolismo. Contudo, no caso do expressionismo, o que o autor afirma é que esse movimento foi além do dialogismo histórico dos movimentos estéticos, que, via de regra, surgem como forma de reação ao movimento precedente. No expressionismo, a reação é feita contra todo o passado ocidental, seus valores e padrões, apresentando, assim, uma radicalidade em relação aos demais movimentos vanguardistas do período. Já o segundo aspecto destacado por Borheim sugere uma filiação romântica do expressionismo, mas não abordando, neste caso, a subjetividade ou a autobiografia de um indivíduo em particular, como era frequente entre os romântico, e sim a subjetividade de uma coletividade. Nisso, o autor enxerga a influência de Freud, que compreende a raiz da subjetividade como impessoal e, na sequência, de Jung, em quem o inconsciente é considerado de uma perspectiva coletiva. Na arte desse movimento estético, é frequente encontrarmos personagens destituídas de identidade, que ora se fragmenta e multiplica, ora é negada por uma estatização que a transforma em marionete. Segundo Borheim, o horizonte social da arte expressionista é o do homem-massa. Em termos de linguagem, o movimento preza por um mínimo de literatura e um máximo de força expressionista, de modo que a palavra é substituída por gritos, sons, ruídos, etc. Grito, aliás, é a palavra-chave desse movimento, também de acordo com Borheim, e o famoso quadro de Edvard Munch talvez seja o mais representativo nessesentido. Dessa forma, as obras expressionistas aproximam-se dos limites do histérico, através do sentimento de desmedida e de uma exacerbação que esposa o simbólico: o doente nunca é simplesmente o doente: é a doença. Ele perde, assim, a sua individualidade e se torna expressão de doença. Essa tendência ao abstracionismo e à formalização teria sido, segundo o autor, a causa de sua decadência. Em algumas dessas características vemos claramente a influência sofrida mais uma vez por Bertold Brecht em sua ideologia social. Nas peças desse dramaturgo alemão, encontramos, entre outras, personagens-tipo que representam não um indivíduo em particular, mas uma classe ou um grupo social como um todo.
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