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Exercícios de Economia Política Discente: Wendell da Costa Magalhães 1) Com base em Marx e Harvey discuta a interação dialética entre valor, valor de uso e valor de troca considerando a capacidade relacional do capital. Harvey diz que o materialismo histórico-geográfico, como gosta de chamar o materialismo histórico de Marx, não pode existir sem uma sólida apreciação da dialética de espaço-temporalidade. Diz, assim, que há uma estrutura espaço-temporal subjacente à teorização de Marx e que se baseia em uma fusão dialética das três maneiras fundamentais de se entender o espaço-tempo: a maneira absoluta, relativa e relacional. A teoria absoluta do espaço-tempo se associa, sobretudo, aos nomes de Newton, Descartes e Kant e prevê que o espaço é uma rede fixa e imutável, separada do tempo, e em seu interior, as coisas materiais, os eventos e os processos podem ser perfeitamente individualizados e descritos. Nesse sentido, a ordenação espacial é o domínio do conhecimento geográfico, enquanto o desdobrar temporal se circunscreve à história, e esta dimensão absoluta do espaço-tempo, por sua vez, caracterizaria, segundo Harvey, o domínio primário dos valores de uso na teoria marxiana, podendo se atestar isso no fato de que é o espaço que define os direitos da propriedade primária na terra, as fronteiras do Estado, a distribuição física da fábrica, a forma material da mercadoria e o corpo individualizado do trabalhador. A teoria relativa da estrutura espaço-tempo, por sua vez, se associa ao nome de Einstein e anuncia que um mundo em movimento define essa estrutura, que não é fixa nem euclidiana. Como exemplo disso, temos as relações de transporte que geram diferentes métricas baseadas na distância física, no custo e no tempo; enquanto os espaços topológicos, como aeroportos e redes comerciais, se alteram e assim definem a circulação das mercadorias, do capital, do dinheiro, das pessoas, das informações etc. Com isso, pode-se dizer que o espaço-tempo relativo é o domínio privilegiado do valor de troca, ou seja, das mercadorias e do dinheiro em movimento. Já a visão relacional do espaço-tempo, ligada sobretudo ao nome do matemático e filósofo Leibniz, enxerga o espaço-tempo como não tendo existência independente, pois o vê como produto inerente à matéria e ao processo, sendo por ambos criado. Nesse sentido, aplicando essa visão para a teoria marxiana, Harvey diz que o capital cria o espaço-tempo, assim como na física o fenômeno do big bang é que é o responsável por criá-lo a partir da matéria em movimento. Conclui-se, então, que o espaço-tempo relacional é o principal domínio da teoria do valor de Marx. Nesta, o valor, ao mesmo tempo que é imaterial, é objetivo, e, portanto, só pode ser captado a partir de seus efeitos que se apresentam naquilo que Marx designou por fetichismo da mercadoria. Além do mais, o valor é apresentado como uma relação social que se verifica internamente nas mercadorias e que, portanto, se dá no espaço-tempo relacional. Como relação interna às mercadorias, o valor contempla toda a geografia histórica dos processos de trabalho, da produção e da concretização da mercadoria, e da acumulação do capital no espaço-tempo do mercado mundial. Essas três estruturas espaço-temporais aqui explicitadas mantêm uma tensão dialética uma com a outra, da mesma forma que o valor de uso, o valor de troca e o valor dialeticamente interligado na teoria de Marx. Harvey exemplifica isso mostrando que cada uma dessas estruturas espaços-temporais, por mais que consistam em coisas diferentes e até opostas, dependem uma da outra para se realizarem. Logo, diz que não poderia haver valor no espaço-tempo relacional sem a existência de trabalhos concretos construídos em inúmeros lugares (fábricas) circunscritos à estrutura espaço-temporal absoluta. Assim como aponta que o valor não emergiria como um poder imaterial, mas objetivo, sem os inúmeros atos de troca e os contínuos processos de circulação do mercado global que dizem respeito ao espaço-tempo relativo. Mais detidamente – para exemplificar melhor a interação dialética entre valor de uso, valor de troca e valor sob o aspecto do capital relacional –, do ponto de vista da mercadoria, uma das premissas básicas colocadas por Marx é que esta tenha valor de uso. Ou seja, apesar de interpretações equivocadas da obra de Marx nos levarem a crer que o valor de uso não interfere na análise do valor e do valor de troca e, portanto, na completude da análise econômica traçada por Marx em O Capital, percebe-se que o fato de Marx abstrair do valor de uso no início da sua obra para se deter na explicação do valor de troca e daí deduzir o valor, não elimina o fato que o valor contido na mercadoria,na sua dimensão relacional imaterial, mas objetiva, só pode se realizar na esfera da troca, que corresponde à dimensão espaço- temporal relativa, se atender a premissa básica do espaço-tempo absoluto que é ter valor de uso. Mais concretamente, Harvey alerta que o não reconhecimento da interação entre as diferentes estruturas espaço-temporais na teoria marxiana impediu com que se entendesse toda a complexidade dialética envolvida nas “relações globais-locais”, desenvolvidas por Marx no livro três d’O Capital. Não se pode dizer, por exemplo, que simplesmente a relação de valor seja a responsável por fechar as portas de uma fábrica em qualquer lugar do mundo como se uma força abstrata externa fosse. Harvey dá o exemplo de que as condições concretas cambiantes do trabalho na China, mediadas pelo processo de troca no espaço-tempo relativo, faz do valor uma relação social abstrata no mercado mundial e, somente assim, acaba por interferir no espaço-tempo absoluto conectado dialeticamente com as outras estruturas desse espaço, o que provoca o fechamento concreto do processo de trabalho no México, por exemplo. O que se designa como “globalização”, para Harvey, funciona de maneira parecida com o exposto acima em termos relacionais, apesar de mascarar convenientemente as relações de classe. Se procurarmos, entretanto, a globalização no espaço e tempo absolutos, não a encontramos. 2) Estabeleça as diferenças lógicas e históricas da origem do lucro em Marx e Smith. Smith desenvolve sua teoria do valor trabalho e, a partir dela, deduzirá daí o lucro. Mas de nenhum modo vê este da perspectiva da exploração, mas como um excedente do trabalho efetivado pelo trabalhador que, depois de pagar os meios de subsistência deste na forma de salário, deverá pagar a matéria-prima, o capital empregado e, eventualmente, a renda da terra utilizada na produção. A parte desse excedente que se destina a essa última constitui a renda do proprietário da terra, e a parte que remunera o capital e abarca os demais custos da produção e que envolvem a matéria-prima, essa é chamada de lucro. Na justificativa de Smith, portanto, o trabalho, apesar de ser o gerador do valor da produção, precisa destinar parte de seu produto para pagar a renda da terra, mas sobretudo o lucro, que é razão de ser dessa exploração. Isso ocorre porque, com o desenvolvimento da sociedade, em determinado momento da história, alguns indivíduos acumularam uma massa de capital para si, suficiente para passar a empregar trabalhadores que produzissem, além do seu sustento, o lucro que remunera o capital empregado por esses indivíduos, os tornando capitalistas. Portanto, o lucro, na perspectiva de Smith, passa a ser o montante da produção gerado pelo trabalho que deve remunerar o capitalista na proporção do capital que emprega na produção e que, sem seu adiantamento, não seria possível produzir, dado que o mesmo fornece, além dos meios de subsistência do trabalhador, a matéria prima e todo ferramental necessário para efetuar a produção.Marx, em contrapartida, apesar de resgatar a teoria do valor trabalho de Smith, mas também se basear no desenvolvimento já desta efetuado pelo economista inglês David Ricardo, vai além em sua análise e caracteriza o lucro como provindo da exploração do trabalhador. Os pressupostos históricos disso são, como já havia identificado Smith, uma classe de indivíduos proprietários de meios de produção e que empregam em suas fábricas outra massa de indivíduos que, por variados processos históricos, foram despossuídos desses meios de produção e, por isso, caracterizados como livres em dois sentidos: primeiramente, livres para vender não o seu trabalho – como não só Smith, mas todos os economistas clássicos haviam dito –, mas sua força de trabalho, com a qual vê a única maneira de manter seu sustento diário; em segundo lugar, livres por serem livres de todos os meios de vida que lhe proporcionariam vender outras mercadorias que não sua força de trabalho. Essa diferenciação entre força de trabalho e trabalho é que permitirá a Marx dá um salto a frente dos economistas clássicos, incluindo Smith, e elaborar sua teoria da mais-valia. No processo de venda da sua força de trabalho, o trabalhador se contrasta com o capitalista, que a compra, igualmente como proprietário de mercadoria. O capitalista oferece a mercadoria dinheiro; o trabalhador, sua mercadoria força de trabalho. Nesse sentido, é respeitada a troca de equivalentes, pois o capitalista paga a força de trabalho pelo seu real valor de troca. Este, por sua vez, corresponde ao valor dos meios de subsistência básicos para reproduzir a força de trabalho do trabalhador e de sua família. A mais-valia seria fruto, entretanto, do valor de uso da força de trabalho, usufruído pelo capitalista, que o permite se apropriar da geração de um valor maior do que aquele despendido na compra da força de trabalho. Isso porque a jornada de trabalho a que o trabalhador está submetido inclui, mais que o tempo de trabalho necessário para o pagamento do valor de sua força de trabalho, um tempo de trabalho excedente, que o faz gerar um valor que excede esse pagamento. Daí a exploração e o mais-valor (ou mais-valia) gerado na produção e apropriado na forma de lucro, que Smith não foi capaz de ver, por não fazer tal diferenciação entre trabalho e força de trabalho.
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