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AGAMBEN, Giorgio. O campo como paradigma biopolítico moderno. In.: Homo sacer: o poder soberano e a vida nua. p. 125-151. 1. A POLITIZAÇÃO DA VIDA Michel Foucault não trata das políticas dos grandes Estados totalitários do século XX e Hannah Arendt não tem qualquer perspectiva biopolítica. Radical transformação da política em espaço da vida nua legitimou e tornou necessário o domínio total. O conceito de vida nua ou vida sacra é o foco através do qual procuraremos fazer convergir os seus pontos de vista. Karl Lowith: “politização da vida” é o caráter fundamental da política dos Estados totalitários. A indiferenciação dos indivíduos faz com que eles sejam totalmente politizados. “É como se, a partir de um certo ponto, todo evento político decisivo tivesse sempre uma dupla face: os espaços, as liberdades e os direitos que os indivíduos adquirem no seu conflito com os poderes centrais simultaneamente preparam, a cada vez, uma tácita porém crescente inscrição de suas vidas na ordem estatal, oferecendo assim uma nova e mais temível instância ao poder soberano do qual desejam liberar-se.” “A aposta em jogo consistia então apenas em determinar qual forma de organização se revelaria mais eficaz para assegurar o cuidado, o controle e o usufruto da vida nua.” “Se, em todo Estado moderno, existe uma linha que assinala o ponto em que a decisão sobre a vida torna-se decisão sobre a morte, e a biopolítica pode deste modo converter-se em tanatopolítica, tal linha não se apresenta mais hoje como um confim fixo a dividir duas zonas claramente distintas; ela é, ao contrário, uma linha em movimento que se desloca para zonas sempre mais amplas da vida social, nas quais o soberano entra em simbiose cada vez mais íntima, não só com o jurista, mas também como o médico, com o cientista, com o perito, com o sacerdote.” A democracia moderna “não faz abolir a vida sacra, mas a despedaça e dissemina em cada corpo individual, fazendo dela a aposta em jogo do conflito político.” “A grande metáfora do Leviatã, cujo corpo é formado por todos os corpos dos indivíduos, deve ser lida sob esta luz. São corpos absolutamente matáveis dos súditos que formam o novo corpo político do Ocidente.” 2. OS DIREITOS DO HOMEM E A BIOPOLÍTICA “A concepção dos direitos do homem baseada na suposta existência de um ser humano como tal, caiu em ruínas tão logo aqueles que a professavam encontraram-se pela primeira vez diante de homens que haviam perdido toda e qualquer qualidade e relação específica – exceto o puro fato de serem humanos.” Há mecanismos de exclusão dentro da própria idéia de cidadania. Declaração dos Direitos como inscrição da vida natural na ordem jurídico-política do Estado-nação Nascimento como fonte e portador do direito A vida natural é posta a base do ordenamento, dissipando-se imediatamente na figura do cidadão, no qual os direitos são “conservados”. “A nação, que etimologicamente deriva de nascer, fecha assim o ciclo aberto pelo nascimento do homem.” “O que é francês? O que é alemão?” torna-se uma questão política essencial, submetida, como tal, a um constante trabalho de redefinição. “Fascismo e nazismo são, antes de tudo, uma redefinição da relação entre homem e cidadão.” “Princípio segundo o qual a cidadania era algo de que é preciso se mostrar digno e que podia, portanto, ser sempre colocada em questionamento.” O nexo nação-nascimento perdeu seu automatismo e poder de auto-regulação. Separação dos direitos do homem e dos direitos do cidadão, o que faz com que qualquer ação voltada ao homem perca seu caráter político e seja vista apenas como humanitária. (extrema fase do descolamento entre homem e cidadão). 3. VIDA QUE NÃO MERECE VIVER Karl Binding: Impunibilidade do suicídio – Soberania do vivente sobre si mesmo: configura um limiar de indiscernibilidade entre exterioridade e interioridade, que a ordem jurídica não pode, portanto, nem incluir nem excluir, nem vetar nem permitir. - A soberania do homem vivente sobre a sua vida corresponde imediatamente à fixação de um limiar além do qual a vida cessa de ter valor jurídico e pode, portanto, ser morta sem que se cometa homicídio. Esse limite pode passar ao interior de toda vida humana e de todo cidadão. “Se a eutanásia se presta a esta troca, isto corre porque nela um homem encontra-se na situação de dever separar em um outro homem a zoé do bíos e de isolar nele algo como a vida nua, uma vida matável. Mas, na perspectiva da biopolítica moderna, ela se coloca sobretudo na intersecção entre a decisão soberana sobre a vida matável e a tarefa assumida de zelar sobre o corpo biológico da nação, e assinala o ponto em que a biopolítica converte-se necessariamente em tanatopolítica.” “O Reich nacional-socialista assinala o momento em que a integração entre medicina e política, que é uma das características essenciais da biopolítica moderna, começa a assumir sua forma consumada.”
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