Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR APOPTOSE E ALTERAÇÕES CELULARES MECANISMO DE APOPTOSE (MORTE CELULAR) O crescimento, o desenvolvimento e a manutenção de organismos multicelulares dependem não apenas da produção de células, mas também de mecanismos que as destroem. Na maioria dos casos, a morte celular programada ocorre por um processo chamado apoptose, do grego, “cair”, como as folhas de uma árvore. As células que morrem por apoptose sofrem modificações morfológicas características. Elas se encolhem e condensam, o citoesqueleto colapsa, o envelope nuclear se desfaz, e a cromatina nuclear se condensa e se quebra em fragmentos. A superfície da célula frequentemente abaula para o exterior e, se a célula for grande, rompe-se em fragmentos fechados por uma membrana, chamados corpos apoptóticos. A superfície da célula ou dos corpos apoptóticos torna- se quimicamente alterada, sendo rapidamente engolfada por uma célula vizinha ou um macrófago, antes que ela possa liberar seus conteúdos. Dessa maneira, a célula morre de forma ordenada e é rapidamente eliminada, sem causar uma resposta inflamatória prejudicial. APOPTOSE ELIMINA CÉLULAS INDESEJADAS A apoptose também funciona como um processo de controle de qualidade no desenvolvimento, eliminando células que são anormais, posicionadas de forma incorreta, não funcionais ou potencialmente perigosas ao animal. Exemplos surpreendentes ocorrem no sistema imune adaptativo de vertebrados, onde a apoptose elimina o desenvolvimento de linfócitos T e B que falham tanto em produzir receptores antígeno-específicos potencialmente utilizáveis quanto em produzir receptores autorreativos que originam células potencialmente perigosas, ela também elimina muitos dos linfócitos ativados por uma infecção, depois que tenham ajudado a destruir os micróbios responsáveis. As células animais podem reconhecer dano em suas várias organelas e, se o dano for grande o suficiente, elas podem matar a si mesmas entrando em apoptose. Um exemplo importante é o dano no DNA, que pode produzir mutações que promovem câncer se não forem reparadas. As células possuem várias vias de detecção de danos no DNA e entram em apoptose caso não possam repará-los. A APOPTOSE DEPENDE DE UMA CASCATA PROTEOLÍTICA INTRACELULAR MEDIADA POR CASPASES A apoptose é disparada por membros de uma família de proteases intracelulares especializadas, que clivam sequências específicas em numerosas proteínas dentro da célula. Essas proteases têm uma cisteína no seu sítio ativo e clivam suas proteínas-alvo em ácidos aspárticos específicos; elas são então chamadas de caspases, sendo sintetizadas na célula como precursores inativos e são ativadas apenas durante a apoptose. As caspases iniciadoras, iniciam o processo apoptótico, e geralmente existem como monômeros solúveis e inativos no citosol. Um sinal apoptótico dispara a montagem de grandes plataformas proteicas que congregam múltiplas caspases iniciadoras em grandes complexos. Nestes complexos, pares de caspases se associam para formar dímeros, resultando na ativação da protease. Cada caspase no dímero, então, cliva seu parceiro em um sítio específico no domínio de protease, o que estabiliza o complexo ativo e é requerido para o funcionamento apropriado da enzima na célula. Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR Uma caspase iniciadora contém um domínio de protease na sua região carboxiterminal e um pequeno domínio de interação com uma proteína perto do seu aminoterminal. Os sinais apoptóticos disparam um conjunto de proteínas adaptadoras, carregando múltiplos sítios de ligação para o domínio aminoterminal da caspase. Uma vez que as proteínas adaptadoras tenham se ligado, as caspases iniciadoras dimerizam e são, desse modo, ativadas, levando à clivagem de um sítio específico nos seus domínios de protease. Cada domínio de protease é assim rearranjado em uma subunidade maior e uma menor. A principal função das caspases iniciadoras é ativar as caspases executoras. Estas normalmente existem como dímeros inativos. Quando são clivadas por uma caspase iniciadora no sítio no domínio da protease, o sítio ativo é rearranjado de uma conformação inativa para uma ativa. Uma vez ativada, caspases executoras catalisam os diversos eventos de clivagem de proteínas que matam a célula. Várias abordagens experimentais têm levado à identificação de mais de 1.000 proteínas que são clivadas por caspases durante a apoptose. Estas incluem as laminas nucleares, cuja clivagem provoca a degradação irreversível da lâmina nuclear, uma proteína que normalmente detém uma endonuclease que degrada DNA em uma forma inativa (sua clivagem libera a endonuclease para fragmentar o DNA no núcleo da célula entre os nucleossomos). A cascata da caspase não é apenas destrutiva e autoamplificável, mas também é irreversível; assim, uma vez que a célula começa a via para a destruição, ela não pode voltar atrás. RECEPTORES DE MORTE NA SUPERFÍCIE CELULAR ATIVAM A VIA EXTRÍNSECA DA APOPTOSE Os receptores de morte são proteínas transmembrana contendo um domínio extracelular de ligação ao ligante, um domínio transmembrana único e um domínio de morte intracelular, o qual é requerido pelos receptores para ativar o programa apoptótico. Os receptores são homotrímeros e pertencem à família de receptores do TNF, o qual inclui um receptor para o próprio TNF e o receptor de morte Fas. Um exemplo bem entendido de como os receptores de morte disparam a via extrínseca da apoptose é a ativação de Fas na superfície da célula-alvo pelo ligante Fas na superfície de um linfócito (citotóxico) matador. Quando ativado pela ligação do ligante Fas, domínios de morte na cauda citosólica dos receptores de morte Fas, ligam-se a proteínas adaptadoras intracelulares, que, por sua vez, ligam caspases iniciadoras (caspase-8 principalmente), formando um complexo de sinalização indutor de morte (DISC). Uma vez dimerizada e ativada em DISC, as caspases iniciadoras clivam seus parceiros e então ativam caspases executoras a jusante para induzir apoptose. Em algumas células a via extrínseca recruta a via apoptótica intrínseca para amplificar a cascata da caspase e matar a célula. Muitas células produzem proteínas inibidoras que agem para controlar a via extrínseca. Algumas células, por exemplo, produzem a proteína FLIP que se assemelha à caspase iniciadora mas não possui atividade de protease, porque falta a cisteína-chave no seu sítio ativo. FLIP dimeriza-se com caspase-8 no complexo DISC; embora a caspase-8 pareça ser ativa nesses heterodímeros, ela não é clivada no sítio requerido para sua ativação estável e o sinal apoptótico é bloqueado. Tais mecanismos inibidores ajudam a prevenir a ativação inapropriada da via Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR extrínseca da apoptose. A VIA INTRÍNSECA DA APOPTOSE DEPENDE DA MITOCÔNDRIA As células podem ativar seus programas de apoptose de dentro da célula, frequentemente em resposta ao estresse, tal como o dano do DNA ou em resposta a sinais de desenvolvimento. Em células de vertebrados, essas respostas são governadas por vias apoptóticas intrínsecas ou mitocondriais, que dependem da liberação de proteínas mitocondriais no citosol, que normalmente residem no espaço intermembrana dessas organelas. Algumas das proteínas liberadas ativam a cascata proteolítica de caspases no citoplasma, levando à apoptose. Uma proteína-chave na via intrínseca é o citocromo c, quando liberado no citosol, ele assume uma nova função: liga-se a uma proteína adaptadora chamada Apaf1 (fator 1 de ativação da protease apoptótica), promovendoa oligomerização de Apaf1 em um heptâmero tipo roda, chamado apoptossomo. Então as proteínas Apaf1 no apoptossomo recrutam as proteínas caspase-9 inciadoras, que, acredita-se serem ativadas pela proximidade no apoptossomo, tal como a caspase-8 é ativada em DISC. As moléculas caspases-9 ativadas ativam então caspases executoras para induzir apoptose. Estímulos apoptóticos intracelulares provocam a liberação do citocromo c na mitocôndria, que interage com Apaf1. A ligação do citocromo c induz Apaf1 a se desenovelar parcialmente, expondo um domínio que interage com o mesmo domínio em outras moléculas de Apaf1 ativadas. Sete proteínas Apaf1 ativadas formam um grande complexo na forma de um anel chamado apoptossoma. Cada proteína Apaf1 contém um domínio de recrutamento da caspase (CARD), e esses são agrupados acima do eixo central do apoptossoma. CARDs ligam-se em domínios similares em múltiplas moléculas de caspase-9, que são então recrutadas para o apoptossoma e ativadas. O mecanismo de ativação da caspase-9 ainda não é bem entendido: provavelmente resulta da dimerização e clivagem de proteínas caspase-9 adjacentes, mas poderia também depender de interações entre caspase-9 e Apaf1. Uma vez ativada, a caspase-9 cliva, ativando, dessa forma, as caspases executoras a jusante. PROTEÍNAS BCL2 REGULAM A VIA INTRÍNSECA DA APOPTOSE As proteínas da família Bcl2 de mamíferos regulam a via intrínseca da apoptose, principalmente controlando a liberação, no citosol, de citocromo c e de outras proteínas mitocondriais intermembrana. Algumas proteínas da família Bcl2 são pro- apoptóticas e promovem a apoptose através do aumento da libertação, ao passo que outras são antiapoptóticas e inibem a apoptose através do bloqueio da libertação. As proteínas pró-apoptóticas e antiapoptóticas podem se ligar umas às outras em várias combinações para formar heterodímeros, nos quais as duas proteínas inibem as funções umas das outras. O balanço entre as atividades dessas duas classes funcionais de proteínas da família Bcl2 determina se células de mamíferos vivem ou morrem pela via intrínseca da apoptose. Quando um estímulo apoptótico dispara a via intrínseca, proteínas efetoras da família Bcl2 pró- apoptóticas tornam-se ativadas e se agregam para formar oligômeros na membrana externa da Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR mitocôndria, induzindo a liberação do citocromo c e outras proteínas intermembranas por um mecanismo desconhecido. Em células de mamíferos, Bax e Bak são as principais proteínas efetoras da família Bcl2, e ao menos uma delas é necessária para a via intrínseca de apoptose funcionar. Enquanto Bak está ligada à membrana externa mitocondrial, mesmo na ausência de um sinal apoptótico, Bax está principalmente localizada no citosol e se transloca para a mitocôndria apenas depois que um sinal apoptótico a ativa. A ativação de Bax e Bak geralmente depende de proteínas pró- apoptóticas BH3-apenas ativadas. As proteínas da família Bcl2 antiapoptóticas, como Bcl2 e BclXL, também estão localizadas na superfície citosólica da membrana mitocondrial externa, onde ajudam a impedir a liberação inapropriada de proteínas intermembrana. As proteínas da família Bcl2 antiapoptóticas inibem a apoptose principalmente pela ligação e inibição de proteínas da família Bcl2 pró- apoptóticas. Na membrana mitocondrial externa, por exemplo, elas ligam-se a Bak e impedem a sua oligomerização, consequentemente inibindo a liberação de citocromo c e outras proteínas intermembranas. Um número dessas proteínas deve ser inibido para que a via intrínseca induza apoptose; as proteínas BH3-apenas fazem a mediação da inibição. As proteínas BH3-apenas são a maior subclasse de proteínas da família Bcl2. A célula tanto as produz como as ativa em resposta a um estímulo apoptótico, e elas são conhecidas por promoverem a apoptose principalmente pela inibição de proteínas antiapoptóticas. Seus domínios BH3 ligam-se a uma fenda hidrofóbica longa nas proteínas da família Bcl2 antiapoptóticas, neutralizando sua atividade. Essa ligação e a inibição permitem o agregamento de Bax e Bak na superfície da mitocôndria, a qual dispara a liberação de proteínas mitocondriais intermembranas que induzem a apoptose. Algumas proteínas BH3-apenas podem ligar-se diretamente a Bax e Bak para ajudar a estimular sua agregação. As proteínas BH3-apenas proporcionam a ligação crucial entre estímulos apoptóticos e a via intrínseca da apoptose, com diferentes estímulos ativando diferentes proteínas BH3-apenas. Alguns sinais de sobrevivência extracelulares, por exemplo, impedem a apoptose pela inibição da síntese ou atividade de certas proteínas BH3-apenas. Similarmente, em resposta ao dano do DNA que não pode ser reparado, as proteínas p53 supressoras de tumor se acumulam e ativam a transcrição de genes que codificam proteínas BH3- apenas Puma e Noxa. Essas proteínas BH3-apenas disparam a via intrínseca, eliminando, desse modo, uma célula potencialmente perigosa. IAPS AJUDAM NO CONTROLE DAS CASPASES Uma linha de defesa contra apoptoses descontroladas é formada por uma família de Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR proteínas chamadas inibidores de apoptose (IAPs). Todas IAPs têm um ou mais domínios BIR (repetições IAP de baculovírus), que permitem a elas ligarem-se e inibirem caspases ativadas. Algumas IAPs também fazem a poliubiquitinação das caspases, marcando as caspases para destruição pelos proteassomos. Dessa maneira, as IAPs estabelecem um limiar inibidor que caspases devem cruzar para disparar a apoptose. As anti-IAPs são liberadas do espaço intermembrana mitocondrial quando a via intrínseca da apoptose é ativada, bloqueando IAPs no citosol e, dessa maneira, promovendo a liberação da apoptose. FATORES DE SOBREVIVÊNCIA EXTRACELULARES INIBEM A APOPTOSE DE VÁRIOS MODOS Muitas células animais requerem sinalização contínua de outras células para evitar a apoptose. Essa combinação aparentemente ajuda a assegurar que células sobrevivam apenas quando e onde são necessárias. As células nervosas, por exemplo, são produzidas em excesso no desenvolvimento do sistema nervoso e então competem por quantidades limitadas de fatores de sobrevivência que são secretados pelas células-alvo às quais elas normalmente se conectam. As células nervosas que recebem sinais de sobrevivência suficientes vivem, enquanto as outras morrem. Dessa maneira, o número de neurônios sobreviventes é automaticamente ajustado, sendo apropriado para o número de células- alvo conectadas. Uma competição similar por quantidades limitadas de fatores de sobrevivência produzidos por células vizinhas é conhecida por controlar o número celular em outros tecidos durante o desenvolvimento e a idade adulta. Os fatores de sobrevivência geralmente se ligam a receptores da superfície celular, que ativam vias de sinalização intracelulares que suprimem o programa apoptótico, frequentemente por meio da regulação de proteínas da família Bcl2. Alguns fatores de sobrevivência, por exemplo, estimulam a síntese de proteínas antiapoptóticas da família Bcl2, tal como a própria Bcl2 ou BclXL. Outros agem por inibição da função de proteínas pró- apoptóticas BH3-apenas, como Bad, por ativarem a proteína serina/treonina-cinase Akt, que, entre muitos outros alvos, fosforila e inativa Bad, uma proteína pró-apoptótica BH3-apenas. Quando não fosforilada, Bad promove a apoptose, ligando-se e inibindo Bcl2; uma vez fosforilada, Bad dissocia-se, liberando Bcl2 para suprimir a apoptose. Em Drosophila, alguns fatores de sobrevivência agem fosforilando e inativando proteínas anti-IAP tal comoHid, permitindo assim que proteínas IAP suprimam apoptose. FAGÓCITOS REMOVEM CÉLULAS APOPTÓTICAS A morte da célula por apoptose é um processo extraordinariamente organizado: a célula apoptótica e seus fragmentos não se rompem e liberam seus conteúdos, mas em vez disso, permanecem intactas para serem eficientemente fagocitadas por células vizinhas, não deixando traços e, portanto, sem disparar nenhuma resposta inflamatória. Esse processo de engolfamento depende de modificações químicas na superfície das células apoptóticas, que disparam sinais de recrutamento de células fagocíticas. Uma modificação especialmente importante ocorre na distribuição de fosfolipídeos fosfatidilserina carregados negativamente na superfície celular. Esse fosfolipídeo normalmente está localizado exclusivamente na folha interna da bicamada lipídica da membrana plasmática, mas ele vira para a folha externa em células apoptóticas. APOPTOSE EXCESSIVA OU INSUFICIENTE PODE CONTRIBUIR PARA DOENÇAS Existem muitas doenças humanas nas quais o número excessivo de células que entram em apoptose contribuem para o dano Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR no tecido (ataques do coração e derrames, infartos e AVE). A apoptose diminuída também faz uma importante contribuição a muitos tumores, visto que as células de câncer frequentemente regulam o programa apoptótico anormalmente. O gene Bcl2, por exemplo, foi primeiramente identificado em uma forma comum de linfócitos de câncer em humanos, onde uma translocação cromossômica causa uma produção excessiva da proteína Bcl2; de fato, Bcl2 recebeu seu nome desse linfoma de célula B. O alto nível da proteína Bcl2 em linfócitos que carregam a translocação promove o desenvolvimento de câncer pela inibição da apoptose, prolongando a sobrevivência de linfócitos e aumentando o seu número; isso também diminui a sensibilidade dessas células a fármacos anticâncer, que comumente funcionam levando as células de câncer a entrarem em apoptose. Se a diminuição da apoptose contribui para muitos cânceres, então se poderia tratar esses cânceres com drogas que estimulam a apoptose. Essa linha de pensamento recentemente levou ao desenvolvimento de pequenos produtos químicos que interferem na função de proteínas antiapoptóticas da família Bcl2, tais como Bcl2 e BclXL. Esses agentes químicos ligam- se com alta afinidade à fenda hidrofóbica de proteínas antiapoptóticas da família Bcl2, bloqueando sua função, usando essencialmente a mesma via que proteínas BH3-apenas. A via intrínseca da apoptose é, então, estimulada, o que em certos tumores aumenta a quantidade de células mortas. ALTERAÇÕES HISTOPATOLÓGICAS DO CÂNCER O controle da divisão e da diferenciação celulares é feito por um sistema integrado e complexo que mantém a população celular dentro de limites fisiológicos. Alterações nesse sistema regulatório resultam em distúrbios. ✓ Alterações do volume celular: Hipotrofia/ Hipertrofia (aumento de volume é acompanhado de aumento das funções celulares). ✓ Alterações das taxas de divisão celular: Aumento da taxa de divisão celular acompanhado de diferenciação normal recebe o nome de hiperplasia, já a diminuição da taxa de proliferação celular é chamada hipoplasia. ✓ Alterações de diferenciação celular: Quando as células de um tecido modificam seu estado de diferenciação normal, tem-se metaplasia. ✓ Alterações da proliferação e da diferenciação celulares: Quando há proliferação celular e redução ou perda de diferenciação, fala-se em displasia (do grego dys =imperfeito, irregular). A proliferação celular autônoma, em geral acompanhada de perda ou redução da diferenciação, é chamada neoplasia (do grego neo =novo). Hoje, existe tendência a unificar o conceito desses dois termos, desaparecendo a palavra displasia: proliferação celular acompanhada de redução na diferenciação deve receber o nome de neoplasia. HIPOPLASIA É a diminuição da população celular de um tecido, de um órgão ou de parte do corpo. Com isso, a região afetada é menor e menos pesada que o normal, mas conserva o padrão arquitetural básico. Várias são as causas de hipoplasia, durante a embriogênese, pode ocorrer defeito na formação de um órgão ou de parte dele (hipoplasia pulmonar, hipoplasia renal etc.). Após o nascimento, pode aparecer como resultado de diminuição do ritmo de renovação celular, aumento da taxa de destruição das células ou ambos os fenômenos. Entre as hipoplasias patológicas, as de maior interesse são da medula óssea provocadas por agentes tóxicos ou por infecções. Disso resultam as chamadas anemias aplásicas (mais corretamente, hipoplásicas), acompanhadas ou não de redução do número das demais células sanguíneas. Outra hipoplasia importante é de órgãos linfoides na AIDS ou em consequência de destruição de linfócitos por corticoides. Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR HIPERPLASIA Consiste no aumento do número de células de um órgão ou de parte dele, por aumento da proliferação e/ou por retardo na apoptose. Só acontece em órgãos que contêm células com capacidade replicativa, e ocorre um aumento na síntese de fatores de crescimento e de seus receptores, além de ativação de rotas intracelulares de estímulo a divisão celular. Para haver hiperplasia são necessárias algumas condições, tais como, suprimento sanguíneo suficiente, integridade morfofuncional das células e inervação adequada. E é desencadeada por agentes que estimulam funções específicas da célula. As células hiperplásicas não se multiplicam indefinidamente e, embora formem uma população nova que cresce no local estimulado, conservam os mecanismos de controle da divisão celular. Além disso, hiperplasia é um processo reversível, no sentido de que, se a causa for eliminada, a população celular volta ao nível normal. Essas propriedades são fundamentais para diferenciar hiperplasia de uma neoplasia, nesta, a proliferação celular é autônoma e independe da ação de um agente estimulador. No entanto, nem sempre é possível saber se há ou não um agente atuando para explicar o aumento da taxa de multiplicação celular. Por esse motivo, muitas vezes não é possível distinguir com segurança uma hiperplasia de um tumor benigno. A hiperplasia pode ser dividida em fisiológica ou patológica. Os principais tipos da primeira são hiperplasias compensadoras ou secundárias a estimulação hormonal, como ocorre no útero durante a gravidez ou nas mamas na puberdade ou na lactação. Hiperplasia compensadora é também uma forma de regeneração, que normalmente se faz dentro dos padrões e dos limites arquiteturais do órgão atingido. Algumas vezes, porém, surgem alterações no número e no arranjo das células neoformadas, resultando em hiperplasia patológica. Esse fenômeno é bem conhecido na regeneração hiperplásica de hepatócitos que ocorre na cirrose hepática. Os exemplos mais conhecidos de hiperplasia patológica são de hiperplasia secundária a hiperestimulação hormonal. Quando existe hiperfunção da hipófise, por exemplo, todas as glândulas-alvo dos hormônios produzidos em excesso entram em hiperplasia. Em mulheres, aumento de estrógenos resulta em hiperplasia das mamas ou do endométrio, que é de grande interesse prático por aumentar o risco de desenvolvimento de câncer nesses órgãos. Por se acompanharem de aumento da reprodução celular, muitas hiperplasias patológicas são consideradas lesões potencialmente neoplásicas, já que nelas o risco de surgir um tumor é maior do que em tecidos normais. METAPLASIA Significa mudança de um tipo de tecido adulto (epitelial ou mesenquimal) em outro da mesma linhagem. Na metaplasia,um tipo de epitélio transforma-se em outro tipo epitelial; um epitélio, porém, não se modifica em tecido mesenquimal. Em termos genômicos, metaplasia resulta da inativação de alguns genes (cuja expressão define a diferenciação do tecido que sofre metaplasia) e desrepressão de outros (que condicionam o novo tipo de diferenciação). Em alguns processos de reparo e regeneração, células epiteliais podem diferenciar-se em fibroblastos, processo chamado transdiferenciação. Os tipos mais frequentes de metaplasia são: ✓ Transformação de epitélio estratificado pavimentoso não queratinizado em epitélio queratinizado. É o que ocorre no epitélio da boca ou do esôfago em consequência de irritação prolongada; ✓ Epitélio pseudoestratificado ciliado em epitélio estratificado pavimentoso, queratinizado ou não. O exemplo clássico é metaplasia brônquica secundária a agressão persistente, cujo protótipo é o tabagismo; ✓ Epitélio mucossecretor em epitélio estratificado pavimentoso, com ou sem queratinização. Aparece tipicamente no epitélio endocervical (mucíparo), que se transforma em epitélio escamoso do tipo ectocervical; Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR ✓ Epitélio glandular seroso em epitélio mucíparo, como acontece na metaplasia intestinal da mucosa gástrica; ✓ Tecido conjuntivo em tecido cartilaginoso ou ósseo; ✓ Tecido cartilaginoso em tecido ósseo. Metaplasia é também um processo adaptativo que surge em resposta a várias agressões, e, como regra geral, o tecido metaplásico é mais resistente a agressões. Em princípio, metaplasia resulta de irritações persistentes que levam ao surgimento de um tecido mais resistente. No entanto, o tecido metaplásico pode resultar em menor proteção ao indivíduo: na metaplasia escamosa da árvore brônquica no tabagismo, por exemplo, há prejuízo na síntese de muco e desaparecimento dos cílios, ambos importantes como defesa do organismo. Os exemplos de metaplasia mais comuns são: ✓ Agressões mecânicas repetidas, como as provocadas por próteses dentárias mal ajustadas no epitélio da gengiva ou da bochecha; ✓ Irritação por calor prolongado, como a causada no epitélio oral e do esôfago por alimentos quentes, ou a provocada no lábio pela haste de cachimbo; ✓ Irritação química persistente, cujo exemplo clássico é a ação do fumo sobre a mucosa respiratória; ✓ Inflamações crônicas, como nas mucosas brônquica e gástrica ou no colo uterino. Um tipo particular de metaplasia é leucoplasia, que é um termo usado para indicar lesões que se apresentam como placas ou manchas brancacentas localizadas em mucosas (colo uterino, etc). Corresponde a metaplasia de um epitélio escamoso não queratinizado em queratinizado. DISPLASIAS É uma condição adquirida caracterizada por alterações da proliferação e da diferenciação celulares acompanhadas de redução ou perda de diferenciação das células afetadas. Os exemplos mais conhecidos são displasias epiteliais, nas quais ocorrem, em graus variados, aumento da proliferação celular e redução na maturação das células, que podem apresentar algumas atipias celulares e arquiteturais. Muitas vezes um tecido displásico pode preceder uma neoplasia, todavia, nem sempre uma displasia progride para câncer, já que pode estacionar ou até mesmo regredir. Displasia é processo mais complexo e com mais alterações na expressão de genes que regulam a proliferação e a diferenciação das células, razão pela qual muitas displasias são consideradas lesões pré-cancerosas. Muitas vezes é difícil distinguir displasia de neoplasia, inclusive pelas alterações genômicas que apresentam. Assim, dividem-se em neoplasia intraepitelial cervical (NIC), neoplasia intraepitelial vulvar (NIV), neoplasia intraepitelial da próstata (PIN, de prostatic intraepithelial neoplasia) etc. Quanto mais grave a displasia, maior o risco de sua evolução para um câncer. NEOPLASIAS Uma das características principais das neoplasias é a proliferação celular descontrolada. E, em geral ocorre, paralelamente ao aumento da proliferação, perda da diferenciação celular. Como resultado, as células Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR neoplásicas progressivamente sofrem perda de diferenciação e tornam-se atípicas. A célula neoplásica sofre alteração nos seus mecanismos regulatórios de multiplicação, adquire autonomia de crescimento e torna-se independente de estímulos fisiológicos. Uma neoplasia pode ser definida como uma lesão constituída por proliferação celular anormal, descontrolada e autônoma, em geral com perda ou redução de diferenciação, em consequência de alterações em genes e proteínas que regulam a multiplicação e a diferenciação das células. As neoplasias benignas e malignas têm dois componentes: ✓ Células neoplásicas (parênquima); ✓ Estroma conjuntivovascular. O termo "tumor" é mais abrangente, pois significa qualquer lesão expansiva ou intumescimento localizado, podendo ser causado por outras lesões (inflamações, hematomas etc.). Os tumores podem ser classificados de acordo com vários critérios: ✓ Pelo comportamento clínico (benignos ou malignos); ✓ Pelo aspecto microscópico (critério histomorfológico); ✓ Pela origem da neoplasia (critério histogenético). Algumas regras são importantes: ✓ O sufixo -oma é empregado na denominação de qualquer neoplasia, benigna ou maligna; ✓ A palavra carcinoma indica tumor maligno que reproduz epitélio de revestimento; se for usada como sufixo, sempre indica malignidade (p. ex., adenocarcinoma); ✓ O termo sarcoma refere-se a uma neoplasia maligna mesenquimal; usado como sufixo, indica tumor maligno de determinado tecido (p. ex., fibrossarcoma, lipossarcoma etc.); ✓ A palavra blastoma pode ser usada como sinônimo de neoplasia e, quando empregada como sufixo, indica que o tumor reproduz estruturas com características embrionárias (nefroblastoma, neuroblastoma etc). NOMENCLATURA RESUMIDA DOS TUMORES D NEOPLASIAS BENIGNAS As células das neoplasias benignas em geral são bem diferenciadas e podem até ser indistinguíveis das células normais correspondentes. As atipias celulares e arquiteturais são discretas, ou seja, o tumor reproduz bem o tecido que lhe deu origem. Como a taxa de divisão celular é pequena (baixo índice mitótico ), em geral o tumor tem crescimento lento. As células crescem unidas entre si, não se infiltram nos tecidos vizinhos e formam uma massa geralmente esférica. Esse crescimento é do tipo expansivo e provoca compressão de estruturas adjacentes, que podem sofrer hipotrofia. Com frequência, forma-se uma cápsula fibrosa em torno do tumor, resultante de compressão do estroma adjacente. Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR Certos tumores histologicamente benignos podem ser letais. É o caso de adenomas secretores de substâncias importantes na homeostase que, quando em excesso, podem causar morte (tumores pancreáticos secretores de insulina podem levar a hipoglicemia fatal). NEOPLASIAS MALIGNAS Os tumores malignos, em geral, são pouco delimitados e comumente invadem os tecidos e estruturas vizinhos. As neoplasias não possuem inervação, a dor sentida pelos pacientes cancerosos é devida a infiltração ou compressão de terminações nervosas existentes em tecidos vizinhos. As céls possuem taxa de multiplicação elevada (alto índice mitótico), seu crescimento é em geral rápido; o mesmo não acontece com o estroma e os vasos sanguíneos, que se desenvolvem mais lentamente, resultando muitas vezes em degenerações, necroses, hemorragias e ulcerações (não apresentam cápsula). Em geral, as célulascancerosas são mais volumosas do que as normais, sobretudo por aumento do núcleo (aumento da relação núcleo/citoplasma). Além disso, a cromatina é irregular e mais compacta (hipercromasia nuclear), (células bi ou multinucleadas). Anomalias cromossômicas são comuns, sobretudo aumento do número de cromossomos (tri e tetraploidia, sendo aneuploidia mais frequente em neoplasias mais agressivas). Muito comum é a maior quantidade de células por unidade de área (hipercelularidade). O citoplasma também se altera, havendo muitas vezes variações pronunciadas no volume e na forma das células (pleomorfismo celular). Como são menos aderidas entre si, as células cancerosas podem movimentar-se e infiltrar-se no estroma e nos tecidos adjacentes, os limites do câncer com as estruturas adjacentes são pouco definidos, e, em consequência, a remoção completa do tumor muitas vezes é difícil. PROPRIEDADES DAS CÉLULAS MALIGNAS ✓ Adesividade; ✓ Crescimento autônomo; ✓ Multiplicação e diferenciação celulares; ✓ Motilidade; ✓ Angiogênese; ✓ Capacidade de invasão e de originar metástases; ✓ Funções celulares REPARO TECIDUAL (FIBROSE) O termo fibrose é mais comumente utilizado para descrever a extensa deposição de colágeno que ocorre nos pulmões, fígado, rins e outros órgãos, como consequência da inflamação crônica, ou no miocárdio, após necrose isquêmica extensa (infarto). Se a fibrose se desenvolver em um espaço tecidual ocupado por exsudato inflamatório, é chamada de organização (como ocorre no caso da pneumonia em organização). O processo envolve a proliferação de várias células e as estreitas interações entre as células e a matriz extracelular (MEC). O reparo por meio da deposição de tecido conjuntivo consiste em processos sequenciais que se seguem à lesão dos tecidos e à resposta inflamatória: Proliferação Celular e Câncer Mayra Cleres de Souza, UFR A deposição de tecido conjuntivo ocorre em duas etapas: ✓ Migração e proliferação de fibroblastos para o local da lesão; ✓ Deposição das proteínas da MEC produzidas por essas células. FIBROSE EM ÓRGÃOS PARENQUIMATOSOS O termo fibrose é empregado quando ocorre deposição excessiva de colágeno e outros componentes da MEC em um tecido. Os termos cicatriz e fibrose são usados indiferentemente, mas fibrose indica, a deposição anormal de colágeno que ocorre em órgãos internos nas doenças crônicas. Os mecanismos básicos de fibrose são idênticos aos da formação de cicatriz na pele durante o reparo tecidual. É um processo patológico induzido por estímulos lesivos persistentes, como infecções crônicas e reações imunológicas, tipicamente associado à perda tecidual, podendo ser responsável pela disfunção significativa dos órgãos e até mesmo pela insuficiência. Mecanismos da fibrose: lesão persistente de tecido leva à inflamação crônica e à perda de arquitetura tecidual, as citocinas produzidas por macrófagos e outros leucócitos estimulam a migração e a proliferação de fibroblastos e miofibroblastos, além da deposição de colágeno e outras proteínas da matriz extracelular, o resultado final é a substituição do tecido normal por fibrose. A principal citocina envolvida na fibrose é o TGF-β. Os mecanismos que levam à sua ativação não são conhecidos com precisão, mas a morte celular por necrose ou por apoptose e a produção de espécies reativas de oxigênio parecem ser importantes desencadeadores da ativação, independentemente do tecido. As células que produzem colágeno sob estímulo do TGF-β podem variar, dependendo do tecido. Na maioria dos órgãos, como nos pulmões e rins, os miofibroblastos constituem a principal fonte de colágeno, mas, na cirrose hepática, os maiores produtores de colágeno são as células estreladas. REFERÊNCIAS ✓ Robbins e Contran, Patologia, Bases Patológicas das Doenças, 9º edição, 2016. ✓ Genética Médica, Thompson e Thompson, 8º edição, 2016. ✓ Biologia Molecular da Célula, Alberts, 6º edição, 2017.
Compartilhar