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PROVA ESCRITA Wendell Magalhães1 Economia Monetária e Fiscal: o modelo IS-LM Desde que a Ciência Econômica firmou as identidades econômicas entre produção, renda e dispêndio e, a partir destas, criou a noção de fluxo circular da renda, ficou estabelecido que a economia era formada basicamente por duas dimensões: um lado real e outro monetário.2 Enquanto o lado real lida com oferta e demanda de bens e serviços, o lado monetário cuida da oferta e demanda de moeda na economia. Tal compreensão da economia, no entanto, se dá após longo debate entre diversos autores de diferentes matizes teóricos, o que implica em grande disparidade das noções que envolvem esse assunto, e até na disparidade do significado mesmo dessa compreensão da economia em tais moldes. O debate, entretanto, atinge novo nível e oferece um novo salto de entendimento para Ciência Econômica com a publicação do famoso economista inglês John Maynard Keynes, intitulada The General Theory of Employment, Interest and Money (1936), ou, conforme tradução em português, A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (ou do Dinheiro, numa tradução mais literal3). Nesta, Keynes promove um debate e uma crítica às ideias daqueles economistas que ele tinha por “clássicos”, o que inclui, para além daqueles que Marx denominou assim – como David Ricardo (1772-1823), James Mill (1773-1836) etc. –, os seguidores de Ricardo, ou seja, os que adotaram e aperfeiçoaram sua teoria, como John Stuart Mill (1806-1873), Alfred Marshall (1842-1924) e Arthur Cecil Pigou (1877-1959), segundo a visão de Keynes. Na obra de Keynes, por sua vez, destacam-se várias noções novas, muito caras à história do pensamento econômico e mesmo à ciência econômica atual. É o caso da noção de preferência pela liquidez, proporção marginal a poupar, proporção marginal a consumir, eficiência marginal do 1 Bacharel e Mestre em Economia (UFPA). 2 A noção de fluxo circular da renda compreende a economia como repartida, basicamente, em firmas (ou empresas) e famílias. Nesse entendimento, enquanto as firmas são responsáveis pela produção de bens e serviços, as famílias são responsáveis pela oferta dos fatores de produção (capital e trabalho, basicamente). Temos então um fluxo em termos reais entre essas duas unidades. As famílias ofertam para as empresas fatores de produção e essas lhe devolvem estes transformados pelo processo produtivo na forma de bens e serviços. Esse fluxo, no entanto, não se dá sem uma contrapartida monetária sob a forma de renda, o que implica na remuneração por parte das empresas dos fatores de produção das famílias através, basicamente, de lucros, juros e salários; e do gasto dessa renda por parte das famílias com os bens e serviços produzidos pelas empresas. Está dada, portanto, já nessa concepção a divisão da economia em uma dimensão real, atrelada à produção dos bens e serviços; e uma dimensão monetária, atrelada à contrapartida para efetuação do consumo (seja de fatores de produção, por parte das empresas; seja de bens e serviços, por parte das famílias). Ver PAULANI, L. M. & BRAGA, M. B. A Nova Contabilidade Social: uma introdução à macroeconomia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 3 Para os fins deste texto, dinheiro e moeda são utilizados aqui como equivalentes. Entretanto, para a escola de pensamento marxista, por exemplo, são coisas bem diferentes, com o dinheiro configurando algo bem mais complexo que a simples moeda, posto aquele assumir uma série de funções sociais imprescindíveis para o desenvolvimento do capitalismo, no que, só a partir de então, pode ser considerado dinheiro. Ver MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. capital etc. Junto com estas, porém, Keynes introduz a sua visão do capitalismo como uma economia monetária de produção. Há, nesse sentido, um destaque maior por parte de Keynes do lado monetário da economia em relação aos “clássicos”, no qual contrapunha-se à ideia da moeda na economia como um ativo neutro, tal qual propugnava a famosa Teoria Quantitativa da Moeda, na qual a moeda se configurava como um mero meio de troca. Para Keynes, diferentemente, a moeda exercia, por meio de sua demanda e oferta, um papel significativo na determinação da taxa de juros, e esta, por sua vez, definiria em boa medida o nível de produção e renda através do seu efeito na variável de investimento da economia. Aqui estaria um dos grandes diferenciais da obra keynesiana em relação aos “clássicos”. Se nestes últimos, a demanda exerceria uma função passiva na produção do equilíbrio de mercado, em acordo com o que determinava a famosa Lei de Say (toda oferta gera sua própria demanda); para Keynes, era o inverso: a demanda (agregada) era a grande responsável pelo produto (agregado) da economia, sobretudo através da sua variável de investimento, a mais incerta dentre as variáveis que compunham a demanda agregada, por depender, dentre outras coisas, do psicológico e da expectativa dos empresários diante do mercado.4 Não pretendemos entrar em pormenores aqui da obra Keynesiana. Essa brevíssima introdução é simplesmente para contextualizar o surgimento, embasamento e consolidação da noção da existência de uma base monetária e outra real da economia, o que fundamenta a formulação e aplicação de política monetária ou/e fiscal por parte do governo, conforme o comportamento verificado dessa mesma economia. Não é exatamente Keynes, no entanto, o responsável por sintetizar essa concepção em um modelo plenamente adotável e aplicável na economia através de políticas econômicas. Em 1937, o economista Jonh Hicks, em seu artigo Mr. Keynes and the “Classics”, assinalou como uma das principais contribuições de Keynes ter descrito o conjunto de mercado de bens e dos mercados financeiros. Outro economista, Alvin Hansen, ampliou essa análise ainda no início da década de 1940 e os dois economistas então ficaram como os responsáveis por terem criado o modelo IS-LM. Em seu livro clássico de Macroeconomia, o economista francês, Olivier Blanchard (2017), ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional, destaca que, para a maioria dos economistas, o modelo IS-LM ainda representa um fundamento essencial. Ainda que simples, o autor pondera que tal modelo é capaz de captar grande parte do que ocorre na economia no curto prazo e, por isso, ele é ensinado e utilizado até hoje. O modelo IS-LM costuma ser apresentado como um par de curvas em um gráfico, sendo uma das curvas designada como “curva IS”, que é equivalente ao produto de equilíbrio na economia (em que demanda é igual à oferta), apontado na linha horizontal do gráfico, face à taxa de juros na 4 Ver HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. economia, que aparece na linha vertical do gráfico. A designação IS da curva corresponde às iniciais de Investment (investimento) e Saving (poupança). Ela se refere, portanto, à relação IS como uma relação de equilíbrio que iguala investimento e poupança, e que consiste num modo alternativo de apresentar o equilíbrio da economia, quando sua produção é igual a sua demanda. Nesse sentido, a relação IS aponta o produto de equilíbrio correspondente a cada taxa de juros na economia. Ou seja, o produto de equilíbrio da economia em função de sua taxa de juros. Dado isso, não é difícil entender que a relação IS se expressa como uma curva negativamente inclinada no gráfico. O pressuposto aqui é que o produto de equilíbrio e a taxa de juros na economia são inversamente proporcionais. Tal fato deriva do entendimento de que, de maneira geral, na determinação do produto ou da renda na economia, a taxa de juros exerce um papel negativo, com destaque especial aqui para o seu impacto no investimento, elemento central de análise tambémna obra de Keynes. Por sua vez, a uma dada taxa de juros, a curva IS pode se deslocar para esquerda ou para direita, a depender dos outros tantos fatores ou variáveis que compõem a demanda agregada e estabelecem o nível de produto na economia. Um aumento no consumo, por exemplo, nesse sentido, deslocaria a curva IS para direita, indicando que a uma dada taxa de juros, com um nível de consumo maior, também se tem um maior nível de produto de equilíbrio na economia. Já aumentos de impostos, em contrapartida, mantido tudo mais constante, teria o efeito inverso, deslocando a curva IS para esquerda e indicando que a uma dada taxa de juros, com a diminuição da demanda efetiva provocada pelo aumento de impostos, se obtêm um menor nível de produto de equilíbrio na economia também. Agora, falemos do lado LM do modelo. Expresso na curva LM, ele designa a relação LM. Nesta, temos a igualdade da oferta real e da demanda real por moeda a um dado nível de produto ou renda em face de um dado nível de taxa de juros.5 Essas duas últimas variáveis nos dão os níveis de equilíbrio do produto e da taxa de juros na economia, justamente por equilibrarem os mercados financeiros a partir da igualdade entre demanda e oferta real de moeda. No gráfico da curva LM, por sua vez, esta aparece positivamente inclinada, com o produto ou renda no eixo horizontal e a taxa de juros no eixo vertical do gráfico. Isso indica que a taxa de juros é uma função crescente do nível de renda da economia, aumentando seu ponto que equilibra a demanda e a oferta de moeda, representada na curva LM, sempre que temos um aumento do nível de renda da economia. A lógica que está por detrás disso trabalha com a hipótese de que a oferta de moeda é fixa na economia; é exógena, portanto, ao modelo, já que estabelecido pela autoridade monetária central do governo. A demanda por moeda, no entanto, é função do nível de renda, além de decrescente em 5 Um adendo: por mais que possamos simplificar essas expressões falando simplesmente em oferta e demanda por moeda (e os livros-texto de economia costumam fazer o mesmo), subentende-se aqui que essa demanda e oferta de moeda é sempre real – ou seja, livre do impacto inflacionário dos preços – e refere-se, mais diretamente, à demanda e oferta de moeda em termos de bens. Isso adequa a curva LM aos termos da curva IS, que restringe-se ao mercado de bens da economia. relação à taxa de juros. Um aumento, portanto, no nível de renda, provoca um aumento na demanda por moeda. Em face de uma oferta de moeda fixa, esse aumento da demanda eleva a taxa de juros de equilíbrio, fazendo da relação que iguala demanda e oferta de moeda (LM) uma relação positiva entre taxa de juros e nível de produto ou renda na economia. A curva LM também pode sofrer deslocamentos conforme o aumento ou diminuição da oferta monetária, que fora, até aqui, dada como constante. No primeiro caso, com o aumento dessa oferta, a curva desloca-se para baixo, indicando que a qualquer nível de renda, a taxa de juros que equilibra a oferta e demanda por moeda se torna menor. No segundo caso, uma diminuição da oferta monetária desloca a curva LM para cima, tornando a taxa de juros de equilíbrio maior para qualquer nível de renda. Em síntese, temos então que a relação IS nos mostra como a taxa de juros afeta o produto e estabelece o equilíbrio entre oferta e demanda de bens; enquanto a relação LM nos diz como o produto afeta a taxa de juros e equilibra a demanda e oferta de moeda na economia. Juntas, portanto, elas determinam o produto e a taxa de juros de equilíbrio. Graficamente, isso se mostra no ponto em que as duas curvas correspondentes às suas respectivas relações se encontram num único modelo IS-LM. A partir desse modelo, pode-se prever a curto prazo o comportamento da economia, assim como conduzir a política fiscal e monetária no sentido do estabelecimento da melhora do desempenho econômico. A política fiscal diz respeito, essencialmente, à arrecadação e gastos do governo. Nesse sentido, ela pode assumir um perfil mais contracionista – aumento da arrecadação e/ou diminuição dos gastos; ou mais expansionista – diminuição da arrecadação e aumento dos gastos. Já a política monetária se refere basicamente ao aumento ou diminuição de moeda ou base monetária na economia por parte dos atos do governo. No primeiro caso, trata-se de uma política de expansão monetária; no segundo, de uma política de contração monetária. A partir do modelo IS-LM é possível prever o impacto dessas políticas na economia e, logo, saber qual a melhor opção a se adotar para cada caso e momento. A maneira de determinar isso é levar em conta que variáveis estão por trás de cada relação do modelo e quais destas são diretamente afetadas por uma atitude ou política do governo. Sabemos, por exemplo, que um aumento de impostos, que configura uma política fiscal contracionista, afeta diretamente o produto da economia ao reduzir a renda disponível e o consumo. Logo, uma política como essa provocaria um impacto na relação IS, deslocando sua curva para esquerda, apontando que para qualquer taxa de juros no mercado, o produto de equilíbrio passa a ser menor. Na relação LM, em contrapartida, esse aumento de impostos não causa nenhum impacto direto, posto que essa relação não é determinada diretamente pelos impostos. Mas o equilíbrio do mercado dado pela encontro das duas relações sim, sofre um impacto, posto que a redução do produto na economia aí causado provoca uma redução na demanda por moeda, o que faz com que a taxa de juros de equilíbrio também diminua. Concluímos, então, que uma política fiscal contracionista, a partir desse modelo, tem como resultado último a diminuição tanto do produto quanto da taxa de juros de equilíbrio de mercado. Podemos testar os efeitos de todas as opções de política (fiscal ou monetária, expansionista ou contracionista) a partir desses pressupostos dados pelo modelo IS-LM. A escolha de uma ou outra alternativa, por sua vez, dependerá de cada governo e dos objetivos, assim como dos sacrifícios, a que estão dispostos. REFERÊNCIAS BLANCHARD, O. Macroeconomia. 7 ed. São Paulo: Pearson Universidades, 2017. HICKS, J. R. Mr. Keynes and the “Classics”: A Suggested Interpretation. Econometrica, abril, 1937. HUNT, E. K. História do pensamento econômico. 3 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2013. KEYNES, J. M. [1936]. A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda. São Paulo: Editora Nova Cultural, 1996 (Coleção Os Economistas). MARX, K. O Capital: crítica da economia política, Livro I: o processo de produção do capital. São Paulo: Boitempo, 2013. PAULANI, L. M. & BRAGA, M. B. A Nova Contabilidade Social: uma introdução à macroeconomia. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
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