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BREVE DISSERTAÇÃO QUANTO À ADPF 54 E O ABORTO DE FETOS ACENCEFALO

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Por: Rafael O. Castro. Acadêmico de Direito. 2020
A ADPF ou Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 54 foi uma ação consideravelmente importante para o tribunal. Fora julgada a questão relativa ao aborto/interrupção da gestação de fetos portadores de anencefalia. Não obstante o debate sobre o tema, em plenário e/ou pela sociedade gera severa repercussão, pois, de modo suscinto de um lado há aqueles pró abortos e doutro aqueles que são contra. Envolve também um debate religioso quanto ao tema, pois para muitas religiões há a premissa que toda vida é sagrada, seja ela qual for. 
O STF, na votação, decidiu, por maioria dos votos (08 a favor e 02 contra) a inconstitucionalidade dos artigos 124 e 126 do Código Penal Brasileiro no que diz respeito a anencefalia em fetos. A partir de dados da OMS – Organização Mundial da Saúde, o Brasil foi o quarto país com a incidência de fetos com anencefalia no período de 1993 a 1998, o que, quando do desenvolvimento da ADPF supracitada revelou relevante valor a ser debatido pelo tribunal. 
Pode-se dizer que não houve uma descriminalização do aborto de um modo geral. Teve-se apenas, exclusivamente nesse caso, a inconstitucionalidade da interrupção da gravidez nos casos de feto anencéfalo, assim então deixando de ser um fato típico. Reitero que se aplica apenas no caso de feto portador de anencefalia, não integralizando assim a descriminalização do aborto.
Quando se fala de questões que envolvam o aborto ou similares há a discussão quanto à Dignidade da Pessoa Humana. No caso tratado, o da anencefalia em fetos é imprescindível a relatividade da vida, pois, não só está em debate a dignidade do feto, mas também a da gestante. Diante dessa gestação a gestante pode passar por complicações vindo a perder a própria vida, ou, caso a criança venha a nascer com vida, a mãe é intimamente afetada psicologicamente e talvez até fisicamente, pois haverá cuidados, afazeres entre outras coisas que irá afetar sua dignidade. Não obstante, a dignidade da criança portadora de anencefalia quanto aos tratamentos adequados, medicações, e aspectos que envolvam a doença, teria os responsáveis por essa criança, juntamente com o Sistema Único de Saúde e o Estado, plena capacidade de garantir a ela total dignidade no desenrolar de sua vida (?). Quanto à religiosidade, por se tratar de um Estado Laico, o Brasil deve acatar única e exclusivamente à ciência no que diz respeito à vida, não vinculando a qualquer dogma religioso para criação e modificações de seu sistema normativo, agindo com total lógica. Embora a religiosidade seja “importante” em várias culturas, esta não é absoluta, muito menos científica, para tratar de assuntos delicados e que exigem constante interpretação atualizada, o que não se observa no sistema religioso, cujo é conservador.[footnoteRef:1] [1: O autor do trabalho, Rafael O. Castro demonstra os fatos, apresentando-os ao leitor, o objetivo não é induzir o leitor a interpretação alguma, apenas apresentar os fatos para este fazer sua própria interpretação. Não estou atacando ou menosprezando os dogmas religiosos, apenas mostrando a realidade quanto aos fatos, não cabendo a mim aprovar ou desaprovar tais assuntos, e sim apenas apresenta-los ao leitor. ] 
O artigo 128 do CP diz o seguinte em sua redação: “Não se pune o aborto praticado por médico: I- se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II- se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” Ou seja, nota-se que a redação se mantém a mesma até a data de elaboração deste trabalho, não houve a adição do inciso terceiro nem de outrem nesse artigo. 
Após o julgamento da ADPF 54, várias foram as decisões envolvendo os Tribunais Estaduais quanto ao assunto. No estado do Rio Grande do Sul pode-se citar a decisão de um mandado de segurança quanto à interrupção de gravidez: 
MANDADO DE SEGURANÇA. INTERRUPÇÃO DE GRAVIDEZ. PATOLOGIA INCOMPATÍVEL COM A VIDA EXTRA-UTERINA. EXAMES MÉDICOS QUE APONTARAM ANENCEFALIA NO FETO. Sem desmerecer a vida intrauterina e o direito do nascituro, em um juízo de proporcionalidade deve prevalecer a dignidade humana, o livre arbítrio e a saúde mental da gestante, quando a vida do feto é, em verdade, mera expectativa de, talvez, haver uma sobrevida (e nada mais). No mais, atentaria contra os mais basilares fundamentos e princípios constitucionais a continuidade da gestação da impetrante, que se afigura mesmo desumana por fazê-la gerar um feto com malformação cujo prognóstico certo é a morte prematura – na maior parte dos casos, inclusive, intrauterina. SEGURANÇA CONCEDIDA. UNÂNIME.[footnoteRef:2] [2: Processo MS 70078677192 RS. Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal. Publicado em 05/09/2018 e julgado em 30 de agosto de 2018. Relator: Luiz Mello Guimarães. ] 
No Tribunal de Justiça de Minas Gerais não foi diferente, o TJ analisou uma Apelação de interrupção terapêutica de gravidez fundamentando que não há vida viável: 
APELAÇÃO- PEDIDO DE INTERRUPÇÃO TERAPÊUTICA DE GRAVIDEZ- FETO ANENCÉFALO- PEDIDO DEFERIDO. Em se tratando de feto anencéfalo deve ser deferida a interrupção terapêutica da gravidez, uma vez que não há vida viável a ser tutelada pelo ordenamento jurídico.[footnoteRef:3] [3: Apelação Cível Nº 1.0699.11.011108-4/001 - COMARCA DE Ubá - Apelante(s): MAURO CELSO FERNANDES, ANA MARIA LOPES FERNANDES e outro(a)(s) - Apelado(a)(s): ALESSANDRO GUIDUCCI TAVARES Atribuição da parte em branco CURADOR ESPECIAL NOMEADO AO EVENTUAL NASCITURO.] 
No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro houve também o julgamento sobre o tema, nesta vez um habeas corpus em 04/02/2020, conforme Ementa: 
Habeas corpus. Hostilização de decisão que indeferiu a pretensão de autorização para interrupção de gravidez. Admissibilidade do writ para proteger o direito pretendido. Mérito que se resolve em favor da impetração. Diagnósticos e exames médicos confirmando tratar-se de feto portador de anencefalia. Anomalia que inviabiliza qualquer chance de vida extrauterina. Precedente histórico da ADPF nº 54, o qual declarou a possibilidade justificante de interrupção da gravidez de feto anencéfalo, afastando a incidência típica dos arts. 124, 126 e 128, I e II, todos do CP. Gravidez que não pode ser levada a termo pela gestante, sob pena de macular o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, fundamento do nosso Estado Democrático de Direito (CF, art. 1º, III). Proteção jurídico-constitucional da saúde físico-emocional da gestante, cuja ponderação tende a repercutir em favor da Paciente. Conduta que não pode ser tipificada como crime, descartado o elemento subjetivo de malferir a proteção da vida extrauterina, inviável na espécie. Código Penal que deve ser interpretado à luz da Constituição Federal. Concessão da ordem, determinando a expedição de alvará de autorização, com prazo de validade de 30 (trinta) dias, para a interrupção da gravidez de Lidiane dos Santos Santana no Hospital Municipal Rodolpho Perissé.[footnoteRef:4] [4: 0002292-55.2020.8.19.0000 - HABEAS CORPUS. Des(a). CARLOS EDUARDO FREIRE ROBOREDO - Julgamento: 04/02/2020 - TERCEIRA CÂMARA CRIMINAL. Poder Judiciário do Estado do Rio de Janeiro. ] 
Consequentemente e já previsível, houve também no Superior Tribunal de Justiça decisões relacionadas ao tema também, mais precisamente nesse caso, no HC 236.299: 
Habeas corpus julgado prejudicado. DECISÃO Trata-se de habeas corpus preventivo, com pedido liminar, impetrado em benefício de “N”, em que se aponta como autoridade coatora o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Consta dos autos que Jaqueline Alves de Lima requereu perante o Juízo da 4ª Vara Criminal da comarca de Duque de Caxias/RJ, autorização para interrupção da gravidez de feto anencéfalo, sob o fundamento da inviabilidade absoluta de vida extra-uterina. No entanto, o magistrado singular, acolhendo parecer do Ministério Público estadual, indeferiu o pleito, por absoluta falta de previsão legal. Impetrou-se, por conseguinte, habeas corpus nacolenda Corte de origem, que deferiu o pedido, a fim de autorizar a realização do aborto pela gestante (habeas corpus n. 0005182-45.2012.8.19.0000).[footnoteRef:5] [5: STJ - HC: 236299 RJ 2012/0053071-4, Relator: Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Data de Publicação: DJ 20/04/2012.] 
O doutrinador Guilherme de Souza Nucci traz na sua obra Código Penal Comentado, breve comentário sobre o assunto, cujo o aborto em tais circunstâncias seria um caso atípico, principalmente em se tratando de uma gravidez inviável, nas suas palavras:
O aborto e a anencefalia: se os médicos atestarem que o feto ou embrião é verdadeiramente inviável, vale dizer, possui malformação que lhe impedirá a vida fora do útero materno, não se cuida de “vida própria”, mas de um ser que sobrevive à custa do organismo da gestante. No caso do anencéfalo (ausência de calota craniana e parcela do cérebro), uma vez que a própria lei considera cessada a vida tão logo ocorra a morte encefálica, não há viabilidade para se sustentar a gravidez. Assim, a ausência
de abóbada craniana e de hemisférios cerebrais pode ser motivo mais que suficiente para a realização do aborto, que não é baseado, porém, em características monstruosas do ser em gestação, e sim na sua completa inviabilidade como pessoa, com vida autônoma, fora do útero materno. Autorizar o aborto, nessa hipótese, é um fato atípico.[footnoteRef:6] [6: NUCCI, 2017. Pag. 471] 
O doutrinador Cleber Masson segue a mesma linha de pensamento do doutrinador supracitado, dizendo também que se trata de fato atípico, já que não há previsão de vida humana ao feto. Nos seus dizeres:
(...) sua eliminação em intervenção cirúrgica constitui-se em fato atípico, pois o anencéfalo não possui vida humana que legitima a intervenção do Direito Penal. No julgamento da ADPF 54/DF, ajuizada pela CNTS –Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde, o Plenário do Supremo Tribunal Federal declarou a inconstitucionalidade da interpretação segundo a qual a interrupção da gravidez de feto anencéfalo seria conduta tipificada nos arts. 124, 126 e 128, incs. I e II, do Código Penal. Desta forma, a Corte reconheceu o direito da gestante de submeter-se à antecipação terapêutica de parto na hipótese de anencefalia, previamente diagnosticada por profissional habilitado, sem estar compelida a apresentar autorização judicial ou qualquer outra forma de permissão do Estado. Se a gestante ou um terceiro praticar manobras abortivas no sentido de eliminar o feto anencéfalo, estará caracterizado crime impossível, em razão da impropriedade absoluta do objeto material, nos termos do art. 17 do Código Penal.[footnoteRef:7] [7: Masson, 2014 Pag. 518] 
Não obstante, no mesmo diapasão Damázio de Jesus, considera, também um caso de atipicidade. Com um fundamento estritamente jurídico, o doutrinador ilustrou seu posicionamento: 
Minha anotação supra, na qual declaro a atipicidade do aborto de anencefálico, foi estritamente jurídica, limitando-me, como mero estudioso do Direito Penal, a analisar a decisão tomada pelo STF, com suas consequências, sem discuti-la, menos ainda sem me aprofundar sobre os gravíssimos problemas morais e éticos que estão envolvidos nessa questão. Como disse, a decisão, com aquela qualificação, deve ser acatada. Foi
estritamente isso que fiz no artigo em questão. Nele, procurei considerar estritamente a obrigação legal, tal qual ela foi, de facto, instituída no Brasil por força da decisão da Augusta Corte, sem discutir o mérito dela sob o aspecto do Direito Natural. Comentei a razão penal. No meu texto, procurei despir-me de considerações de ordem filosófica e até mesmo religiosa (católico que sou, ressalto) para cingir-me estrita e exclusivamente
ao âmbito legal, diante do fato concreto de ter o Supremo adotado a posição que tomou. Reconheço, entretanto, o caráter polêmico do assunto. Excelentes juristas patrícios pensam de modo contrário ao decidido pelo STF. De fato, o entendimento do STF, expresso nas palavras do eminente Ministro Marco Aurélio, relator da ADPF, considera que, uma vez que sem cérebro não há vida, um feto sem cérebro não vive nem pode viver, porquanto lhe falta um elemento essencial, qual seja a própria vida. Essa posição se ancora no estágio atual da Ciência médica, que situa a morte não mais na parada cardíaca — como antigamente se entendia. Hoje, esse fato ocorre na cessação das funções cerebrais, que de ordinário dá-se alguns minutos após a parada cardíaca e a consequente interrupção de circulação sanguínea no cérebro, mas pode, inversamente, acontecer ainda com o coração batendo.[footnoteRef:8] [8: Jesus, 2014. Págs. 483/484] 
Por fim, pode-se concluir que mesmo se tratando de um “tema” sensível quanto para o judiciário, quanto para a sociedade, considerando todos os aspectos culturais, com ênfase na religião. De forma lógica e suscinta a Função Judiciária decidiu da melhor forma possível, ao deferir o aborto no caso de feto anencéfalo, mesmo que essa decisão vá de encontro com a opinião daqueles mais conservadores e religiosos.
Mister dizer reiterar que há estrito ligamento com a Dignidade da Pessoa Humana, para a Gestante e o feto, principalmente no quesito infraestrutura para atender ao portador de anencefalia. 
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 
JESUS, Damázio de. Código Penal Anotado. 22 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código Penal Comentado. 17 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017.
MASSON, Cleber. Código Penal Comentado. 2 ed. São Paulo: Método, 2014

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