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Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 1 P ó s- G ra d u aç ão a D is tâ n ci a Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada Professor Ms. André Luiz Moura Princípios de Farmacocinética Clínica/ Farmacocinética Clínica Aplicada Professor André Luiz Moura Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 2 Introdução 3 Farmacocinética X Farmacodinâmica 5 Os quatro processos da farmacoterapia. 6 Farmacocinética. 8 Objetivos da farmacocinética clínica. 8 Revisão de farmacocinética básica. 8 Passagem de fármacos pela membrana. 9 Fatores que afetam a absorção de um fármaco. 11 Influencia do pH e pKa: 12 Biodisponibilidade: 14 Fatores fisiológicos que podem influenciar na absorção. 14 Resumo dos fatores que podem modificar a absorção 18 Distribuição de fármacos. 18 Modelos compartimentais em farmacocinética. 19 Modelos não compartimentais 21 Fatores que podem influenciar as proteínas plasmáticas 22 Concentração de ácidos graxos livres 23 Volume aparente de distribuição: 23 Principal aplicação do Vd 25 Relação entre dose de ataque e dose de manutenção 26 Área Sob a Curva (AUC): 26 Eliminação e Metabolismo de fármacos (excreção e biotransformação). 29 Principais enzimas envolvidas com o processo de fase I. 29 Reações de fase II 31 Excreção de fármacos 31 Clearance ou depuração 34 Cálculo do clearance e sua aplicabilidade. 34 Administração de medicamentos em doses múltiplas 35 Monitoramento farmacocinético. 37 Requisitos essenciais para controle terapêutico 38 Informações sobre o modo de administração e definição dos tempos de coleta 38 Fármacos que devem ser submetidos ao controle terapêutico 41 Referências 43 SUMÁRIO Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 3 INTRODUÇÃO No homem, o instinto de sobrevivência geralmente é guiado pelo pensamento abstrato. Desta forma, a espécie humana utiliza-se – além das respostas reflexas de autoproteção comuns aos seres vivos – de formas elaboradas de preservação e restauração da saúde. Ao se observar a história da raça humana, verifica-se a existência de inúmeros registros ações que objetivam o benefício, entre estas, pode-se destacar as mudanças de comportamento, ritos religiosos, atos cirúrgicos, utilização de substâncias que presumivelmente possuem alguma ação terapêutica, entre outras. Em muitas destas ações ocorreu alívio do sofrimento por razões diversas de qualquer efeito intrínseco. Algumas intervenções terapêuticas apresentaram nítido efeito intrínseco, como por exemplo, a contenção de uma hemorragia por meio de uma simples compressão local, o alinhamento de ossos fraturados, a retirada de tumores e membros em situação gangrenosa certamente contribuíram para o alívio de sofrimento e até para o prolongamento da vida. Alguns dos medicamentos utilizados também apresentavam poder intrínseco, como opióides e álcool, mas a maioria dos supostos remédios eram certamente desprovidos de qualquer ação. Demonstrou-se que grande parte dos resultados obtidos com tratamentos antigos provinha de fatores diversos do efeito intrínseco, sendo muitos deles, deletérios ao homem e animais. Atualmente descreve-se que a quantificação do efeito intrínseco de medicamentos é feito por métodos farmacológicos e farmacológico-clínico. Um fato importante e que não se pode negar, é que o início do tratamento de doenças por meio de drogas é de certa forma muito antigo. As primeiras drogas empregadas como medicamento foram as de origem natural, extraídas principalmente de plantas, e destinavam-se à terapia de doenças infecciosas. Por exemplo, o imperador chinês Sheng Nung (há mais de 3000 anos), em seus escritos sobre ervas medicinais, recomendava o uso da planta Ch’ang shang para o tratamento da malária. Atualmente sabe-se que esta planta contém o alcaloide febrifugina, que possui forte ação antimalárica. Índios brasileiros empregavam a raiz da ipeca para disenteria e diarreia; esta planta, contem a emetina, que é eficaz para o tratamento daquelas moléstias. Já os índios peruanos, utilizavam para o tratamento da malária, cascas da quina, de onde se extrai a quinina. Conceitos - Droga: a palavra droga origina do holandês antigo droog que significa folha seca, pois, antigamente quase todos os medicamentos eram feitos à base de vegetais. Atualmente, droga é definida como sendo qualquer substância capaz de modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de comportamento. Assim, droga consiste em qualquer substância química que possui a capacidade de produzir efeito farmacológico, ou seja, que provoque alterações funcionais ou somáticas. Se estas alterações forem benéficas, podemos denominar de fármaco ou droga-medicamento ou apenas medicamento, e se forem maléficas denominamos de tóxico ou droga-tóxico. - Princípio ativo: corresponde à substância (ou grupo destas), responsável pela ação terapêutica, com composição química e ação farmacológica conhecida. - Fármaco: substância química, estruturalmente definida, utilizada para o fornecimento de elementos essenciais ao organismo, na prevenção, no tratamento e no diagnóstico de doenças, infecções ou de situações de desconforto e na correção de funções orgânicas desajustadas. - Medicamento: é o mesmo que fármaco, especialmente quando este se encontra em uma formulação farmacêutica. Corresponde ao fármaco na especialidade farmacêutica (comprimidos, drágeas, cápsulas, soluções, pomadas, etc.). Em algumas situações, determinado medicamento é constituído de dois ou mais fármacos, nas chamadas associações medicamentosas. -Farmacodinâmica: embora dependa da Farmacocinética, estuda o local de ação, mecanismo de ação, e os efeitos que as drogas promovem no organismo. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 4 - Farmacocinética: estuda o movimento da droga através do organismo, envolvendo os processos de absorção, distribuição, biotransformação (metabolismo), e eliminação ou excreção. - Dose de ataque: consiste na dose única que é suficiente para elevar rapidamente a concentração plasmática terapêutica do fármaco no organismo. A palavra dose é derivada do grego dosis o que significa ação de dar ou o que pode ser dado. - Dose eficaz mediana: corresponde a dose necessária para produzir determinada intensidade de um efeito em 50% dos indivíduos. - Dose letal: consiste no efeito observado da morte dos animais de experiência com drogas. - Efeito adverso ou indesejado: consiste na ação provocada pelo fármaco diferente do efeito planejado. Alguns autores denominam de efeito colateral, e que não está relacionado à principal ação do medicamento. - Medicamentos bioequivalentes: são medicamentos que contém o mesmo fármaco ou princípio ativo, na mesma quantidade e forma farmacêutica, podendo ou não conter excipientes idênticos e de mesma biodisponibilidade. Devem cumprir com as mesmas especificações atualizadas da Farmacopéia Brasileira e, na ausência destas, com as de outros códigos autorizados pela legislação vigente, ou com outros padrões aplicáveis de qualidade, relacionados à identidade, dosagem, pureza, potência, uniformidade de conteúdo, tempo de desintegração e velocidade de dissolução, quando for ocaso. - Biodisponibilidade: é a fração de um dado princípio ativo liberada por uma formulação farmacêutica em um intervalo de tempo, disponível para absorção e que atingiu a corrente sanguínea sistêmica na forma inalterada (não biotransformada). - Biotransformação: processo de alteração na estrutura química que os fármacos sofrem no organismo, geralmente por conversão enzimática, com a finalidade de diminuir sua lipossolubilidade e facilitar sua excreção. - Compartimento central: compreende ao volume plasmático junto com o líquido extracelular dos tecidos, neste compartimento a droga difunde-se instantaneamente gerando equilíbrio, fazem parte deste compartimento pulmões, fígado, cérebro. - Compartimento periférico: compreende os tecidos de menor perfusão, o que demora a gerar equilíbrio. Fazem parte deste compartimento músculos, pele, tecido gorduroso. - Curva de Concentração Plasmática: determinação laboratorial da quantidade de um fármaco no sangue, este parâmetro reflete a dosagem inicial administrada, a absorção, a biodisponibilidade, a meia-vida e a taxa de metabolismo e excreção. Na curva de concentração plasmática é possível determinar-se o pico sérico, ou seja, o momento em que é atingida a concentração máxima do fármaco na circulação. Estudando-se a área abaixo da curva é possível entender a biodisponilidade do fármaco. Esquema demonstrando a curva de concentração plasmática onde aparece o pico sérico (Fonte: http://www.anvisa.gov.br/servicosaude/controle/rede_rm/ cursos/rm_controle/opas_web/modulo1/propriedades2.htm) - Efeito de primeira passagem: metabolização hepática de fármacos que acontece antes que o fármaco seja distribuído pelo corpo, que acontece todas as vezes que o medicamento é administrado por via oral. Na maioria das vezes, diminui a concentração que fica disponível na circulação sistêmica para posterior distribuição aos locais de ação. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 5 Esquema demonstrando o efeito de primeira passagem (fonte: http://www.medscape.org/viewarticle/421137_1) - Eficácia ou efetividade: capacidade de um fármaco produzir o efeito máximo desejado. - Índice terapêutico: expressa a margem de segurança que um determinado fármaco apresenta em relação a seus efeitos tóxicos e terapêuticos. Quanto maior o índice terapêutico, maior é a segurança do fármaco. É a relação entre a Dose Letal que mata 50% das cobaias (DL50) e a Dose Efetiva em 50% das cobaias (DE50). Esquema demonstrando como é determinado o índice terapêutico (Fonte: http://pharmacologycorner.com/therapeutic-index/ ) FARMACOCINÉTICA X FARMACODINÂMICA Nos dias atuais, tanto os médicos como os pacientes reconhecem a importância fundamental do tratamento com fármacos como um dos meios primordiais para a prevenção e alívio da doença. O médico tem a tarefa nada invejável de selecionar a(as) droga(s) de melhor propriedade dentro de um vasto acervo terapêutico. O grau de dificuldade na escolha da droga apropriada varia de médico para médico, dependendo de sua especialidade e da natureza da população de pacientes. Para tentar amenizar os erros, estes profissionais dentro de sua especialidade, geralmente usa um número limitado de drogas, e detém uma experiência ampla em relação à seleção da droga, posologia e reações adversas. Ao contrário, médicos que tratam de populações diversas, e que necessitam de adentrarem em diferentes especialidades, são continuamente desafiados, pois necessitam de trabalhar com um acervo terapêutico ainda maior. Assim, estes profissionais correm um grande risco de em determinada situação realizar uma prescrição com medicamentos diferentes que podem interagir entre si, e desencadear no paciente uma reação adversa. A farmacologia dentro de um enfoque aplicado fundamenta o ato de prescrever, permitindo que se faça uma terapêutica medicamentosa mais científica e racional. Esta se caracteriza pela seleção do medicamento adequado para prevenir, reverter ou atenuar um processo patológico. Entretanto, isto pode não ser o suficiente para se obter sucesso na terapêutica medicamentosa, pois é necessário garantir que o medicamento escolhido, atinja em concentrações adequadas, o órgão ou sistema alvo. Escolha inadequada do fármaco ou esquemas posológicos inapropriados podem produzir efeitos indesejáveis. Para que isto não ocorra, é necessário escolher doses, vias de administração e intervalo entre doses que garantam a chegada e a manutenção da concentração plasmática e concentração no local de ação do fármaco. Esquemas inadequados podem proporcionar concentrações insuficientes ou subterapêuticas que falseiam a interpretação sobre a eficácia do fármaco escolhido, ou em outra hipótese, pode ocorrer a disponibilização de concentrações muito acima da concentração tida como terapêutica, desencadeando inúmeros efeitos adversos oriundos das ações farmacológicas do medicamento, por este motivo, deve-se sempre objetivar doses e esquemas terapêuticos que proporcionem concentrações plasmáticas tidas como terapêutica (faixa terapêutica; Figura 1). Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 6 A disponibilidade para o sistema biológico de um determinado fármaco contido em uma forma farmacêutica é essencial para o propósito do desenvolvimento de formas de dosagem e possui fundamental importância para a eficácia do medicamento. Portanto, antes de ser absorvido por um sistema biológico, o fármaco deverá ser liberado de sua forma farmacêutica (comprimido, solução, drágea, etc) ou de um sistema de liberação de fármaco (adesivo transdérmico, implante) e solubilizar-se nos fluidos biológicos. Curvas concentração plasmática em função do tempo demonstrando na primeira figura um perfil normal de um medicamento administrado por via oral e, na segunda figura, curvas que saíram da faixa terapêutica (Lüllmann et al. 2008) OS QUATRO PROCESSOS DA FARMACOTERAPIA. De acordo com o disposto anteriormente, para se alcançar uma farmacoterapia de excelência, além da escolha do melhor medicamento, da melhor forma farmacêutica e da via de administração correta, para que um determinado produto possa ser utilizado como medicamento com finalidades de cura, diagnóstico, prevenção, este deverá primeiramente estar de acordo com as regras farmacológicas de ação, ou seja, deverá respeitar as quatro fases ou processos farmacológicos, que são por sua vez classificados em: a) Fase ou processo farmacêutico: está relacionado com todos os processo inerentes à formulação farmacêutica e com a via de administração do fármaco. Neste processo, não há nenhuma relação com os processos de absorção, distribuição, metabolismo ou excreção dos fármacos, mas está relacionado com a biodisponibilidade e bioequivalência dos fármacos e medicamentos, respectivamente. b) Fase ou processo farmacocinético: este processo relaciona-se intimamente com os processos de absorção, distribuição, metabolismo e excreção de fármacos. c) Fase ou processo farmacodinâmico: está relacionado com o efeito farmacológico produzido pelo fármaco quando este atinge seu local de ação. Não abrange apenas os efeitos farmacológicos que podem ser responsáveis por um efeito terapêutico, mas também aqueles responsáveis por causar reações adversas. d) Fase ou processo terapêutico: Para que o paciente seja beneficiado com a farmacoterapia, o efeito farmacológico produzido pela droga deverá se transformar em um efeito benéfico clínico, em outras palavras o efeito produzido pelomedicamento tem significado clínico desejável? Por exemplo, ao se administrar um diurético tiazídico a um paciente portador de edema de membros inferiores, este estará eliminando grandes quantidades de sódio e consequentemente de água, o que poderá acarretar em redução do edema, mas devemos lembrar que este tipo de ação produzida pelo diurético também leva à depleção de potássio, o que pode acarretar em distúrbios como hipocalemia severa, assim o efeito terapêutico desejável acaba produzindo um efeito indesejável. Cada um dos processos descritos acima é de extrema importância para o bom desempenho do medicamento. Na verdade existem questões deverão ser respondidas para que possamos entender melhor a importância destes processos: 1) O fármaco consegue penetrar no organismo do paciente? 2) O fármaco consegue alcançar seu local de ação? 3) O fármaco consegue produzir o efeito farmacológico desejado? 4) O efeito farmacológico consegue produzir o efeito terapêutico desejado? Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 7 Ao respondermos estas questões, estaremos observando que estas estão intimamente ligadas aos referidos processos citados anteriormente. Observe o esquema abaixo e tente enxergar as respostas das questões acima. Fluxograma da cinética medicamentosa nos organismos vivos (adaptado de Grahame – Smith, 2004) Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 8 FARMACOCINÉTICA. A administração de um determinado fármaco contido em uma forma farmacêutica, por uma via de administração, em uma única dose ou em doses múltiplas (repetidas), tem por finalidade a obtenção de um efeito farmacoterapêutico à um indivíduo em situação patológica. O efeito terapêutico desejado, como alívio da dor, diminuição da ansiedade, regularização da pressão arterial, controle da taxa glicêmica entre outras, depende da concentração do princípio ativo no local de ação ,e também da velocidade com que o princípio ativo consegue chegar no local (esquema abaixo). A intensidade da resposta farmacodinâmica, é geralmente, proporcional à concentração do princípio ativo no local de ação. Se o principio ativo se difundir rapidamente do plasma para seu local de ação, a sua concentração plasmática pode refletir sua concentração no local de ação. OBJETIVOS DA FARMACOCINÉTICA CLÍNICA. A farmacocinética clínica é uma ciência de caráter multidisciplinar e de grande interesse sanitário, que possui como principal objetivo na prática assistencial a individualização posológica, e a otimização do tratamento farmacoterapêutico, a fim de alcançar a máxima eficácia terapêutica com a mínima incidência de problemas relacionados aos medicamentos. Habitualmente os medicamentos são utilizados partindo de critérios pré-estabelecidos que contribuam com a estratégia do “acerto e erro”. Este empirismo está embasado na resposta clínica ou bioquímica em relação aos efeitos farmacológicos do medicamento prescrito. Entretanto, este método não é passível de ser aplicado a todos os casos, sendo necessárias adequações à farmacoterapia em função da situação encontrada para cada paciente. Portanto, os estudos de farmacocinética clínica permitem: - Avaliar o sucesso ou insucesso de uma terapêutica - Um meio de avaliar a extensão e velocidade de chegada do fármaco ao seu local de ação - Previsão e compreensão de efeitos secundários dos fármacos - Prever condições não testadas experimentalmente, tais como dosagens, intervalos de administração, etc. - Prever níveis teciduais, mesmo sem amostras dos mesmos - Comparar resultados entre diferentes indivíduos da mesma espécie ou entre espécies diferentes. - Descrever matematicamente o organismo REVISÃO DE FARMACOCINÉTICA BÁSICA. Até mesmo a mais promissora das terapias farmacológicas irá fracassar em estudos clínicos se o fármaco for incapaz de alcançar o seu órgão-alvo numa concentração suficiente para exercer um efeito terapêutico. Muitas das características que tornam o corpo humano resistente a danos causados por invasores estranhos e substâncias tóxicas também limitam a capacidade dos fármacos modernos de combater os processos patológicos no paciente. O reconhecimento dos numerosos fatores que afetam a capacidade de um fármaco de atuar em determinado paciente, bem como da natureza dinâmica desses fatores com o transcorrer do tempo, é de suma importância para a prática clínica da medicina. Vários fatores podem contribuir para a liberação de um fármaco, estes incluem as características físico- químicas do princípio ativo (tamanho de suas partículas, solubilidade em água ou gordura, pKa) e as características das formas de dosagem ou do sistema de liberação, como a natureza dos adjuvantes farmacotécnicos empregados na formulação e o método utilizado para o desenvolvimento da forma farmacêutica. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 9 O estabelecimento de esquemas posológicos padrões, e de seus ajustes em presença de situações fisiológicas (idade, sexo, peso, gestação), hábitos do paciente (tabagismo, ingestão de álcool) e algumas doenças (insuficiência renal, hepática, cardíaca) é orientado por informações provenientes da farmacocinética. Desta forma, amenos que um determinado fármaco promova seu efeito topicamente, isto é, no seu local de administração, o mesmo deverá alcançar a corrente sanguínea sistêmica e, chegar até seu local de ação. Porém, o simples fato do fármaco estar na corrente sanguínea não garante uma resposta farmacológica efetiva. Para que isto ocorra de forma eficaz, o fármaco deverá sair do plasma e alcançar o sistema de líquido intersticial (líquido que banha as células), ou até mesmo o meio intracelular, podendo ser este simplesmente o citoplasma e/ou o núcleo da célula. Como visto anteriormente, o efeito farmacológico é dependente da velocidade com que o fármaco consegue atingir seu sítio de ação, e este fenômeno é totalmente dependente de dois processos: absorção e distribuição. No entanto, para que uma determinada droga possa ser absorvida e distribuída, a mesma deverá possuir a capacidade de transpor diversas barreiras biológicas, as quais são classificadas como se segue: 1. Membranas celulares; 2. Barreira hematoencefálica; 3. Barreira placentária. Além destes fatores, a característica físico-química do fármaco (pKa, lipossolubilidade/hidrosolubilidade, peso molecular, estabilidade química, concentração no local de administração, forma farmacêutica), e os fatores relacionados ao paciente (via de administração, fluxo sanguíneo no local de administração, velocidade de esvaziamento gástrico, pH do local de administração, patologias presentes no local de administração), além de fatores como a administração simultânea de dois ou mais fármacos (interações físico-químicas no local de administração) ou ainda a administração de fármacos simultaneamente com determinados alimentos, são de grande importância para o processo de absorção. Estes fatores principalmente estão relacionados com as questões anteriormente vistas: 1. O fármaco consegue penetrar no organismo do paciente? (administração, liberação do princípio ativo, forma farmacêutica, via de administração, característica físico-química, características do paciente, barreiras biológicas). 2. O fármaco consegue alcançar seu local de ação? (absorção, distribuição). PASSAGEM DE FÁRMACOS PELA MEMBRANA. O termo absorção significa que a droga saiu do seu local de administraçãoe chegou até a corrente sanguínea, ou seja, “é a passagem da droga ou fármaco, do seu local de administração para a corrente sanguínea e/ou linfática” (figura ); com exceção da via intravenosa, todas as demais vias de administração podem propiciar absorção de fármacos, isto porque no caso daquela via, o fármaco está sendo administrado diretamente na corrente sanguínea e, portanto, será pulada a etapa de absorção. Para que o fármaco possa transpor a membrana celular que compõem as células epiteliais da pele, do intestino, dos alvéolos pulmonares, das córneas, das mucosas e até mesmo dos vasos sanguíneos, será necessário um ou mais dos seguintes processos: a. Difusão passiva; b. Filtração; c. Fluxo de massa; d. Transporte ativo; e. Transporte facilitado; f. Endocitose; Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 10 Representação de processos utilizados para a absorção dos medicamentos. a. Difusão passiva A maioria dos fármacos atravessam as membranas por difusão passiva, desde que este esteja no seu estado não ionizado (não carregado eletricamente). A velocidade deste fenômeno é dependente do coeficiente de partição lipídio-água, mais do que da lipossolubilidade do fármaco. EX: O anticonvulsivante fenobarbital, que se encontra quase que totalmente na forma não ionizada quando em pH fisiológico, deveria ser capaz de passar por todas as membranas de forma facilitada. No entanto, isto não ocorre na prática, seu coeficiente de partição lipídio- água é baixo a ponto de dificultar sua passagem pelas membranas celulares, desta forma o fármaco é mais lentamente absorvido. Este fator pode explicar o porque este medicamento possui um tempo de latência (tempo necessário para que o fármaco atinja a concentração plasmática mínima necessária para promover o efeito terapêutico) maior quando comparado a outros anticonvulsivantes. b. Filtração A taxa de filtração depende tanto da existência de um gradiente de pressão como força propulsora quanto do tamanho da molécula do fármaco em relação ao tamanho do poro através do qual deverá ser filtrado. Nos sistemas biológicos, a passagem de solutos hidrossolúveis pequenos através dos canais aquosos existentes nas membranas é realizada por filtração. O diâmetro hipotético destes poros é de aproximadamente 7Å, o que acaba impedindo a passagem de fármacos que possuam peso molecular maior que 100. c. Fluxo de massa Em sua maioria, fármacos lipossolúveis ou não, passam com maior rapidez pelas paredes dos capilares quando comparado à sua velocidade de passagem através de outras membranas. O resultado deste fenômeno é limitado em maior grau pelo fluxo sanguíneo tecidual, quando comparado à limitação determinada pela parede do capilar. Esse fluxo de massa de líquido ocorre através dos poros intercelulares e constitui o principal mecanismo de passagem de fármacos através da maioria das membranas endoteliais que reveste os capilares internamente, com exceção daquelas no sistema nervoso central. d. Transporte ativo O transporte ativo ocorre quando o movimento de fármacos através da membrana celular, de um lado para o outro, ocorre por meio de transportadores ATPdependentes. Esse transporte envolve a ligação reversível da molécula do fármaco a uma estrutura proteica da membrana (transportador), o qual irá movimentar o fármaco através da membrana, ou seja, o complexo formado se difunde através da membrana para o lado oposto, onde o complexo sofre dissociação, liberando a molécula do fármaco no compartimento aquoso existe do outro lado. Em seguida, o transportador pode retornar ao local de início e se ligar novamente a outra molécula de fármaco repetindo novamente o trajeto, que ocorre em uma única direção. É preciso se atentar ao fato de que quando dois ou mais fármacos são administrados simultaneamente, e que cujas moléculas se assemelham, uma poderá competir com a outra pelo mesmo transportador, e desta forma, a molécula de maior afinidade pelo transportador poderá prejudicar a absorção da outra. e. Difusão facilitada O transporte de fármacos por difusão facilitada assemelha-se de certa forma ao transporte ativo, incluindo um sistema de transporte mediado por uma proteína transportadora, que apresenta saturabilidade Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 11 e seletividade. Porém, s difere do transporte ativo pelo simples fato de não necessitar de ATP para executar sua tarefa. Neste sistema de transporte, a movimentação do fármaco ocorre do meio mais para o meio menos concentrado, de forma que o gradiente de concentração possa servir como força propulsora do fenômeno. f. Endocitose Este fenômeno envolve a captação celular de moléculas ou complexos exógenos por meio de vesículas localizadas na membrana celular. Este processo pode ser dividido em duas categorias: a) fagocitose e b) pinocitose. O soluto no interior da vesícula é liberado no meio intracelular. FATORES QUE AFETAM A ABSORÇÃO DE UM FÁRMACO. Além do coeficiente de partição lipídio-água, diversos outros fatores podem influenciar de forma positiva ou negativa a absorção de um determinado fármaco. A absorção poderá ser influenciada por fatores físico-químicos do fármaco, fatores relacionados à forma farmacêutica e via de administração, bem como por condições fisiológicas e patológicas do paciente. Propriedades físico-químicas do fármaco O pH do meio onde o fármaco está sendo administrado, a solubilidade, o coeficiente de ionização e de dissociação (pKa), possuem grande influencia sobre a capacidade de absorção do fármaco. Para que o processo de absorção seja bem sucedido, o princípio ativo deverá estar solubilizado no meio, além de estar em seu estado não ionizado. Portanto, para que a solubilidade de um determinado fármaco seja elevada, é necessário que o pH do meio onde este se encontra em solução seja adequado ao mesmo; isto é, existe um pH ótimo, que permite uma dissolução e absorção adequadas para cada fármaco. Estabilidade: A estabilidade química do fármaco deve ser estudada sob a forma sólida e em solução em diferentes pH. Estes estudos objetivam encontrar formulações estáveis e vias de administração adequada a cada fármaco. Assim, um produto instável em meio ácido não deve ser administrado por via oral (ex.: a penicilina G quando administrada por via oral se transforma em ácido penicilânico, que é inativo). Como solução para este problema da penicilina, o fármaco teve sua estrutura molecular modificada (penicilina V), possibilitando sua administração por via oral. Lipossolubilidade: Para que um determinado fármaco possa passar facilmente pela membrana celular, este deverá possuir boa lipossolubilidade, entretanto, um fármaco composto apenas por lipídio e vice-versa, terá seu coeficiente lipídio-água diminuído, e consequentemente não conseguirá passar pela membrana celular; assim, para que um fármaco possa elevar sua capacidade de se difundir pela membrana, este deverá possuir em sua estrutura molecular, componentes lipídicos e componentes aquosos. Quando um fármaco é totalmente hidrossolúvel ou lipossolúvel, este só consegue passar pela membrana quando houver um transportador. Concentração da droga no local de administração: Para alguns modelos cinéticos, quanto maior a concentração do fármaco no local de administração, maior será a velocidade e a quantidade absorvida deste, e vice- versa. Forma farmacêutica: A forma farmacêutica é a responsável pela veiculação do fármaco para dentro doorganismo, é por meio desta que o fármaco consegue entrar em contato (cápsulas, comprimidos, drágeas, soluções, suspensões entre outras) ou consegue ser mantido em contato com o organismo (implantes subcutâneos, adesivos transdérmicos, cremes, pomadas, esmaltes entre outras). Na figura abaixo se observa diferentes formulações administradas por via oral, as regiões de cor mais acentuada representa o local onde há maior liberação de princípio ativo. É observado na figura que formulações representadas por cápsulas e comprimidos normais, isto é, sem qualquer tipo de tratamento, liberam o princípio ativo ainda no estomago, enquanto que formulações que sofreram tratamento gastro-resistente, só promovem a liberação do fármaco ou na primeira porção do duodeno ou no intestino grosso. Na mesma figura, se observa que formulações de liberação controlada, a liberação do fármaco ocorre ao longo de todo Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 12 trato-gastrintestinal, e que formulações líquidas (solução) o fármaco já se encontra disponível para a absorção no momento em que é administrado. Propriedades de diferentes formas farmacêuticas relacionadas à sua capacidade em liberar o princípio ativo em diferentes regiões do trato gastrintestinal (Lüllmann et al., 2008). Difusão através de lipídio: Mecanismo pelo qual os fármacos atravessam a membrana celular de acordo com a gradiente de concentração. Para que isto ocorra, o fármaco deve ser lipossolúvel, ou seja, sua molécula deve ser não-ionizada e apolar. Esquema demonstrando a difusão de fármacos lipossolúveis (representados por círculos rosa) através da membrana celular. Fonte: LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. INFLUENCIA DO PH E PKA: A maioria dos fármacos quando em solução são ácidos ou bases fracas podendo ser encontrados em estado não- ionizado ou ionizado. A fração não ionizada apresenta característica lipossolúvel e, portanto, possui a capacidade de se difundir com maior facilidade pela membrana, de modo que a fração ionizada é incapaz de penetra a membrana devido sua baixa lipossolubilidade(veja figura abaixo). Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 13 Na figura acima, note que quando a molécula está elétricamente carregada ocorre uma repulção na membrana. Deve ser lembrado que toda membrana é eletricamente carregada (em estado de repouso, o lado externo à célula está positivamente carregado, enquando que o lado interno está negativamente carregado), desta forma quando um fármaco está protonado (carga (+)) este sofre repulção pela carga positiva da membrana impedindo sua passagem. Portanto, a difusão transmembrana de um eletrólito fraco é determinada por seu pKa e pelo pH do meio. Em termos quantitativos, o valor pKa de um fármaco representa o valor de pH em que metade do fármaco encontra-se na forma ionizada. A Equação de Henderson- Hasselbalch (abaixo) descreve a relação entre o valor pKa de um fármaco ácido (A) ou básico (B) e o pH do meio biológico contendo este fármaco: Onde pKa é a constante de ionização do fármaco, pH é o valor do pH do meio onde o fármaco está sendo administrado, [AH] é a concentração molar do fármaco no seu estado não ionizado (fração não ionizada das moléculas) e [A-] é a concentração molar da droga em seu estado ionizado (fração ionizada das moléculas), note que a equação (B) é diferente apenas pela posição da fração ionizada, esta relação deve ser respeitada para os cálculos. Para se definir qual das duas equações a se utilizar, deve-se observar as características do fármaco, se este tiver característica ácida, a equação de escolha deverá ser aquela representada por (A) e, quando o fármaco for de característica básica, a equação representada por (B) deverá ser a escolhida. Uma observação muito importante é que, esta escolha deverá ser baseada na característica do fármaco e não no pH do meio, este não deverá ser o limitante para a escolha da equação. EX: Um paciente deverá receber como medicação o ácido acetilsalicílico (AAS), entretanto, há uma grande dúvida: o AAS será melhor absorvido em um meio de pH= 1,5 ou em um meio de pH tamponado de valor 7,5? Dado: pKa do AAS é igual a 3,5. Muito bem, em primeiro lugar lembrar que a equação a ser utilizada deverá ser escolhida pela característica da droga e não pelo pH do meio, portanto deverá ser realizado dois cálculos, um para o meio de pH ácido e outro para o meio de pH básico, porém para os dois cálculos será utilizada apenas a equação (A) anteriormente vista, isto porque a droga é de característica ácida. Veja a resolução abaixo. Resolução. Outro exemplo clássico é o que ocorre com o anestésico local quando administrado em regiões infeccionadas, edemasiadas e inflamadas. Ao ser administrado em tecidos com estas características, a anestesia local não se instala (“não pega” no popular), isto porque o anéstésico é um fármaco de característica básica e para promover seu efeito deverá se difundir pela membrana para o interior da célula onde promoverá seu efeito, mas para que este fármaco possa ser estocado de forma segura, o mesmo está solubilizado em um veículo ácido (pH≈2,8 - 3,4), isto implaca que o princípio ativo está praticamente quase que todo no seu estado ionizado; quando este for administrado Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 14 em tecidos com as características normais, o sitema tampão do organismo irá equilibrar o pH, e o sal irá se desprotonar voltando ao seu estado molecular, e então conseguirá se difundir para a membrana celular. Por outro lado, quando o medicamento for administrado em um tecido inflamado ou infeccionado, o pH local geralmente é ácido, e o sistema tampão não funciona adequadamente; portanto, o fármaco não irá se desprotonar e consequentemente não passará pela membrana celular e não promoverá seu efeito (veja o esquema abaixo). Representação esquemática da influência de carga elétrica presente na estrutura molecular da lidocaína na difusão desta pela membrana celular. Observa que o próton (+) presente na estrutura, impede a difusão do fármaco. BIODISPONIBILIDADE: Na farmacologia, o termo biodisponibilidade é usado para descrever a fração (quantidade ou concentração) de uma droga que atinge a corrente sanguínea sistêmica na forma inalterada. É uma das principais propriedades farmacocinéticas das drogas. Por definição, quando uma medicação é administrada por via intravenosa, sua biodisponibilidade é de 100%. Entretanto, quando uma medicação é administrada por outras vias (como a via oral, retal intramuscular entre outras), sua biodisponibilidade pode diminuir (devido à absorção incompleta e ao metabolismo de primeira passagem), no entanto, devemos lembrar que muitos fármacos podem ser 100% absorvidos quando administrados por via oral, intramuscular, retal ou outra. A biodisponibilidade é uma das ferramentas essenciais da farmacocinética, já que seu valor deve ser considerado quando se calcula as doses para administração de drogas por vias diferentes da intravenosa. A biodisponibilidade de um fármaco é expressa em porcentagem ou valor unitário (100% ou 1 unidade) e este valor é representado pela letra F, e nada mais é do que um fator de correção. FATORES FISIOLÓGICOS QUE PODEM INFLUENCIAR NA ABSORÇÃO. Além dos fatores relacionados às características físico-químicas dos fármacos, as condições fisiológias do indivíduo pode ou favorecerou desfavorecer o processo de absorção de um fármaco. Asseguir serão relaciodados alguns destes fatores. Presença da P-glicoproteína: É um transportado protéico expresso na membrana celular, e que tem a função de transportar para o meio extracelular o fármaco que se difundiu para o interior da célula, ou seja, é um transportador reverso que prejudica a absorção do fármaco no intestino. Estudos apontam que este transportador também é resposnsável por impedir que inúmeros fármacos cheguem ao sitema nervos central (SNC), onde deacordo com as pesquisas, esta proteína estaria na membrana celular das células epiteliais que revestem a barreira hematoencefálica e impediria portanto, a passangem do fármaco do leito vascular para o SNC (veja esquema abaixo). Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 15 Vista plana da estrutura de uma p-glicoproteína (http://www.masterborderskennel. com/artigos/art_02_mdr1.html). Observe que o fármaco que está chegando por meio de um capilar, ao se difundir para dentro da célula, é imediatamente transportado de volta para fora pela p-glicoproteína (em verde) (http://www.ff.up.pt/ toxicologia/monografias/ano0708/g46_docetaxel/resiste.htm). A tabela abaixo apresenta alguns fármacos que podem ser prejudicados pela p-glicoproteína. Drogas antineoplásicas: Vinca alcalóides ( vincristina, vinblastina) Antraciclinas (doxorrubicina, daunorrubicina, epirrubicina) Epipodofilotoxina (etoposide, tenoposide) Paclitaxel (taxol) Topotecan Mitramicina Outros agentes citotóxicos Colchicina Emetina Puromicina Inibidores HIV protease Ritonavir Indinavir Saquinavir Difusão através canais aquosos: Devido ao tamanho diminuto dos poros ou canais aquosos presentes nas membranas celulares, este tipo de passagem através da membrana celular não é muito importante para absorção de fármacos, pois as moléculas dos fármacos geralmente são maiores que os poros. Difusão facilitada: Mecanismo de transporte especializado dependente de uma molécula transportadora, geralmente uma proteína transmembrana, que se liga às moléculas dos fármacos, transportando-as para o outro lado da membrana, que é realizado de forma passiva, sem gasto de energia e de acordo com gradiente eletroquímico. Esquema demonstrando a difusão facilitada de fármacos por meio de uma proteína transportadora através da membrana celular. Fonte: LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. Transporte ativo: Mecanismo de transporte especializado dependente de uma molécula transportadora, geralmente uma proteína transmembrana, que se liga às moléculas dos fármacos, transportando-as para o outro lado da membrana, que é realizado ativamente contra um gradiente eletroquímico com gasto de energia. O transporte mediado por transportadores apresenta como limitação a possibilidade de ocorrer saturação, ou seja, na presença de altas concentrações do fármaco, pode ocorrer a ocupação de todas as proteínas transportadoras, limitando a velocidade do transporte. Além disso, pode ocorrer inibição competitiva, caso uma proteína transportadora seja capaz de transportar duas moléculas diferentes. Este tipo de transporte é importante principalmente nos túbulos renais, no trato biliar, na barreira hematoencefálica e no trato gastrointestinal. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 16 Endocitose: Mecanismo de transporte de fármacos que são moléculas grandes, a endocitose depende da ligação do fármaco a receptores presentes na membrana celular, o que gera a formação de uma vesícula que liberará o fármaco do outro lado da membrana. Esquema demonstrando a endocitose de fármacos, o que leva ao transporte destes fármacos através da membrana celular. Adaptado de LULLMANN, H; MOHR, K; HEIN, L. Farmacologia: Texto e Atlas. 5ed. Porto Alegre: Artmed, 2008. Fluxo sanguíneo e vascularização no local de administração: Quanto mais vascularizado e maior o fluxo sanguíneo no local da administração do fármaco, mais rápido e em maior concentração será absorvida deste. Assim, qualquer alteração no fluxo sanguíneo local poderá interferir positiva ou negativamente na absorção de um medicamento. Motilidade gastrintestinal: A absorção dos fármacos ocorre geralmente na primeira porção do intestino delgado (duodeno), de modo que a velocidade de esvaziamento gástrico determina a velocidade em que o fármaco alcança seu local de absorção, ou seja, quanto maior for a velocidade de esvaziamento gástrico, mais rápido o fármaco irá conseguir atingir o duodeno e, consequentemente ser absorvido. Por exemplo, no caso de pacientes portadores de enxaqueca, a velocidade de absorção de analgésicos é reduzida, isto ocorre porque esta condição ativa o centro do arco-reflexo do vômito (enxaqueca associada com ânsia) e, portanto, a velocidade de esvaziamento gástrico encontra-se reduzida, e por isto, é costume do paciente tomar mais de um comprimido em um intervalo de tempo muito curto. Porém, quando o fármaco analgésico for administrado simultaneamente com um agente antiemético, ocorrerá aumento na velocidade de esvaziamento gástrico, princípio este utilizado nos medicamentos comerciais Ormigrein® e Cefalium, os quais possuem substâncias antieméticas. Patologias gastrintestinais: Quando o paciente possui algum distúrbio patológico no TGI, este poderá favorecer ou desfavorecer a absorção de fármacos, por exemplo, a absorção de propranolol, co-trimoxazol e cefalexina apresenta-se aumentada em pacientes celíacos, mas a digoxina e a levotiroxina são menos absorvidas nesta condição ou em outras como enterite induzida por radiação. O mesmo pode ocorrer com a vit. B12, que necessita do fator intrinseco produzido pelas células parietais do estômago para ser absorvida, em casos de úlcera gástrica e duodenal a produção deste fator encontra-se diminuída, sendo assim, ocorrerá uma redução da absorção intestinal de vit. B12. Volume de líquido (água) ao se administrar uma formulação sólida: É explicitamente recomendado que todo medicamento seja administrado apenas com água, há algumas exceções como, por exemplo, o caso do sulfato ferroso que tem sua biodisponibilidade melhorada quando este é administrado com suco de laranja. No mais, todo medicamento deverá ser administrado com água, pois esta não apresenta nenhum interferente que possa quelar, aumentar ou diminuir a secreção gástrica e, consequentemente prejudicar a absorção do fármaco. A recomendação é de que deva se utilizar um volume de aproximadamente 100 mL de água, não menos que isto para se administrar uma formulação sólida. Nos gráficos abaixo se encontra demonstrado como o volume de água é importante para o processo de desintegração e liberação do princípio ativo da formulação e, assim, melhorando a absorção daquele. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 17 Observa-se no gráfico acima que a dois grupos foram administrados comprimidos de eritromicina, sendo que um dos grupos recebeu a formulação com um volume de 20 mL de água (linha tracejada), enquanto que o segundo grupo recebeu a mesma formulação com um volume de 250 mL (linha contínua). Verifica-se que a concentração plasmática máxima obtida nos dois grupos é significativamente diferente, sendo que para o grupo que recebeu apenas 20 mL a concentração plasmática do fármaco foi bem inferior quando comparada à concentração plasmática do mesmo fármaco para o grupo que recebeu a formulação com 250 mL de água. Alimentação:O alimento pode intensificar ou comprometer a taxa de absorção de um fármaco, podendo também afetar a extensão de sua absorção. Por exemplo, ovos podem comprometer a absorção de ferro, e alimentos ricos em cátions polivalentes (Ca2+, Fe2+, Mg2+ entre outros) diminui a absorção de fármacos como tetraciclinas, aminoglicosídeos. A tabela a seguir mostra exemplos de fármacos que podem apresentar interação alimentar. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 18 Metabolismo de primeira passagem: Quando um medicamento é administrado a um paciente, este poderá sofre metabolismo ou efeito de primeira passagem. Este metabolismo é muito definido como: “metabolismo de um determinado fármaco antes que este alcance a corrente sanguínea sistêmica”. Este metabolismo ocorre tanto no trato gastrintestinal (luz) e no fígado (logo após a absorção do fármaco). Outro ponto importante é que este metabolismo está relacionado à administração do medicamento pela via oral e retal, quando a formulação é administrada pelas vias parenterais e sublingual, o principio ativo não sofre efeito de primeira passagem. A figura abaixo esquematiza o quanto o efeito de primeira passagem interfere com a concentração plasmática do fármaco após este sofrer ação deste fenômeno. O esquema abaixo demonstra que após a administração de um comprimido por via oral e, liberação do fármaco no TGI (A), quando este se difundiu pelo epitélio intestinal (B), na membrana celular ocorreu o metabolismo de 70% da concentração do fármaco, que após passar pelo fígado (C) mais 15% foi metabolizado, resultando na chegada à circulação sistêmica de apenas 15% deste. Representação figurativa da relação entre o metabolismo de primeira passagem e o processo de absorção de medicamentos (http:// dc217.4shared.com/doc/eAymVhw2/preview.html) RESUMO DOS FATORES QUE PODEM MODIFICAR A ABSORÇÃO Os principais fatores que modulam a absorção de fármacos e seus efeitos encontram-se no quadro abaixo. Quadro: Fatores que modulam a absorção dos fármacos Fatores Absorção (seta para cima) Absorção (seta para baixo) Concetração do fármaco Maior Menos Peso molecular do fármaco Pequeno Grande Solubilidade do fármaco Lipossolúvel Hidrossolúvel Forma farmacêutica Líquida Sólida Dissolução sólida Grande Pequena Área absortiva Grande Pequena Espessua membrana Menor Maior Circulação local Grande Pequena Condições Patológicas Inflamação, queimadura Edema, Choque DISTRIBUIÇÃO DE FÁRMACOS. Embora a absorção do fármaco seja considerada um pré-requisito para atingir níveis plasmáticos adequados desse fármaco, este também necessita alcançar seu órgão ou órgãos-alvo em concentrações terapeuticamente ideais para exercer o efeito desejado. Entende-se por distribuição o fenômeno de transferência do fármaco do sistema circulatório (linfa e sangue) para os diversos tecidos e órgãos do organismo. Esse é um processo reversível para permitir que o fármaco atinja o tecido-alvo e promova sua ação terapêutica, e ao mesmo tempo, permite que haja sua retirada do tecido e que o mesmo possa ser removido do organismo. As características do fármaco devem ser amplamente reconhecidas, pois estas são de grande importância para a determinação da posologia durante a etapa final dos ensaios clínicos para o desenvolvimento de um novo medicamento. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 19 A distribuição de um fármaco ocorre através do sistema circulatório, enquanto o sistema linfático contribui em menor grau para este processo. Após ser absorvido ou administrado diretamente na corrente sanguínea, o fármaco se distribui por todos os sistemas incluído o líquido intersticial, líquido intracelular, tecido muscular, tecido ósseo, SNC, tecido adiposo além de unhas e pêlos, dependendo dos fatores fisiológicos e características físico- químicas, cada fármaco terá um perfil próprio em termos de distribuição, ou seja, tecidos mais vascularizados deverão receber em menor tempo uma concentração maior quando comparado a tecidos menos ou não vascularizados como tecido adiposo e pêlos; outro fator relacionado à circulação sanguínea é o débito cardíaco, pois se compara a um paciente normal, portadores de insuficiência cardíaca possuem um prejuízo considerável na velocidade de distribuição. Ainda, fármacos altamente lipossolúveis quando comparados a fármacos hidrossolúveis irão se difundir com maior afinidade para o tecido adiposo. Veja diagrama abaixo. Representação esquemática da distribuição de fármacos de acordo com a vascularização dos sitemas (Raffa et al., 2006). MODELOS COMPARTIMENTAIS EM FARMACOCINÉTICA. O interesse em correlacionar o tempo e a ação de um fármaco no organismo, após a administração do medicamento, justifica-se para o conhecimento de três fatores: 20 mg a. Tempo entre a administração do medicamento e o início da ação farmacológica (tempo de latência), que é influenciado pela velocidade de absorção, distribuição, localização do sítio-alvo e, indiretamente pela eliminação; b. Tempo necessário para desencadear o efeito máximo (relacionado à concentração máxima), resultante do balanço entre os processos que levam o fármaco ao sítio- alvo e aqueles que o retiram deste local; c. Duração do efeito, que é dependente da velocidade de eliminação e, em alguns casos, da distribuição. Na prática correlacionando-se as concentrações plasmáticas do fármaco com a amplitude dos efeitos em diferentes períodos após a administração, pressupondo-se que, depois de atingido o equilíbrio, estas concentrações refletem as concentrações no sítio de ação do fármaco. Portanto, os modelos compartimentais na farmacocinética são úteis para a interpretação dos processos de transporte e metabolismo dos fármacos. Nos modelos matemáticos que descrevem os parâmetros farmacocinéticos o organismo é representado como um sistema de compartimentos cujo número é representado arbitrariamente, jé que o corpo pode ser dividido pelo número de órgãos, sistemas ou tecidos. Na farmacocinética são propostos modelos matemáticos para interpretar os dados obtidos após a administração de um medicamento ao organismo, de modo que podem ser descritos na literatura como modelos compartimentais (abordagem clássica) e não compartimentais. Assim, os modelos compartimentais em farmacocinética podem ser classificados em Sistema Monocompartimental e Sistema Multicompartimental; no primeiro caso assume-se que o organismo funcione como um único compartimento, ou seja, o fármaco se distribui de forma homogênea por todo sistema, no segundo caso, adota-se que o organismo seja constituído por um compartimento central (sistema sanguíneo, tecidos de alta perfusão: cérebro, pulmão, coração, rins, fígado) e um compartimento periférico (diversos sistemas ou compartimentos menos Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 20 vascularizados: tecido adiposo, muscular, pele, unhas, pêlo) onde o fármaco poderá se distribuir de forma não homogênea nestes. Desta forma, em um sistema multicompartimental, o fármaco deixa o compartimento central e se distribui pelo compartimento periférico de acordo com suas características físico-químicas e também fisiológicas do paciente Veja esquema abaixo. Conforme mostrado acima, após a administração do fármaco, este se distribui rapidamente por todo sistema e, em seguida é eliminado do organismo. No segundo caso, os tecidos mais vascularizados recebem mais rapidamente maiorconcentração do fármaco (Silva, 2002). Na figura acima, observa-se que o fármaco é distribuído através do sangue para os vários tecidos do organismo (1). A distribuição pode ser restrita ao compartimento extracelular, que considera o compartimento intersticial junto com o volume plasmático (2), ou pode ser estendida para o compartimento intracelular (3). Alguns fármacos podem ligar-se fortemente a estruturas teciduais de tal forma que sua concentração plasmática caia significativamente mesmo antes que sua eliminação tenha começado (4). Ao se avaliar uma curva concentração plasmática em função do tempo de um fármaco pertencente a um sistema monocompartimental, nota-se que após atingir a concentração plasmática máxima, ocorre uma queda contínua deste, a qual representa o processo de distribuição e eliminação, isto pode ser observado no gráfico abaixo. Conforme observado acima, no sistema bicompartimental observa-se uma curva bi-fásica onde a primeira inclinação de caida, representa a primeira fase (distribuição) e a segunda fase dacurva representa o sistema de depuração. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 21 MODELOS NÃO COMPARTIMENTAIS Os modelos não compartimentais geralmente se aproxi- mam mais da realidade fisiológica do organismo por des- crever a disposição do fármaco em cada tecido ou órgão. Entretanto, perdem a universalidade devido à complexida- de do tratamento matemático envolvido. Assim, do ponto de vista da aplicação dos princípios de farmacocinética às situações clínicas, utiliza-se na maioria dos casos, o mo- delo monocompartimental e, especialmente, o modelo bi- -compartimental. Por meio destes modelos matemáticos, simulam-se os pro- cessos de absorção, distribuição e eliminação do fármaco do organismo como uma função do tempo com os seguin- tes objetivos: - Predizer as concentrações do fármaco no plasma, tecidos e urina, com o emprego de determinado esquema terapêutico. - Estabelecer o esquema terapêutico ótimo para cada paciente, individualmente. - Estimar o possível acumulo de um determinado fármaco ou até mesmo, de seus metabólitos no organismo. - Descrever como as alterações fisiológicas ou enfermidades podem modificar a absorção, distribuição e a eliminação de um fármaco no organismo. - Explicar casos de interações medicamentosas. As análises compartimentais são desenvolvidas por meio de estudos continuados das concentrações plasmáticas do fármaco, uma vez que se conhece a quantidade administrada por via intravascular; porém também é possível se estimar a fração absorvida no caso da administração se dar por outra via diferente a intravascular. O principal método empregado neste análise é o estudo das curvas obtidas (veja curvas apresentadas acima). Ligação às proteínas plasmáticas e tecidos: Após alcançar a corrente sanguínea, o fármaco irá se ligar às proteínas transportadoras. A ligação do fármaco a este carreador será dependente da afinidade estrutural e da característica físico-química do mesmo. Desta forma, fármacos de característica ácida terão maior afinidade por proteínas plasmáticas com característica básica e vice versa. As principais proteínas plasmáticas transportadoras de fármacos são: albumina, alfa1-glicoproteína ácida e globulina. Os fármacos de característica ácida possuem forte afinidade pela albumina, enquanto que os fármacos básicos se ligam preferencialmente à alfa1-glicoproteína ácida e os hormônios as globulinas; porém, isto não quer dizer que estes dois últimos não possam se ligar à albumina, pois esta é encontrada em maior concentração no plasma e, de certa forma, mesmo que em menor grau, possui afinidade por inúmeros fármacos. Perfil de ligação de fármacos a proteínas transportadoras. Observe que quando a afinidade do fármaco possui baixa afinidade pela proteína, a distribuição deste para os tecidos aumenta, e quando sua afinidade é alta pela proteína transportadora, ocorre menor distribuição tecidual (Lüllmann, 2008). Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 22 Na figura acima está representado um diagrama de ligação de fármacos às proteínas e seu sequestro pelos sistemas de depuração. (fonte: Golan, 2009) Um fármaco ligado à albumina ou a outras proteínas plasmáticas é incapaz de difundir-se do espaço vascular para os tecidos circundantes. Em (A) os fármacos que não se ligam às proteínas plasmáticas sofrem visivelmente uma rápida difusão (mostrada na figura acima na forma do Fármaco A nos tecidos). Isso resulta em alto nível de ligação ao local de ação farmacológica (habitualmente receptores) e numa alta taxa de eliminação (representada pelo fluxo através de um órgão de depuração). Entre os exemplos desses fármacos, destacam-se o acetaminofeno, o aciclovir, a nicotina e a ranitidina. Em (B) ocorre em contrapartida, para os fármacos que exibem altos níveis de ligação às proteínas plasmáticas (mostrados aqui na forma do Fármaco B), é necessária uma concentração plasmática total mais elevada do fármaco para assegurar uma concentração adequada do fármaco livre (não-ligado) na circulação. Caso contrário, apenas uma pequena fração do fármaco poderá sofrer difusão no espaço extravascular, e apenas uma pequena porcentagem dos receptores estará ocupada. Entre os exemplos desses fármacos, destacam se a amiodarona, a fluoxetina, o naproxeno e a varfarina. É preciso ressaltar que a ligação às proteínas plasmáticas constitui apenas uma das numerosas variáveis que determinam a distribuição dos fármacos. O tamanho molecular, a lipofilicidade e a intensidade do metabolismo de um fármaco são outros parâmetros importantes que precisam ser considerados quando se estuda a farmacocinética de determinado fármaco. FATORES QUE PODEM INFLUENCIAR AS PROTEÍNAS PLASMÁTICAS Patológicos Os principais fatores patológicos relacionados à hipoproteinemia estão relacionados abaixo: Distúrbios hepáticos Entre os distúrbios hepáticos que podem gerar hipoproteinemia, os mais importantes são cirrose hepática, hepatite viral aguda e problemas hepáticos causados pelo consumo excessivo de álcool, que causam diminuição na síntese de proteica ou produção de proteínas plasmáticas com conformação modificada que, portanto, não conseguem se ligar aos fármacos. Distúrbios renais Os distúrbios renais alteram de forma variável a concentração das proteínas plasmáticas, modificando a ligação dos fármacos a estas proteínas. Assim, em pacientes com insuficiência renal, fármacos ácidos ligam-se pouco às proteínas plasmáticas, ficando livre na circulação, o que aumenta a ocorrência de efeitos colaterais; enquanto, em pacientes com transplante renal, ocorre aumento da ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas, diminuindo os efeitos farmacológicos. Distúrbios cardíacos Após a ocorrência de um infarto agudo do miocárdio, há uma modificação na concentração de algumas proteínas plasmáticas como α1-Glicoproteína Ácida, o que modifica a fração de fármaco livre para ação farmacológica. Distúrbios tireoidianos Os distúrbios tireoidianos alteram de forma variável a concentração das proteínas plasmáticas, modificando a ligação dos fármacos a estas proteínas. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 23 Assim, no hipertireoidismo, ocorre diminuição da concentração plasmática de albumina, levando ao aumento da concentração de fármacos ácidos livre na circulação sanguínea. Fatores fisiológicos Os principais fatores fisiológicos relacionados à hipoproteinemiaestão relacionados abaixo: Idade A idade do paciente é capaz de modificar a ligação dos fármacos a proteínas plasmáticas, modificando a fração de fármaco livre, isso acontece devido à variação da concentração de proteínas plasmáticas, à presença de albumina fetal (que possui baixa afinidade por fármacos), ao pH sangüíneo (que é mais baixo e modifica a ionização dos fármacos) e à concentração de ácidos graxos livre (que maior no adulto). Gestação A concentração de albumina é alterada durante o primeiro trimestre de gestação, modificando a ligação de alguns fármacos, que se tornam livres na circulação. Estado hormonal O uso de medicamentos anovulatórios, que reduzem a síntese de α1-Glicoproteína Ácida, altera a ligação de certos fármacos a estas proteínas plasmáticas, o que pode levar ao aumento dos efeitos colaterais. CONCENTRAÇÃO DE ÁCIDOS GRAXOS LIVRES Os ácidos graxos livres, quando presentes em altas concentrações ligam-se a albumina, diminuindo a ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas; enquanto, que, quando presentes em baixas concentrações, os ácidos graxos favorecem a ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas. Além do fato de que os fármacos estão ligados às proteínas transportadoras, outra situação que deve ser levada em consideração é que a fração livre deste irá se difundir do plasma para os tecidos. Assim, fármacos de característica hidrossolúvel terão maior afinidade por tecidos como músculo esquelético, enquanto que substâncias lipossolúveis se alojarão em maior grau em tecido adiposo (veja figura abaixo). Observe na figura acima que em condições normais o organismo é composto por 70% de água e 30 % de gordura e, que em pacientes obesos a distribuição é na ordem de 50% para cada parte. Além disto, é possível verificar que drogas hidrossolúveis apresentam-se mais concentradas no compartimento hídrico de pessoas obesas, enquanto que fármacos lipossolúveis estão em concentrações maiores no compartimento gorduroso (tecido adiposo). Estes fenômenos descritos acima, todos interferem no parâmetro farmacocinético conhecido como volume aparente de distribuição. VOLUME APARENTE DE DISTRIBUIÇÃO: É um parâmetro farmacocinético que expressa a extensão da distribuição além do plasma. Também pode ser conceituado como o volume no qual o fármaco deve se dissolver para que sua concentração se iguale a do plasma. Em termos gerais, o volume de distribuição também pode ser considerado como uma constante de proporcionalidade entre duas variáveis: entre a dose administrada e a concentração plasmática do fármaco. Este dado está relacionado à concentração plasmática e a quantidade do fármaco no organismo em um dado tempo. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 24 EX: Considerando a concentração plasmática de um dado fármaco como 10 mg/L, quando há 1000 mg deste dissolvidos no organismo de um paciente de 70 kg, verifica- se que será necessário cerca de 100 L para solubilizá-lo, ou seja, o volume aparente de distribuição corresponde a 100 litros, o que evidentemente não é um volume real, visto que um paciente de 70 kg, possui no máximo, 50 L de líquido em seu organismo. Ainda, é necessário lembrar que muitos fármacos não conseguem deixar a corrente sanguínea e atingir os tecidos, ou seja, seu volume aparente de distribuição está relacionado com a quantidade de sangue que este indivíduo possua (é considerado que aproximadamente 8% do peso corpóreo de um indivíduo adulto normal seja constituído por sangue). O fato é que este parâmetro pode exceder acentuadamente qualquer volume físico do corpo, visto que se trata do volume aparente necessário para conter a quantidade de droga homogeneamente na concentração encontrada no sangue (plasma ou água). Fármacos que possuem volume de distribuição muito alto apresentam concentrações muito mais elevadas em tecidos extravasculares do que no compartimento vascular, isto é, apresentam distribuição não homogênea, por outro lado, fármacos que possuem baixo volume de distribuição, são encontrados em maior concentração no plasma e menor nos tecidos. Este parâmetro pode ser determinado pela seguinte equação: Onde Vd é o volume de distribuição, dose administrada (D) é a dose que o paciente está recebendo e concentração plasmática (Cp; C0; Cp1, Ce; Css) representa a concentração plasmática após a administração do fármaco ou, concentração plasmática inicial ou, concentração plasmática 1 ou, concentração plasmática efetiva, ou ainda, concentração plasmática em estado de equilíbrio. Ex. Determine o volume de distribuição para um dado fármaco que foi adminitrado a um paciente na dose igual a 20 mg e, que após dosagem plasmática deste foi encontrado um valor de 5mg/L de plasma. Resolução: Portanto o volume de distribuição é igual a 4 litros, ou seja o fármaco está contido em um sistema de volume igual a 4 litros do organismo. Veja o esquema abaixo para melhor ilustrar. Observe que após a administração do fármaco, este se distribui em função do tempo para todos os compartimentos orgânicos, e com isto, ocorre redução de sua concentração plasmática e aumento de sua concentração nos tecidos; no último painel é possível verificar que o fármaco está em maior concentração em um determinado compartimento quando comparado aos demais, por este motivo o Vd expressa o volume “aparente” de distribuição, e pode exceder qualquer volume físico. Na tabela abaixo estão relacionados exemplos de fármacos e seus respectivos volumes de distribuição. Observe que para alguns fármacos, este parâmetro se encontra bem acima da massa corpórea do paciente; isto Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 25 é verdade, visto que fármacos como, por exemplo, a cloroquina, se distribui por todas as estruturas do organismo (plasma, liquido extracelular, líquido intracelular, tecido muscular, tecido adiposo entre outros). Droga dispon. oral (F) (%) ligação plasm. (%) depuração (L/h/70 kg) vol. de distrib. (L/70 kg) meia vida (h) conc. eficaz conc. tóxica acetaminofen 88 0 21 67 2 10-20 mg/L >0,3 g/L ac. Salicílico 100 85 0,84 12 13 200 mg/mL > 200 mg/mL carbamazepina 70 74 5,34 98 15 6 mg/mL > 9 mg/mL ciclosporina 23 93 24,6 85 5,6 200 ng/mL > 400 ng/L cloroquina 89 61 45 13000 214 20 ng/mL > 250 ng/mL digoxina 70 25 7 500 50 1 ng/mL > 2 ng/mL imipramina 40 90 63 1600 18 0,2 ug/mL > 1 mg/L indomeacina 98 90 8,4 18 2,4 1 mg/L > 5 mg/L lidocaína 35 70 38,4 77 1,8 3 mg/L > 6 mg/L nortriptilina 51 92 30 1200 31 100 ng/mL > 500 ng/mL Valores de parâmetros farmacocinéticos já estabelecidos e encontrados na literatura básica (adaptado de Hardman et al., 2003). PRINCIPAL APLICAÇÃO DO VD Uma das principais aplicações do Vd é a determinação da melhor dose de ataque no início de uma terapia medicamentosa. Deve ser considerado que a dose de ataque visa alcançar uma concentração plasmática terapêutica em estado de equilíbrio mais rapidamente quando comparado ao método tradicional de administração. Este cálculo pode ser determinado pela seguinte equação: DA = Vd x Cp Onde: DA é a dose de ataque e Cp é a concentração plasmática desejada (esta deve ser a terapêutica). A dose de ataque é calculada para preencher o volume de distribuição, de modo a alcançar a concentração terapêutica rapidamente. Esta concentração terapêutica alcançada deverá ser mantida posteriormente pelas doses de manutenção. É importante ressaltar que as doses seguintes à dose de ataque, deve ser a dose normalmente utilizada na terapêutica,ou seja, a dose de ataque não deve ser mantida como dose de manutenção. EX: Deseja-se verificar, se para um paciente de 100 kg de peso corpóreo, a dose igual a 1500 mg de paracetamol é efetiva ou tóxica quando administrada em dose única. Dados: Vd = 67 L/70 kg, Cefetiva = 10 a 20 mg/L e Ctoxica = > 300 mg/L Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 26 Resolução: No exemplo acima, verificou-se que para um paciente de 100 kg, a administração de 1500 mg de paracetamol em dose única ou como dose de ataque, promoveu uma concentração plasmática efetiva (Ce) de 15,67 mg/L; isto indica que nesta situação o paciente está seguro, pois manteve-se a concentração plasmática terapêutica ( que é entre 10 e 20 mg/L). Porém, é necessário lembrar que deve ser corrigido sempre o Vd para cada paciente. RELAÇÃO ENTRE DOSE DE ATAQUE E DOSE DE MANUTENÇÃO Nos casos em que a meia vida plasmática do fármaco apresenta um valor muito elevado, não é possível adotar esquema terapêutico considerado ideal, no qual este parâmetro corresponda ao intervalo entre a administração das doses. Porém, nesta situação pode-se optar pela administração de uma dose inicial (Di) maior, a qual é conhecida como dose de ataque. A finalidade desta dose (Di) é promover mais rapidamente uma concentração plasmática terapêutica (concentração plasmática de equilíbrio (Css)), mas deve ser frisado que esta concentração deverá ser mantida pelas doses de manutenção (Dm), necessitando, portanto, de se avaliar a relação entre Di e Dm. Ao se estabelecer um regime posológico, o principal objetivo é obter níveis plasmáticos considerados terapêuticos, que normalmente, são atingidos em estado de equilíbrio. Por isto, os parâmetros farmacocinéticos envolvidos são aqueles expressos por meio da seguinte ralação: Dose = Css x Vd Onde: Css é a concentração plasmática do fármaco no estado de equilíbrio, Vd é o volume aparente de distribuição. Para analisar a relação Di e Dm descrita acima, deve-se considerar que a dose inicial administrada corresponde a uma quantidade do fármaco (X) que será alterada com o tempo em função de um termo cinético, representado por e-k.t, ou seja: X = Di x e-k.t ÁREA SOB A CURVA (AUC): Em estudos de farmacocinética e de biodisponibilidade, é frequente avaliar-se a AUC das concentrações plasmáticas em função do tempo, a partir do tempo zero, que é o tempo correspondente à administração da formulação até o tempo desejado, ou seja, poderá ser determinado a AUC do tempo zero ao infinito, por exemplo (AUC0 - ∞) ou a um determinado tempo de escolha. Este parâmetro pode ser facilmente determinado pelo método trapezóide (equação abaixo), porém, deverá ser determinado a AUC para cada um dos intervalos, e a soma de todas as áreas encontradas em cada um dos intervalos, representará a AUC total. Ex: Determine a AUC da curva concentração plasmática em função do tempo representada abaixo, no intervalo 2 a 3 h. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 27 Note que este procedimento deverá ser realizado para CADA UM DOS INTERVALOS, caso seja realizado o procedimento de se determinar a área total em uma única equação, haverá a somatória de uma área inexistente. Veja o exemplo. Quando realizado o cálculo correto para cada uma das áreas, e somando todas, o valor da AUCtotal será igual a 212,5 mg/L . h; e não o valor determinado acima no exemplo. Veja ainda que no gráfico acima há uma linha tracejada que demonstra a área inexistente que foi contabilizada juntamente com a área real sob a curva. Desta forma, é importante frisar que não se pode utilizar a equação para se determinar a AUC total com apenas o primeiro e o último ponto, encontrados no gráfico. O cálculo da área sob a curva de concentrações plasmáticas de um fármaco em função do tempo é importante e aplicável à determinação do Clearence, assim como para o cálculo do volume aparente de distribuição e de outros parâmetros farmacocinéticos. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 28 Sua aplicação também envolve a avaliação da biodisponibilidade absoluta no caso de medicamentos inovadores ou da biodisponibilidade relativa (bioequivalência) para medicamentos genéricos e similares. No gráfico apresentado abaixo está demonstrado a relação de duas formulações contendo ibuprofeno como principio ativo, que passaram por este de bioequivalência. Na figura acima é possível observar que a curva de concentração em função do tempo obtida para a formulação teste está deslocada à direita da curva obtida para a formulação referência, e que a concentração plasmática máxima observada para o medicamento teste também está acima deste parâmetro determinado para o medicamento referência. Por estas observações, seria possível inferir que as formulações não são bioequivalentes. Entretanto, ao se avaliar os parâmetros corretos, como a área sob a curva (tabela abaixo) é possível verificar que não foi encontrado diferença significativa entre as formulações teste. Este é um dos indícios de que as formulações podem ser consideradas bioequivalentes. Parâmetros farmacocinéticos das formulações ibuprofeno referencia e ibuprofeno teste. Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os parâmetros apresentados na tabela acima. Princípios de Farmacocinética Clínica e Farmacocinética Clínica Aplicada 29 ELIMINAÇÃO E METABOLISMO DE FÁRMACOS (EXCREÇÃO E BIOTRANSFORMAÇÃO). A menos que se fixe em estruturas orgânicas, qualquer substância estranha (xenobiótico) introduzida no organismo será eventualmente eliminada, algumas mais rapidamente, e outras de uma forma mais lenta. O mesmo princípio é utilizado para os medicamentos, que deverão se submeter ao processo de eliminação, que é constituido pelos processos de biotransformação ou metabolismo e excreção. Alguns fármacos são excretados em sua forma inalterada, porém a maioria das substâncias medicamentosas necessitam de sofrer um processo de biotransformação para que seja melhor excretado pelo sistema. Embora as reações bioquímicas que modificam as drogas, convertendo-as em formas passíveis de excreção renal, constituam uma parte essencial do metabolismo dos fármacos, esse metabolismo abrange mais do que essa simples função. A biotransformação dos fármacos pode alterá-los de quatro maneiras importantes: - Um fármaco ativo pode ser convertido em fármaco inativo - Um fármaco ativo pode ser convertido em um metabólito ativo ou tóxico. - Um pró-fármaco inativo pode ser convertido em fármaco ativo. - Um fármaco não-excretável pode ser convertido em metabólito passível de excreção (por exemplo, aumentando a depuração renal ou biliar). Para melhor ilustrar, veja o quadro abaixo. A figura mostra exemplos de biotransformação de fármacos, alguns estão em estado ativo e são convertidos a substâncias ainda ativas e posteriormente a compostos inativos, e ainda, exemplos de drogas inativas (pró-droga) que são metabolizadas a fármacos ativos. Fases da biotransformação. O processo de biotransformação pode ser subdividido em duas fases distintas, sendo elas: Reações de fase I: São conhecidas também como reações não-sintéticas ou catabólicas. Esta fase tem por objetivo modificar a estrutura molecular do fármaco e, envolvem os processos de oxidação, redução, hidrólise, hidroxilação, desaminação, ciclização, desciclização entre outras. Reações de fase II: Também denominada de reação sintética ou anabólica ou
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