Baixe o app para aproveitar ainda mais
Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original
PROGRAMA DE EDUCAÇÃO CONTINUADA A DISTÂNCIA Portal Educação CURSO DE LOGOTERAPIA Aluno: EaD - Educação a Distância Portal Educação AN02FREV001/REV 4.0 67 CURSO DE LOGOTERAPIA MÓDULO IV Atenção: O material deste módulo está disponível apenas como parâmetro de estudos para este Programa de Educação Continuada. É proibida qualquer forma de comercialização ou distribuição do mesmo sem a autorização expressa do Portal Educação. Os créditos do conteúdo aqui contido são dados aos seus respectivos autores descritos nas Referências Bibliográficas. AN02FREV001/REV 4.0 68 MÓDULO IV 4 PATOLOGIAS DERIVADAS DA AUSÊNCIA DE SENTIDO Ao longo de sua obra, Frankl (2003a) discute os principais sintomas do vácuo existencial: a depressão, a agressão e a toxicodependência. No caso da depressão, Frankl (2003a) discute sua manifestação extrema, o suicídio. Em um estudo norte-americano, jovens que haviam tentado cometer suicídio foram entrevistados e encontrou-se que 85% deles referiam sentir que sua vida carecia de sentido. E dentre esses, 93% tinham um ambiente socioeconômico favorável e uma boa relação com sua família. Assim, a falta de um sentido para a vida aparece como um forte elemento de motivação para dar fim à própria vida. Obviamente, nem todo suicídio terá esta razão, mas, para Frankl (1990), ele certamente não seria cometido, caso a pessoa tivesse algo pelo qual viver. No caso das agressões, Frankl (2003b) entende que há causas para a violência humana; causas de ordem fisiológica, psíquica, econômica e outras. No entanto, a agressividade seria um fenômeno carente de sentido. Dentro dessa perspectiva, o ódio (assim como o amor) seria uma condição humana carregada de intencionalidade, mas a agressividade, ao contrário, estaria vinculada à condição animal. O homem mostraria humanidade quando, sentindo ódio, assumisse uma posição pessoal diante da agressividade. Além das formas de violência mais conhecidas, Frankl (1978/1989 apud MOREIRA et al., 2006) aponta que ela também manifesta quando um homem se dirige a outro sem objetivar um encontro, mas apenas por uma concepção utilitarista que visa um meio para obter satisfação. A violência é assim a própria ausência de sentido para a constituição de uma relação com o outro. Um estudo na Nova Zelândia obteve que quanto maior a sensação de falta de sentido maior a predisposição para o comportamento agressivo. Por outro lado, AN02FREV001/REV 4.0 69 quando um sentido é encontrado, especialmente aquele que emerge de uma tarefa em comum, em que se encontra um sentido, as agressões são abandonadas (FRANKL, 1990). Por fim, sobre a toxicodependência, um estudo com 416 estudantes, obteve resultados que contestavam a explicação de que o envolvimento com drogas estaria ligado a uma “fraca imagem paterna”. Por outro lado, observou-se correlação significativa entre o projeto de vida e o índice de envolvimento com drogas: os estudantes com projeto de vida elevado tinham um envolvimento muito menor com tóxicos (FRANKL, 1989). Outros estudos chegaram a resultados semelhantes. Todos apontaram para o fato de que a busca e o envolvimento com drogas, como marijuana e alucinógenos, estavam estreitamente ligados ao fato do jovem não encontrar um sentido para sua vida (FRANKL, 1989). Em relação ao alcoolismo, os resultados mantêm sua coerência. Um estudo realizado na Califórnia mostrou que 18 em 20 alcoolistas consideravam suas vidas sem sentido e sem um objetivo a ser perseguido, ou seja, um índice de 90% dos casos. Consequentemente, uma pesquisa encontrou que as técnicas da logoterapia são superiores às outras no tratamento do alcoolismo (FRANKL, 1989). FIGURA 18 - ALCOOLISMO FONTE: Disponível em: <https://encrypted-tbn3.gstatic.com/images?q=tbn:ANd9GcSb- Ck908LE_HWmnzAOCXSeOYwI4DQ5nqLksvbSbqPkPNp4cOTb8Q> Acesso em: 01 jul.2013. AN02FREV001/REV 4.0 70 Disso entende-se que, se a dependência química, segundo a perspectiva de Viktor Frankl (1989), quando motivada por uma frustração existencial, deve ser enfrentada com uma psicoterapia que leve em conta essa questão e alcance a dimensão espiritual do homem, ligada à vivência da liberdade e da responsabilidade. 5 O USO DE RECURSOS LOGOTERAPÊUTICOS EM EMPRESAS Segundo Calero (2012), as propostas da logoterapia são aplicáveis no contexto organizacional e poderiam levar a êxitos incalculáveis. Segundo o princípio da autotranscendência, o homem está sempre direcionado a algo que vai além dele próprio; algo por meio do qual alcance sua realização e só então sua satisfação. O trabalho, quando torna a existência humana plena de sentido, pode ser gerador dessa realização. FIGURA 19 – SENTIDO DO TRABALHO FONTE: Disponível em: <http://blogdoprudencio.files.wordpress.com/2011/10/ambiente.jpg> Acesso em: 01 jul. 2013. Quando os empregados se identificam com a empresa e associam seu desempenho profissional com sua realização pessoal, sentem-se motivados a realizar seu trabalho da melhor maneira possível. Mas, para tanto, deve haver um AN02FREV001/REV 4.0 71 porquê de fazerem o que fazem em seu cotidiano de trabalho. Se, ao contrário, o trabalhador não encontra nenhum sentido em sua atividade profissional fica diante de uma frustração existencial. Por meio do trabalho realizado com inteligência, criatividade e esforço, o homem transforma a natureza em benefício de si e da humanidade, o que pode ocorrer em qualquer profissão. Dessa forma, o sentido e valor do trabalho não são inerentes à atividade que se realiza, mas sim ao que essa contribui com a comunidade. A profissão dá ao homem apenas a oportunidade de se tornar insubstituível. Mas é só o próprio homem – ao se dedicar a seu trabalho, realizando sentidos e contribuindo com sua comunidade – pode fazer uso ou não dessa oportunidade. E isso nada tem a ver com a profissão que se escolheu: disse-nos uma vez uma paciente que, como considerava sem sentido a sua vida, não tinha o menor interesse em ficar curada; mas, como tudo seria diferente e belo se ela tivesse uma profissão que a satisfizesse!; Se, por exemplo, fosse médica, ou enfermeira, ou química, para poder fazer descobertas cientificas. O indicado, no caso, era fazer ver à doente que o que importa não é, de modo algum, a profissão em que algo se cria, mas antes o modo como se cria; que não depende da profissão concreta como tal, mas sim de nós, o fazermos valer no trabalho aquilo que em nós há de pessoal e específico, conferindo à nossa existência o seu ‘caráter de algo único’, fazendo-a adquirir, assim, pleno sentido (FRANKL, 2003b, p. 161) O trabalho como campo de possível realização sofre um desvio, em função de circunstâncias dominantes. É o caso dos trabalhos mecânicos e impessoais, que constituem apenas meio para um fim, ou seja, obter recursos para sobreviver. A marcada preocupação com o humano dentro da logoterapia, também aponta para caminhos diferentes daqueles observados em muitos ambientes empresariais. Segundo Calero (2012), hoje as organizações se contentam em ter empregados motivados, possuindo uma mentalidade utilitarista que ignora o valor da vida humana que contribui para o andamento das empresas. Nesses casos, a logoterapia aponta para a necessidade de que haja uma mentalidade mais humana nas organizações do trabalho. Os administradores das organizações deveriam estimular a busca do significado do trabalho e a percepção de que o trabalho possui um significado que transcende a simples execução de uma tarefa (GROHMANN, 1999). AN02FREV001/REV 4.0 72 Em uma época de crescente automatização, é cada vez maior o tempo livre disponível. Ocorre que justamente isso pode aumentar o vácuo existencial, já que o homem fica sem meios de se realizar e preencher seu vazio. O trabalho constitui uma forma de ocupar o tempo e aquele engajado em uma atividade como essa dificilmente se sente vazio e inútil (FRANKL, 2003b). FIGURA 20 – CONSTRUÇÃO DE SENTIDO NO AMBIENTE DE TRABALHO FONTE: Disponível em: <http://www.webcontexto.com.br/wp-content/uploads/2011/06/teamwork.jpg>. Acesso em: 01 jul.2013. AN02FREV001/REV 4.0 73 6 LOGOTERAPIA E EDUCAÇÃO Em toda obra de Viktor Frankl há uma preocupação com a comunidade dos homens e a educação aparece como um meio para alcançar uma humanidade “melhor”, caso incluísse a questão do sentido da vida e dos valores, além dos conteúdos básicos (AQUINO, 2012). Como orienta o princípio da noodinâmica, o homem se encontra sempre diante de possibilidades, em um polo de tensão entre o ser e o vir a ser. No entanto, nem todas as possibilidades são dignas de serem efetivadas, por possuírem menos sentido. O homem, no uso de sua responsabilidade, deve responder àquilo que tem mais sentido, o que implica uma capacidade de escolha. Ao escolher, passa a ser portador de valores existencial, esculpindo seu próprio ser, de acordo com suas posturas e ações (AQUINO, 2012). Nesse sentido, alguém que cumprisse a função de “logo-educador” deveria refletir junto com o educando sobre as escolhas que esse está realizando. Isso ocorreria por meio de um diálogo que colocasse em evidência os valores latentes de cada situação, de forma a descobrir aquele que apresenta mais sentido para a consciência (AQUINO, 2012). O período da adolescência seria ainda mais crítico, pois nesse momento eclode a busca de um sentido para a vida, o que pode ser frustrado nessa fase da vida. Ocorre que diante da ausência de perspectivas para o futuro, o jovem pode buscar compensação em prazeres imediatos, colocando-se em situações de risco. E para superar esse desencanto, é necessário contar com o engajamento de diferentes instâncias educadoras, como a família e a escola. A primeira teria sua contribuição, transmitindo valores validados na experiência humana em culturas específicas. Já a escola ajudaria o jovem na descoberta de seu projeto existencial, oferecendo-lhe tanto as condições quanto as habilidades para executá-lo (AQUINO, 2012). A escola aparece assim com uma dupla função: oferecer o conteúdo intelectual e ser uma espécie de profilaxia para o vazio existencial. O jovem deve ser AN02FREV001/REV 4.0 74 desafiado, nesse contexto, a agir com responsabilidade, fazer escolhas livres e se dirigir para aquilo que o transcende (AQUINO, 2012). Segundo Xausa (1988), o ideal humanístico da educação tem desaparecido sob as técnicas pedagógicas e métodos, baseados em visões reducionistas e pragmáticas. Cada vez mais, a dimensão espiritual do homem é excluída do processo educacional. Temas como a finitude e a temporalidade, questões inerentes à existência, não são considerados no ambiente escolar. Para Aquino (2012), uma pedagogia que se volte para o sentido deveria, por exemplo, levar em conta a totalidade do seu aprendiz, educando sem reducionismos. Além disso, é preciso educar para a autotranscendência, proporcionando a abertura ao aprendiz para a sua comunidade, e apresentar a ele temáticas existenciais, incentivando a busca de sentido. Educar para Frankl (2003) significa formar a consciência pessoal, pois uma consciência bem formada permite ao homem detectar e responder a cada situação o sentido que a lei moral e os valores apontam como o único adequado. A consciência bem formada também evita que o homem ceda ao conformismo e se dobre ao totalitarismo. Vivemos em uma época caracterizada pela falta de sentido. E nesta época a educação há de pôr o máximo empenho não só em proporcionar ciência, senão também em afinar a consciência, de modo que o homem seja bastante afinar a consciência, de modo que o homem seja bastante perspicaz para interpretar a exigência inerente a cada uma das situações particulares. Em uma era em que os dez mandamentos parecem estar perdendo sua validez para muitos, deve o homem pôr-se em condições de perceber os 10.000 mandamentos que se desprendem das 10.000 situações com que se vê confrontado em sua vida. Não somente parecerá, assim, que sua vida volve a ter sentido, mas também estará imunizado contra todo o conformismo e totalitarismo; porque só uma consciência desperta e vigilante pode fazer-se resistente, de tal modo que nem se abandone ao conformismo nem se dobre ao totalitarismo. Assim, pois, a educação mais do que nunca deve ser educação de responsabilidade (FRANKL, 1979 apud XAUSA, 1988, p. 159). Segundo Aquino (2012), a palavra “educar”, se analisada em sua origem latina, significaria o ato de “conduzir para fora” ou levar a pessoa do educando para o mundo. . AN02FREV001/REV 4.0 75 7 LOGOTERAPIA E ORIENTAÇÃO PROFISSIONAL Como afirma Brandão (2001), vivemos em uma sociedade marcada pela insegurança e incerteza quanto a valores, pela ausência de pontos de referência estáveis, o que gera crise e confusão. O homem assim encontra dificuldades em identificar aquilo que vale para sua vida, algo pelo qual se dedicar. Nesse contexto, o momento da escolha profissional tem representado um momento difícil para os jovens, que, diante da ausência de critérios claros para tomar decisões, não conseguem se posicionar e realizar sua escolha. A isso se somam fatores como a instabilidade da economia e do mercado de trabalho e a alta competitividade, o que tem exigido uma escolha profissional cada vez mais precoce (BRANDÃO, 2001). Nesse contexto, é preciso oferecer aos jovens algo que transcenda as perspectivas negativas do mercado de trabalho, questão percebida por educadores que apontam a necessidade de uma educação que se volte não só para o mercado, mas para o mundo do trabalho (BRANDÃO, 2001). FIGURA 21 - ESCOLHAS FONTE: Disponível em: <http://www.institutoinnove.com.br/wp- content/uploads/2013/03/orienta%C3%A7%C3%A3o_profissional.jpg>. Acesso em: 01 jul.2013. AN02FREV001/REV 4.0 76 Justamente por isso, diante da escolha sobre a profissão a seguir, o jovem deve ser convidado a se questionar sobre o sentido e finalidade de sua vida. Assim, além das questões tradicionais, que giram em torno do que o jovem gosta de fazer e o que sabe fazer, devem ser acrescentadas outras: ‘a que sou chamado?’, ‘que sentido pode haver no trabalho que desejo realizar?’, ‘qual a finalidade do meu existir?’. Considerar essas questões indica uma preocupação com o todo e não apenas com sua aplicação utilitária e imediata de um trabalho (BRANDÃO, 2001). A vocação é uma proposta à liberdade e responsabilidade do homem, um convite ao qual ele pode atender ou não. Mas antes de se olhar para a vocação profissional, deve-se olhar para a vocação antropológica, para quem é a pessoa e o que ela deseja ser, dentro de sua trajetória biográfica. É este ‘alguém’ que oferece forma e significado para aquilo que será realizado (BRANDÃO, 2001). O trabalho é um aspecto fundamental da vida, porque atende às necessidades materiais e espirituais do homem, já que por meio de tarefas concretas o homem se sustenta e expressa seu modo original de realizar valores diante das situações. Considerando-se uma sociedade em que o individualismo, o isolamento e a competitividade são valorizados, a possibilidade de descobrir o valor de sua contribuição para a sociedade, por meio do trabalho, é fundamental (BRANDÃO, 2001). Um trabalho pode ainda constituir uma possibilidade de encontro genuíno, por meio dos valores que serão compartilhados na realização de um bem comum (BRANDÃO, 2001). Desse modo, mais que a tarefa em si, importa que o trabalho constitua uma forma de se colocar a serviço dos outros, de forma que o homem, por meio dele, possa se expressar originalmente. Cada pessoa trabalha de modo único e, independente da profissão escolhida, o homem se realiza ao poder exprimir sua singularidade em suas atividades profissionais (BRANDÃO, 2001). Todas essas questões acerca do trabalho, que ultrapassam seu valor utilitário, devem ser consideradas no momento da escolha profissional para que essas não sejam frágeis e superficiais (BRANDÃO, 2001). AN02FREV001/REV 4.0 77 8 LOGOTERAPIA E PROMOÇÃO DE SAÚDE E QUALIDADE DE VIDA A Organização Mundial de Saúde define saúde como o perfeito bem-estar biopsicossocial. No entanto, o homem por ser saudável física e psiquicamente, estando frustrado existencialmente. Do mesmo pode, ele pode ter problemas físicos ou psíquicos e, ainda assim, ser saudável do ponto de vista existencial. Entende-se assim que ter qualidade de vida e saúde significa mais que um estado de bem-estar biopsicossocial, devendo-se considerar a presença de uma dimensão espiritual no homem (BENICÁ, 2007). Frankl reconheceu essa dimensão especificamente humana, situada além do psíquico, do biológico e do social, e chamou-a de noética ou espiritual. Ela não se resume de modo algum à questão religiosa e inclui aspectos valorativos, intelectuais e criativos do ser (BENINCÁ, 2007). FIGURA 22 – PROMOÇÃO DE SAÚDE FONTE: Disponível em: <http://www.salutarsaude.com.br/admin/artigos/fotos/meditacao.jpg> Acesso em: 01 jul.2013. É também nessa dimensão que o indivíduo transcende a si mesmo, fazendo dos significados e valores uma parte fundamental de sua vida. Assim, quando se AN02FREV001/REV 4.0 78 objetiva promover a saúde dos indivíduos é indispensável considerar estes outros aspectos (BENINCÁ, 2007). A logoterapia, partindo da ideia de que o homem é capaz de superar qualquer sofrimento se tem uma razão pela qual viver, uma missão à qual se dedicar, tem como princípio incentivar e auxiliar o paciente na busca de um sentido para sua vida. Esse sentido não se encontra na própria pessoa, em sua psique; ele deve ser descoberto no mundo, por meio da capacidade humana de autotranscendência (BENINCÁ, 2007). Em sua relação com o mundo, desenvolvendo ativamente um trabalho, amando outra pessoa ou mesmo por meio de um sofrimento inevitável, o homem pode descobrir e realizar um sentido para si. No caso do sofrimento é possível realizar sentido, a partir do momento em que essa situação de dor resulte no desenvolvimento do ser (BENINCÁ, 2007). Desse modo, a Logoterapia busca promover a saúde do sujeito, por meio do encontro com um sentido para sua vida, o que facilita o enfrentamento de situações que envolvam ou não algum nível de sofrimento. A partir do momento em que o indivíduo encontra esse “para quê” de sua existência, ele pode inclusive enfrentar com saúde situações que envolvam uma doença (BENINCÁ, 2007). 9 APRESENTAÇÃO DE TÉCNICAS LOGOTERAPÊUTICAS E CASOS CLÍNICOS Depois de apresentados os princípios, conceitos e bases epistemológicas da logoterapia, apresentaremos alguns casos clínicos e técnicas utilizadas durante uma psicoterapia que se baseie na busca do logos. Isso apresenta algumas dificuldades, pois, como explica Kroeff (2011), uma das lacunas que os logoterapeutas encontram na obra deixada por Viktor Frankl se refere aos modos de atuar durante as sessões de logoterapia, já que não há nenhum escrito que detalhe e sistematize de fato essa questão. AN02FREV001/REV 4.0 79 Lukas (1992) aponta que alguns princípios terapêuticos muito importantes no decorrer da logoterapia. Primeiramente, é necessário fortalecer no paciente a capacidade de perceber o valor em si. Um grande exemplo da importância desse princípio se encontra no tratamento da toxicodependência que, além da desintoxicação, abstinência, orientação familiar e reabilitação social, exige que o paciente passe a perceber os valores objetivos a sua volta. Para dar um exemplo que clarifique o que seriam esses valores objetivos, Lukas (1992) descreve a situação de um rapaz que, tendo sofrido uma desilusão amorosa, passa a ser irritadiço com seus familiares, que tentam apoiá-lo em vão. Nesse caso, o valor objetivo para o qual esse rapaz está cego é o apoio familiar que tem recebido. O papel da logoterapia aqui seria clarear um motivo para o paciente, mostrando o valor em si. A partir daí caberá ao paciente decidir se irá se engajar por esse valor. Outro exemplo de um caso relatado por Lukas (1992) é o de uma jovem que sofria de anorexia. Essa moça possuía uma graça natural, que foi logo percebida por sua terapeuta. A partir disso, o tema da dança foi explorado na sessão, procurando- se evidenciar os valores contidos nessa forma de expressão. A paciente se entusiasmou e passou a frequentar aulas de expressão corporal. Como consequência, passou a se alimentar melhor, para ter condições físicas de realizar as aulas, e conheceu um novo grupo de amigos. O segundo princípio fundamental durante o tratamento baseia-se em “como aumentar a sensação de valor da vida”. Essa sensação tem estreita relação com a motivação básica de uma pessoa. Lukas (1992) desenvolve uma analogia para falar da sensação de valor da vida. Um menino encontra uma senhora que está carregando uma pesada cesta de maçãs. Ele então decide ajudar essa senhora, com o objetivo de ganhar alguma das frutas, o que de fato acaba acontecendo. Nesse caso, temos dois resultados: a senhora recebeu ajuda e o menino ficou satisfeito com sua recompensa. Em outra situação bastante semelhante, outro menino encontra uma senhora que está carregando uma cesta pesada, também repleta de maçãs. Mas naquele momento, ao invés de pensar nas maçãs, ele se preocupa com o peso que a senhora carrega e decide ajudá-la. Esse garoto também foi recompensado com maçãs, mas, AN02FREV001/REV 4.0 80 diferente do primeiro, ele encontrou o “valor em si” da situação, algo positivo e com sentido, ao se dispor a ajudar, mesmo sem recompensa. Pelo fato de ter encontrado esse “valor em si” e o realizado, o segundo garoto tem aumentado seu sentimento de valor próprio e o sentimento de valor da vida. Sua vida, em particular, no momento em que se dedicou a uma tarefa que o transcendia, mostra-se então plena de sentido. Há aqui um porquê viver. Lukas (1992) dá ainda outros exemplos de pessoas que parecem ter perdido a capacidade de terem a sensação de valor da vida. Nesses casos, ela recomenda que essas pessoas sejam colocadas diante de tarefas com sentido, que possam realizar. No caso de pichadores ou danificadores de construções públicas, segundo a autora, seria interessante exigi-los em tarefas de embelezamento ambiental. Já com motoristas detidos por dirigirem embriagados, o atendimento em um pronto- socorro, durante alguns dias, poderia auxiliar no aumento de valor da vida. Por fim, como último princípio, Lukas (1992) questiona como lidar com os conflitos de valores e com a perda de valores. Primeiramente, vamos discutir o que a autora apresenta sobre como lidar com um conflito de valor. Nesse caso, ela alerta que a logoterapia não pretende facilitar uma tomada de decisão do paciente, nem tomá-la por ele. Por outro lado, ela estimulará a atenção à consciência e a responsabilidade diante de cada situação. Lembremos que a responsabilidade aqui se liga muito mais a necessidade de responder diante dos desafios que nos são postos, do que ao sentido moral. Seria por meio da consciência que o paciente poderia valorar os diferentes valores e, a partir disso, poder tomar um posicionamento diante de conflitos que, por exemplo, envolvam os pares profissão – família, vocações artísticas - responsabilidades do trabalho e promessa dada – situação que se modificou. Por vezes, o paciente dirige ao logoterapeuta a seguinte pergunta: “o que faço diante dessa situação?”. Lukas (1992) esclarece que há meios de responder ao paciente, deixando sempre que a decisão final seja dele próprio. Uma técnica possível de ser utilizada nestes casos é a do denominador comum. Lukas (1992) conta de uma paciente que estava aflita, pois precisava se decidir entre seu marido e seu amante. Enquanto ao lado do marido possuía uma situação de estabilidade pessoal e financeira, o amante lhe oferecia carinho e AN02FREV001/REV 4.0 81 erotismo. No entanto, o amante tinha uma namorada e não estava disposto a abandoná-la para assumir um relacionamento com essa paciente. Com a técnica do denominador comum, havia o objetivo de avaliar o peso (positivo ou negativo) que a decisão da paciente teria para cada um dos envolvidos na história – ela própria, o marido, o amante e a namorada do amante. Juntas, a paciente e a logoterapeuta montaram uma tabela. Com isso, obteve-se que, caso ela optasse por permanecer ao lado do marido e abdicar do amante, “beneficiaria” o marido e a namorada do amante. Cada um deles recebeu, na tabela, um sinal (+). Por outro lado, se ela decidisse se divorciar, ficando com o amante, haveria um resultado negativo para seu marido e a namorada do amante. Aqui, cada um deles recebeu um sinal (-). No caso dela, tendo em vista sua ambivalência, e do amante, em face de seu desinteresse em assumir uma relação, as duas decisões foram pontuadas com um sinal (+ -), indicando indiferença. Assim, enquanto a decisão favorável ao marido teria um sentido positivo para duas pessoas e não seria negativa para nenhum dos envolvidos, a decisão a favor do amante teria como saldo um sentido negativo para duas pessoas e nenhum sentido positivo. Mas isso ainda não seria suficiente para que a paciente tomasse uma decisão. Era preciso que ela respondesse a seguinte questão, feita pela logoterapeuta: “quanta felicidade ou infelicidade a senhora quer que decorra de suas ações?”. Nesse momento, a paciente se deu conta de que precisava, além da consciência, contar com a responsabilidade para tomar essa decisão. Além do denominador comum, há duas outras técnicas de logoterapia muito citadas por Frankl (1989): a intenção paradoxal e a derreflexão. A primeira começou a ser utilizada por ele no ano de 1929 e se volta principalmente para os casos de ansiedade antecipatória. São situações em que o temor leva justamente à situação que se teme, ou seja, o objeto do medo é o próprio medo e a ansiedade é causada pela própria ansiedade. O que ocorre é que o paciente que sofre de ansiedade antecipatória passa a evitar as situações que lhe provocam essa tensão. Frankl (1989) explica que nesses casos o melhor é encorajar o paciente a fazer ou desejar que aconteça justamente aquilo que teme. Isso evita a fuga do medo e encerra-se o círculo vicioso. Assim, a um paciente que sua em excesso ao falar em público, solicita-se justamente que ele deseje suar em público. Já no caso AN02FREV001/REV 4.0 82 de um paciente que gagueja ou treme em situações sociais, da mesma maneira, deve-se convidá-lo a enfrentar tais situações e até desejar a manifestação de sua gagueira ou tremor. Por mais paradoxal, como o nome da técnica aponta, Frankl observou que os pacientes, ao utilizarem a intenção paradoxal em seu cotidiano, conseguem se livrar do temor ao temor. Grande contribuição nesses casos é também o uso do senso de humor naqueles que conseguem se distanciar de si e rirem de si mesmos e de seus medos. Já a técnica da derreflexão é utilizada com pacientes que têm uma hiperintenção e uma hiper-reflexão em torno de determinado assunto. Assim, por exemplo, tanto o homem quanto a mulher falharão em sua busca se focarem demais em obter prazer durante uma relação sexual, ou seja, intencionarem e refletirem em excesso a esse respeito. A capacidade de autodistanciamento é de grande relevância para a logoterapia. Kroeff (2012) conta de um menino de 10 anos que havia sido assaltado a caminho da escola e, desde então, mostrava-se triste, temeroso e desinteressado. O tratamento desse caso foi possível, pois o logoterapeuta criou uma brecha entre o paciente e seus sintomas por meio do autodistanciamento, permitido pelas conversas e pela elaboração de um desenho da situação de violência sofrida. Estimou-se, além disso, uma atitude de aceitação frente ao inevitável, de abandono da passividade e impotência. Não tardou para que os sintomas desaparecessem, já que, afastado do bloqueio paralisante do medo, o menino voltou a enxergar um sentido para sua vida. FIM DO MÓDULO IV AN02FREV001/REV 4.0 83 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BENINCÁ, Â. C. Sentido e Saúde: Uma Perspectiva logoterapêutica. Itajaí, SC, UNIVALI, 2007. BRANDÃO, S. R. R. A vocação humana: uma abordagem antropológica e filosófica. Videturlibro 7, Short Essays on Philosophy & Education. São Paulo: CEAr/DLO/FFLCHUSP/Mandruvá, 2000. CALERO, M. I. B. La logoterapia aplicada en las organizaciones, encaminada a potencializar el talento humano. 2012. Disponível online: http://intellectum.unisabana.edu.co:8080/jspui/handle/10818/4441>. Acesso em: 31 jul. 2013. DE AQUINO, T. A. A. Educação para o sentido da vida. Revista Logos & Existência: Revista da Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial, v. 1, n. 2, 2012. EWALD, A. P. Fenomenologia e existencialismo: articulando nexos e costurando sentidos. Estud Pesqui Psicol; 8(2):149-65, 2008. FRANKL, V. E. Fundamentos antropológicos da psicoterapia. Rio de Janeiro: Zahar, 1978. ______. Um sentido para a vida: psicoterapia e humanismo. Santuário, 1989. ______. A questão do sentido em psicoterapia. Campinas. São Paulo: Papirus, 1990. ______. Sede de sentido. 3. ed. São Paulo: Quadrante, 2003a. ______. Psicoterapia e sentido da vida: fundamentos da logoterapia e análise existencial. 4. ed. São Paulo: Quadrante, 2003b. AN02FREV001/REV 4.0 84 GOMES, J. C. V. A Psicoterapia Existencial Humanista de Viktor Emil Frankl. São Paulo: Edições Loyola, 1992. GROHMANN, M. Z. Novas abordagens de motivação no trabalho: identificação do nível de conhecimento e utilização. Anais do Encontro Nacional de Engenharia de Produção, 1999. GUIMARÃES, A. C. Farias Brito e as Origens do existencialismo no Brasil. 2. ed. São Paulo: Convívio, 1984. JÚNIOR, O. A. G.; MANFOUD, M. As dimensões espiritual e religiosa da experiência humana: distinções e inter-relações na obra de Viktor Frankl. Psicologia USP, 2001. KROEFF, Paulo. Logoterapia: uma visão da psicoterapia. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 17, n. 1, p. 68-74, 2011. KROEFF, P. Logoterapia e superação de evento traumático em uma criança. Revista Logos & Existência: Revista da Associação Brasileira de Logoterapia e Análise Existencial, v. 1, n. 2, 2012. LÄNGLE, A. Viver com sentido: análise existencial aplicada: guia para viver. Petrópolis: Vozes, 1992. QUINTANAR, A. Aportaciones de La logoterapia a la acción tutorial em la educación secundaria. Universidad Internacional de la Rioja, 2011. Disponível em: <http://reunir.unir.net/handle/123456789/124>. Acesso em: 31 jul. 2013. LUKAS, E. Logoterapia: a força desafiadora do espírito. Loyola, 1989. ______. Assistência logoterapêutica. Petrópolis: Vozes, 1992. MARQUES, I. H. Sartre e o Existencialismo. Metavnoia, São João del-Rei, n. 1, p. 75-80, 1998. MOREIRA, J.O. et al. Moralidade e sociabilidade em Frankl: um norte para superação da violência. Psicologia em estudo, Maringá, v.11, n. 3, p. 627-635, 2006. AN02FREV001/REV 4.0 85 PEREIRA, I.S. A Vontade de sentido na obra de Viktor Frankl. Psicologia USP, v. 18, n. 1, p. 125-136, 2007. RODRIGUES, R. Fundamentos da logoterapia: na clínica psiquiátrica e psicoterapêutica. v. 1. Petrópolis (RJ): Vozes, 1991. SCHNEIDER, D.R. Caminhos históricos e epistemológicos da psicopatologia: contribuições da fenomenologia e existencialismo. Cadernos Brasileiros de Saúde Mental, v. 1, n. 2, 2009. SURDI, A. C. A fenomenologia como fundamentação para o movimento humano significativo. Dissertação (mestrado), Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Desportos, 2008. SURDI, A. C.; KUNZ, E. A fenomenologia como fundamentação para o movimento humano significativo. Movimento, Porto Alegre, 15(2), 187-210, 2009. TEIXEIRA, José A. Carvalho. Introdução às abordagens fenomenológica e existencial em psicopatologia (II): As abordagens existenciais. Análise Psicológica, v. 15, n. 2, p. 195-205, 1997. XAUSA, I. A. M. A psicologia do sentido da vida. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1988. FIM DO CURSO
Compartilhar