LETRAMENTO
A História da Escrita
Alfabetos Fenício e Hebraico
Alfabeto Grego
A História da Alfabetização
As Diferentes Concepções de Aprendizagem
A Teoria Construtivista de Piaget
A Concepção Histórico-cultural
O Conceito de Alfabetização ao Longo da História.
Os Métodos de Alfabetização.
As Contribuições de Emília Ferreiro: a Psicogênese da Língua Escrita.
Os Diferentes Níveis do Processo de Construção da Escrita.
Nível Pré-silábico.
Nível Silábico.
Nível Alfabético.
ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA.
Saberes Necessários para Ler e Escrever
Palavras, Consoantes e Vogais.
Os Diferentes Tipos de Textos.
O Ambiente Alfabetizador
A Alfabetização com Textos.
Os “Erros” mais Comuns e Possíveis Estratégias de Intervenção.
Referências.
LETRAMENTO
O surgimento da escrita marca a história da humanidade. Podemos acreditar que, desde os primeiros tempos, o homem procurou registrar suas impressões sobre o mundo e comunicá-la a outros homens, utilizando para isso pedra, materiais inorgânicos e orgânicos à base de tintas vegetais e minerais.
Na Pré-história, o homem já se comunicava através de desenhos feitos nas paredes das cavernas. Com esse tipo de representação (pintura rupestre), trocava mensagens, passava ideias e transmitiam desejos e necessidades. Porém, ainda não era um tipo de escrita, pois não havia organização, nem mesmo padronização das representações gráficas.
Temos conhecimento de que a escrita foi inventada por volta de 3.300 antes de Cristo, pelos sumérios, na Mesopotâmia (atual Iraque). Acredita-se que uma das razões para a sua invenção foi a necessidade de registrar as atividades comerciais (compra e venda). A primeira forma de escrita foi a pictográfica, onde cada “desenho” representava um objeto ou um ser específico.
Na fig.1 encontramos desenhos simplificados representando, de forma estilizada, uma cabeça de boi, a fim de designar boi. Já a fig. 2, que representa a mulher, é o desenho de um triângulo pubiano com a fenda da vulva.
Os vários pictogramas empregados poderiam expressar uma ideia, surgindo, assim, o termo de escrita ideográfica, com sinais para palavras individuais ou conceitos. A fig. 3 representa mulher estrangeira, pois ao lado do triângulo pubiano (mulher) foi acrescentado o símbolo de montanha (vindas de outro lado da montanha, estrangeira).
Por volta de 2.900 a.C. os pictogramas primitivos desapareceram, deixando de representar o objeto por ele designado para retirar o seu significado do contexto. Surge, então, a escrita cuneiforme, que possui esse nome por ser traçada em barro, formando uma suposta cunha. Essa escrita também utilizava pictogramas, porém não era uma criação livre do “escritor”. Foram encontrados verdadeiros “catálogos”, dicionários primitivos que apresentavam diferentes significados para o mesmo símbolo. Um desenho de pé podia dizer “andar”, “pôr-se de pé”, “transportar” etc. Os pictogramas podiam representar tanto ideias quanto objetos. Veja os exemplos abaixo:
Os pictogramas representam tanto ideias quanto objetos.
Um pássaro e um ovo, lado a lado, significam “fecundidade”.
Vários traços descendo do céu, “a noite”.
Dois traços cruzados simbolizam “inimizade”.
Dois traços paralelos, a “amizade”.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Enquanto os símbolos cuneiformes riscam toda Mesopotâmia, outros sistemas de escrita nascem e se desenvolvem no vizinho Egito e, também, na longínqua China. De uma ponta a outra do mundo, os homens dedicam-se a transcrever sua história sobre a pedra, o barro e o papiro, vendo nisso um presente divino (JEAN, 2002: 25).
Os caracteres da escrita egípcia são chamados de hieróglifos, palavra que significa “escrita dos deuses” (do grego hieros, “sagrado”, e gluphein, “gravar”). Eles também eram pictogramas, porém os desenhos eram muito rebuscados e estilizados constituindo uma verdadeira obra de arte. “Logo que a ‘escrita dos deuses’ começa a ser decifrada, ao prazer da compreensão une-se o prazer da contemplação.”
No Egito, como na Mesopotâmia, saber ler e escrever era, ao mesmo tempo, privilégio e poder. Será que no mundo de hoje, principalmente no Brasil, isso é diferente?
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro:
Objetiva, 2002.
Este conjunto de signos hieroglíficos é lido, excepcionalmente, da esquerda para a direita. O primeiro signo, à esquerda, lê-se “hb”. O segundo é determinativo: a perna demonstra tratar-se de uma palavra relativa a algo que passa com o pé. O terceiro é um pictograma figurativo: um homem que dança, significando o todo “dançar”.
Alguns pictogramas, datados das origens da escrita chinesa, chegaram até nós. Há entre as formas antigas, à esquerda, e as formas modernas, à direita, 30 séculos...
Do alto para baixo: o sol, a montanha, a árvore, o meio, o campo, a fronteira, a porta.
No ano de 2000 a.C., a China inventa a escrita que perdura até hoje. É uma escrita marcada por pictogramas. A escrita chinesa é um caso único: “codificada em 1500 antes da nossa era e constituída em sistema coerente entre 200 a.C. e 200 d.C., é perceptivelmente a mesma que os chineses leem e escrevem hoje”. Veja os exemplos abaixo:
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Apesar de a escrita ideográfica ser datada dos primórdios da história, até hoje a utilizamos em diferentes culturas. Por exemplo: nas placas de trânsito, nas indicações de porta etc.
Os símbolos foram sendo usados e aprimorados até que surgiu o fonetismo. Os sumérios e os egípcios passaram a usar os pictogramas não designando mais o objeto representado e sim um outro cujo nome lhe era foneticamente semelhante. É a aproximação da escrita com a fala. Nesta perspectiva, o desenho de um gato (chat) e um desenho de um pote (pot) passa a significar “chapeau” (chapéu). Esta “tecnologia da escrita” teve a sua origem em uma brincadeira infantil denominada rebus (do latim: res “coisa”, rebus “pelas coisas”). Era as guerras, motivadas pelo domínio territorial, fizeram com que algumas línguas fossem abafadas, enquanto outras difundidas.
Com o passar do tempo, todas as civilizações sentiram necessidade de registrar suas ações do cotidiano, como as conquistas, festas, rituais etc. Para um grande número de povos, a escrita, cada vez mais, foi se tornando uma necessidade. Então, passaram a criar símbolos para poder representar as coisas e, cada vez mais, esses símbolos foram sofrendo modificações e ganhando sons, tornando assim um alfabeto.
A verdadeira revolução da escrita ocorreu em 1000 a.C., com a invenção do alfabeto, que tem origem com os fenícios, que emigraram para a margem oeste do Mediterrâneo, para o norte da África, o sul da Espanha, a Sicília, a Sardenha, Chipre, Grécia e Itália.
Na escrita chinesa, as “chaves”, um jogo muito parecido com o que conhecemos hoje em números de 214, colocadas ao lado de um outro caractere especificam-lhes o sentido. O elemento “poder” (c), precedido da chave “água”(a), significa “rio”(d). Porém, o mesmo elemento associado à chave “palavra” (b) dá “criticar”(e).
A escrita cuneiforme, os hieróglifos ou os caracteres chineses têm em comum transcrever palavras e sílabas. Saber ler e escrever, nesses sistemas, consiste em conhecer um grande número de signos ou de caracteres.
Completamente diferente é o funcionamento do alfabeto, permitindo, a princípio, com cerca de 30 signos, tudo escrever. Todavia, não é tão simples assim, pois as 23 letras de nosso alfabeto não reproduzem todos os sons... daí o os problemas cruciais encontrados pelos escolares no aprendizado da ortografia! Mesmo assim, 23 letras são muito menos do que mil caracteres do chinês popular, as algumas centenas de hieróglifos do povo egípcio e muitíssimo menos do que os 600 signos cuneiformes do aluno-escriba da Mesopotâmia. Por essa razão, muitos pensam que o aparecimento do alfabeto marca verdadeiramente o início da democratização do saber (JEAN, op. cit.: 52).
Primeiro surgiram os silabários, conjunto de sinais específicos para representar as sílabas, isto é, os sinais representavam sílabas inteiras em vez de letras individuais.
Os fenícios inventaram um sistema reduzido de caracteres que representavam o som consonantal: é a chamada escrita fonética. Escolheram um conjunto de palavras cujo o primeiro som fosse diferente dos demais e para representá-lo graficamente escolheram hierógrafos egípcios cujo aspecto figurativo lembrava o significado das palavras da lista (21 sons). Não havia vogais. Por exemplo: a primeira palavra da lista era a palavra “alef”, que significava “boi”, e o hieróglifo escolhido foi o que representava a cabeça do boi. Sendo assim, a figura da cabeça do boi passou a representar o som inicial da palavra “alef”. Essa relação foi realizada com as 21 palavras. Veja ao lado o alfabeto.
Fonte: MAN, J. A. História do Alfabeto – como 26 letras transformaram o mundo ocidental. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002.
Em seguida, os gregos adaptaram o sistema de escrita fenícia agregando as vogais e criando assim a escrita alfabética (alfabeto, palavra derivada de alfa e beta, as duas primeiras letras do alfabeto grego). Os gregos mantiveram o princípio acrofônico, ou seja, o som inicial do nome da letra é o som que a letra representa.
A escrita grega foi adaptada pelos romanos, constituindo-se o sistema alfabético greco-romano, que deu origem ao nosso alfabeto. Os romanos dispensaram os “nomes especiais” das letras. Para eles bastava ter como nome da letra apenas o próprio som dela. “Foi assim que alfa, beta, gama, delta, épsilon etc. transformaram-se em a, bê, ce, dê, e etc.” (CAGLIARI, 1998: 17). Esse sistema representa o menor inventário de símbolos que permite a maior possibilidade combinatória de caracteres, isto é, com o alfabeto podemos escrever qualquer palavra de uma língua. É a possibilidade de registrar o pensamento. O homem agora pode escrever qualquer ideia ou sentimento.
As escritas árabe e latina são a origem de numerosos alfabetos.
Ao lado temos uma inscrição romana do século III, que é lida da esquerda para direita.
Fonte: JEAN, G. A Escrita - memória dos homens. Rio de Janeiro: Objetiva, 2002.
Com certeza, a invenção do alfabeto possibilitou ao homem ampliar a sua capacidade de expressão e de perpetuar a história da humanidade. Mas isso não quer dizer que tenha tornado simples a aquisição da língua escrita.
(...) o alfabeto parece a própria essência da simplicidade, ‘tão fácil quanto o ABC’. Mas o sentido de simplicidade é traiçoeiro, pois o alfabeto é a aparência externa de profundezas linguísticas ocultas. Os seus poucos símbolos não são nada se comparados à complexidade de sons que representam, enquanto aqueles sons apenas sugerem a complexidade da própria língua (...). As nossas 26 letras formam uma grade que nos dá a nítida impressão de controle e compreensão. Olhe com mais cuidado e verá que está penetrando em um pântano que talvez tenha feito com que nosso escriba asiático desistisse na hora (...) (MAN, 2002: 85).
Qualquer sistema de escrita só é capaz de atravessar o tempo se as novas gerações se apropriarem dele. Para que isso aconteça, é essencial que aqueles que dominam o seu funcionamento ensinem aos outros como decifrá-lo.
Podemos acreditar que na época primitiva da escrita, ser alfabetizado implicava apenas saber “ler” o que os símbolos significavam e ser capaz de “escrevê-los”, já que, provavelmente, se escrevia apenas um tipo de documento ou texto (anotações de compra e venda). Com o desenvolvimento do sistema escrito, houve um aumento significativo da quantidade de informações necessárias para saber ler e escrever, usando cada vez mais símbolos para representarem o som da fala.
Acredita-se que: o longo processo de invenção da escrita também incluiu a invenção de regras de alfabetização, ou seja, as regras que permitem ao leitor decifrar o que está escrito e saber como o sistema de escrita funciona para usá-lo apropriadamente (CAGLIARI, 1998: 15).
Temos informação que na Antiguidade as pessoas alfabetizavam-se aprendendo a ler algo já escrito e depois copiando. Iniciavam com palavras e posteriormente, passavam para textos famosos, que eram “estudados” exaustivamente; para então chegar a escrever seus próprios textos. Muitos aprendiam sem ir à escola, já que não pretendiam tornar-se escribas. Com certeza, a curiosidade levou muita gente a aprendera ler para lidar com os negócios, comércio, ler obras religiosas ou obter informações sobre a cultura da época.
A alfabetização, nesses casos, dava-se com a transmissão de conhecimentos relativos à escrita de quem possuía para quem queria aprender. Aprender a decifrar a escrita, ou seja, a ler relacionando os caracteres às palavras da linguagem oral, devia ser o procedimento comum. Aqui não era preciso fazer cópias nem escrever: bastava saber ler.
Para se alfabetizar em um sistema de escrita que têm como base o princípio acrofônico, bastava decorar a lista dos nomes das letras, observar a ocorrência de consoantes nas palavras e transcrever esses sons. Por exemplo, “para escrever David, bastava identificar as consoantes DVD, procurar na lista de letras, aquelas que começavam com sons de D e V e escrevê-las”. Procure escrever a palavra David utilizando o alfabeto fenício apresentado anteriormente.
Quando os gregos passaram a utilizar o alfabeto, aprender a ler e escrever tornou-se um uma tarefa de grande alcance popular. Surgem as “escolas de alfabeto”. A ortografia passa a fixar a forma de escrita das palavras, para evitar que falantes de dialetos diferentes escrevessem as mesmas palavras de maneiras diferentes, seguindo apenas a transcrição da própria fala e o valor sonoro do alfabeto.
Os semitas, os gregos e os romanos nos deixaram alguns ‘alfabetos’: tabuinhas ou pequenas pedras ou chapas de metal onde se encontravam todas as letras, na ordem tradicional dos alfabetos. Na verdade, serviam de guia para as pessoas aprenderem a ler e a escrever, ou mesmo quando fossem escrever. Tais documentos foram, por assim dizer, as mais antigas “cartilhas” da humanidade: uma cartilha que continha apenas o inventário das letras do alfabeto (IBIDEM: 18).
Na Idade Média, a alfabetização ocorreu menos nas escolas e passou a ser uma tarefa da vida privada. Quem sabia ler ensinava a quem não sabia, mostrando o valor fonético das letras em determinada língua, a forma ortográfica das palavras e a interpretação da forma gráfica das letras e suas variações. O fato de os aprendizes serem falantes da língua que estavam aprendendo/decifrando, se constituía em um facilitador da aprendizagem da escrita, pois ajudava nas tentativas de descobrir, entre as várias possibilidades a leitura correta. É o que acontece com as crianças de hoje (e de sempre) que ao depararem, por exemplo, com a palavra RODA em um texto, não lerão [rôda], pois [róda] terá significado por fazer parte do seu acervo linguístico.
No século XV, na Europa, começaram a aparecer as primeiras cartilhas (diminutivo de “carta”, no sentido de esquema, mapa de orientação) e gramáticas com o objetivo de estabelecer uma ortografia e ensinar o povo a escrever nas línguas vernáculas, abandonando o latim. Os textos destes livros são basicamente religiosos.
Não temos muitos registros de quando e como começa a história da alfabetização no Brasil, mas com certeza a origem está nas cartilhas portuguesas. Podemos inferir que a história da alfabetização brasileira começa com a chegada dos jesuítas, em 1549. Foram eles que, de certa forma, apresentaram um sistema de escrita para os índios, sendo responsáveis pela escolarização catequização das crianças.
Há notícias de que Portugal realizava remessas de livros escolares para as colônias, para que nelas se ensinassem a ler e escrever. Os jesuítas inauguraram na Bahia a primeira escola de leitura, escrita e religião.
Acredita-se que Cartinha de Aprender a Ler, uma das mais antigas para ensinar o idioma português, tenha sido utilizada no Brasil.
As cartilhas portuguesas marcam o início da literatura didática em nosso idioma. Além da cartilha de João de Barros, há notícias de uma cartilha elaborada por Frei João Soares, impressa em 1539 e reeditada várias vezes. Uma outra obra, o Método Castilho para o Ensino Rápido e Aprazível do Ler Impresso, Manuscrito e Numeração do Escrever, produzida por Antonio Feliciano de Castilho (1850), em Lisboa, também foi utilizada no Brasil. Esta obra incluía abecedário, silabário e textos de leitura, sendo marcada por preocupações fonéticas (BARBOSA, 1990: 57).
Em 1876 surgiu a Cartilha Maternal, do poeta João de Deus Ramos. No prefácio o autor diz que o aluno que aprende por letras ou pelas sílabas “conduzido através de elementos inertes do pensamento, reduz-se à posição de repetidor de uma cambulhada de miudezas trivialíssimas, que não o divertem, nem o instruem, atrofiam-lhe o espírito e deixam nele impresso o hábito da leitura mecânica, senão, muitas vezes, o selo do idiotismo” (BARBOSA, 1990: 57). O autor opunha-se aos métodos de soletração e silabação como pontos de partida para a aprendizagem da leitura. Esta cartilha marca a transição do abecedário do bê-a-bá para os métodos analíticos, que foram difundidos no Brasil durante a República.
Em nosso dia-a-dia também nos perguntamos: Por que alguns alunos aprendem e outros não? Por que uma determinada atividade atinge os seus objetivos para alguns alunos e para outros não?
A concepção de como o desenvolvimento e aprendizagem humana acontecem dependerá da visão que se tem de mundo em um determinado momento histórico e persistirá enquanto for capaz de explicar a realidade, pelo menos para algumas pessoas.
Mulheres e homens, somos os únicos seres que, social e historicamente, nos tornamos capazes de aprender. Por isso somos os únicos em quem aprender é uma aventura criadora, algo, por isso mesmo, muito mais rico do que meramente repetir a lição dada. Aprender para nós é construir, reconstruir, constatar para mudar, o que não se faz sem abertura ao risco e à aventura do espírito.
Conhecendo um pouco da história da escrita e como esse conhecimento foi disseminado pelo mundo, algumas questões afloram: Como ocorre o conhecimento? O que nos difere dos animais? Essas são reflexões que geram muita inquietude e muitas pesquisas.
Buscando apoio nas contribuições da psicologia para explicar como ocorre o conhecimento, encontramos a concepção inatista que defende os fatores internos (biológicos) como determinantes no processo de aprendizagem. Nesta perspectiva, os eventos que ocorrem após o nascimento não são essenciais e/ou importantes para o desenvolvimento do pensamento intelectual, visto que, nesta visão, o ser humano já nasce com suas qualidades e capacidades básicas prontas.
Jean-Jacques Rousseau (1712-1778)
A natureza, dizem-nos, é apenas o hábito. Que significa isso? Não há hábitos que só se adquirem pela força e não sufocam nunca a natureza? É o caso, por exemplo, do hábito das plantas, cuja direção vertical se perturba. Em se lhe devolvendo a liberdade, a planta conserva a inclinação que a obrigaram a tomar; mas a seiva não muda, com isto, sua direção primitiva; e se a planta continuar a vegetar, seu prolongamento voltará a ser vertical. O mesmo acontece com os homens. (ROUSSEAU, J-J. Emilio. In: DAVIS, 1994, 27).
Nesta concepção, a função da educação é interferir o mínimo possível no processo de desenvolvimento espontâneo do homem, já que, como preconiza o dito popular, “pau que nasce torto, morre torto”. Não tem jeito!
Os inatistas buscaram seus fundamentos na Teologia, no Evolucionismo de Darwin, na Embriologia e na Genética.
Na Teologia, a fundamentação se dá na máxima de que “Deus, de um só ato, criou cada homem em sua forma definitiva”. O que um bebê virá a ser já está determinado pela ‘Graça Divina’.
Da Teoria Evolucionista de Darwin, os inatistas basearam-se numa leitura equivocada de que a evolução da espécie depende de mudanças graduais e cumulativas, que decorrem de variações hereditárias. Cabe ao ambiente selecionar os mais aptos. “Só os mais aptos de uma determinada espécie – aqueles capazes de se adaptar ao meio – sobreviveriam”.
Já na Embriologia, buscaram subsídios em seus primeiros estudos que apontavam o desenvolvimento quase que invariável, sendo regulado por fatores endógenos (fatores internos).
Para quem acredita nessa concepção, não vale a pena investir na educação, já que o professor pouco poderá contribuir para o desenvolvimento do aluno. O sucesso ou o fracasso escolar é visto como responsabilidade única e exclusiva do aluno, na medida em que a aprendizagem depende apenas de fatores internos.
Ainda hoje encontramos muitos educadores que acreditam que os fatores internos são determinantes para a aprendizagem. É muito comum presenciarmos o diálogo a seguir:
Professora A: - Eu não sei o que fazer para o Ricardo aprender a ler! Ele não acompanha a turma.
Professora B: - Qual Ricardo? O irmão de Leandro dos Santos?
Professora A: - É!
Professora C: - A família toda é assim. Os irmãos já passaram pela escola e não conseguiram.
Professora B: - Puxaram aos pais. Eles são analfabetos.
Professora C: - “Filho de peixe, peixinho é! ”
Em contraposição ao inatismo, a concepção ambientalista (comportamentalista ou behaviorista) considera que os fatores externos são determinantes no processo de aprendizagem. Defende que o homem é um ser extremamente plástico, reativo à ação do ambiente. A experiência sensorial é a fonte do conhecimento, sendo assim a aprendizagem é entendida como um “processo pelo qual o comportamento é modificado como resultado da experiência” (IBIDEM: 33).
Essa concepção teve em Skinner seu maior expoente. Para ele, manipulando-se os elementos presentes no ambiente (estímulos) é possível controlar o comportamento, que é adquirido ao se estabelecer associações entre um estímulo e uma resposta, e entre uma resposta e um reforçador. Para os ambientalistas, o ser humano busca maximizar o prazer e minimizar a dor.
Assim, o reforço é um instrumento utilizado para fazer com que os comportamentos considerados corretos permaneçam no indivíduo. Já a punição é utilizada para minimizar ou eliminar os comportamentos considerados inadequados.
Nesta perspectiva, o planejamento das condições ambientais é determinante para a aprendizagem de novos comportamentos. Na escola, o professor passa a ter papel fundamental. O sucesso da aprendizagem depende dele, visto que é ele o único responsável pelo planejamento, organização e execução das atividades pedagógicas.
A educação foi sendo entendida como tecnologia, ficando de lado a reflexão filosófica sobre a sua prática.
A organização das condições para que a aprendizagem ocorra exige clareza e respeito aos objetivos que se quer alcançar (objetivos instrucionais ou operacionais), a estipulação da sequência de atividades que levarão ao objetivo proposto e a especificação dos reforçadores que serão utilizados.
Baseado nesta concepção, encontramos a repetição como um ‘método’ de aprendizagem.
É comum ainda encontrarmos em algumas práticas pedagógicas, exercícios nos quais as crianças precisam escrever cinco vezes a mesma palavra, ‘resolver’ vinte ‘continhas’ de adição, responder a um questionário da mesma forma que o texto lido etc. Afinal, “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.
Podemos observar também que o erro é visto como um comportamento inadequado, e como tal, precisa ser extinto através da ‘dor’ (punição). Sendo assim, não é muito difícil encontrarmos crianças tendo que copiar três vezes a palavra errada, ficando de castigo (sendo privada da merenda, recreio ou das atividades que mais gostam) fazendo cópias etc., pois ‘Quando a cabeça não pensa, o corpo é que paga’.
Você já parou para pensar por que falamos português? Por que somos fi lhos de brasileiros? Ou por que vivemos em um país que se fala português? Ou por que desde que nascemos estamos em contato com pessoas que falam português e que nos mostram o nome das coisas?
Enquanto os inatistas priorizam os fatores internos e os ambientalistas, os fatores externos, a concepção interacionista nos faz pensar que “nem tanto ao mar nem tanto à terra”.
Esta corrente teórica nos mostra que a aprendizagem e o desenvolvimento dependem da interação de fatores internos e externos.
Nas concepções anteriores, o homem é visto como um ser passivo, não tendo participação no seu processo de aprendizagem, já que, ou ele nasce com suas potencialidades prontas ou o ambiente é que irá moldá-lo. Para os interacionistas, o homem é visto como um ser ativo ou interativo, participante do seu processo de aprendizagem, que é resultado da sua interação com o meio, sendo o meio entendido não apenas como ambiente físico, mas sim como um ambiente marcado pela cultura, num determinado momento histórico e em todas as relações interpessoais que são estabelecidas.
É através da interação com outras pessoas, adultos e crianças, que desde o nascimento, o bebê vai construindo suas características (seu modo de agir, de pensar, de sentir) e sua visão de mundo (seu conhecimento).
Desde que nascemos estamos interagindo com o mundo físico e social. É a partir dessas interações que vamos conhecendo as características e peculiaridades do mundo.
A construção do conhecimento exige elaboração, ou seja, uma ação sobre o mundo.
A aquisição de conhecimento é vista como um processo individual, construído durante toda a vida, no meio cultural. O conhecimento pode ser comparado a uma espiral, onde as experiências anteriores servirão de base para novos conhecimentos, mediados pela relação que o indivíduo estabelece com o meio. O erro é encarado como parte do processo de aprendizagem, sendo importante para a prática pedagógica, pois a partir do “erro” o professor poderá compreender o processo de pensamento do aluno e planejar atividades que possibilitem avançar no seu conhecimento. A sabedoria popular há muito nos diz que: ‘quem tem boca vai a Roma’.
Piaget e Vygotsky foram os maiores defensores da concepção interacionista. Apesar de enfatizarem que o conhecimento ocorre a partir da interação de fatores internos e externos, esses dois autores apresentam uma visão diferente de como ocorre a interação entre os mesmos.
Jean Piaget (1896-1980)
Segundo Piaget, a busca do equilíbrio (ou adaptação com seu meio) é uma característica essencial do ser humano. Para ele, o “desenvolvimento cognitivo ocorre através de constantes desequilíbrios e equilibrações. O aparecimento de uma nova possibilidade orgânica no individuo ou a mudança de alguma característica do meio ambiente, por mínima que seja, provoca a ruptura do estado de repouso, da harmonia entre organismo e meta – causando um desequilíbrio”.
Para voltar a uma nova situação de equilíbrio, dois mecanismos são acionados. É o que Piaget denominou de assimilação (o organismo não altera a sua estrutura) e acomodação (o organismo é obrigado a alterar a sua estrutura para se ajustar às novas demandas impostas pelo meio). Assimilação e acomodação são processos distintos e opostos, que ocorrem simultaneamente.
Quando estamos diante de um novo conhecimento (desafio) nos sentimos desequilibrados intelectualmente. Buscamos a partir das nossas experiências anteriores, desenvolvermos ações destinadas a atribuir significações aos elementos do ambiente com os quais interagimos (assimilação). Quando esses conhecimentos não são sufi cientes para dar conta do desafio (estado de equilíbrio), precisamos ampliar ou modificar nossas ações (físicas ou mentais) para atingirmos o novo conhecimento (acomodação).
Quando jogamos uma bola de soprar para uma criança (desafio), ela fará uso do esquema pegar (postura de braço, mão e dedos) que já é conhecido por ela, atribuindo ao balão o significado de ‘objeto que se pega’ – assimilação. Porém, o esquema ‘pegar’ precisará ser modificado para se ajustar às características do objeto: a abertura dos braços, dos dedos e a força utilizada para segurá-lo é diferente da que se utiliza para pegar uma bola de plástico, de papel ou de couro – acomodação. Posteriormente, ao ser desafiada a pegar uma bola de gude, mais uma vez os seus esquemas terão que se modificar (acomodação) ao novo objeto.
Pense em um aluno que já consegue fazer uma adição e que na escola estamos apresentando para ele a multiplicação (desafio/desequilíbrio). Com certeza saber somar parcelas iguais (assimilação) é um esquema mental necessário para a multiplicação. Porém, não é sufi ciente. Ele precisará modificar esse esquema para compreender o conceito de multiplicação (acomodação) e consequentemente distinguir o momento de utilizá-la.
Para Piaget, o desenvolvimento é um processo contínuo, caracterizado por quatro fases diversas (etapas ou períodos). Em cada etapa, a criança constrói certas estruturas cognitivas, que se constituem em uma forma específica de pensar e atuar no mundo. Ele as denominou de sensório-motora (do nascimento aos 2 anos de idade, aproximadamente), pré-operatória (2 anos até aproximadamente aos 7 anos), operatório-concreta (7 anos até aos 12 anos, aproximadamente) e operatórioformal (a partir dos 13 anos).
Para Cláudia Davis (1994), o modelo Piagetiano, que pretende ser universal, é fortemente marcado pela maturação, pois é ela a responsável pelo fato de as crianças sempre apresentarem determinadas características psicológicas em uma mesma faixa etária.
Desenvolvimento cognitivo e aprendizagem não se confundem: o primeiro é um processo espontâneo que se apóia no biológico. Aprendizagem, por outro lado, é encarada como um processo mais restrito, causado por situações específicas (como frequência à escola) e subordinado tanto a equilibração quanto à maturação (DAVIS, 1994: 46).
Um outro conceito muito importante na teoria piagetiana é o conceito de autonomia, que é a capacidade de agir por si mesmo, levando em consideração os fatos relevantes para decidir e agir da melhor forma para todos. Esse conceito se opõe ao de heteronomia que significa dependência da forma de agir e pensar. Sendo assim, a grande finalidade da escola seria contribuir para a formação de sujeitos autônomos.
Já para Vygotsky, desenvolvimento e aprendizagem são processos que estão inter-relacionados. Na medida em que o sujeito aprende, ele se desenvolve, e esse desenvolvimento leva a novas aprendizagens.
Lev Semionovitch Vygotsky (1896-1934)
Os processos de desenvolvimento não coincidem com os processos de aprendizado. Ou melhor, o processo de desenvolvimento progride de forma mais lenta e atrás do processo de aprendizado; desta sequenciação resultam, então, as zonas de desenvolvimento proximal (VYGOTSKY, 1991:102).
Na teoria histórico-cultural, a educação escolar assume papel relevante, pois apesar de afirmar que o aprendizado do sujeito começa muito antes de se frequentar a escola, diz que o “aprendizado não é desenvolvimento; entretanto, o aprendizado adequadamente organizado resulta em desenvolvimento mental e põe em movimento vários processos de desenvolvimento que, de outra forma, seriam impossíveis de acontecer”; logo, “o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo no desenvolvimento da criança”.
O conceito de zona de desenvolvimento proximal é uma das grandes contribuições de Vygotsky para a prática educativa.
Para ele há, pelo menos, dois níveis de desenvolvimento: o real e o potencial (ou proximal).
No primeiro nível, as funções mentais da criança já se estabeleceram como resultado de certos ciclos completados, ou seja, são conhecimentos que já estão consolidados. Ela não precisa de ajuda para resolver uma determinada situação. O nível potencial refere-se àquilo que a criança consegue fazer, porém, ainda com a ajuda de pessoas mais experientes (adultos ou crianças).
Assim sendo, para Vygotsky (1991), zona de desenvolvimento proximal é “a distância entre o nível de desenvolvimento real, que se costuma determinar através da solução independente de problemas e o nível de desenvolvimento potencial, determinado através da solução de problemas sob a orientação de um adulto ou em colaboração com companheiros mais capazes” .
Aquilo que hoje é desenvolvimento potencial será amanhã desenvolvimento real. O desenvolvimento é um processo dinâmico e contínuo.
A partir desses conceitos, podemos inferir que o papel do professor não é apenas constatar aquilo que o aluno já sabe (nível real), mas sim atuar na zona de desenvolvimento proximal, possibilitando a ele vivenciar situações que lhe desafi em, fazendo-o avançar nos seus conhecimentos (nível potencial).
Vygotsky ressalta a importância do outro no processo de aprendizagem. Somos capazes de aprender porque estamos o tempo todo sendo mediados pelo outro
(através da pessoa física, do livro, do fi lme, da TV etc.) que nos ‘apresenta o mundo’, ou seja, somos inseridos na cultura, levados à apropriação dos conhecimentos que estão disponíveis na sociedade.
A linguagem tem papel fundamental nesse processo, pois é através dela que vamos interagir com as outras pessoas, internalizando os novos conceitos.
Você deve estar se perguntando o que essas teorias têm a ver com alfabetização e letramento?
Podemos responder: TUDO, pois é através da concepção que temos de como se dá a aprendizagem que iremos construir a nossa prática pedagógica.
Como já falamos anteriormente, não pretendemos aqui aprofundar nenhuma das teorias apresentadas, pois além de não ser o objetivo deste material, seria impossível visto a complexidade das mesmas. Quisemos apenas ressaltar alguns aspectos que podem nos ajudar a refletir sobre a prática escolar e o processo de alfabetização das crianças.
ALFABETIZAÇÃO X LETRAMENTO?
Todos os problemas da alfabetização começaram quando se decidiu que escrever não era uma profissão, mas uma obrigação, e que ler não era marca de sabedoria, mas de cidadania.
Ao conhecermos um pouco da história da alfabetização no Brasil, podemos perceber que este conceito vem sendo modificado ao longo dos anos e que, consequentemente, isso tem repercussões diretas na prática pedagógica.
Mas por que esse conceito vem sendo modificado? Ser alfabetizado não é saber “decifrar os códigos” da escrita?
Provavelmente, durante algum tempo, saber decifrar o código escrito era garantia de alfabetização e era sufi ciente para se apropriar dos conhecimentos de uma determinada sociedade, em um determinado momento histórico. Mas, certamente, nos últimos séculos e, principalmente, nas últimas décadas, isso não é mais satisfatório.
As transformações ocorridas na história da Humanidade impõem, cada vez mais, novas necessidades e aprimoramento das ações de ler e escrever. Ler hoje não exige as mesmas habilidades que há 50 anos. A velocidade com que os conhecimentos são produzidos e as informações são divulgadas, atualmente, exige um leitor com muito mais estratégias de leitura, sendo capaz de organizar e articular as informações para dar sentido ao texto.
Como nos lembra Emília Ferreiro (2002: 13), “os verbos “ler” e “escrever” deixaram de ter uma definição imutável: não designavam mais (e tampouco designam hoje) atividades homogêneas. Ler e escrever são construções sociais. Cada época e cada circunstância histórica dão novos sentidos a esses verbos”.
Em 1958, a UNESCO definiu como alfabetizado o sujeito capaz de ler compreensivamente ou escrever um enunciado curto e simples relacionado à sua vida diária. Aqui já fica claro que não basta mais decifrar o código. É necessário saber utilizar a escrita, mesmo que de forma simples, no dia-a-dia. Porém, muitos que passavam pela escola, concluíam o período de alfabetização e aprendiam a “decifrar o código”, não eram capazes de compreender o que liam e de se comunicarem através da escrita. Será que já superamos isso?
Dentro desta perspectiva, analfabeto é aquele que não consegue ler e nem escrever textos simples, como um bilhete, por exemplo.
Em 1978, a própria UNESCO propôs a adoção do conceito de alfabetização funcional, considerando a pessoa capaz de utilizar a leitura e a escrita para fazer frente às demandas de seu contexto social e de usar essas habilidades para continuar aprendendo e se desenvolvendo ao longo da vida, como alfabetizada funcional.
No Brasil, durante muitas décadas, foi considerado alfabetizado aquele que era capaz de assinar o seu nome. Essa era, inclusive, a forma de garantia de cidadania. Antes da constituição de 1988, só os “alfabetizados” possuíam direito ao voto e para tirar o título de eleitor, bastava saber “desenhar o nome” (assinar).
O IBGE, responsável por recensear a população brasileira e divulgar o quantitativo de analfabetos no país, utilizava como metodologia para contar os analfabetos apenas as respostas dadas, pelos entrevistados, se sabiam ou não assinar o nome.
Atualmente, o IBGE considera alfabetizada a pessoa de 5 anos ou mais de idade, capaz de ler e escrever pelo menos um bilhete simples no idioma que conhecesse e analfabeta a que aprendeu a ler, mas esqueceu, e aquela que apenas assina o próprio nome (IBGE, 2005). Porém, a forma de coletar essa informação é a resposta dada à pergunta: “Você sabe ler e escrever?”, pelos entrevistados. Não podemos ter certeza se aqueles que respondem sim são capazes, realmente, de ler e escrever um bilhete simples.
Nos anos 90, o IBGE passou a divulgar também índices de analfabetismo funcional, seguindo as recomendações da Unesco, tomando como base não a autoavaliação dos respondentes, mas o número de séries escolares concluídas. Por este critério, são analfabetas funcionais as pessoas com menos de quatro séries escolares concluídas.
Estes índices têm sido objeto de muitas pesquisas no meio acadêmico.
Em 2001, foi criado o INAF (Indicador Nacional de Alfabetismo Funcional), uma parceria do Instituto Paulo Montenegro (IBOPE) e Ação Comunitária, medindo diretamente as habilidades da população por meio de testes. O objetivo desse indicador, é gerar informações que ajudem a dimensionar e compreender o fenômeno do alfabetismo funcional e fomentam o debate público sobre ele e orientam a formulação de políticas educacionais e propostas pedagógicas.
Em todo o mundo, a modernização das sociedades, o desenvolvimento tecnológico, a ampliação da participação social e política colocam demandas cada vez maiores com relação às habilidades de leitura e escrita. A questão não é mais apenas saber se as pessoas conseguem ou não ler e escrever, mas também o que elas são capazes de fazer com essas habilidades. Isso quer dizer que, além da preocupação com o analfabetismo, problema que ainda persiste nos países mais pobres e também no Brasil, emerge a preocupação com o alfabetismo, ou seja, com as capacidades e usos efetivos da leitura e escrita nas diferentes esferas da vida social (RIBEIRO, 2006: 1).
O INAF procura responder, dentre outras, as seguintes questões: quais são as habilidades de leitura e escrita dos brasileiros? Quantos anos de escolaridade e que tipo de ação educacional garantem níveis satisfatórios de alfabetismo? Que outras condições favorecem o desenvolvimento de tais habilidades ao longo da vida?
Além do conceito de analfabetismo, o INAF distingue três níveis de habilidades na população alfabetizada: o nível rudimentar, o básico e o pleno. Ainda que os três níveis tenham algum grau de funcionalidade, ou seja, correspondam a habilidades que as pessoas podem aplicar em determinados contextos, somente o nível pleno pode ser considerado como satisfatório, aquele que permite que a pessoa possa utilizar com autonomia a leitura e a matemática como meios de informação e aprendizagem.
Veja a seguir a descrição de cada nível. Que nível de Alfabetismo você possui?
Leitura
Habilidades Matemáticas
Analfabetismo
Não domina as habilidades medidas.
Não domina as habilidades medidas.
Alfabetismo
Nível Rudimentar
Localiza uma informação simples em enunciados de uma só frase, um anúncio ou chamada de capa de revista, por exemplo.
Lê e escreve números de uso frequente: preços, horários, números de telefone. Mede um comprimento com fi ta métrica, consulta um calendário.
Alfabetismo Nível Básico
Localiza uma informação em textos curtos ou médios (uma carta ou notícia, por exemplo), mesmo que seja necessário realizar inferências simples.
Lê números maiores, compara preços, conta dinheiro e faz troco. Resolve problemas envolvendo uma operação.
Alfabetismo Nível Pleno
Localiza mais de um item de informação em textos mais longos, compara informação contida em diferentes textos, estabelece relações entre as informações (causa/efeito, regra geral/caso, opinião/ fato). Reconhece a informação textual mesmo que contradiga o senso comum.
Consegue resolver problemas que envolvem sequências de operações, por exemplo, cálculo de proporção ou percentual de desconto. Interpreta informação oferecida em gráficos, tabelas e mapas.
Fonte: RIBEIRO, Vera Masagão. Analfabetismo e Alfabetismo funcional no Brasil.
Disponível em: www.reescrevendoaeducação.com.br/2006.
Nestes cinco anos de pesquisas, alguns resultados do INAF nos fazem refletir sobre o conceito de alfabetização:
• A grande maioria da população brasileira (68%) na faixa etária de 15 a 64 anos, que estudou até a 4ª série do Ensino Fundamental, atinge, no máximo, o nível rudimentar.
• Mais grave ainda: 13% deste grupo podem ser considerados analfabetos em termos de habilidades de leitura e escrita e 4% sequer conseguem identificar números em situações cotidianas.
• Dentre os que cursaram da 5ª a 8ª série, apenas ¼ pode ser considerado plenamente alfabetizado, enquanto a maioria se enquadra no nível básico de alfabetismo, tanto na leitura quanto nas habilidades matemáticas. Permanecem no nível rudimentar, tanto na leitura quanto na matemática, 24% deste grupo.
• Dos que completaram o Ensino Médio, 56% dos brasileiros apresentam pleno domínio das habilidades de leitura e escrita e 49% atingem um nível pleno de alfabetismo em termos de habilidades matemáticas.
Hoje a concepção de alfabetização da Unesco inclui o desenvolvimento de conhecimentos e competências necessários para o indivíduo inserir-se e movimentar-se com desenvoltura no meio social, entre os quais o domínio de novas linguagens e tecnologias.
Você já deve ter percebido o quão complexo é o conceito de alfabetização e que ele é muito mais do que decodificar a escrita. Porém, desde os primórdios, a palavra alfabetização sempre esteve associada ao ensino da leitura e da escrita como aquisição de uma técnica.
(...)técnica dos traçados das letras, por um lado, e técnica da correta oralização do texto, por outro. Só depois que dominada a técnica é que surgiam, como num passe de mágica, a leitura expressiva (resultado da compreensão) e a escrita eficaz (resultado de uma técnica posta a serviço das intenção do produtor). Acontece que essa passagem mágica da técnica para a arte só foi transposta, naqueles lugares onde a escola mais faz falta, por pouquíssimos escolarizados precisamente pela ausência de uma tradição histórica de ‘cultura letrada’ (FERREIRO, 2002: 13).
Para explicitar que se espera da alfabetização mais do que “decifrar letras”, foram sendo utilizadas as expressões “alfabetização plena”, “alfabetização integral”, “alfabetização total” que apontam para uma prática de alfabetização que perpassa pela aquisição e uso da leitura e escrita nos contextos sociais. Dentro dessa nova concepção, surge o termo letramento13 para designar “um estado, uma condição: o estado ou condição de quem interage com diferentes portadores de leitura e de escrita, com diferentes gêneros e tipos de leitura e de escrita, com as diferentes funções que a leitura e a escrita desempenham na nossa vida. Enfim: letramento é o estado ou condição de quem se envolve nas numerosas e variadas práticas sociais de leitura e de escrita” (SOARES, 2001: 44).
O termo letramento aparece em oposição ao termo alfabetização. Letrado é compreendido como aquele que aprende a ler e escrever, usa a leitura e a escrita, envolve-se em suas práticas, tornando-se, uma pessoa diferente. Já o alfabetizado é aquele que adquire a tecnologia da escrita, aprende a codificar em língua escrita e a decodificar a língua escrita, podendo tornar-se letrado ou não.
Alguns autores, como Emília Ferreiro, dizem ser desnecessário a criação do termo letramento, pois compreendem que “a alfabetização não é mais entendida como mera transmissão de uma técnica instrumental, realizada numa instituição específica (a escola)” (FERREIRO, 2002: 40). Outros autores, porém, defendem a utilização do termo letramento, como Soares (01) argumentando que: (...) Entretanto, contraditoriamente, este novo conceito de aprendizagem da leitura, estreitamente relacionado com práticas de leitura, com a formação de um verdadeiro leitor, vem convivendo com a persistência do conceito restrito e tradicional de aprendizagem da leitura como a mera aquisição da tecnologia da escrita, como apenas formação de um decodificador da escrita (...) (Soares, 2005: 1).
Observando a prática pedagógica que ocorre em nossas escolas, podemos distinguir nitidamente aquelas que ainda concebem a alfabetização como apenas uma tecnologia daquelas que a compreendem como apropriação (tornar “própria”) da língua escrita.
Assim, teríamos de alfabetizar e letrar como duas ações distintas, mas não inseparáveis, ao contrário: o ideal seria alfabetizar letrando, ou seja: ensinar a ler e escrever no contexto das práticas sociais da leitura e da escrita, de modo que o indivíduo se tornasse, ao mesmo tempo, alfabetizado e letrado.
Letramento pressupõe uma mudança de lugar social, do modo de viver na sociedade, de inserção na cultura. Implica também em tornar-se cognitivamente diferente. “A pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente da forma de pensar de um analfabeto ou iletrado”. Traz também consequências linguísticas, pois o convívio com a língua escrita acarreta mudança no “uso da língua oral, nas estruturas linguísticas e no vocabulário”.
Será que ser analfabeto, em uma sociedade grafocêntrica, condena o sujeito a não ser letrado? Um analfabeto pode ser letrado? A Mafalda é ou não letrada?
Querendo ou não, vivemos em uma sociedade onde a escrita se faz presente. Se letrado é aquele que vivencia as práticas de leitura e escrita que estão presentes em uma sociedade, podemos dizer que aquele que não domina a tecnologia (alfabetizado) pode ser letrado. A Mafalda não sabe ler nem escrever, não domina a tecnologia da escrita, mas conhece muito bem a função da escrita.
Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Assim, um adulto pode ser analfabeto, porque marginalizado social e economicamente, mas vive em um meio em que a leitura e a escrita têm presença forte, se interessa-se em ouvir a leitura de jornais feita por um alfabetizado, se recebe cartas que outros leem para ele, se dita cartas para que um alfabetizado as escreva (e é significativo que, em geral, dita usando vocabulário e estruturas próprios da língua escrita), se pede a alguém que lhe leia avisos ou indicações afixados em algum lugar, esse analfabeto é, de certa forma, letrado, porque faz uso da escrita, envolve-se em práticas sociais de leitura e escrita. Da mesma forma, a criança que ainda não se alfabetizou, mas já folheia livros, finge lê-los, brinca de escrever, ouve histórias que lhe são lidas, está rodeada de material escrito e percebe seu uso e sua função, essa criança é ainda “analfabeta”, porque não aprendeu a ler e escrever.
Existem vários níveis de letramento, que vai desde identificar um rótulo de uma embalagem até à leitura de um texto científico, como uma tese de doutorado. Acredita-se que o nível de letramento de grupos sociais relaciona-se fundamentalmente com as suas condições sociais, culturais e econômicas.
Soares (2001) destaca a necessidade de condições para o letramento. Mas que condições seriam essas?
1- Escolarização real e efetiva da população – A necessidade de letramento surge quando se amplia o acesso à escolarização. Com mais pessoas sabendo ler e escrever, “passando a aspirar a um pouco mais do que simplesmente saber ler e escrever”.
2- Disponibilidade de Material de Leitura – Criar condições para aqueles que aprenderam a ler e escrever fiquem imersos em um ambiente de letramento, com acesso aos livros, revistas e jornais, às livrarias e bibliotecas.
Os Métodos de Alfabetização
Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
No Brasil, agregado à discussão sobre o que é ser alfabetizado, sempre tivemos o olhar do professor centrado na eficácia de processos e métodos de alfabetização. Como alfabetizar? Qual o melhor método? Que cartilha usar? Essas são perguntas que acompanham a prática docente e que refletem a concepção de aprendizagem que o educador possui.
Até meados dos anos 80 do século passado, havia uma polarização entre processos sintéticos e analíticos, direcionados ao ensino do sistema alfabético e ortográfico da escrita.
Os processos sintéticos são os mais antigos, tendo mais de 2000 anos. Consideram a língua escrita objeto de conhecimento externo ao aprendiz. Têm como ponto de partida o estudo dos elementos da língua (letra, fonema, sílaba). Pressupõem o estabelecimento da correspondência entre o som e a grafia.
Nesta concepção, encontramos os métodos de soletração, o fônico e o silábico, tendências ainda fortemente presentes nas atuais propostas didáticas. Tais métodos privilegiam os processos de decodificação, as relações entre fonemas (sons ou unidades sonoras) e grafemas (letras ou grupos de letras) e uma progressão de unidades menores (letra, fonema, sílaba) a unidades mais complexas (palavra, frase, texto).
O ensino parte do simples para o complexo, na visão do professor. Só se avança no processo se todas as Dificuldades da fase anterior estiverem consolidadas.
A leitura é considerada como um esquema somatório: pela soma dos elementos mínimos (fonema ou sílaba) o aluno aprende a palavra. Pela soma das palavras, a frase. Pela soma das frases, o texto.
Quando se analisa o sistema alfabético, enquanto sons convertidos em códigos gráficos, fica claro que existem certas semelhanças perceptivas gráficas (a letra d e a letra b, por exemplo) e certas semelhanças sonoras (a letra v e a letra b, por exemplo). Logo um dos critérios de simplicidade – sempre vista pela lógica do adulto – recomendava, na apresentação sequencial dos elementos da língua, evitar proximidade entre sons e grafias semelhantes.
Por outro lado, como a questão era evidenciar através do ensino certo paralelismo entre sons e grafias do alfabeto, parece claro que aqueles elementos que apresentam uma relação biunívoca entre som e grafia (o som fonema f com a letra f, por exemplo) seriam considerados mais simples do que aqueles que apresentam correspondências múltiplas entre letras e sons (os sons da letra s, por exemplo). Daí outro critério estabelecido: na apresentação sequencial dos elementos da língua escrita, o processo começa pelas correspondências mais simples, ou seja, aquelas que sejam biunívocas, pois algumas relações são mais simples e outras, mais complexas (BARBOSA, 1990:48).
Os processos sintéticos enfatizam a consciência fonológica e a aprendizagem do sistema convencional da escrita (importantes ao processo de alfabetização), mas deixam de explorar as complexas relações entre fala e escrita, suas semelhanças e diferenças. A linguagem oral e a linguagem escrita são dois conhecimentos distintos. Com certeza, tudo que pensamos e sentimos pode ser representado pela oralidade e pela escrita, porém com recursos diferentes.
Dão tanta ênfase à decodificação que, muitas vezes, resulta em propostas que descontextualizam a escrita, seus usos e funções sociais, enfatizando situações artificiais de treinamento de letras, fonemas ou sílabas. É muito comum encontrarmos nas cartilhas desses métodos frases completamente desconexas como: “O boi baba na babá”, “A foca afia a faca” etc. Com certeza essas frases não são encontradas nos textos que circulam na sociedade e “retratam” situações um tanto quanto inusitadas. Você já viu alguma foca usando faca? E afiando a faca?
Em contraposição aos processos sintéticos, temos os processos analíticos, que valorizam a análise e a compreensão de sentidos, propondo uma progressão diferenciada: de unidades mais amplas (palavra, frase, texto) a unidades menores (sílabas ou sua decomposição em grafemas e fonemas). São exemplos dessa abordagem os métodos de palavração (palavra decomposta em sílabas), de sentenciação (sentenças decompostas em palavras) e o global de contos (textos considerados como pontos de partida, até o trabalho em torno de unidades menores).
Foi Nicolas Adam, que, em 1787, propôs que a aprendizagem da língua escrita deveria partir de palavras com significado para as crianças. Ele compara o aprendizado da escrita com o aprendizado da fala, alegando que não falamos primeiro os sons das letras, para depois aprendermos as sílabas, as palavras, as frases, para finalmente mantermos um diálogo.
Segundo esta abordagem, o prévio é o reconhecimento global de palavras ou orações; a análise dos componentes é uma tarefa posterior.
Não importa a dificuldade auditiva daquilo que se aprende, já que a leitura é uma tarefa predominantemente visual.
(...) Já encontramos aí os fundamentos da formulação ideovisual: ler é mais importante que decifrar; o sentido do texto tem mais importância que o som do texto; a aprendizagem parte de palavras com significado afetivo e efetivo para as crianças. Segundo Adam, a análise da palavra deveria ocorrer numa etapa bem posterior ao domínio do capital de palavras aprendidas globalmente. Pouco tempo depois, Jacotot, outro precursor do método global, recomenda que esta análise das palavras se inicie precocemente, o mais rápido possível (BARBOSA, op. cit.: 50).
Essa concepção ainda persiste nas práticas docentes atuais. Os métodos analíticos contemplam algumas das capacidades essenciais ao processo de alfabetização – sobretudo o estímulo à leitura de unidades com sentido, pelo reconhecimento global das mesmas. Entretanto, quando incorporados de forma parcial e absoluta, acabam enfatizando construções artificiais e repetitivas de palavras, frases e textos, muitas vezes apenas a serviço da repetição e da memorização, com objetivo de manter controle mais rígido da sequência do processo e das formas de interação gradual da criança com a escrita. Neste aspecto, podemos afirmar que os métodos sintéticos e os analíticos se aproximam por entenderem que o processo de aprendizagem está baseado na memorização.
Nas últimas décadas a discussão sobre a eficácia de processos e métodos de alfabetização, que passaram a ser identificados como propostas “tradicionais”, ficou secundária. O foco central passou a ser a discussão sobre a psicogênese da aquisição da escrita, uma abordagem de grande mudança conceitual no campo da alfabetização, que foi sistematizada por Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985) e por vários outros teóricos e pesquisadores. A ênfase deixa de ser o método de ensino e passa a ser a o processo de aprendizagem da criança que se alfabetiza e suas concepções progressivas sobre a escrita, que é entendida como um sistema de representação e não como um código.
Essa nova abordagem entende também que a aprendizagem é de natureza conceitual e não mecânica, e que a escrita é um objeto sociocultural do conhecimento.
Barbosa (1990) apresenta um quadro-resumo fazendo um contraponto das principais características dos dois grandes eixos de abordagem da leitura e da alfabetização:
ABORDAGEM TRADICIONAL
NOVA ABORDAGEM
ORIGEM
- Ensino coletivo e simultâneo (década de 1880, na Europa).
- Nos anos 70, a partir das pesquisas desenvolvidas pela Psicolinguística sobre o comportamento do leitor no ato da leitura.
MÉTODOS
- Sintéticos: alfabético silábico fônico
- Analíticos: palavração sentenciação conto
- Analítico-sintético.
- Pedagogia de Projeto (situações funcionais de leitura).
CONCEPÇÃO
DE ESCRITA
- A língua como:
1º) objeto de análise
2º) objeto de uso
- Sistema simbólico de segunda ordem, subordinado à fala.
- Sem autonomia quanto ao significado.
- Saber escolar.
- A língua como: 1º) objeto de uso
2º) objeto de análise
- Sistema de linguagem, paralelo e equivalente à linguagem oral
- Portadora direta do sentido (autonomia em relação à fala).
- Saber social.
CONCEPÇÃO DE
APRENDIZAGEM
- Objetivo: alfabetizar (dizer o sistema alfabético).
- Baseada no processo de ensino (o método).
- Uso escolar da escrita.
- Desprezo pelas aquisições extra-escolares.
- Uniforme, cumulativa, pontual (progressão hierarquizada passo a passo, do simples para o complexo).
- Utiliza a fala como referencial (estigmatizando as variantes de registro).
- Privilegio absoluto do mecanismo de transcodificação.
- O professor ensina: o aluno aprende (repete): E/R.
- Para ler é preciso analisar a escrita.
- Aprender para fazer.
- Sentido privilegiado: a audição (leitura auditiva).
- Pressupõe a homogeneidade do saber das crianças.
- Crença na possibilidade de ensino de estratégias ao leitor.
- Conquista individual e competitiva do saber.
- Simulação de situações de leitura.
- Objetivo: inscrição da criança no circuito da comunicação escrita.
- Baseada no processo de aprendizagem (a construção de um saber ou prática).
- Promove situações reais de leitura/escrita.
- Intervenção numa etapa de um processo já iniciado fora da escola.
- Intervenções diversificadas e heterogêneas.
- Utiliza o processo de aprendizagem da fala como referencial.
- Informação geral / informação específica.
- Mudança na escola: o lugar privilegiado para a criação de situações de leitura/escrita.
- Mergulho na escrita social: é lendo que se aprende a ler.
- Fazer para aprender.
- Sentido privilegiado: a visão (leitura visual).
- Confronto de estratégias e Dificuldades do grupo
- Baseada em estratégias desenvolvidas pelo leitor, sustentada por intervenções precisas.
- Troca de informações no grupo; socialização do saber.
- Familiaridade com a multiplicidade de situações sociais de leitura.
CONCEPÇÃO DE ESCOLA
- Detentora do monopólio da escrita.
- Único lugar onde ocorre a aprendizagem da leitura (baseada numa concepção escolar dessa aprendizagem).
- Promotora da “escrita escolar”.
- Não detentora do monopólio da escrita.
- Espaço privilegiado (entre outros) onde a criança, através de um conjunto de intervenções, desenvolve sua condição de leitor.
- Promotora do uso social da escrita.
PRÉ-REQUISITOS
- Maturidade para leitura/escrita.
- Experiências prévias do leitor no mundo social da escrita.
ETAPAS DE ENSINO
- Pré-alfabetização (pré-escola).
- Alfabetização.
- Pós Alfabetização.
- Construção individual (equilíbrio, contradição, novo equilíbrio) da compreensão escrita como comunicação social, interpessoal, no coletivo e no social.
MATERIAL DE LEITURA
- Cartilha.
- Quadro de giz.
- Silabário/jogos carimbos.
- Literatura infantil.
- Utilização da diversidade e abundância da escrita no mundo.
- Biblioteca/Centro de documentação.
PAPEL DO PROFESSOR
- É aquele que ensina e transmite seu saber.
- Ensina uma técnica pré-programada.
- Informa, demonstra, corrige.
- É aquele que intervém numa determinada etapa do processo.
- Cria situações favoráveis ao desenvolvimento de estratégias pelo leitor aprendiz.
- Propõe, organiza, promove, informa, seleciona, questiona, participa, sistematiza técnicas de acesso e apreciação da escrita.
ESTRATÉGIAS DE LEITURA
- Correspondência som/grafia: transformação de uma cadeia de sinais sonoros que permite (ou não!) extrair um significado do texto.
- Familiaridade visual com palavras e frases.
- Exploração direta da escrita, portadora de sentido sem mediação oral.
- Mobilização do saber e experiência do leitor, anterior e exterior à escrita.
- Intencionalidade do leitor: o questionamento do texto.
- Estratégias adaptadas a escritos específicos: fl exibilidade.
- Hipótese, antecipação, verificação, identificação.
- Dicionário.
- Contexto.
- Perguntar a terceiros.
- Saltar palavras.
FUNÇÃO DA DECIFRAÇÃO
- Causa da aprendizagem da leitura (da decifração à leitura).
- Consequência da aprendizagem da leitura.
- Aquisição subjacente à leitura.
- É o “plus” da leitura (cf. Smith).
CARACTERÍSTICAS DA
LEITURA
- Baseada na decifração.
- Leitura silabada, lenta, hesitante.
- Estacionada no tempo.
- Sentido extraído do texto oralizado.
- Dificuldade quanto ao significado.
- Tendência à vocalização e subvocalização.
- Tendência à regressão no texto.
- Monovalente e integral.
- Baseada no sentido.
- Leitura fluente, flexível, segura.
- Adaptada às necessidades das sociedades modernas.
- Sentido atribuído ao texto escrito.
- Fonte de informação, orientação, prazer.
- Leitura silenciosa.
- Uso de múltiplas estratégias.
- Polivalente/seletiva.
CARACTERÍSTICA DO LEITOR
- Aquele que adquire o hábito de sonorizar a escrita: um leitor de letras.
- Aquele que, diante das questões que o mundo lhe propõe, sabe que pode encontrar respostas relevantes na escrita e domina estratégias diversificadas de exploração do texto.
ATIVIDADE DE ESCRITA
- Escrita de um modelo: cópia, ditado, redação, leitura oral.
- Escrita de sons (problemas ortográficos: a palavra é escrita como se pronuncia).
- Simulação de situações de escrita (redação escolar).
- Escrita do sentido, no contexto.
- Ortografia: reprodução de formas visuais (escrita, língua para os olhos).
- Apoiada nas necessidades de expressão pessoal.
AVALIAÇÃO
- Do produto: mede a capacidade do aprendiz de reproduzir o que foi ensinado
- Leitura oral: controle da combinatória
- Do processo: ponto de referência para reorganizar a intervenção do ensino (a leitura em voz alta corresponde a uma situação particular de leitura)
Fonte: BARBOSA, J. J. Alfabetização e Leitura. [s.l.]: Cortez, 1990.
(...) Tudo o que foi colocado muda radicalmente se tomarmos como objetivo escolar a aquisição da língua escrita, se reconhecermos que não há proeminência da leitura sobre a escrita – enquanto atividades que permitem conhecer esse modo particular de representação da linguagem – e reconhecermos também (como mostram abundantemente os dados de investigações recentes em diversos países da América Latina) que as crianças não chegam ignorantes à escola, que têm conhecimentos específicos sobre a língua escrita, ainda que não compreendam a natureza do código alfabético e que são esses conhecimentos (e não as decisões escolares) que determinam o ponto de partida da aprendizagem escolar.
Emília Ferreiro
Não poderíamos falar de alfabetização sem abordar as contribuições de Emília Ferreiro. Nas últimas três décadas, as suas pesquisas têm norteado a discussão sobre o tema. Não pretendemos aqui discorrer sobre todo o seu trabalho, mas destacar alguns aspectos dos seus estudos e pesquisas, que contribuem para se pensar a alfabetização.
Emília Ferreiro não criou um método de alfabetização. Ela buscou explicar como se dá a psicogênese da língua escrita, ou seja, procurou observar como a criança constrói, se apodera, da linguagem escrita.
O seu trabalho demonstra, de forma categórica, que a escrita não é um código, mas sim um sistema de representação que é apropriado pelo sujeito por meio do contato que ele tem com a língua escrita, mediado por outros sujeitos. Daí a sua afirmação de que só se aprende escrever escrevendo.
“Ler não é decifrar, escrever não é copiar”.
Emília Ferreiro
Ela tentou conhecer a maneira como as crianças concebem o processo de escrita, o que pensam e quais hipóteses organizam sobre a leitura e a escrita. Percebeu que as crianças pequenas, por exemplo, acreditam que tanto se pode ler um desenho como uma palavra, porque ainda não conseguem distinguir os tipos de representação (desenho e palavra) do objeto.
Identificou também que em outra fase as crianças já “distinguem” o que pode ser palavra, logo pode ser lido, daquilo que não é palavra. Ao pedir que tentassem ler “palavras” como as abaixo, as crianças afirmavam que não podiam ler a primeira e a segunda, pois só tinham letras iguais. Já a terceira podia ser lida pois tinha letras diferentes, mesmo sem ter algum significado na língua materna. Isso demonstra que elas possuíam a hipótese de que para ser lido (palavra) há necessidade de se ter letras diferentes.
Emília afirmou que existe “um processo de aquisição da linguagem escrita que precede e excede os limites escolares”. A escola é apenas um dos espaços de aprendizagem da linguagem escrita e não o único. Todos os contatos/experiências vividos pela criança fazem parte da elaboração da sua construção. Daí a importância das experiências vivenciadas pelas crianças dentro e fora da escola.
Esses conhecimentos, apresentados por Emília Ferreiro, possibilitaram deixar de pensar, apenas, em como se ensina (professor), para focar o processo de aprendizagem (aluno).
Jean Piaget obrigou-nos a abandonar a ideia de que nosso modo de pensar é o único legítimo e obrigou-nos a adotar o ponto de vista do sujeito em desenvolvimento. Isto é fácil de dizer, mas muito difícil de aplicar coerente e sistematicamente (FERREIRO, 1987: 68).
Ao olhar o processo de aprendizagem, do ponto de vista do sujeito que aprende (aluno), o que era considerado erro passa a ser visto como sinalizador de como o sujeito está pensando, construindo o seu conhecimento.
O erro passa a ser construtivo, pois ele reflete a construção de conhecimento do aprendiz e aponta para o professor a necessidade de intervenções pedagógicas adequadas.
Vejamos a escrita abaixo, que é de uma menina com 5 anos de idade.
Se olhássemos apenas a sua escrita (PSIO) diríamos que ela não sabe escrever, que essas quatro letras não formam a palavra passarinho e que “comeu letras”. Porém, se analisarmos o seu texto, veremos que ela possui uma hipótese sobre a linguagem escrita. Pensa que apenas uma letra é capaz de representar o som da sílaba. Observe que ela não escreve letras aleatórias, ela escreve uma letra para cada sílaba da palavra, estabelecendo uma relação sonora. Veja:
Segundo Ferreiro (1987), é necessário estabelecer a diferença entre a construção de um objeto de conhecimento (linguagem escrita) e a maneira pela qual fragmentos de informação fornecidos ao sujeito são incorporados ou não como conhecimento, pois apesar de estarem relacionados, são processos distintos e essa compreensão implicará em uma prática pedagógica diferenciada.
Para ela, as crianças que vivem em ambientes urbanos, desde o seu nascimento, estão expostas a materiais escritos e a ações sociais de escrita, obtendo diversas informações acerca de alguns tipos de relações entre ações e objetos. Pode saber, por exemplo, que usamos letras para escrever, o que é e para que serve uma carta, sem saber “escrever” e, muito menos, que tipo de texto é uma carta.
Com certeza, os conhecimentos prévios adquiridos no ambiente social ajudarão muito no processo de construção da linguagem escrita, mas não serão sufi cientes para a construção do objeto (linguagem escrita).
A construção do objeto de conhecimento implica muito mais que mera coleção de informações. Implica a construção de um esquema conceitual que permita interpretar dados prévios e novos dados (isto é, que possa receber informações e transformá-la em conhecimento); um esquema conceitual que permita processos de inferência acerca de propriedades não-observadas de um determinado objeto e a construção de novos observáveis, na base do que se antecipou e do que foi verificado.
Como já dissemos anteriormente, a pesquisa de Emília Ferreiro foi influenciada por Piaget, seu orientador, que afirmava que as respostas do sujeito são apenas a manifestação externa de mecanismos internos de organização e que as respostas só podem ser classificadas de “corretas” ou “incorretas”, quando tomamos o ponto de vista do observador (na maioria das vezes, o professor) como sendo o único legítimo.
(...) Até há poucos anos as primeiras tentativas de escrever feitas pelas crianças eram consideradas meras garatujas, como se a escrita devesse começar diretamente com letras convencionais bem traçadas. Tudo o que ocorria antes era simplesmente considerado como tentativas de escrever e não como escrita (...). Não se supunha que a execução de tais garatujas ocorresse simultaneamente com algum tipo de atividade cognitiva (...). Mais ainda: quando as crianças começavam a traçar letras convencionais, porém numa ordem não-convencional, o resultado era considerado uma “má” reprodução de alguma escrita que por certo, teriam observado nalgum outro lugar.
Veja o texto abaixo, escrito por uma menina de 6 (seis) anos, em junho. O que você acha deste texto? O que essa menina já sabe sobre a língua escrita?
Podemos afirmar que aqui no Brasil, antes do trabalho de Emília Ferreiro, a escola “não autorizava” a escrita espontânea. As crianças só escreviam aquilo que havia sido “ensinado” pelo professor. Só era aceita a escrita que estava próxima à convencional (ortográfica). Aqueles que “escreviam diferente” eram considerados problemáticos e encaminhados aos especialistas (fonoaudiólogos, psicólogos ou psicopedagogos).
Com certeza esse texto é bem diferente dos que encontramos nas cartilhas. Ele está bem próximo dos textos que estão presentes na sociedade (texto narrativo), nos livros de literatura.
Vejamos o que esta menina já sabe e pensa sobre a língua escrita:
• Sabe que para escrever usamos letras e não rabiscos, números etc.
• Sabe que a palavra é um conjunto de letras que representa uma ideia e que por isso, não basta colocar qualquer letra.
• Sabe que há uma relação sonora na escrita.
• Sabe que há padrões na escrita, ou seja, palavras iguais serão sempre grafadas iguais.
• Pensa que a escrita é uma transcrição da fala. Por isso, escreve algumas palavras do mesmo jeito que oraliza, inclusive juntando-as e/ou segmentando-as.
• Sabe contar uma história (início, meio e fim).
• Sabe as características específicas de um texto narrativo, como conto de fadas (final feliz) e as utiliza de forma adequada (“viveram felizes para sempre”).
Você percebeu que um olhar cuidadoso, investigativo pode revelar o que o aluno já sabe e como pensa? Percebeu que como “saber olhar” muda a qualificação do “erro”?
Esta menina ainda precisa construir alguns conceitos ortográficos, mas com certeza já compreendeu que a escrita é um sistema de representações.
O texto acima demonstra que as crianças pensam sobre a escrita e que esta não é aprendida por meio de cópias ou exercícios mecânicos. É um trabalho de reflexão, o aprendiz precisa compreender seu processo de construção e suas normas de produção.
Para Emília Ferreiro, as crianças reinventam a escrita e seu aprendizado é um processo de construção pessoal, que de certa forma, recria o processo de construção da escrita vivenciado pela humanidade: “a ontogênese repete a filogênese”.
Os resultados das pesquisas de Emília Ferreiro permitem que, conhecendo a maneira como a criança concebe o processo de escrita, as teorias pedagógicas e metodológicas apontem caminhos a fim de que os erros mais frequentes no processo de alfabetização possam ser evitados, desmistificando certos mitos vigentes em nossas escolas. Por isso, afirmamos que construtivismo é uma fundamentação metodológica e não um método em si, pois não pretende apontar o passo a passo para a alfabetização, mas sim princípios que devem nortear a prática pedagógica.
Para Emília Ferreiro e Ana Teberosky, a grande maioria das crianças, na faixa dos seis anos, já faz corretamente a distinção entre texto e desenho, sabendo que o que se pode ler é aquilo que contém letras. Algumas crianças ainda persistem na hipótese de que tanto se podem ler as letras quanto os desenhos. As pesquisadoras acreditam que isso é consequência do pouco contato que a criança possui com o material escrito. Sendo assim, uma boa prática pedagógica deve garantir o acesso das crianças aos textos escritos que estão presentes na sociedade.
Ao observar o processo de construção da escrita de inúmeras crianças, Emília Ferreiro constatou que este processo atravessa alguns níveis, que representam as hipóteses que as crianças elaboram sobre a escrita.
Isso não significa que a criança que pensa que uma letra é sufi ciente para grafar uma sílaba, por exemplo, escreverá todas as palavras desta forma até criar uma nova hipótese. O que observamos nos seus textos é o predomínio de alguma hipótese, porém, poderemos ter até palavras grafadas ortograficamente corretas, pois a familiaridade com elas a fez decorá-las e não “questioná-las”.
Podemos perceber também que as crianças, em um determinado momento, possuem diferentes hipóteses sobre a escrita e vão testando-as. É muito comum encontrarmos em um mesmo texto, a mesma palavra grafada de formas diferentes.
Outra situação muito comum é uma criança escrever uma palavra ortograficamente correta em um texto e dias depois escrever a mesma palavra de forma diferente. Às vezes, ela muda a grafia do seu próprio nome (Márcia/Marssia/Marsia), pois começa a refletir sobre as informações recebidas sobre as possíveis formas de grafar o mesmo som.
Por mais que pareça que há uma “regressão” na aprendizagem da escrita, esses “erros” demonstram que a criança está pensando, raciocinando sobre a língua e ainda não estabilizou a sua hipótese, ou seja, ela ainda não construiu o conceito necessário para dominar determinada característica do sistema de representação que é a escrita.
Veja o texto abaixo, produzido por um menino de 6 anos, para a reescritura da fábula de Esopo. Observe como ele escreve os verbos no passado e como ele utiliza o “L” e o “U” no final das palavras.
Percebemos que ele sabe fazer a flexão dos verbos para o passado e que percebe também o som das letras “L” e “U” no final das palavras, que é muito parecido, porém, ele ainda não tem certeza em que situação deve usá-las (questão meramente ortográfica), por isso grafa sel (seu), largol (largou) e penssou (pensou). Toda a sua grafia não é aleatória, representa os seus conhecimentos e reflexões sobre a linguagem escrita.
Passaremos a descrever, de forma sucinta, os níveis identificados por Emília Ferreiro no processo de construção da escrita. Lembramos que estas fases são divisões meramente didáticas, para que possamos compreender melhor este processo. Segundo a autora, não há um tempo específico para as crianças passarem por determinado nível e nem para permanecerem nele. Sendo a escrita uma construção individual, cada sujeito vivenciará este processo de forma particular, dependendo das experiências vivenciadas e das mediações/intervenções ocorridas (por adultos ou crianças).
Neste nível, a criança começa a diferenciar desenho e escrita. Suas tentativas dão-se no sentido da reprodução dos traços básicos da escrita com que elas se deparam no cotidiano. O que vale é a intenção, pois, embora o traçado seja semelhante, cada um “lê” em seus rabiscos aquilo que quis escrever. Desta maneira, cada um só pode interpretar a sua própria escrita, e não a dos outros.
A criança elabora a hipótese de que a escrita dos nomes é proporcional ao tamanho do objeto ou a que está se referindo. Nesta lógica, a palavra “elefante” deve ser muito maior (ter mais letras) que a “formiga”. Não há uma relação sonora.
A hipótese central é de que para ler coisas diferentes é preciso usar formas diferentes. A criança procura combinar de várias maneiras as poucas formas de letras que é capaz de reproduzir.
Neste nível, ao tentar escrever, a criança respeita duas exigências básicas: a quantidade de letras (nunca inferior a três) e a variedade entre elas (não podem ser repetidas). É muito comum, nesta fase, a criança utilizar as letras do seu nome ou de palavras que lhe são familiares (rótulos e nome de colegas, por exemplo).
Veja os textos abaixo:
Menina, 5 anos
1- leopardo
2- lobo
3- raposa
4- borboleta
5- cavalo
6- pato
A raposa vive na toca.
Menino, 5 anos
1- leopardo
2- lobo
3- raposa
4- borboleta
5- cavalo
6- pato
7- O lobo corre na floresta.
Você observou que ambas já utilizam letras, porém sem nenhuma relação sonora? Que não há nenhuma escrita em que tenha só uma letra? Ou só com um tipo de letra?
Observou que o menino utiliza cinco letras para escrever lobo e quatro para escrever borboleta?
Aqui as crianças compreendem que a diferença na representação escrita está relacionada com a sonorização das palavras. São feitas tentativas de dar um valor sonoro a cada uma das letras que compõem a palavra. Este nível pode ser subdividido em silábico e silábico-alfabético.
No nível silábico, cada grafia traçada corresponde a uma sílaba pronunciada, podendo ser usadas letras ou outro tipo de grafia, sem estabelecer necessariamente uma relação sonora. Há, neste momento, um conflito entre a hipótese silábica e a quantidade mínima de letras exigida para que a escrita possa ser lida. As crianças nesta fase precisam usar duas formas gráficas para escrever palavras com duas sílabas, o que vai de encontro às suas ideias iniciais de que são necessários, pelo menos, três letras. Este conflito a faz caminhar para outra fase.
Observe o texto abaixo, veja como a criança oscila nas suas hipóteses. Em algumas sílabas estabelece a relação sonora, em outras não. Grafa algumas palavras ortograficamente corretas, porém esses conhecimentos não ajudam na escrita de outras palavras (escreve lobo e cvol/cavalo). Porém, ela, na maioria das palavras, garante uma letra para cada sílaba.
Menino, 5 anos O leopardo vive na montanha.
No nível silábico-alfabético ocorre a transição da hipótese silábica para a alfabética. O conflito que se estabeleceu – entre uma exigência interna da própria criança (o número mínimo de letras) e a realidade das formas que o meio lhe oferece, faz com que ela procure soluções. Ela começa a perceber que escrever é representar progressivamente as partes sonoras das palavras, ainda que não o faça corretamente. Escolhe as letras que utilizará para estabelecer a relação sonora de forma ortográfica ou fonética.
Observe o texto abaixo. Veja como o menino usa uma vogal para cada sílaba, mantendo a relação sonora.
Observe como escreve lobo e pato.
Menino, 5 anos
1- leopardo
2- lobo
3- raposa
4- borboleta
5- cavalo
6- pato
1- leopardo
2- lobo
3- raposa
4- borboleta
5- cavalo
6- pato
O pato nada lagoa.
É atingido o estágio da escrita alfabética pela compreensão de que cada um dos caracteres da escrita (letras) correspondem a valores menores que a sílaba, e que uma palavra, se tiver duas sílabas, exige, portanto, dois movimentos para ser pronunciada, logo, necessitará mais do que duas letras para ser escrita. A criança começa a compreender que, a partir do alfabeto, pode formar a representação de inúmeras sílabas (elementos sonoros), mesmo aquelas sobre as quais não se tenham exercitado, podendo escrever qualquer palavra da língua.
A criança começa a entender que a escrita supõe a necessidade da análise fonética das palavras e que a identificação do som não é garantia da identificação da letra, o que pode gerar as famosas Dificuldades ortográficas.
Observe os textos abaixo. Observe a grafia das palavras vive e selva. As Dificuldades apresentadas não são mais de natureza sonora e sim de natureza ortográfica, visto que a ortografia é uma convenção cultural.
A raposa “ vivi” na toca.
Veja que no texto abaixo a menina já acrescenta outras letras para representar a sonoridade da palavra. Não são letras aleatórias, são grafemas que correspondem aos fonemas, porém, às vezes, usa mais de uma letra para representar o som. Algumas sílabas já aparecem.
Menina, 5 anos
Menina, 5 anos
Menino, 5 anos
Conhecer as hipóteses que as crianças constroem para a escrita e, consequentemente, o nível em que se encontram, não pode ser mais uma forma de rotular as crianças (Pré-silábica, Silábica ou Alfabética) e nem de organização de grupos/turmas homogêneas. Esse conhecimento (diferente níveis) só será útil para que o professor conhecendo o processo de construção do seu aluno, possa planejar atividades que contribuam para o seu avanço. Cabe ao professor propiciar oportunidade para que as crianças possam desestabilizar as suas hipóteses.
A criança tem a sua frente um longo caminho até chegar à leitura e à escrita da maneira que nós, adultos, a concebemos, percebendo que cada som corresponde uma determinada forma; que há grupos de letras separadas por espaços em branco, grupos estes que correspondem a cada uma das palavras escritas; que uma letra pode ser uma palavra. São muitos conhecimentos necessários para se aprender a ler e escrever.
Diante de tudo que foi apresentado aqui, fica claro porque as pesquisas de Emília Ferreiro revolucionaram a discussão sobre alfabetização, seus métodos e as cartilhas.
Muitos autores criticam o trabalho de Ferreiro alegando que, de certa forma, as suas pesquisas ignoraram os aspectos culturais no processo de aquisição da escrita e que o construtivismo não foi capaz de dar conta das crianças que fracassam na escola. Cabe ressaltar que o trabalho da pesquisadora argentina não tem a intenção de dar indicações de como produzir ensino. Isso cabe aos professores que devem organizar atividades que favoreçam a reflexão da criança sobre a escrita, porque é pensando que ela aprende.
Não podemos esquecer que a teoria construtivista foi entendida de forma equivocada aqui no Brasil, na década de 80. Talvez por traduções de livros não muito boas, por leituras fragmentadas ou por falta de maior reflexão sobre o fazer pedagógico; muitos educadores acreditavam que bastava apresentar diversos textos para as crianças e deixá-los expostos na sala, que elas iriam compreender, por si só, como a linguagem escrita se estrutura. Sem intervenção pedagógica não há aprendizagem na escola.
Outros autores apresentam diferentes formas de entender o processo de aquisição da escrita pelas crianças. Smolka (1989: 45-63), por exemplo, diz que podemos entendê-lo sob diferentes pontos de vista: o ponto de vista mais comum onde a escrita é imutável e deve se seguir o modelo “correto” do adulto; o ponto de vista do trabalho de Emília Ferreiro onde escrita é um objeto de conhecimento, levando em conta as tentativas individuais infantis; e o ponto de vista da interação, o aspecto social da escrita, onde a alfabetização é um processo discursivo. Para ela, não se “ensina” ou não se “aprende” simplesmente a ler e escrever. Aprende-se uma forma de linguagem, uma forma de interação, uma atividade, um trabalho simbólico (...). O diálogo que se estabelece em torno de um desenho, de uma história lida pela professora ou de um evento qualquer no cotidiano das crianças é fundamental no processo de elaboração, de produção compartilhada de conhecimento. A criança aprende a ouvir, entender o outro através da leitura; aprende a falar e a dizer o que quer pela escrita. (SMOLKA, 1989: 45-63).
Mais recentemente, o trabalho de Emília Ferreiro tem sido estudar o impacto das novas tecnologias, computador, por exemplo, nas formas de ler e escrever. Sua contribuição tem sido no sentido de nos mostrar como os conceitos de leitura e escrita foram modificados ao longo da história da humanidade, sofrendo grandes mudanças com a chegada da imprensa e dos microcomputadores. Ler no século XXI é bem diferente de ler no início do século XX, e muito mais diferente do que ler no século XVIII.
As mudanças envolvem desde a forma de leitura ao material lido até aos objetivos. Será que as nossas avós poderiam imaginar que utilizaríamos a leitura para fazermos um curso a distância? Sem dúvida, basta a multiplicidade de objetivos da leitura e da escrita para termos certeza que seu conceito mudou.
ALFABETIZAR LETRANDO: A CONSTRUÇÃO DE UMA PRÁTICA
Desde cedo as crianças participam de situações sociais e lidam com a linguagem como qualquer dono da língua que fala. Elas aprendem a falar falando, usando a linguagem no seu contexto natural. Desde pequenas elas ouvem histórias, escutam notícias de jornais e televisão, cantam música, contam piadas. Na realidade, como todo falante, já possuem uma gramática da língua interiorizada e não pedem permissão para aprender as regras sociais, que envolvem o uso da linguagem, necessárias para falar e/ou escrever no seu dia-a-dia.
Como vimos anteriormente, os alunos ao chegarem à escola já trazem muitos conhecimentos que são fundamentais para a aprendizagem da linguagem escrita.
Quem participa e observa situações sociais mais efetivas de leitura e de escrita sempre possui algum tipo de conhecimento prévio sobre seu uso.
Com certeza, a escola não é a única via de acesso para o contato e o uso da escrita e da leitura, mas é a instituição responsável pelo ensino formal da aprendizagem da escrita.
Fora da escola, as crianças interagem com diferentes situações sociais e sofrem influências de diversos tipos de leitura e escrita que encontram nos textos que circulam no contexto social e que servem como modelos para as suas escritas.
Por ser um usuário da língua que fala e ouve, a criança possui alguns conhecimentos linguísticos, conhecimentos sobre a estrutura de diferentes textos e conhecimentos sobre determinados temas e assuntos, ou seja, possuem muitas ideias, hipóteses e convicções pessoais sobre o ato de ler e escrever que vivenciam. Reafirmamos que esses conhecimentos contribuirão no seu processo de aquisição da linguagem escrita e como nos lembra Mafalda, a escola deve se apropriar dos textos que estão na sociedade e não criar textos que só encontramos no espaço da sala de aula.
Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Em síntese, aprender a ler e escrever envolve aspectos ignorados pelo educador que esteja comprometido com culturais, sociais e linguísticos, que não podem ser a aprendizagem de seus alunos.
A nossa língua é um sistema fonográfico do tipo alfabético ortográfico, ou seja, de forma simplificada podemos dizer que representamos os nossos pensamentos e ideias por meio da escrita de palavras que tentam representar as ideias oralizadas (fonográfico) utilizando símbolos (alfabeto) que precisam estar dispostos obedecendo à relação sonora e à convenção cultural (ortografia). Isso significa que quando pensamos em um animal mamífero, peludo, que tem a banana como seu alimento preferido, podemos representar essa ideia escrevendo a palavra MACACO. Para que eu possa comunicar a minha ideia, eu tenho que escrever as letras nesta sequência, mesmo que, como carioca, eu fale“macacu”.
Pretendemos abordar neste capítulo algumas questões sobre a estrutura da nossa língua que são fundamentais para o conhecimento do professor alfabetizador e, por conseguinte, deverão subsidiar a prática pedagógica.
Como vimos, sabemos hoje que para aprender a ler e a escrever é preciso que o aluno entenda que a escrita representa a linguagem relacionando-a com a fala, para que percebam qual é a lógica de organização do sistema alfabético.
O sistema alfabético organiza-se tentando representar com diferentes formas gráficas (letras do alfabeto) os diferentes sons da fala.
Assim, para adquirir uma competência alfabética, o aluno precisa aprender alguns conhecimentos sobre o funcionamento da escrita alfabética. Segundo Cagliari (1999), é necessário saber:
• as formas das letras e a direção da escrita (aspectos gráficos e de convenção);
• que é preciso haver uma variedade interna nas grafias das palavras;
• quais são as letras e em que sequências elas podem ocorrer;
• que as letras representam partes sonoras das palavras que falamos;
• quais os valores sonoros que as letras assumem em nossa escrita.
Após compreender o princípio alfabético, o aluno terá grandes chances em escrever corretamente a palavra bola, pois não existem opções de representações diferentes, pode-se até seguir apenas a fala. Mas na escrita da palavra mato, haverá um desafio porque, para representar o som final de u, não se pode se guiar apenas pela fala, já que escreve-se com a letra o. Isso porque nosso sistema ortográfico necessita utilizar outras formas de registros onde existem casos em que um mesmo som pode ser grafado com mais de uma letra como em outros em que a mesma letra pode representar sons diferentes (xícara e táxi).
A competência alfabética e a competência ortográfica são de naturezas diferentes, porque a lógica que serve para aprender, na primeira (relacionando os sons da fala com suas representações gráficas), não é sufi ciente para aprender, a segunda (que se guia por convenções e regras). Assim, a compreensão do processo de leitura exige conhecimentos técnicos de linguística, e da natureza, função e usos dos sistemas de escrita.
Miriam Lemle em seu livro Guia Teórico do Alfabetizador, que teve a sua primeira edição em 1987, aponta algumas relações complicadas entre sons e letras, tendo como referência o dialeto carioca. Apesar de seu trabalho ser focado na variação regional da língua na cidade do Rio de Janeiro, os destaques sobre esses conhecimentos linguísticos nos permite pensar sobre qualquer dialeto.
Na língua portuguesa, temos poucos casos de correspondência biunívoca entre sons da fala e letras do alfabeto, ou seja, poucos são os casos em que um som terá apenas uma letra correspondente ou vice-versa.
Das vinte e três letras do alfabeto, apenas sete possuem correspondência biunívoca, no dialeto carioca.
Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004
Chamamos de fonema, em linguística, uma unidade de som caracterizada por um dado feixe de traços distintos. Traços distintos características de som que são relevantes na diferenciação entre unidades do sistema. Por convenção, esse tipo de unidade é representado entre barras inclinadas (/ /) (Lemle, 2004, pág.18).
- Agora vejamos outra “relação complicada”, onde não há correspondência biunívoca. Dependendo da posição da letra na palavra, ela terá um som diferente. Leia em voz alta cada exemplo. Observe o que você fala e compare com a forma escrita.
Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004 .
Observe que para grafarmos usamos a mesma letra (s), vejamos agora o contrário: o mesmo som, porém, porém falamos [duazarvores], [ reisto ]. Da mesma forma grafado com diferentes letras.
Que grafamos com (l), mas falamos: [cauma], [sau]. Usamos a letra ( o ) na escrita e falamos [bôlu] , [cóva].
Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Ática, 2004.
Preste atenção nos exemplos dados para o som / i /. Falamos [pinu], [padri], [morti], mas ao grafarmos usamos i (pino) ou e (padre, morte), de acordo com a grafia correta (ortografia).
Ainda temos os casos da “situação de concorrência”, em que mais de uma letra, na mesma posição, pode representar o mesmo som. Segundo Lemle (2004), este caso é o mais difícil para a aprendizagem da língua escrita, pois não há qualquer princípio fônico que guie quem escreve na escolha entre as letras concorrentes. O dicionário é o grande aliado para escrita ortográfica da palavra, além de guarda-las na memória, por meio de diversos contatos com a mesma. Observe o quadro abaixo:
Escrevemos casa ortograficamente correta, pois já decoramos a sua grafia. Porém aqueles que estão iniciando-se no mundo da escrita poderá grafar [caza] ou até mesmo [Kaza], visto que usamos as letras K, y e W em diversas palavras presentes nos textos cotidianos, principalmente em nomes de pessoas e marcas.
Fonte: LEMLE, M. Guia Teórico do Alfabetizador. São Paulo: Àtica, 2004.
É claro que essas situações de poligamia e poliandria trazem problemas de escrita para os alfabetizandos. É que eles acabaram de ter aquele maravilhoso estalo, aquela revelação de que letras simbolizam sons, logicamente pensam que há fidelidade conjugal entre letras e sons: cada letra com seu som, cada som com a sua letra. Assim é que as coisas deviam ser, não é mesmo? O alfabetizando é coerente ao supor que o som [i] corresponde sempre a letra i, e que o som [u] corresponde sempre à letra u. (LEMLE, 2004: 19)
Você deve ter concluído que a maioria dos “erros” foi causada pela ”infidelidade” da relação fonema/ grafema, com letras concorrentes, conforme vimos nos quadros anteriores e que alguns, pela transcrição fonética (escrever da forma que se fala), por exemplo: dormi/dormir, convido/convidou, cigure/segure.
Lemle (2004) nos alerta para o fato de que todo alfabetizador deve entender que “as partes do sistema da convenção ortográfica que têm relação arbitrária com os sons da fala variam de dialeto para dialeto” (pág 34). No Rio de Janeiro, falamos [futibol], [tiatru], enquanto em São Paulo fala-se [futebol], [teatro]. As dificuldades vivenciada na aprendizagem da ortografia destas palavras serão bem diferentes para cariocas e paulistas Enquanto os cariocas terão que tomar uma decisão fonologicamente arbitrária (escrever e em vez de i, o em vez de u) os paulistas não terão problemas na grafia destas palavras, mas terão em outras, como porta.
Vivemos um paradoxo em relação às mudanças linguísticas adotadas em um dialeto. Enquanto no Rio de Janeiro, “ninguém acha ‘feio’ a pronúncia de sal com [u] ou feira ou beija sem o [i] (...) estigmatizam socialmente os que as fazem ouvir em sua fala: a mudança do [l] em [r] ([pranta]), a perda de outros i ([salaro]) (...) são tidas como marcas de inferioridade social” (LEMLE, 2004: 35).
Por isso, é fundamental que o professor conheça os aspectos linguísticos e considere, de forma respeitosa, o dialeto de seus alunos, compreendendo que essas “pronúncias defeituosas” fazem parte do meio sociocultural e que compõem o trabalho de alfabetização que deve ser desenvolvido na Escola.
Você deve estar se perguntando sobre o que fazer com estes conhecimentos linguísticos. Eles deverão nortear as atividades que você proporá aos seus alunos. É necessário que leiam textos diversos, pesquisem palavras em jornais, revistas... e as classifique de acordo com a relação letra /som. Por exemplo: se os seus alunos estão acreditando que há uma relação monogâmica entre a letra s e o som /s/, peça que pesquisem e recortem diversas palavras que possuem a letra s e após a leitura de cada uma, arrume em colunas as que possuem som de /s/, as que possuem som de /z/, as que são grafadas com ss, fazendo-os refletirem sobre suas pesquisas. Há palavras iniciadas com s e que possuem som de /z/? Há palavras iniciadas com ss? Nas palavras em que o s possui som de /z/, que letras antecedem o s? Que letras o sucedem? etc. As perguntas dependerão do seu objetivo. Assim, eles compreenderão como a língua está organizada e que temos muitas possibilidades de grafar o mesmo som. Lembre-se que este tipo de atividade é para aqueles que já escrevem alfabeticamente e que apresentam Dificuldades ortográficas (convenção). Antes de chegar a esse nível temos um caminho longo a percorrer.
Tenha claro que o seu trabalho não é de mero “informante” sobre questões da língua, mas sim de ajudar os seus alunos a construir esses conhecimentos.
Um outro linguista que tem contribuído muito para a reflexão dos alfabetizadores sobre o trabalho a ser desenvolvido, é Luis Carlos Cagliari. No seu artigo O que é preciso saber para ler e escrever, ele aponta vinte nove noções, que ele considera básicas e indispensáveis, para que uma pessoa aprenda a ler e consequentemente se alfabetize.
Cagliari usa o termo decifração, não como sinônimo de decodificação, mas sim como interpretação, revelação do que está escrito, visto que ler e escrever constituem processos complexos do desenvolvimento humano.
Apresentaremos a seguir essas noções, de forma sucinta, não existindo uma ordem ou hierarquia entre esses conhecimentos, “mas um sistema em que as partes só adquirem significado quando encaixadas no todo” (CAGLIARI,1999: 135), acrescentando um olhar pedagógico às questões apresentadas pelo linguista:
1 - Ser falante da Língua Portuguesa
Seria muito difícil se alfabetizar se não conhecêssemos nossa língua, estaríamos diante de algo que não compreenderíamos.
Considerando que o nosso aluno já é usuário da língua e que tem muitas experiências com a língua escrita no seu cotidiano, é importante que ofereçamos atividades em que esses saberes possam ser veiculados de forma a garantir a fala, a escrita e a reflexão sobre a língua.
Não podemos esquecer que a linguagem oral também possibilita comunicar ideias, pensamentos e intenções de diversas naturezas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais; e que há variedade de fala.
Não basta deixar que as crianças falem, é preciso que as situações orais vividas na sala de aula representem situações comunicativas significativas, e que percebam as diferenças no grau de formalidade (a forma como se fala com o colega é diferente da forma que se fala com uma pessoa desconhecida, o governador, o prefeito).
2 - Saber a Diferença entre Desenho e Escrita
Saber que há diferença entre desenho e escrita, apesar de ambos serem representações gráficas. Toda escrita é uma forma de desenho, mas o contrário não acontece. O desenho refere-se aos objetos do mundo e a escrita refere-se à linguagem oral. O desenho não representa a palavra. São os objetos que têm nome. Já a escrita, representa a palavra (o nome que damos às coisas) e não os objetos em si.
3 - Não se Escreve com Rabiscos, Bolinha etc.
É importante levar as crianças a perceberem que usamos um inventário pequeno de sinais (letras) para escrever e que podemos usar somente os símbolos desse conjunto (alfabeto) se quisermos comunicar a nossa ideia, pois usamos a escrita em sociedade e não apenas para nós mesmo.
Muitas crianças usam bolinhas e rabiscos por acreditarem que escrever é fazer uma representação gráfica associada a uma fala, por isso escrevem e leem imediatamente.
Uma boa intervenção para mostrar que esses rabiscos não são sufi cientes é anotar o que a criança leu, no verso da sua folha, e dias depois pedir para ela ler novamente. Provavelmente lerá outra coisa bem diferente do que disse anteriormente. Diga para ela o que ela disse quando fez aquela escrita e diante do seu espanto, pergunte o que deve ter acontecido. As respostas poderão ser variadas e refletirão a hipótese que a criança tem, neste momento, sobre o que é escrever.
4 - A Fala Aparece na Escrita Segmentada em Palavras
Temos aqui duas ideias importantes. Para a criança, a sua experiência linguística está centrada na linguagem oral. Do ponto de vista da percepção auditiva, a linguagem oral é um contínuo, interrompido às vezes por pausas. Não há nenhuma dica que mostre aos ouvintes onde começam e acabam as palavras.(...) No entanto, o nosso sistema de escrita exige que as palavras sejam escritas com um espaço em branco separando-as nas frases. Mostrando material escrito às crianças é fácil explicar isto. Partindo da fala, é mais complicado (CAGLIARI, 1999: 137).
No nosso sistema de escrita os espaços em branco determinam o significado das palavras. Escrever COMPADRE é diferente de escrever COM PADRE, pois possuem significados diferentes na nossa língua.
Como nos disse Cagliari, mostrar o texto escrito para as crianças ajuda a compreensão desta segmentação. Podemos também produzir textos coletivos e escrevê-los diante delas para que percebam os espaços. Outra forma é pedir que contem as palavras de uma frase significativa. Que leiam o seu nome completo (nome e sobrenome) e digam quantas palavras possuem.
5 - O que é Palavra: Ideias, Sons-letras e Ortografia
Palavra não é um amontoado de letras. Ao ler, o sujeito precisa identificar na palavra escrita o significado na língua. Diante da palavra casa, por exemplo, se o aluno ler [kassa], encontrará um significado na língua (verbo caçar), mas talvez o contexto não lhe permita atribuir um sentido ao que leu. Já um sujeito que diante da mesma palavra achar que está escrito [saza] não descobriu nenhuma palavra da língua. Um bom exemplo é uma criança que já lia, esbarra com a frase “Mamãe bebe mate” e não a lê. A professora insiste em dizer que ele sabe ler, até que ele diz: “Minha mãe não mata ninguém!”. Podemos inferir que a palavra mate para ela tem um significado bem diferente de bebida e que não fez sentido para ela a junção do verbo beber com o verbo matar.
6 - Controlar o Significado das Palavras em Segmentações
Ao segmentar a fala para descobrir as fronteiras de palavras, é necessário ficar atento ao significado e se guiar por ele. É preciso levar as crianças a descobrirem que o que está escrito implica na descoberta do significado não apenas dos sons.
A escrita não é uma representação sonora da fala. Se eu desejo representar a ideia de que “A menina comprou uma roupa nova” eu não posso escrever: “Ame nina com prou umarou panova”. Apesar desta última frase possuir todos os segmentos sonoros, ela não expressa/comunica uma ideia. Logo, não atinge os objetivos da escrita.
7- Como Controlar as Sequências de Sons das Palavras nas Segmentações
Antes de aprenderem a escrever, as crianças têm uma excelente acuidade auditiva e facilidade para observar a fala como um todo. No entanto, quando se trata de “teorizar” sobre o que ouvem, ou seja, analisar, interpretar e explicar o que observam, tudo fica muito difícil. Sabendo dessa situação o professor poderá mostrar unidades sonoras menores do que a palavra, fazendo-os observar rimas, sons iniciais dos nomes e de coisas, sons repetidos como partes de palavras etc. Procedimento desse tipo leva quase sempre à identificação de sílabas e não de vogais e consoantes. Por outro lado, o uso de pares mínimos (tipo bata-pata; vila-vela) ajuda muito a destacar segmentos fonéticos constitutivos das sílabas. Com a atenção voltada para a segmentação de enunciados em palavras e destas em unidades menores, como as sílabas e os segmentos fonéticos do tipo vogal e consoante, o aprendiz terá melhores condições de entender como o sistema de escrita funciona e como usar as letras.
As atividades propostas por Cagliari devem ser feitas oralmente e com material escrito.
8 - Saber Segmentar a Fala para a Escrita:
“Não basta saber analisar os sons da fala, é preciso saber cortar as unidades de fala que vão ser representadas na escrita: as palavras e os segmentos consonantais e vocálicos, deixando de lado as sílabas, uma vez que estas não tem vez no nosso sistema de escrita.”. Lembre-se que o nosso sistema é alfabético ortográfico. “A partir de um enunciado oral, o aluno precisa identificar as palavras e os segmentos vocálicos que as compõem. Em seguida, precisa atribuir letras a esses segmentos vocálicos e reconstruir a palavra e, de palavra em palavra, chegar à frase”.
Isso não quer dizer que o trabalho de alfabetização tenha que ser a partir das famosas” família silábica”. Muito pelo contrário, o aluno só compreenderá a como a língua está estruturada a partir da análise de como ela aparece no meio cultural (textos).
9 - Escreve-se com Letras
É preciso que os alunos conheçam o conjunto de sinais com os quais podemos escrever e saibam quais os elementos o constituem (letras).
A letra de “forma maiúscula” é a mais recomendada para quem está iniciando o processo de alfabetização, pois apresenta forma gráfica mais clara e distinta. A cursiva é a menos recomendada, pois é mais difícil saber onde começa e termina o traçado de uma letra.
10 - O Alfabeto como um Conjunto de Letras
É importante que, ao aprender a ler, o aluno tenha sempre em mente que está lidando com um conjunto pequeno de símbolos e que não há nada fora dele. “Para algumas crianças, o caos do mundo de escrita que existe ao redor leva-as a acharem que estão diante de um conjunto aberto, em que sempre há coisa nova aparecendo. Isto causa uma insegurança muito grande”.
Montar diversos alfabetários (nomes, animais, produtos etc) com as crianças possibilita a familiarização com o alfabeto. É importante que esse material seja construído coletivamente para se constituir um verdadeiro material de pesquisa. Quando o alfabetário é construído pelo professor, este colocará imagens/palavras que julga importante, que são do seu contexto social, mas não são, necessariamente, do universo dos alunos, logo, pouco ou nada contribuirão para ampliar o conhecimento dos alunos.
11 - O que é uma Letra: Unidade Abstrata
A letra não é uma coisa concreta, mas abstrata, podendo ser comparada com os números e a matemática. “O aspecto material, físico, gráfico é apenas um suporte”. Quando falamos letra A, não estamos nos referindo a nenhuma letra A em particular, mas a tudo que pode ser uma letra A, que é definido pela ortografia.
Há inúmeras formas de grafar as letras (veja as “fontes” das letras no computador), mas reconhecemos todas porque existe uma noção abstrata do que seja letra. Veja o quadro abaixo:
Fonte: CAGLIARI, L.C. Diante das Letras. Campinas: Mercado das Letras,1999.
Com o recurso do computador, podemos escrever os nomes das crianças em diferentes fontes para que observem, que, apesar de terem traços diferentes, as letras são as mesmas.
12 - Categorização das Letras: a Unidade na Variedade
Vimos anteriormente a categorição gráfica das letras, agora veremos a categorização funcional, que é a função que as letras podem exercer. Função esta que é determinada pela ortografia. Por mais que, em cada dialeto, uma letra possa representar diferentes sons, no momento de escrever isso é unificado.
Em inglês, uma letra como A chama-se “ei” e serve para escrever esse ditongo [ei], como na palavra table, que se pronuncia [teibl]. Em português, o A nunca é usado para representar esse ditongo, mais pode representar o ditongo “ai”, como na palavra paz que é pronunciada [pas, pais ou paich], dependendo do dialeto (...) Se um falante de um dialeto diz [paich] para a palavra paz, isto significa que a letra A tem o som de [ai] nessa palavra (ou em contextos semelhantes em todas as palavras da língua, usadas nesse dialeto). Se em um dialeto, alguém diz [fi zéru], [acharu], para as palavras fi zeram, acharam – isto significa que, para os falantes desse dialeto, a letra A tem o som de [u] em contextos semelhantes nas palavras da língua.
13 - O Nome das Letras
Entender o que significa o nome das letras é a chave da decifração do sistema de escrita que, no nosso caso, se chama princípio acrofônico (identificação das letras e atribuição a elas de sons).
Assim que as crianças começam a se interessar pela escrita, elas começam a dar nomes às letras (L de Laura, B de boné etc.) associando a nome de pessoas e objetos. Cabe à escola ensiná-las o nome correto, pois o nome da letra pode “ajudá-la” na relação sonora.
14 - Princípio Acrofônico como Chave da Decifração da Escrita
O princípio acrofônico é a possibilidade de atribuir um valor sonoro às letras e sílabas.
Porém, “não basta identificar as letras e atribuir a elas os sons possíveis através do princípio acrofônico e das normas ortográficas. Para se decifrar uma escrita é crucial que se chegue à palavra como um todo, quer no aspecto fonético, quer no aspecto semântico, um aspecto controlando o outro”.
15 - O Princípio Acrofônico é um Ponto de Partida. O Ponto de Chegada é a Ortografia
Sendo o princípio acrofônico um ponto de partida, mas não o ponto de chegada, é necessário que os aprendizes tenham uma melhor compreensão a respeito da ortografia como estruturadora do nosso sistema de escrita.
É necessário que se entenda a ortografia como uma convenção, mas que tem como objetivo maior facilitar a comunicação entre as pessoas.
16 - Categorização Gráfica: Inúmeros Alfabetos com as Mesmas Letras
A noção de categorização gráfica já foi explicada anteriormente e é por meio dela que aprendemos que não temos um único alfabeto (graficamente) e o que os une “é o fato de as letras serem unidades abstratas que são controladas pela categorização funcional, dada uma mesma língua e uma ortografia”.
17 - Variação Gráfica das Letras Controlada pela Ortografia
A variação gráfica das letras não muda a função que elas possuem porque o nosso sistema é alfabético ortográfico. A ortografia (maneira convencionada para escrever as palavras) é mais importante que o aspecto alfabético. É importante que os alunos tenham ideias claras sobre a noção de ortografia para entender o que são as letras e como funcionam.
18 - Variação Funcional das Letras Controlada pela Ortografia
O uso “alfabético” do alfabeto, ou seja, quando as letras representam som independentemente das palavras (ortografia), gera o que se chama de “transcrição fonética”. (...) Muitas crianças recebem de seus professores uma ideia que as leva a escrever como se estivessem fazendo transcrições fonéticas. Em um primeiro momento, para dar mais liberdade e incentivar os alunos, escritas desse tipo podem ser feitas. Porém, é importante que seja dada uma boa explicação sobre variação linguística e sobre ortografia, para que os alunos não fiquem pensando que o modo como estão escrevendo é o ponto de chegada.
19 - Categorização Funcional das Letras: Relações entre Letras e Sons
Como dissemos anteriormente, a categorização funcional das letras é controlada pela ortografia e tem a ver com as relações entre letras e sons e vice-versa, ou seja, com a função que as letras exercem no sistema de escrita.
As relações entre letras e sons (leitura) são diferentes das relações entre sons e letras (escrita), em função da variação linguística e da ortografia. Ler e escrever são processos distintos que podem ocorrer simultaneamente.
A variação linguística representa todos os modos diferentes que todos os falantes de uma determinada língua usam para dizer as palavras. Uma mesma palavra em português pode ser dita de várias maneiras. (...) Por outro lado, a ortografia existe justamente para “neutralizar” a variação linguística na escrita.
Segundo o autor, é muito mais fácil aprender as relações entre letras e sons (leitura) do que as relações entre sons e letras (escrita), pois, na leitura o material já vem pronto e apresentado na forma ortográfica e sendo o leitor um falante de um determinado dialeto, a tarefa de ler “fica reduzida” apenas a passar de uma versão neutralizada das palavras (ortografia) para uma fala familiar. Ele acrescenta que as regras de decifração são mais fáceis e definidas. Por exemplo, todo X no início de palavras tem o som [chê], mas nem toda palavra que começa com o som [chê] será grafada com X (xadrez, xícara e cheque, cheio). Para ele, é importante construir com os alunos, por meio da observação/reflexão sobre as palavras, as regras da língua.
O professor não precisa estudar todas as regras com os alunos, mas mostrar a eles que a maneira como se pensa as relações entre letras e sons é fundamental e indispensável. Depois que os alunos perceberem como se montam as regras, eles conseguem chegar à formulação de outras regras pela simples observação das relações entre fala e escrita.
20 - A Ortografia como Volta ao Sistema Ideográfico
O sistema alfabético só funciona quando perde sua natureza fonética e passa a ser interpretado como um compromisso com o sistema ideográfico (ver Unidade I), ou seja, a palavra passa a ser mais importante do que as letras isoladas e são escritas de forma fi xa por exigência da ortografia.
Para Cagliari (1999), quando o aluno está aprendendo a decifrar a escrita, precisa partir das letras para chegar às palavras. Mas, depois que tem certa profi ciência, a leitura passa a ser feita pela identificação das palavras como um todo, em muitos casos. O mesmo acontece com a escrita. No começo, vai se procurando as letras para os sons da fala e checando tudo com a ortografia e o significado. Porém, quando alguém está mais hábil na escrita, escreve as palavras sem precisar ficar pensando primeiro nos segmentos fonéticos, depois nas letras que os representam. Vai direto para uma forma ortográfica já conhecida. Somente em casos de dúvidas ortográficas, a pessoa para para pensar. Mas, infelizmente, não se resolvem dúvidas ortográficas apenas pensando. A solução segura, nestes casos, é perguntar a quem sabe ou olhar um dicionário.
21 - A Ortografia como Forma Congelada de Escrita, Neutralizando a Variação Linguística
É importante ter claro que inventar uma pronúncia que não se encontra em nenhum dialeto da língua, apenas em certas salas de aulas ([mãis] / mas), não ajudará o aluno a escrever ortograficamente. Ele não precisa aprender a falar o dialeto padrão para aprender a decifrar ou escrever, pois quando lemos um texto de José Saramago, por exemplo, não usamos o seu sotaque.
A conquista do dialeto padrão, da norma culta é uma tarefa a ser realizada a longo prazo e, para muitos alunos, significa aprender uma espécie de língua estrangeira.
22 - A Ortografia Determina o Valor que as Letras têm, Gráfica e Funcionalmente
Vimos que a ortografia determina o valor que as letras possuem (gráfica e funcional) que para o aprendiz isso implica em muitos conhecimentos linguísticos. Para ele conseguir atingir um nível de conhecimento para saber ler, precisa “juntar” todos esses conhecimentos . Não basta saber uma coisa ou outra isoladamente. “É preciso agir em conjunto com muitos conhecimentos. E isto é realmente um problema para o aluno que aprende e para o professor que ensina.(...) Todavia, o professor tem que trabalhar certas ideias isoladamente, primeiro, sem perder de vista que o aluno deve montá-las em um quebra-cabeça bem grande e complicado.” Por isso, é importante considerar que os alunos terão um tempo diferente para se apropriar destes conhecimentos, porque cada um tem uma história diferente de relacionamento com a leitura, a escrita e a escola.
23 - Variação Escrita e Falada
Com a escrita, surge e se instala a crise da identidade linguística, pois o aluno começa a usar uma escrita fonética, sem se dar conta das implicações e exigências da ortografia, depois percebe que a grafia das palavras é diferente da sua fala. Não sabe que língua realmente fala e que língua a escola se propõe a ensinar. E se o aluno fala uma variedade estigmatizada pela sociedade, isso torna-se mais grave.
Cabe à escola compreender estas variedades e oferecer informações linguísticas que permitam ao aluno compreender que a relação entre fala e escrita não é harmoniosa.
24 - Palavras Variam não só de Acordo com Regras Fonológicas, mas Também de Acordo com Regras Morfológicas
Para saber escrever uma palavra como mal ou mau é necessário saber se se trata de um substantivo, de um adjetivo ou de um advérbio. Antes de chegar lá, não há explicação, a não ser decorar certas formas esteriotipadas. Este é um problema menor, mas tem suas implicações nos conhecimentos que uma pessoa precisa ter para ler e consequentemente, para escrever.
25 - Escrita não e Transcrição Fonética
Muitos professores acreditam que passando a ideia de que a escrita é fonética os alunos aprenderão mais rápido. É muito comum ouvirmos a fala de que “escreve-se como fala”. Porém, isso cria equívocos que vão prejudicar quando os alunos forem escrever, pois deixam de acreditar na ortografia, além de criarem, muitas vezes, uma leitura artificial (leem [balde] em vez de [baudi], como é no dialeto carioca).
26 - Não se Escreve Qualquer Letra para Qualquer Palavra: há Regras
Ensinar regras ajuda os alunos se sentirem seguros em algum lugar da construção do conhecimento. Ensinar regras não é apresentar as regras e fazê-los decorar. Significa levar os alunos a observarem os textos escritos chamando atenção para a grafia das palavras, levando-os a refletirem sobre os padrões que aparecem na linguagem.
Pela ortografia há uma sequência determinada de letras para grafar uma determinada palavra. Para escrevermos a palavra AMOR, temos que primeiro escrever a letra A, depois M, depois O e finalmente o R. Se colocarmos as letras em outra sequência, até poderemos escrever novas palavras (com significado na língua), mas não AMOR (ROMA, MORA, OMAR, RAMO, ARMO).
27 - Identificar Outros Sinais da Escrita (além das Letras) como os Acentos, os Diacríticos, Marcas etc.
Os sinais de pontuação funcionam como uma espécie de sinais de trânsito para facilitar a leitura.
Sem dúvida, para saber ler é preciso distinguir diacríticos (acentos, til etc.), sinais de pontuação, parágrafos e demais marcas da escrita e do conjunto de formas gráficas que formam o alfabeto (letras).
É necessário que os alunos percebam que um acento muda o significado da palavra e sua classe gramatical (pára = verbo parar e para = preposição) e que a pontuação não é para dar pausas na leitura, e sim garantir o significado do texto e, consequentemente, a comunicação das ideias. Veja os exemplos abaixo:
“Matar a rainha não é crime.”
“Matar a rainha, não. É crime.”
“Matar a rainha ? Não ! É crime.”
Ao ler a primeira frase, os súditos compreenderão que não é crime matar a rainha. Já nas outras duas, matar a rainha é crime.
28 - Aspectos Secundários das Letras: Tamanho, Direção, Linearidade, Espacialidade, Maiúscula, Estilo, Caligrafia etc.
Certos aspectos físicos da grafia e da escrita podem atrapalhar, às vezes, o aprendizado da leitura e da escrita. Mesmo não atrapalhando são aspectos importantes da cultura escrita e que precisam ser ensinados:
• O que representa as letras maiúsculas e minúsculas não é tamanho, pois muitas vezes as crianças escrevem letras minúsculas maior do que as maiúsculas.
• A direção da escrita na nossa língua (esquerda para direita).
• A escrita se assenta sobre uma linha de base, mesmo que imaginária.
• A caligrafia é um ideal a ser alcançado sempre, pois pode Dificultar a compreensão do leitor. Veja:
Um a pessoa que está iniciando o seu processo de alfabetização pode entender CENTIERRIUE e não Antônio conforme desejava o escritor.
29 - Ler não é só Decifrar os Sons das Letras e das Palavras, mas conseguir
Pensar uma Mensagem Elaborada por Outra Pessoa e Representada na Escrita.
À medida que o processo de leitura vai se aprimorando exigi-se um maior esforço mental pois precisamos entender algo que foi pensado e organizado por outra pessoa.
Por razões da forma como funciona o mecanismo de produção da linguagem oral, para se ter uma compreensão de um texto, é preciso conduzir de forma correta, além das palavras (segmentos fonéticos e significados lexicais),os processos fonéticos suprasegmentais e prosódicos, como o ritmo e a entoação, principalmente. Como o professor não vai tratar desses assuntos na alfabetização, é preciso que os alunos preparem e treinem toda leitura em voz alta, para que digam naturalmente, como se partisse deles mesmos a iniciativa de dizer o que estão lendo. Mesmo as leituras em silêncio precisam de um tempo para re-organização dos elementos prosódicos, sem os quais alguns aspectos semânticos importantes dos textos se perdem e o aluno não entende direito o que leu.
Você já havia parado para pensar que para ler um simples cartaz você mobiliza tantos conhecimentos?
Tudo que foi apresentado são contribuições da linguística para a pedagogia. Cabe a nós professores, diante dessas reflexões, “traduzir” esses conhecimentos em uma prática pedagógica que contribua efetivamente para a aquisição da leitura e da escrita pelos alunos.
A profissão de professor requer uma gama de conhecimento dos diversos campos teóricos (psicologia, linguística, sociologia, antropologia, neurociência etc.) para a organização da prática pedagógica.
Leia o livro Guia Teórico do Alfabetizador, de Miriam Lemle, da editora Ática, do ano de 2004 que, além das questões apresentadas aqui, traz grandes reflexões sobre a prática de alfabetização.
O livro Diante das Letras de Luiz Carlos Cagliari e Gladis Massini-Cagliari, da editora Mercado das Letras, Campinas, 1999, reúne uma coletânea de artigos que discutem questões relacionadas à história da escrita, das letras, das categorizações gráficas e funcionais, além de questões ortográficas. É um livro que contribui muito para o trabalho do professor alfabetizador.
Já deve estar claro para você que aprender a ler e a escrever, ou seja, a alfabetização – como a aquisição do código escrito e a apropriação do sistema alfabético e ortográfico da língua – é imprescindível para se desfrutar do mundo da escrita, e que precisamos ir além da aquisição dessa tecnologia (codificação/decodificação).
É preciso apropriar-se da função social da leitura e da escrita, conseguindo produzir/utilizar os diferentes tipos de textos que circulam socialmente.
As crianças já chegam à escola com muitas informações sobre o uso que a escrita tem em nossa sociedade: eles convivem com pessoas fazendo lista de compras, anotando recados, buscando informações na lista telefônica, montando um objeto a partir da leitura de manual, se divertindo com um livro...
Em suma, o que precisamos é colocar nosso aluno “em contato com os diferentes usos sociais da linguagem, ou seja, as milhares de razões pelas quais se escreve: para não esquecer, transmitir instruções, contar uma história, divertir, emocionar, convencer, informar, vender” (CARDOSO, Beatriz, 1998: 45).
Você já parou para pensar nos textos que estão presentes na nossa sociedade? Quais aqueles que você utiliza constantemente? Quais aqueles que, independente da sua escolha, você se depara com eles?
Vejamos abaixo alguns desses textos que fazem parte da nossa cultura:
1 adivinhações
42 ilustrações
2 anúncio
43 imagem
3 artigo
44 índice
4 ata
45 lendas
5 aviso
46 lista
6 bilhete
47 mapa
7 bilhetes de passagens (trem, avião, ônibus)
48 monografia
8 biografia
49 música
9 bula
50 nota
10 capa de revista/ livro
51 notícia
11 cardápio
52 ofício
12 carta aberta
53 opinião
13 carta comercial
54 oração
14 carta do leitor
55 orelha de livro
15 carta pessoal
56 out-door
16 cartão
57 parlenda
17 Cartaz
58 piada
18 catálogo
59 placa
19 Chamada
60 poema
20 charge
61 problema matemático
21 cheque
62 programa (espetáculos, TV, cinema etc.)
22 classificado
63 propaganda
23 comentário
64 prospectos
24 comunicado
65 quadrinhos (histórias)
25 conta (restaurante, lojas, supermercados etc.)
66 receita (médica, culinária)
26 contrato
67 regras/ regulamento
27 crítica
68 relatório
28 crônica (narrativa)
69 reportagem
29 definições
70 resenha
30 depoimentos
71 resumo
31 documento
72 romance
32 encarte de jornal (propaganda)
73 rótulo
33 enciclopédia (descrições/definições)
74 símbolos
34 entrevista
75 sinopse
35 esquema
76 slogans
36 estatutos
77 tabela
37 extrato
78 texto de dramaturgia
38 folhetim
79 texto de manual
39 folhetos
80 texto científico
40 fotografia
81 verbete
41 gráfico
São apenas alguns...Provavelmente você deve ter lembrado de outros textos que não foram relacionados.
Você também deve estar se perguntando se todos estes textos deverão ser apresentados às crianças “analfabetas”. Responderemos que sim, mas advertimos que: se estamos falando dos textos em contextos sociais, logo, acreditamos que eles deverão ser apresentados às crianças em situações reais, ou seja, em situações em que haja necessidade de utilizá-los, escolhendo o tipo de texto que seja mais adequado. Mas vamos esperar essas situações surgirem na escola? Sim e não. Diremos que sim, pois alguns textos aparecem no cotidiano da escola e caberá ao professor apenas ressaltá-los, como os comunicados, avisos, bilhetes aos responsáveis, cardápio (merenda escolar), lista de preços (cantina da escola) etc. Que tal quando passar um comunicado avisando que o parquinho voltará a funcionar ou que a escola receberá uma visita, lê-lo para as crianças e, se possível, reproduzi-lo (individualmente e/ou no blocão) para que todos visualizem, possam retomar a leitura, analisar a organização do texto etc.? Diremos que não, pois alguns textos estão distantes do espaço escolar, mas deverão aparecer por meio dos projetos de trabalho que serão desenvolvidos com a turma. Mas será que todos estes projetos desenvolvidos na escola são situações sociais reais? Provavelmente não, pois o que caracteriza a ação pedagógica é a intencionalidade. Tudo que fazemos em sala de aula, por sermos professores, deve ter um objetivo claro e bem definido. Porém, os projetos que desenvolveremos deverão garantir a proximidade com as situações vivenciadas no cotidiano sociocultural.
Vejamos um exemplo: uma professora desenvolveu um projeto “SUPERMERCADO” com seus alunos, que tinha como objetivo montar um “mercadinho” na sala, como mais um canto diversificado. Ela levou a turma para visitar um supermercado, observando toda sua dinâmica de funcionamento. Entrevistaram o gerente, a caixa e o arrumador das prateleiras, viram a máquina de leitura óptica etc. As crianças trouxeram embalagens vazias de casa e finalmente montaram “Nova Esperança”, o mercadinho da turma. Este projeto, que teve a duração de quase um mês, oportunizou as crianças entrarem em contato com diferentes textos:
Listas (planejamento coletivo das atividades que iriam desenvolver até atingirem o objetivo de montar o supermercado, relação dos nomes indicados para o mercado, relação dos “produtos” já adquiridos, relação de compras que as crianças realizaram com a família etc.).
Rótulos das embalagens no supermercado e das trazidas pelas crianças.
Encartes do supermercado visitado e o elaborado por eles para o “mercado” da sala.
Entrevista elaboraram coletivamente e registraram, com a ajuda da professora, as perguntas que iriam fazer aos entrevistados e, quando retornaram, anotaram as respostas dadas.
Notas fiscais as crianças trouxeram de casa alguns cupons fiscais e analisaram o tipo de texto, em que há números e letras.
Convite elaboram um convite para a inauguração do mercado “Nova Esperança” e distribuíram para as pessoas da escola.
Cartaz com o preço das mercadorias e divulgando a inauguração.
Mapa a partir do mapa do bairro, identificaram o itinerário melhor para ir da escola ao supermercado. Depois fizeram um “mapa” do trajeto que realizaram da escola ao supermercado, destacando os pontos importantes do bairro.
Tabela - confeccionaram uma tabela para anotar o estoque do mercado.
Etiquetas com o nome e valor dos produtos.
Muitas atividades foram desenvolvidas e a professora aproveitou cada texto para trabalhar as suas características e também as questões linguísticas que estavam presentes. O projeto envolveu as famílias e uma das atividades foi as crianças elaborarem, junto com os pais, uma lista dos produtos que precisariam comprar e irem ao supermercado com eles. Os pais foram orientados a fazerem uma lista paralela e mandarem as duas para a escola.
Vejamos a lista produzida por uma menina de 6 anos.
Esta menina, que ainda não escreve alfabeticamente, possui muitos conhecimentos sobre este tipo de texto (lista): sabe a sua função (lembrar o que tem que comprar), sabe que se escreve apenas o nome do produto (não precisamos colocar a marca), sabe organizá-lo espacialmente no papel (um produto embaixo do outro), enfim sabe fazer uma lista dentro de um contexto real (função social).
Entendemos que para o professor oportunizar aos alunos o contato com os diferentes tipos de texto é fundamental que os conheça a partir da identificação de certos traços comuns entre eles.
Segundo Kaufman (1995), estabelecer uma classificação dos diferentes tipos de textos que circulam em um determinado ambiente social permite ajudar os professores a operar com os mesmos no ambiente escolar, para que toda ação pedagógica esteja voltada para levar o aluno a compreender como a língua está estruturada. Assim, a autora estabeleceu critérios de classificação de diferentes textos a partir de certas características linguísticas, levando em conta a função da linguagem e a trama (narrativa, argumentação, descrição e conversação) que neles predomina manifestando diferentes intenções do emissor. Abaixo elaboramos um quadro-síntese desta classificação a partir dos traços mais marcantes dos textos:
A classificação dos textos nos permite pensar na intenção do autor (quem escreve) e nos conhecimentos necessários que o leitor (quem lê) precisará disponibilizar para compreender o que está escrito (mensagem) em cada tipo de texto e na sua adequação para intenção de comunicação. Porém, não podemos esquecer que nenhum texto está totalmente engessado em uma única função, o que se pretende é identificar as características mais marcantes e destacar os traços linguísticos presentes.
Leia o texto abaixo e procure classificá-lo de acordo com a sua função:
Como você o classificou?
Por ser a receita de um bolo e estar diagramado como encontramos, geralmente, as receitas culinárias, você o classificou como instrucional, com função apelativa? Ou você o classificou como poesia, tendo função literária, visto que apresenta ritmo, versos e rimas?
Esta receita demonstra que um texto pode ser classificado de diferentes formas em função das suas características e da intenção do leitor. Se você o procurasse para fazer um bolo de milho, a sua função seria apelativa, você seguiria as instruções, passo a passo, para ter como resultado um bolo. Já se você o procurasse apenas pelo prazer da leitura, se deleitando com seu ritmo e rimas, ele teria a função literária.
O mesmo pode acontecer com uma determinada propaganda veiculada em um jornal. Pelas características básicas desse tipo de texto, sua função é apelativa, mas pode adquirir função informativa quando você vai busca-la para obter dados referentes a um produto específico.
O importante é que tenhamos claro que os textos possuem características distintas e que conhecê-las pode ajudar no processo de alfabetização.
Fonte: QUINO. Toda Mafalda- da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000
É fundamental também, que os alunos tenham contato com os diferentes suportes textuais que circulam na sociedade. Para isto, livros, revistas, jornais, enciclopédias, dicionários, atlas, encartes, computador (Internet) etc. devem ser (re)apresentados às crianças, destacando os diferentes tipos de textos que os compõe. Um jornal, por exemplo, é um suporte para vários textos: reportagens, entrevistas, artigos, classificados, receitas, charges, notícias, tabelas, gráficos, programas, quadrinhos...
Atualmente, a Internet constitui um grande suporte textual, onde podemos encontrar uma imensa variedade de textos e que mobiliza diferentes estratégias de leitura. Não lemos no computador da mesma forma que lemos em um livro ou jornal.
Rolamos a página, saltamos parágrafos, fazemos links, usamos ferramenta de pesquisa etc.
Já há algum tempo vivemos uma mudança qualitativa da concepção sobre o ler. Ler é uma atividade voluntária, inserida num projeto individual e/ou coletivo. Na diversidade de situações sociais com que se defronta, o leitor deve mobilizar estratégias adequadas, de acordo com sua intencionalidade no ler. Ironicamente, a única estratégia ensinada pela escola – a oralização da escrita – revela-se pouco eficaz em todas as situações de leitura do mundo contemporâneo (BARBOSA, 1990: 121).
Quando trabalhamos um texto, dentro do seu suporte real, estamos trazendo para a sala de aula as funções sociais que a escrita possui na nossa cultura. Isso faz parte do processo de alfabetização/letramento.
Mafalda sinaliza os equívocos que podem ser construídos quando não se trabalha a diversidade de textos, com suas funções e seus suportes. Os aprendizes precisam saber que lemos e escrevemos de forma diferente, de acordo com os nossos objetivos. Quando vamos ao dicionário buscar o significado de uma palavra ou a sua ortografia, não começamos a leitura na primeira página e continuamos pelas páginas seguintes até chegar à palavra que desejamos. Pulamos muitas páginas, abrimos direto na letra que queremos, saltamos as palavras e lemos apenas a palavra que nos interessa. É bem diferente da forma que lemos um romance.
Juvêncio Barbosa (1990: 121 - 122) categorizou as diferentes situações de leitura em nossa sociedade:
Leitura de informação: É a situação de comunicação que aparece cada vez que uma mensagem é visada a fim de completar uma lacuna no nosso conhecimento sobre aspectos da vida cotidiana. A atividade do leitor é essencialmente tomar conhecimento do conteúdo da mensagem, sem preocupação de registro duradouro da informação, com uma leitura rápida e precisa sem envolvimento afetivo pessoal.
Exemplos: Leitura de jornais, revistas, instruções diversas, coletas de dados para fins utilitários, normas, regimentos etc.
Leitura de consulta: Utilizamos todas as vezes que buscamos uma informação pontual num conjunto complexo de informações. É um tipo de leitura que exige uma exploração visual específica e seletiva, dissociada da compreensão global do texto.
Exemplos: Dicionários, anuários, enciclopédias, guias de endereços, catálogos etc.
Leitura para ação: É frequente e “mecânica”; antecede, orienta ou modifica um comportamento ou ação. Não exige, necessariamente, uma formulação mental, bastando que o leitor coordene leitura e ação.
Exemplos: Placas de sinalização, de orientação, de avisos, de instrução, cartazes de rua, receitas de culinária, regras de jogos, manuais técnicos de montagem etc.
Leitura de reflexão: É uma leitura mais densa, caracterizada por momentos de apreensão do conteúdo do texto e momentos de pausa na leitura para reflexão. A leitura é silenciosa, com retornos constantes para a retomada de ideias já desenvolvidas. É uma leitura de prestígio, relacionada ao trabalho intelectual.
Exemplos: Teses, monografias, ensaios, obras filosóficas, literárias etc. É o tipo de leitura que você deve estar fazendo deste material.
Leitura de distração: Oposta à leitura de reflexão ou de informação, o objetivo desta leitura é o relaxamento, lazer, a aventura, passar o tempo, o puro prazer. Coloca em jogo uma disponibilidade afetiva, emocional e encontra certa resistência, herdada da tradição escolar, por se tratar de uma leitura sem objetivos educacionais explícito. É uma leitura que exige do leitor um domínio perfeito do ato de ler; o leitor não deve despender esforço algum para a sua efetivação. É a leitura desinteressada.
Exemplos: Leitura de livros, revistas e publicações em salas de espera, nos percursos de viagens, leitura do best-seller do momento etc. Talvez o maior objetivo da escola seja formar leitores que utilizem cotidianamente a leitura de distração.
Leitura da linguagem poética: É aquela em que o leitor, além de visar ao conteúdo veiculado pelo texto, busca se deleitar com a sonoridade das palavras. Uma primeira leitura em silêncio permite ao leitor elaborar o conteúdo que orienta a entonação, ritmo e sonoridade. Não há pressa, cada palavra é “ruminada” para saborear a sua articulação com o texto como um todo.
Exemplos: Leitura dos sonetos, poemas, poesias etc.
Diante disso, Mafalda precisa compreender que não existe uma única forma de ler e que um tipo de leitura não é mais importante que o outro. O bom leitor é aquele que sabe utilizar os diferentes tipos de leitura, de acordo com seus objetivos, da mesma forma que o bom “escritor” (aquele que escreve) é quem sabe escolher o tipo de texto adequado à sua intenção.
Leia o livro Escola, Leitura e Produção de Textos, de Ana Maria Kaufman e Maria Helena Rodriguez, da editora Artes Médicas, 1995. Trata-se de uma publicação cuja leitura é imprescindível para todo professor que queira conhecer ou ampliar seus conhecimentos sobre como se organizam os diferentes textos e quais são suas peculiaridades gramaticais e discursivas. As autoras apresentam os textos classificados simultaneamente de acordo com sua função e trama predominante, além de exemplificar o trabalho com os textos, em salas de aula, por meio de projetos.
Leia o livro Didática de Português: Tijolo por Tijolo - Leitura e Produção Escrita, de Ana Tereza Naspolini, da editora FTD, 1996. Este livro tem como objetivo, segundo a autora, oferecer aos professores sugestões para a sua prática pedagógica e provocar reflexões sobre o trabalho com a diversidade textual.
Leio o livro Escrever e ler: como as crianças aprendem e como o professor pode ensiná-las a escrever e a ler, volume 1, de Luís Maruny Curto, Manbel Ministral Morillo e Manuel Miralles Leixidó, com tradução de Ernani Rosa, ArtMed, 2000. Este livro faz uma discussão teórica do que é ler e escrever a partir de um conjunto de sugestões de atividades tendo como ponto de partida diferentes tipos de textos. Para organizá-los, os autores estabeleceram uma classificação tendo como critério a finalidade da leitura e da escrita, que é diferente da apresentada aqui.
Leia o capítulo 9 do livro Alfabetização e Leitura, de José Juvêncio Barbosa, editora Cortêz. O autor apresenta uma rica discussão sobre A leitura da escrita hoje destacando aspectos necessários para se ler um texto que vão além das palavras impressas.
Quando a criança tem a possibilidade de participar ou mesmo observar situações em que a escrita e sua linguagem específica estão presentes, ela vive num ambiente alfabetizador. É preciso, no entanto, tomar cuidado com a expressão “ambiente alfabetizador”. Muita gente, com a melhor das intenções, confunde a ideia. Não basta encher a classe com coisas escritas nas paredes. É muito mais do que isso. Telma Weisz
Sempre que falamos sobre o trabalho de alfabetização na escola surge a questão: o que é um bom ambiente alfabetizador? Porém, essa resposta dependerá das concepções de aprendizagem e de como ocorre o processo de alfabetização que cada profissional tiver.
Para aqueles que acreditam que a aprendizagem ocorre por meio da repetição e que a alfabetização se dá apenas pela aquisição do processo de decodificação da língua, um bom ambiente alfabetizador será aquele que oferece a linguagem escrita de forma fragmentada, oportunizando decorar as letras e sílabas que formam as palavras. Nesta perspectiva, a sala de aula é o único ambiente alfabetizador e encontramos em seus murais e paredes as “famílias silábicas”, que são acrescidas de forma gradativa, de acordo com a ordem da apresentação da letra/fonema para as crianças, seguindo o critério do mais fácil (os chamados fonemas simples) para o mais difícil (os encontros consonantais e sílabas invertidas).
Já para aqueles que acreditam que a aprendizagem resulta da interação do sujeito com o objeto de conhecimento mediada por outros sujeitos, marcada pela cultura e pelo momento histórico, e que a alfabetização é um processo de construção conceitual, apoiado na reflexão sobre as características e funcionamento da escrita; um bom ambiente alfabetizador é qualquer espaço que ofereça contato com os textos que circulam em uma sociedade e que possibilitam reflexão sobre as regularidades da língua. Nesta visão, a sala de aula é mais um ambiente alfabetizador e não o único. A rua com suas placas, cartazes e outdoors, o supermercado com seus encartes, placas, notas fiscais e etiquetas, a farmácia com seus rótulos e embalagens dos diferentes produtos, a feira livre com suas placas e listas, as lojas, os hospitais, as igrejas, os clubes, as bibliotecas, as livrarias, museus, Enfim... tudo pode se constituir em um bom ambiente alfabetizador desde que oportunize a interação do aprendiz com os mais diversos tipos de texto. Interação significa ação mútua. Por isso, o aprendiz precisa mexer e ser mexido pelo texto. Não basta ter contato com o texto, ninguém aprende por osmose. Aprendizagem requer trabalho árduo, contínuo, reflexivo e, porque não, prazeroso.
Nesta perspectiva de que o espaço cultural pode se constituir em um ambiente alfabetizador, duas questões são colocadas para a prática pedagógica:
a) Como explorar os diversos ambientes alfabetizadores?
b) Como transformar a sala de aula em um bom ambiente alfabetizador?
Para a primeira questão podemos dizer que é ressaltando os textos existentes, transformando-os em material de estudo e pesquisa. O exemplo dado anteriormente com o projeto Supermercado evidencia como isso pode acontecer.
Para a segunda questão acreditamos que o professor é responsável pela organização do espaço e que este deve ser desafiador e fonte de pesquisa para os novos aprendizes, marcado pela cultura letrada, com livros, jornais, revistas, embalagens etc., textos digitais ou em papel, dos escritos que circulam socialmente. Tudo que está na sala de aula torna-se importante e só faz sentido se tiver sido trabalhado/explorado com os alunos. O princípio norteador de um bom ambiente alfabetizador é ele se constituir em um espaço de pesquisa para aqueles que estão se iniciando na descoberta da linguagem escrita. Sendo assim, um bom ambiente alfabetizador é aquele em que as crianças manuseiam os seus diversos tipos de textos, procurando sanar suas dúvidas, confirmar ou refutar suas hipóteses.
Vejamos um exemplo: uma professora de educação infantil estava desenvolvendo um projeto com sua turma, resgatando as cantigas e brincadeiras infantis. Após trabalhar/explorar com as crianças, a música “A canoa virou” , ela afixou o cartaz com a letra da música em uma das paredes. De vez em quando, alguma criança levantava e ia até o cartaz “lendo/ cantando” a música. Um dia, as crianças estavam fazendo uma lista de animais que conheciam, cada uma escrevendo do jeito que pensava sobre a escrita. Duas meninas que estavam no mesmo grupo conversavam sobre os animais que relacionavam. Uma pergunta para a outra: “Como se escreve [che] de peixe? ”. A outra pensa e responde: “É igual a peixinho” e vai direto ao cartaz da música e chama a colega. Elas cantam/leem a letra até que se deparam com a palavra “PEIXINHO”. Olham, passam o dedo embaixo da palavra e voltam para a mesa. A menina que fez a pergunta escreve / PXI / e começa a escrever o nome de outro animal.
Este exemplo demonstra que o texto afixado na parede não é um “objeto de decoração”. Ele faz parte de um ambiente alfabetizador, pois é um material de pesquisa para as crianças. Mas ele só pôde ter essa função, pois foi trabalhado com as crianças. Elas sabiam que ali, naquele texto, poderiam resolver uma dúvida, buscar uma informação. Gostaríamos de ressaltar, que a menina não copiou a palavra, pois o que ela queria era estabelecer uma relação sonora, já que estava utilizando uma letra para cada sílaba (era assim que pensava sobre a escrita). A sua dúvida não era sobre como se escrevia peixe, mas sim, como se grafava o som [chê].
Muitas vezes entramos em salas de aula e encontramos vários tipos de textos afixados nos murais e paredes, mas percebemos que eles não fazem parte de um ambiente alfabetizador, pois as crianças não os consultam. Eles deixam de ter a função de suporte de pesquisa para ficarem restritos à decoração do ambiente (e às vezes servindo apenas para poluição visual).
Ao se pensar na organização do espaço da sala de aula como ambiente alfabetizador, precisamos considerar alguns aspectos e materiais:
1- Organização das mesas, cadeiras ou carteiras:
Acreditando-se que a aprendizagem ocorre com a troca de informação entre os sujeitos e que o conhecimento prévio de cada aluno é fundamental para a construção do seu conhecimento e dos colegas, precisamos arrumar o espaço da sala de aula de forma que possa facilitar a troca entre os alunos. Entendemos que uma sala em que as cadeiras/carteiras ficam enfileiradas, com um aluno atrás do outro, pouco pode propiciar o intercâmbio de ideias. Sendo assim, arrumar as carteiras em grupos, não se trata de opção estética, mas sim de uma concepção de aprendizagem, que está refletida em uma proposta metodológica.
2- O alfabeto
Como já discutimos anteriormente, é fundamental que na sala de aula haja um alfabeto, que seja trabalhado com os alunos, para que entendam que são com estes 23 símbolos que poderão escrever os seus textos. Para que as crianças possam identificar cada letra, a opção pela letra maiúscula, do tipo “imprensa” têm se mostrado a mais eficaz.
O alfabeto pode ser confeccionado em qualquer material, mas é bom tomar cuidado com o tamanho e localização. É necessário que fique em um local de destaque para que possa ser visualizado por todos os alunos.
3- O alfabetário
Alfabetário consiste em um conjunto de cartazes com as letras do alfabeto (um cartaz para cada letra) que associa uma imagem à letra/som inicial da palavra. O objetivo é que as crianças comecem a pensar na relação letra/som da linguagem escrita. Por exemplo: ao construir um alfabetário de frutas, uma turma escolheu a pêra como representante da letra P. O cartaz abaixo poderia ser um exemplo da produção do grupo.
O importante é que o alfabetário seja construído coletivamente para que possa se constituir em material de pesquisa. Ele é uma produção particular, da turma, e só terá sentido para aquela turma. Uma imagem de telefone celular poderá ter significado e estabelecer relações diferente. Uma turma poderá escolher esta imagem para ilustrar a letra C, atribuindo à palavra celular. Já outra poderá ilustrar a letra T, atribuindo à palavra telefone. Na primeira turma, se uma criança desejar escrever cebola, por exemplo, poderá usar o cartaz como fonte de pesquisa, mas se esta criança associar a imagem à palavra telefone, pouco lhe ajudará. O alfabetário tem que ser “um combinado” com o grupo. Os alunos deverão escolher as imagens do alfabetários, pois elas deverão ser significativas para eles e não para o professor, que poderá ajuda-los quando tiverem Dificuldades de encontrar alguma imagem /objeto.
É necessário que se construa ao longo do tempo vários alfabetários que estarão substituindo ou permanecendo, durante algum tempo, com os anteriores. Pode-se montar alfabetário com os nomes dos alunos, de animais, objetos, alimentos, nome de países, de músicas, jogadores de futebol, rótulos etc. Quando não tiver uma palavra/ objeto correspondente à letra, é importante deixá-la em branco para que as crianças construam a ideia de sequência, relação todos e alguns etc.
4- Biblioteca
A biblioteca consiste em um acervo de livros diversos, revistas, jornais, periódicos, enciclopédias, dicionários e diferentes materiais impressos que estarão disponíveis para os alunos manusearem livremente, na sala de aula. O local escolhido para abrigar a “biblioteca” deve permitir o acesso fácil das crianças.
É necessário que o acervo seja bem diversificado, possuindo livros com textos curtos, longos e até sem textos. O importante é que mobilize o interesse das crianças. A leitura diária (que todo professor deve fazer) poderá ser deste acervo ou não.
Como a característica principal de um ambiente alfabetizador é ser fonte de pesquisa, é necessário também que os diferentes tipos de textos que compõem o acervo sejam trabalhados com os alunos para que eles saibam do que dispõem para as suas consultas. Não podemos esquecer que ler, por prazer, deve ser um dos objetivos da leitura. Por isso a biblioteca da sala de aula deve motivar os alunos a procurarem os livros pelo prazer de ter contato com eles.
5- Jogos
Os jogos começaram a ganhar espaço na sala de aula, quando os educadores, com a contribuição dos psicólogos, identificaram o desinteresse de muitos alunos pela escola, bem como Dificuldades na aprendizagem. Atribuíram a isso a Dificuldade da escola em ser prazerosa e lidar com o conhecimento de forma lúdica. Nas classes iniciais de alfabetização, em que havia e ainda há altos índices de reprovação, os jogos foram incorporados à prática do professor. Assim surgiram os bingos de letras, sílabas, palavras; os dominós de cores, animais, masculino/feminino, sílabas etc. que, embasados na concepção behaviorista, tratam a língua e os jogos de forma descontextualizadas. Você já viu na pracinha alguém jogando dominó de palavras? Provavelmente não, pois estas adaptações dos jogos só ganham espaço nos muros da escola.
Esse tipo de jogo adentrou o espaço da sala de aula e das casas das crianças (os familiares compram para elas, acreditando que estão contribuindo para a sua alfabetização) de tal forma, que a indústria de brinquedos passou a produzi-los. E o pior é que muitas crianças sequer conhecem um dominó ou bingo “de verdade”, ou seja, o jogo que foi criado há anos e que constitui um objeto da nossa cultura.
Você deve estar se perguntando se estes jogos não contribuem para um bom ambiente alfabetizador? Mais uma vez responderemos que vai depender da concepção que se tem de aprendizagem e de como ocorre a construção do processo de alfabetização. O que defendemos é que a prática pedagógica deve ser coerente com as crenças os princípios que a norteia (metodologia). Se acreditamos que a aprendizagem ocorre por meio da relação com a cultura, que estamos submetidos, logo devemos trazer para a sala de aula o nosso acervo cultural. Porque o bingo e o dominó não podem ser apresentados e jogados da mesma forma que nossos avós o jogam? Por que não trabalharmos os textos que fazem parte desses jogos?
Ao levar o dominó para sala de aula, por exemplo, vários registros (textos) poderão ocorrer:
a) Descrever o dominó, o que o caracteriza (como é? Todos são iguais? Há modelos diferentes? Qual o mais adequado para a nossa faixa etária? E com relação à cor/quantidade?), qual o seu objetivo, pesquisar a origem do dominó etc. – estaremos trabalhando com texto descritivo com função informativa.
b) Definir/registrar as regras do jogo, definindo questões de acordo com a faixa etária dos jogadores: o que acontecerá quando as pedras para comprar acabarem? O que acontecerá quando o jogo ficar “preso” etc. – estaremos produzindo um texto instrucional com função apelativa.
c) Poderemos construir uma tabela para anotar, em cada rodada quem ganhou o jogo. – Estaremos construindo um texto narrativo com função informativa.
Desta e de outras formas, não estaremos usando o jogo como pretexto para a “aprendizagem” da escrita, mas sim garantindo a sua função social e ressaltando a escrita (textos) que realmente faz parte do jogo.
Na nossa cultura temos muitos jogos que trabalham com a escrita, como a Forca, Adedanha, Detetive etc. e que vão ao encontro de uma proposta que valorize o contexto cultural.
Mas com certeza muitos jogos criados pelos professores podem desempenhar a função de pesquisa sobre a linguagem escrita e como tal compõem o ambiente alfabetizador. Manter ao alcance das crianças as famosas “letras móveis” com as quais eles podem mexer e ensaiar escritas, comparar grafias (xícara /chinelo, gelatina/ geladeira), substituir letras (Maria/ Mário), incluir letras (pato/prato), excluir letras (pinto/pito), enfim, brincar, usar e abusar da escrita.
Outros jogos interessantes são aqueles em que os alunos têm como desafio reconstruir os textos que aparecem desorganizados. As músicas, parlendas e travalínguas são textos pelo fato das crianças saberem de cor, mais adequados. Estes jogos permitem trabalhar com diferentes níveis de conhecimentos. Numa primeira etapa o desafio pode ser organizar as estrofes. Em outra etapa pode ser organizar os versos, com ou sem apoio do texto completo. Outro desafio pode ser reorganizar as palavras de um verso ou de alguns etc. O importante é garantir o trabalho com o texto, percebendo a sua unidade e organização.
Com certeza os jogos devem fazer parte de um ambiente alfabetizador, mas devem estar em consonância com a metodologia utilizada, que por sua vez é regida pelos princípios da concepção de aprendizagem do professor.
6- Murais
Os murais devem ser o espaço de valorização do trabalho da turma, seja das produções coletivas (textos coletivos) ou das produções individuais. É o local em que se dá visibilidade à produção dos pequenos (em tamanho) autores. É muito importante para a criança ter a sua autoria reconhecida. Ver o seu trabalho exposto. Além disso, o mural também é mais uma fonte de pesquisa para a criança desde que ela saiba o que há nele. Daí a importância de antes de afixar qualquer trabalho do aluno solicitar que fale sobre ele, explicando a sua ideia, revelando a sua escrita. Para muitas crianças, isso não é uma tarefa fácil, mas com o desenvolvimento do respeito mútuo, elas vão ficando seguras e conseguem relatar. Ao mesmo tempo em que falam, elaboram o seu pensamento e podem até corrigir seus trabalhos. Para aquelas que ouvem, também acrescentam outro ponto de vista às suas reflexões e, posteriormente, o material afixado vira fonte de consulta.
Os murais devem ser renovados periodicamente, para garantirem o interesse dos alunos e apresentarem novas questões linguísticas que podem contribuir para o aprendizado de todos.
Temos nos deparado com muitas salas de aula em que os murais são enfeitados com personagens das histórias infantis, ficam belíssimos, mas não contribuem para um ambiente alfabetizador. Caberá ao professor fazer a sua opção e, principalmente, perceber o quanto são belas as produções daqueles que estão se iniciando no mundo da escrita.
Finalizando, queremos ratificar que pensar na sala de aula como um ambiente alfabetizador significa repensar nas nossas crenças sobre o processo de aprendizagem.
Até aqui fomos construindo com você alguns princípios que fundamentam o trabalho de alfabetização a partir dos textos que circulam na sociedade, tais como:
· A escrita é um sistema de representação e não um código para transcrever a fala.
· A aprendizagem ocorre por meio da interação do sujeito com o objeto do conhecimento (neste caso a linguagem escrita) mediado por outros sujeitos (cultura).
· Os conhecimentos prévios são importantes para aquisição de novos conhecimentos.
· A escola não é o único lugar em que ocorre aprendizagem.
· As crianças chegam à escola com muitos conhecimentos sobre a linguagem escrita.
· A prática pedagógica está marcada pela concepção do professor de como ocorre o processo de aprendizagem.
· A aquisição da leitura e da escrita são processos distintos que podem ocorrer simultaneamente.
· Ler não é decodificar, é atribuir significado ao texto.
· Alfabetização não se restringe a aquisição de uma técnica de escrita, mas sim, desenvolver a capacidade de usar a linguagem escrita em práticas sociais de leitura.
· Os diferentes gêneros textuais requerem diferentes estratégias de leitura/escrita.
· A intencionalidade do leitor é determinante para a situação de leitura que será vivenciada.
Todos estes princípios fundamentam as reflexões que faremos sobre a alfabetização com textos.
Quando discutimos uma proposta de aquisição da língua escrita a partir de textos, muitos alegam que nós fomos alfabetizados por meio de um trabalho baseado no treino de sílabas, na repetição de palavras e frases soltas, muitas vezes descontextualizadas, e que hoje sabemos ler e escrever. Diante deste argumento, uma questão se faz presente: Por que hoje não conseguimos alfabetizar todos os alunos com o mesmo procedimento?
Sabemos que construímos conhecimento estabelecendo relações entre fatos, informações, observações, conhecimentos anteriores. Relações estas que estão pautadas nas experiências que vivemos nos diferentes espaços sociais (escola, família, clube, igreja, rua etc.), que nos possibilita significar o “novo” conhecimento.
Manolito nos faz refletir sobre uma questão importante: a diferença entre informações e conhecimento. Ao responder a professora, ele repete uma informação recebida em seu contexto social, por meio dos ditos populares, porém ele demonstra não conhecer as propriedades da multiplicação, não atribuindo nenhum significado à informação recebida.
Podemos afirmar que Manolito tem a informação, mas não construiu conhecimento. Logo, podemos concluir que nem toda a informação se constitui em conhecimento. Essa conclusão é primordial para a prática pedagógica. As informações oferecidas aos alunos só se constituirão em conhecimento se forem significadas por eles, por meio de seus conhecimentos anteriores.
Fonte: QUINO. Toda Mafalda - da primeira à última tira. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Se pensarmos na forma em que a nossa sociedade se apresentava há algumas décadas em relação à circulação de textos, fica claro que pelo fato de não termos contato com tantas propagandas, outdoors, placas, rótulos (pois a maioria dos produtos era vendida a granel), limitava-se às reflexões que fazíamos sobre a língua antes de entrarmos na escola e iniciarmos o “trabalho de alfabetização” propriamente dito. As informações que recebíamos na escola eram praticamente as únicas que tínhamos sobre a língua. Tudo fazia sentido, pois não confrontávamos com nenhuma hipótese formulada anteriormente no espaço cultural.
Atualmente a circulação de textos é intensa. Sabemos que desde muito cedo as crianças já estabelecem relações/reflexões sobre o material impresso que têm acesso e acreditamos que por isso, muitas “informações” dadas na escola, de forma artificial e fragmentada sobre a linguagem escrita, não favorecem a atribuição de significado. É como se existissem duas línguas: a da vida (placas, rótulos, avisos, documentos etc.) e da escola (sílabas, palavras, textos artificiais).
Agora leia o texto abaixo:
Você conseguiu ler o texto? O que você sentiu ao chegar ao final do texto e ter compreendido a mensagem? Os seus conhecimentos prévios sobre situações que ocorrem na praia, construção de castelos de areia e sobre castelos, ajudaram a dar significado ao texto? Os conhecimentos que você possui sobre a organização da língua portuguesa ajudaram na leitura deste texto? Você leu sílaba por sílaba ou fez a leitura completa das palavras? Você leu alguma palavra que com a continuidade da leitura, teve que retornar, pois havia lido “errado” e o texto ficou sem sentido? Você pulou alguma palavra? Isso impediu que você compreendesse o texto? Você teve Dificuldade para ler alguma palavra e quando leu a palavra seguinte a entendeu? Você identificou a palavra anterior (4R314) no texto? Foi mais fácil lê-la no texto ou isolada?
Você precisou decifrar o código, estabelecendo uma relação direta fonema/grafema para ler o texto?
Tente agora escrever o seu nome utilizando este código.
O que aconteceu? Qual foi a estratégia que você usou? Como você estabeleceu a relação som/ “letra”? Você buscou a relação com a letra inicial das palavras? Ou com as sílabas? As estratégias que você utilizou para ler foram sufi cientes para escrever? Foi mais fácil ler ou escrever?
As suas respostas revelam os processos de leitura e escrita vivenciados por você e que pode ser muito semelhante aos dos alunos que estão se iniciando no processo de compreensão de como a linguagem escrita está estruturada. Demonstra também como ler e escrever são processos distintos, porém interligados. Essas reflexões deverão estar sempre presentes na prática pedagógica. Lembre-se do que você experimentou!!
Uma concepção mais contemporânea define leitura como um ato de atribuição de significado a um texto escrito. Leitura é uma relação que se estabelece entre leitor e o texto escrito, relação na qual o leitor, através de algumas estratégias básicas, reconstrói um significado do texto no ato de ler (BARBOSA, 1990: 118).
Por tudo isto que apontamos até este momento, é que acreditamos na importância do trabalho com os textos que circulam na sociedade (rótulos, logomarcas, embalagens, documentos, reportagens, poesias etc.). Não basta apenas levar os textos para a sala de aula, pois eles por si só não garantem a aprendizagem da leitura e da escrita. Eles favorecem as construções conceituais, a partir dos conhecimentos que os alunos trazem, para refletirem sobre as questões linguísticas que ainda precisam construir. Os textos precisam ser trabalhados, ou seja, explorado em todos os seus aspectos (social, cultural e linguístico). Requer esforço de todos (alunos e professores) e planejamento do professor para, de acordo com as necessidades de sua turma, selecionar os aspectos, linguísticos ou não, que precisam ser abordados.
Barbosa (1990) diz que para ler, o leitor deve mobilizar três habilidades indissociáveis: a verificação, a antecipação e a identificação.
A antecipação é a habilidade de prever o sentido do texto a partir de informações não-visuais (não provêm da leitura específica daquele texto, mas da estrutura cognitiva do leitor), que podem tornar a leitura mais fácil, tais como: “a experiência com textos escritos anteriores, as experiências de vida do leitor, a disponibilidade para arriscar uma hipótese sobre o significado do texto e o conhecimento prévio dos suportes materiais da escrita”. Por exemplo: a organização espacial de um texto com título, estrofes e versos já me fazem antecipar que é uma poesia e a acionar todos os conhecimentos que tenho sobre este tipo de texto e, por conseguinte, a fazer a leitura de forma diferente de um texto científico.
Se o assunto é pouco familiar para o leitor, a leitura se torna lenta, dificultando a compreensão. Isto ocorre porque o leitor tem de buscar no texto que está lendo grande número de informações, acumulando tal volume de dados (visuais) que esbarra nos limites da capacidade da sua memória. Portanto, quanto menor a informação não-visual, maior a quantidade de informações visuais que o leitor deve buscar no texto.
Na leitura que você realizou sobre “as crianças e os castelos de areia” você utilizou muito as informações não-visuais.
A verificação permite o leitor “certificar-se, através do sistema estruturado de palavras que compõem um texto escrito, sobre a antecipação do sentido que foi por ele previsto”. Necessita das informações visuais que são capturadas no texto pelo leitor.
Na identificação o leitor busca a informação nova, confirmando ou reestruturando as hipóteses previamente intuídas.
Eis, portanto, um princípio do êxito na leitura: o leitor deve se apoiar muito mais nas informações não visuais, de sua estrutura cognitiva, do que nas informações visuais, grafadas no texto específico. E é esse princípio que as crianças devem aprender a dominar (...) Portanto, é lendo que a criança aprende a ler. É através da experiência que a criança desenvolve a capacidade de mobilizar aquelas estratégias básicas para o ato da leitura: verificação, antecipação e identificação.
As afirmações de Juvêncio Barbosa (1990) ratificam que os aspectos linguísticos (que são importantes) não podem ser o fim do trabalho do professor alfabetizador. Entendemos que ele é consequência do trabalho de exploração/investigação/pesquisa que realizamos com o texto. Mas, afinal, o que é texto?
Podemos simplificar a resposta dizendo que o texto representa uma ideia, pensamento, sentimentos, que é uma produção cultural fundada na linguagem (escrita ou não). Nesta perspectiva tanto uma palavra, frase ou até uma imagem pode se constituir em um texto. Quando encontramos uma seta apontando para a direita, lemos que devemos seguir pela direita para chegar onde desejamos. Logo podemos entender que a imagem da seta é um texto. Da mesma forma que um artista ao pintar um quadro que será significado por alguém, está produzindo um texto.
O nome da criança, geralmente, representa um texto muito significativo para ela, pois está carregado de emoção, sentimentos, dando-lhe identidade e servindo como parâmetro para as suas descobertas linguísticas e criação de hipóteses. Por isso o nome acaba sendo um dos primeiros textos a ser utilizado, quando queremos sistematizar a aquisição da leitura e da escrita.
Oferecer cartões com o nome de cada criança e explorá-lo é um bom início de trabalho. Por que a criança tem esse nome? Quem escolheu? O que significa o nome? Por que as pessoas possuem um nome? Será que elas conhecem outra pessoa com o mesmo nome? E o sobrenome, o que significa? Elas já viram os seus nomes escritos em outros lugares? Quais? Já viram o nome de outras pessoas escrito em outros lugares? Quais? (nome dos autores nos livros etc.). As questões linguísticas também devem ser exploradas: O nome começa/termina com qual letra? Há nomes, na turma, que comecem com a mesma letra? Há nomes semelhantes? (Roberto/Roberta, Fernando/Fernanda, Cristina/Cristiane etc.) Em que são iguais? Em que são diferentes? Há nomes que possuem letras que não fazem parte do nosso alfabeto (K, Y, W)? Enfim, são muitas as possibilidades do trabalho com esse tipo de texto. Os objetivos do professor e as necessidades dos alunos é que determinarão quais as atividades mais adequadas em um determinado momento.
Um outro tipo de texto muito significativo para as crianças são os rótulos dos produtos consumidos por elas. Compreendendo que ler é atribuir significado, os rótulos deverão ser trazidos pelas crianças ou pelo professor, após investigação do que os alunos consomem e conhecem. Os produtos adquiridos por uma família não são, necessariamente, adquiridos por outras. Não estamos dizendo que o universo do aluno tenha que ser limitado, apenas ressaltando que dependendo do objetivo (neste caso, a sistematização da linguagem escrita) os rótulos mais familiares serão os mais adequados, pois possibilitarão acionar diferentes estratégias de leitura.
Vejamos um exemplo:
Ao apresentar este rótulo em uma turma é provável que todos leiam NESCAU. O que será que contribui para que deem significado a este rótulo, lhe conferindo a função de texto?
Vamos tentar identificar as informações (visuais ou não-visuais) que podem r auxiliar este ato de leitura:
· O “design” da embalagem;
· A relação do nome (marca) com um produto achocolatado e seu uso social: colocar no leite, fazer bolo, brigadeiro etc.;
· O local em que encontramos este produto: supermercado, padaria etc.;
· Os conhecimentos prévios que o aluno possui sobre este gênero textual (rótulos);
· Identificação da forma da escrita da palavra (diagramação/perfil).
É importante que o aluno tenha oportunidade de expressar o seu pensamento, dizendo o que facilitou a sua leitura. A linguagem oral também possibilita comunicar ideias, pensamentos, intenções diversas, influenciar o outro e estabelecer relações interpessoais, além de apresentar e respeitar as variedades linguísticas.
Não basta deixar que falem, é preciso que as situações orais representem situações comunicativas, significativas e que propiciem identificar as diferenças no grau de formalidade (não falamos com uma pessoa desconhecida ou com o presidente, da mesma forma que falamos com o nosso colega)
Como temos por objetivo a sistematização da linguagem escrita, precisamos propiciar também reflexões sobre as questões linguísticas que o texto propicia:
· Identificar no rótulo onde há texto com letras e onde há textos com números.
· Criar hipóteses para as escritas com letras (modo de preparo, nome do fabricante, endereço eletrônico etc.) e para as com números (peso, telefone, código de barra, valores nutricionais etc.).
· Identificar a letra inicial e final da palavra NESCAU.
· Observar a quantidade, sequência e variedade de letras que a palavra possui. Há letras repetidas?
· Comparar com os nomes dos colegas da turma. Há algum nome que comece igual a NESCAU?
· Comparar com outros textos que estão na sala.
· Comparar com outras embalagens (Neston, Neve, Neutrox etc.) √
· Pesquisar uma receita que leve Nescau identificando a palavra no texto etc.
São muitas as possibilidades de trabalho com os rótulos. A criatividade, os conhecimentos técnicos e dos alunos de cada turma são os fatores que permearão as atividades planejadas.
Você pode estar achando que estamos sendo incoerentes ao defender o trabalho com textos e apresentarmos, até agora, análise de palavras isoladas (nome e rótulo). Nomes e rótulos são textos (representam uma ideia), que são compostos por uma única palavra e fazem parte do contexto cultural dos alunos. Existem palavras que em um contexto específico são textos e que em outros são apenas palavras. Quando vemos a palavra NESCAU em um rótulo ela tem uma representação (texto) diferente de quando a vemos escrita em uma receita culinária (é apenas uma palavra). Volte à mensagem das crianças construindo castelos de areia e perceba a diferença entre a palavra isolada (não texto) e um texto.
Uma proposta de alfabetização com textos deve possibilitar ao aluno inferir, processar, estabelecer relações e refletir sobre as regularidades e as diferentes possibilidades da língua escrita.
Alguns gêneros textuais – como a literatura infantil, por exemplo – já conseguiram entrar na sala de aula mesmo que como pretexto para trabalhar algum conteúdo ou para “preencher o tempo vago”. Porém, existem outros que ainda são marginalizados, talvez pelo desconhecimento do professor nas possibilidades de reflexões que possibilitam. Os documentos históricos ou não (carteira de identidade, CPF, título de eleitor, certidões, dossiês etc.) são exemplos de escritos que ficam longe da escola. Talvez por serem considerados sérios demais para as crianças manusearem. Mas as crianças que estão imersas na sua cultura sabem da existência deles e possuem uma certidão nascimento.
Este tipo de texto possibilita explorar, dentre tantas coisas, após a leitura cuidadosa realizada pela professora com os alunos:
· Onde podemos encontrar este tipo de texto?
· Quem escreve este texto?
· Qual a sua função?
· Em que situações ele pode ser útil?
· Qual a situação em que o aluno usou ou viu alguém usando a certidão de nascimento?
· Quem é o leitor para esse tipo de texto?
· Onde encontramos o nome do documento?
· A quem pertence o documento?
· Quando Sthephany nasceu?
· Em que cidade ela nasceu?
· Quem são os seus pais? E avós paternos? E os maternos?
· Em qual Estado ela nasceu?
· Localizar no texto as informações: nome, filiação, data do nascimento, data do registro, nome do escrivão etc.
· Que outro documento identifica um sujeito?
· Analisar a sua própria certidão de nascimento (cópia xerografada), buscando as informações possíveis (as crianças adoram usar canetas marca-texto).
Trabalhar com documentos pessoais implica ter cuidados para não entrar em questões particulares das famílias. Por isso, é recomendado que antes de solicitar que tragam suas certidões, o professor converse com os responsáveis apresentando os seus objetivos e caso perceba que pode causar algum constrangimento às crianças, construa com eles as suas certidões conforme o modelo abaixo.
Após a análise das suas certidões de nascimento (se for possível), uma boa proposta é a criança preencher o modelo acima copiando as informações do seu documento.
Utilizar as informações coletadas ajuda o aluno a descobrir uma das funções dos documentos: fonte de pesquisa e informação. Que tal confeccionarem uma carteira de identidade? Quais as informações da certidão de nascimento que serão úteis para o preenchimento da Carteira de Identidade? Quais são irrelevantes?
Fonte: PREFEITURA. Ensinar pra Valer. Módulo 1. Rio de Janeiro, 2002.
Para que serve a carteira de identidade?
Além da função social e da localização de informações (escrita), estes textos permitem trabalhar os aspectos notacionais da língua que possibilitarão refletir sobre sua estrutura e organização. Retome a leitura do início desta unidade, Saberes Necessários para ler e escrever, e veja que as necessidades da turma determinarão: o que é palavra? O que é sílaba? Relações fonemas/grafemas. O significado dos espaços em branco? etc.
Os conhecimentos técnicos do professor darão a dosagem das atividades.
Não se pode abordar tantas questões em um único dia. O trabalho exemplificado aqui com os documentos de identidade consumirá, no mínimo, uma semana de trabalho. Só quem conhece os alunos poderá planejar as atividades diárias, respeitando os níveis de conhecimento e as necessidades para avançarem no seus processos de conhecimento.
É importante que na hora de planejar uma atividade com texto o professor pense em questões relativas às marcas espaciais, ao formato, às características e função do texto, ao conteúdo, aos aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos.
Vejamos a poesia abaixo:
Convite
José Paulo Paes
Poesia é brincar com as palavras como se brinca com bola, papagaio, pião
Só que
bola, papagaio, pião de tanto brincar se gastam.
As palavras não:
quanto mais se brinca com elas mais novas ficam.
Como a água do rio que é água sempre nova.
Como cada dia
Que é sempre um novo dia.
Vamos brincar de poesia?
Fonte: PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1998.
1 - Marcas espaciais, /formato/ características formais
• Onde encontramos o título?
• Como podemos saber quem escreveu a poesia?
• O que nos faz identificar que esse texto é uma poesia? (estrofes, versos, espaços em branco, silhueta)
2 - A função do texto
• Qual será que foi a intenção do autor ao escrever este texto?
• Para você, para que serve esse tipo de texto?
• Quando se usa este tipo de texto?
• Este texto é semelhante a outros afixados na sala?
• Quais? Quais são as semelhanças?
3 - O conteúdo
• O que o texto transmite para você?
• Sobre o que “fala” o texto?
• Que tipo de comparação o autor estabelece?
• O autor compara as palavras com que?
• Qual é o convite que o autor nos faz?
4 - Aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos
• Essa poesia apresenta rimas?
• Há palavras repetidas? Quais?
• Há palavras semelhantes? (NOVO/NOVA, NOVA/NOVAS)
• Qual a diferença entre elas?
• Quais as palavras que começam com a mesma letra? Elas têm o mesmo som?
• Há alguma palavra que comece com a letra do seu nome?
• No texto, qual a palavra que rima com POESIA?
• O que significa papagaio neste texto? É um animal? Qual o sinônimo de papagaio? Que tal pesquisar os diferentes nomes que a pipa tem nas diferentes regiões?(pipa/papagaio/ pandorga/arraia/cafifa/raia etc.).
• O que significa “rio” nesta poesia? Esta palavra tem outros significados?
• Há palavras que possuem outras palavras dentro delas? (PAPAGAIO = PAPA/ PAGA/PAIO). Elas possuem o mesmo significado?
• Compare as palavras PIÃO / GASTAM / NÃO / FICAM? Elas rimam? Por quê? O que elas possuem de igual? O som [ão] é grafado da mesma forma?
O trabalho com textos oportuniza todas as crianças, mesmo em diferentes níveis de conhecimento, a trabalharem juntas e possibilita também que o professor trabalhe diversificadamente, atendendo as questões específicas dos alunos ao propor reflexões que os farão avançar em suas hipóteses. As crianças que ainda não conseguem fazer a leitura convencional, vão aprendendo a estrutura do texto, sua forma de organização e fazendo previsões acerca das regularidades da língua.
Na alfabetização a partir de textos, um dos princípios metodológicos é a produção de textos espontâneos pelos alunos. Você viu ao longo desse material várias produções infantis. Ao escreverem a partir das reflexões que fazem sobre a língua, as crianças vão procurando compreender suas regras (regularidades) e, enquanto não consolidam o seu processo de alfabetização, cometem erros induzidas pelos usos ortográficos que o próprio sistema de escrita tem e por traços da oralidade.
Cagliari (1996) realizou uma pesquisa, analisando a produção de crianças no processo inicial de alfabetização, em diferentes cidades (regiões nordeste e sudeste), com diferentes propostas metodológicas e detectou que as produções das crianças que foram iniciadas no processo de escrita, de forma tradicional (letras, sílabas) apresentavam, além dos problemas ortográficos, sérios problemas de estrutura, muito mais graves do que as que foram iniciadas pelos textos espontâneos.
Vejamos dois exemplos dados pelo autor. Com os conhecimentos que você já construiu até aqui, qual deles pode ser considerado um texto? Qual deles realmente comunica uma ideia?
TEXTO 1
A pata nada no lago.
A patinhas nada mina.
O cachorrinhas chama lulu O cacho foi pego pela a carrocinhas.
A galinha botou o ovos.
O cachorrinhos está no lago iai o loboma pegou..
TEXTO 2
O sapo voador o sapo vai a o ispaso lã ele ve o sol e posa ni um praneta CH Amado marte ele ve um mostro ele fala socoro o vocao come co a sai lava o motro so otoo o sapo o sapo foi para o fogete quando ele CH egou na terra ele foi ce um soldado
Fonte: CAGLIARI, Luiz Carlos. Alfabetização e linguística. São Paulo: Scipione, 1996, p.132 e 135.
O que você achou? Qual deles está mais de acordo com um texto narrativo? Em qual deles há uma história com apresentação do enredo (início), desenrolar da história (meio) e fechamento (fi m)?
O texto 1 é a produção de uma criança que foi iniciada pelos métodos tradicionais. Já o texto 2 é de uma criança iniciada pela produção espontânea. Você percebeu a diferença? Sem dúvida, o texto 2, apesar de todos os problemas ortográficos, apresenta as características de um texto, com título, narrativa coerente e encadeada.
O fato de desconhecermos o trabalho do professor, realizado com as crianças cotidianamente, nos impede de fazer uma análise mais aprofundada destes textos. Mas podemos afirmar que as duas crianças necessitam de uma boa intervenção pedagógica. No caso da primeira, além das questões ortográficas, ela necessita aprender as estruturas dos textos e resgatar a sua imaginação. Tarefa nada fácil para o professor que tem a concepção de que a aprendizagem da escrita se dá de forma fragmentada, por meio das “famílias silábicas” (ba-be-bi-bo-bu), e nem para o aluno, que aprendeu que só pode escrever aquilo que foi “ensinado”. Porém é possível! Cabe ao bom professor mudar o rumo do seu trabalho quando percebe que os alunos não estão construindo os conhecimentos necessários.
Um outro aspecto muito interessante da pesquisa foi perceber que muitos erros cometidos pelos alunos eram recorrentes nas diferentes cidades e que muitos deles eram causados pelas próprias possibilidades de organização da língua escrita.
A seguir, você verá um quadro que sintetiza os erros mais frequentes encontrados por Cagliari em sua pesquisa:
Muitos destes erros só podem ser categorizados se conhecermos bem os alunos, seu ambiente sociocultural e ouvirmos as suas falas. Por exemplo, para saber se um erro é modificação da estrutura segmental da palavra ou forma morfológica diferente, só se soubermos como as crianças falam.
Cagliari (1996) concluiu em sua pesquisa que as crianças tinham pouca Dificuldade com a segmentação e o reconhecimento das formas das palavras, revelavam um uso sintático muito bom, não apresentavam, geralmente, um uso estranho de letras e acentuavam, em determinadas ocasiões, as palavras de forma correta.
É fácil ver que há muito mais acertos do que erros, nos textos. Desta comparação fica claro que os erros não são Dificuldades insuperáveis ou falta de capacidade das crianças e nem os acertos são obra do acaso. Tudo pertence a um processo de aprendizagem da escrita e revela a reflexão que o aluno põe na sua tarefa e na forma de interpretar o fenômeno que estuda (CAGLIARI, op. cit.: 145).
O mais importante na pesquisa realizada por Cagliari foi comprovar que os erros cometidos pelos alunos não acontecem por acaso. Eles são resultados de suas reflexões sobre como se escreve. Muitos erros independem do dialeto falado pelas crianças, é a própria estrutura da língua que induz.
Vejamos um exemplo de produção de texto de uma criança carioca de 6 anos.
Revista Escola e Escrita. nº. 1. Belo Horizonte, 1999.
Apesar de Fábio usar letras em suas escritas, ele ainda precisa construir a base alfabética do sistema de escrita. Para isso é necessário que seja oportunizado:
⇒ Leitura compartilhada de bons textos, apontando as palavras que estão sendo lidas.
⇒ Atividades que levem à consciência sonora:
• Trabalho com rimas (poesia, músicas, parlendas, adivinhas etc.)
• Escrita com letras móveis.
• Análise de palavras significativas e contextualizadas, identificando as letras, sua sequência e quantidade.
⇒ Atividades com modelos estáveis:40
• Nomes próprios
• Rótulos
• Folhetos de propaganda
• Título de histórias e outros textos
⇒ Produção coletiva de textos: Os alunos criam o texto e o professor desempenha o papel de escriba.
⇒ Leitura de textos memorizados: Vejamos como uma boa intervenção pedagógica pode
• Músicas ►fazer as crianças avançarem. Observe a produção abaixo.
• Parlendas ►Ela é de uma menina de 6 anos, que foi submetida a um
• Travalínguas► trabalho de escrita com atividades que priorizavam as questões apresentadas anteriormente. A escrita superior
⇒ Atividades de leitura que envolvam imagens e foi realizada em fevereiro, como diagnóstico do que ela sinais, além da escrita. jA escrita inferior foi realizada por ela em maio, quando a professora lhe devolveu o trabalho e pediu para que ela rescrevesse.
Ela não só passou a escrever alfabeticamente, como já escreve de forma ortográfica. Isso não aconteceu por acaso. Foi resultado de um trabalho com objetivos bem definidos, que a fez refletir sobre a escrita.
Mas e as crianças que já escrevem alfabeticamente?
Para as que apresentam “erros” de transcrição fonética, hipercorreção, modificação da estrutura segmental das palavras, forma morfológica diferente, e até problemas sintáticos, faz-se necessário:
⇒ Atividades que levem à percepção de que a escrita não representa a fala:
• Escrita de pequenos textos de memória (músicas, parlendas, travalínguas, reprodução de placas).
• Atividades com rimas
• Escrita de pequenos textos (listas, bilhetes, recados, trechos de histórias, definições etc.)
⇒ Leitura de diferentes textos, por alunos e professor.
⇒ Produção coletiva de texto
⇒ Revisão e reescritura, coletiva e individual, dos textos.
A seguir você verá a produção escrita de uma criança de 6 anos, que após algumas reflexões coletivas sobre questões linguísticas, reescreve o seu texto.
1ª VERSÃO (produção espontânea, sem nenhuma intervenção):
2ª VERSÃO (produção revisada, após intervenção da professora, que propôs para a turma algumas reflexões sobre a linguagem escrita):
Observe como a criança foi capaz de corrigir alguns de seus “erros”. Você deve estar se perguntando: Por que ela não corrige todos? Porque as informações recebidas e as reflexões elaboradas por ela ainda não são sufi cientes para desestabilizar todas as hipóteses que tem sobre como se escreve. As crianças aprendem em ritmos próprios, apoiadas nas estruturas mentais construídas. Não adianta submete-las à reflexões que estão muito além das suas necessidades e possibilidades de compreensão. Por isso, um bom professor é aquele que faz uma análise cuidadosa das produções de seus alunos, identificando questões que serão priorizadas no planejamento das atividades.
Os erros de juntura intervocabular e segmentação ocorrem porque as crianças não percebem, na oralidade, as pausas que representam o término de uma palavra, bem como o que representa os espaços em branco na escrita (determinam o significado da palavra). Por isso é importante que as crianças vivenciem:
⇒ Atividades que trabalhem o conceito de palavras, tais como:
• Elaboração de listas
• Criação de nome de produtos (marcas)
• Confecção de etiquetas
• Jogos: forca, adedanha etc.
⇒ Atividades que as levem a refletir sobre o significado dos espaços em branco no texto escrito:
• Marcar os espaços em branco entre as palavras, fazendo uma análise do que representam.
• Fazer escrita de textos memorizados (parlendas, pequenas músicas, versinhos etc.) em espaços pré-determinados.
Veja a atividade proposta por uma professora para que seus alunos “corrigissem” os seus “erros” de segmentação e junção intervocabular, ou seja, compreendessem os significados de palavra e dos espaços em branco.
A partir de uma pequena música memorizada e trabalhada com as crianças, elas teriam que escrever uma palavra em cada traço determinado no papel. Esta atividade faz as crianças pensarem sobre cada palavra que escrevem e no intervalo entre elas.
Para a “correção” do uso indevido de letras, acentos gráficos e uso de letras maiúscula e minúscula, é necessário que o aluno construa as regras ortográficas. Estamos falando em construção, pelo aluno, e não em memorização a partir da informação dada pelo professor. Não adianta dizer para ele que antes de P e B, usamos a letra M. Esta informação pouco ou nada adiantará no momento em que ele estiver escrevendo. O fundamental é que ele vá construindo as regras a partir das suas observações e reflexões sobre os textos escritos. Para isto é preciso:
⇒ Leitura de diferentes tipos de textos ⇒ Construção das regras ortográficas:
• Por hipóteses contextuais (mp/mb, r/rr, s/ss, g/gu, c/qu, acentos gráficos, uso da letra maiúscula).
Por exemplo: ao lerem um texto, escolhido pelo professor de acordo com os seus objetivos, os alunos são solicitados a grifarem as palavras que possuem sílabas nasalizadas com M ou N, ou seja, as sílabas terminam em M ou N. Após a marcação, solicitar que façam a leitura de todas as palavras com M, depois todas as com N. Solicite que identifiquem as letras que estão antes do M e do N (encontrarão as vogais). Questione se há diferença nas letras que encontraram. Depois peça para que verifiquem as letras que estão depois do M e do N, na outra sílaba. Quais as letras que estão depois do M? E do N? O que descobriram?
Podemos dizer que neste momento os alunos estão construindo uma regra ortográfica.
• Por memorização (g/j, ch/x, e/i, o/u/l, s/z/x, s/ss/ç/c/sc e acentuação nasal m/n/~)
Nestes casos não há regras ortográficas que expliquem a grafia das palavras, apenas a origem delas, no latim, grego, podem explicar, mas torna-se um conhecimento além das necessidades dos alunos. Por isso, é importante a memorização pela leitura de textos diversos e consulta ao dicionário. As palavras desta categoria, que são frequentemente grafadas erradas pelas crianças podem ser afixadas em um mural, durante certo tempo, para que possam consultá-las. Depois que já estiverem com a grafia consolidada, sairão para dar lugar a novas palavras.
É a leitura frequente de bons textos que proporcionará a aquisição da grafia correta destas palavras. Quantas vezes temos dúvida na grafia de uma palavra, escrevemos algumas possibilidades de sua escrita e descobrimos a correta, pela memória visual (já a vimos escrita em diversos textos)?
As questões relacionadas aos sinais de pontuação, geralmente não são priorizadas no processo inicial da aprendizagem da escrita, por requererem uma compreensão maior de como a escrita está organizada. O importante é que o aluno perceba que a pontuação dá sentido ao texto. Ela não é “pausa para respirar” como nos disseram. Uma vírgula pode mudar completamente o significado de um texto ou a classe gramatical de uma palavra.
Veja a poesia abaixo. Observe como a palavra verão muda de classe gramatical em função da pontuação. Ora ela é substantivo (estação do ano), ora ela é verbo (ver).
Por isso, as reflexões sobre os sinais de pontuação precisam ser no sentido de identificarem o que eles representam no texto (conclusão de uma ideia, separação de objetos enumerados, indicativo da fala de um personagem, um questionamento etc.). Quando as crianças começam a compreender o significado dos sinais de pontuação, elas começam a usá-los em seus textos. É um processo gradual, que exige tempo para ser aprimorado. Nem os adultos sabem usar, de forma adequada, todos os sinais de pontuação. O que dizer do ponto-e-vírgula?
A leitura de bons textos e a remontagem de pequenos textos, que são entregues desmontados (palavras e sinais de pontuação separados), podem ajudar na construção do significado da pontuação.
Os problemas com a forma de traçar as letras são quase inexistentes quando o trabalho é iniciado com a letra maiúscula, do tipo imprensa, e posteriormente as crianças passam a escrever com a letra cursiva. Quando elas estão avançadas no seu processo de aprendizagem da escrita, elas sabem da importância da comunicação do texto e o quanto a forma de grafar contribui para isso. A passagem para letra cursiva acontece de forma gradual, propondo às crianças a observarem alguns escritos com letra cursiva e a reescreverem algum de seus textos, de forma semelhante. Mas caso alguma criança apresente Dificuldades, o importante é mostrar para ela um alfabeto com letras cursivas. O uso do computador pode ajudar bastante. Com ele é possível transformar a fonte de um texto, identificando o traçado das letras.
Você deve ter percebido que um mesmo tipo de atividade (leitura de textos, trabalho com rimas, escrita de textos memorizados etc.) contribui para a construção de vários elementos da linguagem escrita, dependendo do objetivo que temos. Por isso defendemos que um mesmo texto (ou uma atividade) possa ser trabalhado coletivamente e também atendendo as necessidades específicas dos alunos.
Cabe ressaltar que muitos erros ocorrem na produção espontânea (adultos e crianças, alfabetizados ou em processo de alfabetização) porque quando estamos escrevendo, a nossa atenção está focada nas ideias que queremos expor e não nas questões linguísticas. Por isso é que qualquer texto deve ter algumas versões. Na primeira não nos preocupamos com a forma da escrita, apenas com o que queremos comunicar; na segunda, geralmente, nos preocupamos com o aprimoramento das ideias, na terceira e demais, nos preocupamos com forma do texto (questões ortográficas e estéticas). Na medida em que vamos nos tornando escritores experientes, reduzimos a quantidade de revisões, porém ficamos mais exigentes com a qualidade dos nossos textos.
Devemos ter como meta, que os nossos alunos se transformem em verdadeiros revisores de textos, conseguindo debruçar-se nas suas produções, melhorando-as, corrigindo as questões ortográficas, com o objetivo de comunicar as suas ideias, pensamentos e sentimentos.
Porém, para que isso ocorra, é necessário um bom trabalho do professor e boas propostas de reescritura.
Vejamos a seguir uma proposta de revisão de texto, elaborada por uma professora para a sua turma.
É importante que saibamos o momento correto de intervir no texto dos alunos. Quando eles ainda estão descobrindo que podem escrever usando letras ou que podem escrever o que pensam, vencendo a inibição, não é o momento de fazer correções específicas nos textos. Mas isso não quer dizer que tenhamos que ficar de braços cruzados aguardando o momento correto. Devemos trazer as questões percebidas, de forma sutil, para serem trabalhadas no coletivo da turma. O bom professor é aquele que não espera acontecer, cria situações para que os avanços dos alunos aconteçam.
Tudo isto que discutimos aqui “frequenta” os espaços acadêmicos e de formação continuada dos professores, há pelo menos duas décadas. Apesar disto, ainda não virou realidade em muitas salas de aula. Talvez porque os professores não consigam romper com a sua formação e tenham medo do ousar, pois ainda não acreditam que é possível.
A seguir apresentaremos três exemplos de evolução da escrita de pessoas bem distintas, que tiveram professores que orientavam o seu trabalho de alfabetização a partir de textos e que, acima de tudo, acreditavam nas suas capacidades de aprender. O primeiro exemplo é de Priscila, 7 anos, uma aluna do 1º ano do ciclo inicial, de uma escola estadual. O segundo exemplo é de Wesley, 10 anos, com histórico de paralisia cerebral, aluno da AACD (Associação de Amparo à Criança Defeituosa). O terceiro é de Geraldina, descendente de índios, 17 anos, aluna da Classe de Alfabetização de Jovens e Adultos em uma escola estadual. Observe o ano em que o trabalho foi realizado.
Fonte: BRASIL. Parâmetros em Ação – Alfabetização. Brasília: MEC, 2000.
Você pôde observar que todos evoluíram muito em pouco tempo. Resultado de boas intervenções pedagógicas, de professores pioneiros, comprometidos com seus alunos.
Atualmente temos, praticamente, todas as crianças na escola, mas não temos conseguido ensina-las a ler e escrever de forma competente. Muitos são os fatores que geram o fracasso escolar, mas com certeza a concepção de aprendizagem do professor, refletida no seu trabalho, contribui muito.
Finalizando...
Estamos chegando ao final de um trabalho. Esperamos ter dialogado com você, contribuindo para suas reflexões e formação de um bom profissional, pesquisador e consciente da sua função social.
Com certeza não esgotamos tudo que precisa ser conhecido quando estamos desenvolvendo um processo de alfabetização com crianças, jovens ou adultos, pois, além dos saberes que você possui e construiu com as outras disciplinas, são os aprendizes que nos desafiam a buscar os conhecimentos necessários para o trabalho com eles. Mas destacamos pontos essenciais que compõe o desafio de “alfabetizar letrando”:
• A escrita deve ser apresentada para os aprendizes em sua função social.
• Todos os textos que circulam na sociedade são materiais para aprender a escrever.
• A escrita não é uma representação direta da fala.
• Leitura e escrita são processos distintos e interligados.
• Usamos estratégias diferentes para a leitura, de acordo com o tipo de texto e o nosso objetivo.
• Os textos servem para expressar ideias, sentimentos, emoções etc. e de acordo com a nossa intenção escolheremos o tipo de texto mais adequado.
• Os aspectos linguísticos são importantes, mas a alfabetização não pode tê-los como fim.
• As crianças só aprendem a ler, lendo. E a escrever, escrevendo.
• Os conhecimentos que as crianças já trazem sobre a escrita e o mundo deve ser o ponto de partida para o trabalho pedagógico.
• Para poder ajudar os alunos a avançarem nos seus conhecimentos sobre a linguagem escrita, o professor deve conhecer os “saberes necessários para ler e escrever”, que passam por compreender como a língua portuguesa está estruturada e a função dos textos na sociedade.
• O trabalho com texto envolve a reflexão sobre questões relativas às marcas espaciais, ao formato, às características e função do texto, ao conteúdo, aos aspectos fonéticos, sintáticos e semânticos.
• Acreditar que todos os alunos são capazes de aprender, faz com que o professor faça intervenções pedagógicas adequadas.
• Para formarmos bons leitores é imprescindível que haja, na sala de aula, situações de leitura pelo simples prazer da leitura, sem pretexto para aprendizagem de conteúdos pedagógicos.
• Os erros revelam as hipóteses que os aprendizes têm sobre a escrita e muitos são decorrentes do próprio sistema de escrita.
• O professor deve elaborar boas estratégias de intervenção para que os alunos possam aprimorar suas escritas.
• O aluno deve aprender a revisar seus textos, tornando-o mais claro e comunicativo.
Agora você precisa continuar estudando, pesquisando sobre como os sujeitos aprendem e as possibilidades de transformação da prática pedagógica. Você pode fazer a diferença! Pois como nos lembra o educador Darcy Ribeiro:
Uma coisa é um menino ou menina que fala a língua letrada, lê, escreve. Tem uma cara já modificada, não tem uma postura humilhada e ofendida de um analfabeto, cuida não só do seu corpo, mas também de seu espírito.
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