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Bioética Animal e Meioambiental

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Unidade 2. Bioética 
Animal e Meioambiental 
 
Prof. Agustín Hernández López 
 
Bioética 
 
 
Bioética Animal e Meioambiental1 
Unidade 2 
 
Sumário 
Prefácio 
► 1. Bioética da Experimentação com Animais 
• 1.1 Uso de Animais 
• 1.1.1 Razões para o Uso de Animais 
• 1.1.2 Consideração por Animais 
• 1.1.3 Senciência 
• 1.2 Justificativas Éticas do Uso de Animais 
• 1.2.1 A Deontologia Kantiana e os Animais 
• 1.2.2 O Contrato Social como Justificativa 
• 1.3 Legislação e Diretivas 
• 1.3.1 Ética na Prática com Animais 
• 1.4 Modificação Genética de Animais 
• 1.5 Invertebrados: A Fronteira 
► 2. Bioética Não Animal e Meio Ambiental 
• 2.1 Desextinção de Espécies 
• 2.1.1 Razões e sofrimento na desextinção 
• 2.1.2. Em favor da desextinção 
• 2.2 Plantas Modificadas Geneticamente 
• 2.2.1 PMGs e Ética 
• 2.2.2 Debates sobre as PMGs 
• 2.3 Microrganismos, Genética e Biotecnologia 
• 2.4 Ética e Produção Agropecuária 
• 2.5 Ética e o Meio Ambiente 
• 2.5.1 Valores Humanos e Meio Ambiente 
• 2.5.2 Valores Não Humanos e Meio Ambiente 
• 2.5.3 Outras Visões Ecologistas 
• Bibliografia de consulta 
 
 
 
1 Agustín Hernández López. Professor Visitante Estrangeiro. Bioquímico. PhD pela U. Bristol (RU da GB). 
 
 
 
Prefácio2 
 
O aluno encontrará nas páginas seguintes um condensado das ideias e dos conceitos 
mais importantes relacionados à ética do uso de animais como sujeitos experimentais e à 
ética meio ambiental. Acredito que estas notas serão suficientes para dar uma ideia geral; 
porém, por sua brevidade, não será suficiente para entender em profundidade os temas 
aqui tratados. Por isso, é importante que o aluno leia caprichosamente as fontes que se 
enumeram na bibliografia, tanto as principais quanto as classificadas como complementares. 
Assim, este módulo tem como objetivo oferecer informações e orientações sobre a 
bioética atual, e o aluno deve ter em conta que este campo está em rápida e contínua 
evolução e, em alguns aspectos, está sujeito a interpretações pessoais. 
 
 
 
 
 
 
2 Prof. Agustín Hernández (agustin.hernandez@ufscar.br). Setembro 2019. 
mailto:agustin.hernandez@ufscar.br
 
 
►1. Bioética da Experimentação com Animais 
Figura 1. Belka (branquinha/esquilo) e Strelka (setinha) formaram parte da tripulação experimental a bordo do 
Vostok-1 (1958) e estão entre os primeiros seres vivos enviados ao espaço que voltaram com vida. 
 
Fonte: Russian Post, Publishing and Trade Centre "Marka" (ИТЦ «Марка»). The design of the stamp by O. 
Yakovleva. / Public domain 
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/03/Belka_%26_Strelka_50_Years_Flight_Stump.jpg 
 
 
 
 
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/0/03/Belka_%26_Strelka_50_Years_Flight_Stump.jpg
 
 
1.1 Uso de Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O uso de animais para benefício dos humanos é tão antigo que não temos certeza de 
quando aconteceu na pré-história nem qual foi o primeiro. As teorias mais aceitas 
atualmente propõem o cão como nosso primeiro companheiro já no pleistoceno, uns 30 mil 
anos atrás. Depois viriam as cabras, as ovelhas, as galinhas e o gado bovino. A maioria desses 
animais foi criada para, no tempo certo, ser abatida e usada como fonte de carne ou, em 
geral, de produtos úteisi. Em outras palavras, desde antes dos inícios da civilização, criamos, 
usamos e matamos animais. 
O uso de animais para obter conhecimento é também bem antigo. Os gregos 
utilizaram animais para compreender como funcionam os órgãos e sistemas fisiológicos. 
Durante os séculos seguintes, os experimentos com animais, mesmo que não tenham sido 
especialmente usuais, continuaram com os romanos e árabes. Porém, junto ao advento do 
renascimento, as vivissecções com o intuito de expandir os conhecimentos biomédicos 
tornaram-se muito mais frequentes e ainda foram cada vez mais praticadas durante os 
séculos seguintes até se tornarem uma prática habitual nos ensinos de medicina. Deve-se ter 
em conta que a Igreja Católica não permitia a dissecação de cadáveres humanosii,iii. 
No momento presente podemos afirmar que, embora as quantidades exatas sejam 
desconhecidas, estamos usando mais animais em pesquisa que em qualquer momento no 
passado. Contudo, anualmente, a proporção de animais utilizados em pesquisa é apenas de 
0,2% de todos os animais sacrificados pelos humanos. Por outro lado, a utilização de animais 
em experimentação resulta em uma preocupação bem maior que a criação e o abatimento 
para comida. Uma das razões disso está no sofrimento infligido que associamos à prática 
científica. Isso não é novo; já nos séculos XVIII e XIX espantava a vivissecção sem anestesia 
de animais nos teatros médicosiv, v. 
Professor Coelho: “Agora sem frescura! O 
princípio da ciência livre demanda que eu faça a 
vivissecção deste humano pela saúde do mundo 
animal todo”. 
“Die Vivisektion des Menschen”. Litografia 
colorida publicada em Lustige Blatter. Berlim, c. 
1910. 
Texto e imagem: 
Wellcome Collection, Creative Commons 
https://wellcomecollection.org/works/xm8wtp
m4. 
Attribution 4.0 International (CC BY 4.0) 
Figura 2 – Human vivisection. Wellcome Collection. 
https://wellcomecollection.org/works/xm8wtpm4
https://wellcomecollection.org/works/xm8wtpm4
 
 
1.1.1 Razões para o Uso de Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
Na atualidade, existem ainda grupos que se chamam de “antivivissecção”, embora 
essa prática esteja praticamente abandonada. A utilização de animais para uso alimentar e 
industrial é bem conhecida por todos. Porém, quais são os usos dos animais em pesquisa 
hoje? Se assumirmos o Reino Unido como um indicador do que acontece em outros países, 
35% dos animais em experimentação são utilizados em pesquisas básicas que podem ou não 
envolver modificações genéticas, 21% são utilizados em testes de drogas e procedimentos 
médicos ou veterinários, apenas 1% é utilizado em diagnóstico e os 43% restantes são 
animais que são mantidos em programas de criação para manter as colônias de mutantes ou 
as cepas determinadas. Na maioria dos casos (77,5%) os animais escolhidos são roedores, 
apenas 2% são primatas, gatos, cães, porcos ou outros mamíferos, e os 20,5% restantes 
seriam animais não mamíferos (anfíbios, aves, répteis e peixes, principalmente); porém, esta 
última porcentagem muito provavelmente não tem em conta animais inferiores, como 
Caenorhabditis elegans. A utilização realizada em universidades e centros públicos de 
pesquisa é majoritariamente relacionada à pesquisa básica, enquanto que em empresas 
farmacêuticas e CROs (Contract Research Organisations) se usam para teste de efetividade 
de drogas e toxicidade, respectivamente. Outros lugares onde fazem uso amplo de animais 
são os hospitais (novamente com relação à pesquisa) e laboratórios governamentais 
(toxicologia)vi. 
A outra questão é por que são usados os animais. Entre as razões estão o fato de não 
podemos fazer experimentos com humanos e o de que os animais são um bom modelo para 
entender a fisiologia animal, em geral, e a humana, em particular. Assim, acredita-se que a 
maioria dos grandes avanços na medicina nos últimos séculos vem de experimentos 
realizados em animais. Argumenta-se também que não existem alternativas neste momento 
que ofereçam um nível similar de confiabilidade, e, por outro lado, deixar de utilizar animais 
induziria a estagnação da ciência e um prejuízo sobre a saúde das gerações futurasvii. 
People for the Ethical Treatment of Animals (PETA) 
é uma organização criada em 1980 que promove “a 
total liberação dos animais“ e o veganismo. 
Em opinião da PETA: “Os animais não são nossos 
para experimentar, comer, vestir, serem usados 
para nos entreter ou abusados de qualquer jeito”. 
Sua posição frente à experimentação com animais 
é de rejeição total. Argumentam que os testes com 
animais não são nem necessários nem úteis e que 
existem alternativas válidas para todos osprocedimentos realizados em pesquisa. 
https://www.peta.org/ 
 
Figura 3 – Logotipo da People for the 
Ethical Treatment of Animals. 
Fonte: https://www.peta.org/ 
https://www.peta.org/
https://www.peta.org/
 
 
1.1.2 Consideração por Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os animais não possuem a capacidade de comunicação de conceitos complexos (pelo 
menos não com os humanos!), o que, junto à incapacidade de nossa parte de entender os 
processos cerebrais/mentais deles e a uma etologia diferente, fazem com que nós, os 
humanos, consideremos que os animais não possuem inteligência e que possuem um nível 
de senciência bem menor que o nosso. Por outro lado, de forma um tanto contraditória, 
colocamos neles sentimentos, capacidades e intencionalidades plenamente humanas, como 
acontece com nossos animais de estimação: consideramos que cães e gatos, principalmente, 
mas também cavalos e até alguns répteis, nos amam, comunicam seus desejos e até, em 
ocasiões, desaprovam nossas ações. Essa “humanidade” nos animais correlaciona-se à 
similaridade física com os humanos (os primatas são os mais “humanos”), ao contato e ao 
nível de domesticação (cães mais do que os lobos), ao tamanho (equídeos mais do que 
roedores), entre outras variáveis mais ou menos subjetivasviii, ix. 
A percepção da animalidade tem mudado bastante na história. Se considerarmos as religiões 
como fontes indiciárias corretas para o passado (de qualquer modo, são pontos de partida 
para as percepções atuais), tanto a Bíblia quanto o Alcorão colocam o ser humano como 
dono e senhor da criação e com direito absoluto à utilização de seus recursos, incluindo os 
animais, para seu próprio benefício. As culturas orientais, ainda que possuam uma maior 
tendência para a compaixão com animais, não consideram tradicionalmente que os animais 
sejam mais do que o equivalente a uma ferramenta ou alimento para os humanos. 
Descartes, como exemplo no século XVII, considerava que os animais não tinham capacidade 
de sentir (senciência). Essa visão foi se modificando, paralelamente a outras mudanças sobre 
a percepção humana que já mencionamos muito brevemente na unidade anterior, durante 
os séculos XVIII, XIX e XX. Assim, já em 1791, John Lawrence, na Inglaterra, solicitou o 
reconhecimento de direitos para os animais (neste caso, os cavalos). Contudo, o 
desenvolvimento de uma sensibilidade para com os animais realmente tomou força na 
segunda metade do século XXx. 
Arthur Schopenhauer, máximo representante do pessimismo filosófico, é 
uma grande influência no pensamento atual. Ele via os animais como 
frutos da mesma “vontade” ou força que os humanos. 
 
“[B]ecause suffering increases along with the increase in the 
clarity of consciousness, the pain that animals suffer in death or 
work is not as great as that which humans suffer by doing without 
meat or animal power. This is why people can affirm their 
existence to the point of negating the existence of an animal, and 
the will to live as a whole suffers less than if we acted the other 
way around. This also determines the extent to which people can 
make use of animals without doing wrong (WWR 1:440n)”. 
Puryear, S. (2017) Schopenhauer on the Rights of Animals. Eur. J. 
Philosophy 25:250. 
Figura 4 – Arthur Schopenhauer em 
1859. Fotografado por J. Schäfer 
Fonte: Domínio Público. 
https://commons.wikimedia.org/
wiki/File:Arthur_Schopenhauer_b
y_J_Sch%C3%A4fer,_1859b.jpg 
 
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arthur_Schopenhauer_by_J_Sch%C3%A4fer,_1859b.jpg
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arthur_Schopenhauer_by_J_Sch%C3%A4fer,_1859b.jpg
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Arthur_Schopenhauer_by_J_Sch%C3%A4fer,_1859b.jpg
 
 
1.1.3 Senciência 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Na atualidade, não consideramos que os animais sejam simples robôs que, de forma 
automática, respondem aos estímulos. Achamos que muitos deles têm capacidades, como o 
aprendizado, o uso de ferramentas e a comunicação, as quais, embora não cheguem aos 
níveis das que os humanos possuem, são substantivas. Contudo, também não consideramos 
que todos os animais sejam iguais. Acreditamos, por exemplo, que os insetos são realmente 
quase pequenos robôs, incapazes de sentir ou de racionalizar. Julgamos que isto está 
relacionado ao fato de que o sistema nervoso desses animais é constituído por gânglios 
simples interconectados formando uma linha ventral. Outros animais possuem sistemas 
nervosos que variam em complexidade. É a complexidade no sistema nervoso que usamos 
para supor as capacidades cerebrais/mentais de cada espécie. Nesse sentido, a senciência 
define-se como a capacidade de um ser vivo de sentir e experimentar sensações subjetivas, 
como medo, dor, angústia, alegria, entre outras. Apenas os animais sencientes poderiam 
sofrer, e o grau de sofrimento dependeria do grau de senciência da espécie. O sofrimento 
deve ser entendido como dor, mas também como ansiedade, pânico ou inquietação, por 
exemplo. Dessa maneira, consideramos que os roedores ou as aves, com cérebros 
relativamente mais simples, são menos sencientes que os golfinhos ou os cães. Essa 
aproximação, por outro lado, pode ser imperfeita, já que a complexidade nos sistemas 
nervosos apenas é comparável entre espécies relacionadas. Assim, considera-se que o polvo, 
capaz de mostrar medo e aprender, possui um cérebro simples, em parte por falta de 
homologia com os cérebros de vertebradosxi,xii,xiii. 
É importante dizer aqui que o valor moral que atualmente damos aos animais 
correlaciona-se ao seu presumível grau de senciência, de modo que consideramos mais 
valioso um gato que uma rãxiv. 
O problema de conhecer como outro ser vivo experimenta 
sensações subjetivas é imenso. Um exemplo ilustrativo é a 
dor. No hospital pediátrico onde trabalhavam em 
Oklahoma (EUA), a Dra. D. Wong e a enfermeira C. M. 
Baker idealizaram um método para que as crianças na 
unidade de queimados pudessem explicar o nível da dor 
que sentiam e poder medicá-los corretamente. Fizeram 
para isso uma escala com carinhas para as quais a criança 
apontava. O sistema foi um sucesso e agora é utilizado 
amplamente no mundo todo. 
 
História da classificação da dor com carinhas e imagem: 
https://wongbakerfaces.org/us/wong-baker-faces-history/ 
Figura 5 – Um esboço feito por C. M. 
Baker na beira da cama de uma criança. 
Fonte: 
https://wongbakerfaces.org/us/wong-
baker-faces-history/ 
https://wongbakerfaces.org/us/wong-baker-faces-history/
https://wongbakerfaces.org/us/wong-baker-faces-history/
https://wongbakerfaces.org/us/wong-baker-faces-history/
 
 
1.2 Justificativas Éticas do Uso de Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Do ponto de vista da ética, a experimentação com animais não precisa se justificar se 
os animais não possuem valor moral. Isto era a situação no passado, quando se considerava 
que os animais eram autômatos que estavam na terra apenas para nos servir. Na atualidade, 
no entanto, julgamos que os animais têm algum valor moral, mesmo que menor que o dos 
humanos. Em outras palavras, a vida de um animal tem valor per se. É por isso que existem 
várias formas para justificar o uso de animais em experimentação que formam o substrato 
moral, mais ou menos consciente, de todos os pesquisadores. Estas se acham presentes 
também nas diferentes instâncias em que existe debate ou nas quais precisamos expressar 
essa justificativa, como é o caso das leis ou das diretrizes das comissões de ética de nossas 
instituições de pesquisaxv. 
De todas as escolas de pensamento, provavelmente, o utilitarismo é invocado com 
mais frequência. Segundo o utilitarismo, existem coisas, estados e situações que podemos 
considerar bons ou desejáveis; outros, pelo contrário, seriam ruins ou indesejáveis. As ações 
corretas são aquelas que produzem, no balanço, mais bem que mal. Assim, considera-se que 
a experimentação com animais produz mais benfazeres (por exemplo,avanços em terapias 
que ajudam humanos) que o prejuízo causado pelo sofrimento e sacrifício dos animais. 
Deve-se ter em conta que este razoamento depende do valor que damos à vida dos animais 
e ao benefício humano e de quanto benefício e prejuízo causamos. Assim, pode estar 
justificado um experimento para testar uma vacina contra o ebola utilizando 25 
camundongos, mas poderia não ser justificável utilizar mil primatas para testar o possível 
“Peter Singer: Speciesism is an attitude of bias against a 
being because of the species to which it belongs. 
Typically, humans show speciesism when they give less 
weight to the interests of nonhuman animals than they 
give to the similar interests of human beings.” 
Peter Singer: On Racism, Animal Rights and Human 
Rights 
By George Yancy and Peter Singer. New York Times, May 
27, 2015. 
https://opinionator.blogs.nytimes.com/2015/05/27/peter-singer-
on-speciesism-and-racism/ 
 
O especiesismo é uma forma de discriminação, similar ao 
racismo ou sexismo, que filósofos defensores dos direitos 
dos animais acreditam que nós, humanos, praticamos 
contra outras espécies animais. 
Figura 6 – Peter Singer 
Fonte: 
https://www.utilitarianism.com/pe
ter-singer.html 
https://opinionator.blogs.nytimes.com/2015/05/27/peter-singer-on-speciesism-and-racism/
https://opinionator.blogs.nytimes.com/2015/05/27/peter-singer-on-speciesism-and-racism/
https://www.utilitarianism.com/peter-singer.html
https://www.utilitarianism.com/peter-singer.html
 
 
caráter irritante de um composto de um sabonete. Além disso, em caso de existirem duas 
alternativas experimentais, só estaria justificada aquela que causasse o menor prejuízo. 
Finalmente, a justificação do experimento não abrange o abusoxvi. 
 
 
 
1.2.1 A Deontologia Kantiana e os Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Como é claro, no utilitarismo não entra o conceito de “direito”; apenas fizemos uma 
avaliação de benefícios contra prejuízos. Isso implica que, se os benefícios fossem maiores 
que os prejuízos, a experimentação sobre humanos estaria igualmente justificada, 
independentemente de seu consentimento. A deontologia, iniciada por Immanuel Kant no 
século XVIII, faz uma aproximação diferente: os animais são pacientes morais. Isto é, eles 
têm direitos, sim, mas não todos, porque não são moralmente responsáveis, como os 
humanos comuns são. Desse modo, pode-se entender que os direitos dos animais são 
menores, mais restritos, que os dos humanos comuns; igualmente, aqueles humanos que 
consideramos incapazes de decidir por si mesmos são também pacientes morais. Essa 
diferença em direitos faz com que esteja justificado o uso de animais em experimentação. 
Além disso, segundo essa escola de pensamento, a linha divisória entre os animais com 
direitos e aqueles sem, seria a senciência. Animais não sencientes não teriam significância 
moral e, portanto, não possuem direitosxvii,xviii. Porém, é muito difícil saber o que pode sentir 
um animal, de forma que outros pensadores colocam a fronteira que os divide nos 
vertebrados, achando que outros animais não são capazes de aprendizado e senciência. 
Contudo, como falamos antes, há o caso dos polvos...xix,xx,xxi. 
Por outro lado, fica a pergunta de quantos direitos a menos são precisos para que o 
uso de um ser vivo em experimentação esteja justificado? Os humanos que não são 
responsáveis morais (crianças, doentes mentais etc.) podem ser usados em 
experimentação? Como os direitos são conferidos aos diferentes animais?xxii,xxiii. 
“The moral status of different beings 
[…] Within the current debate, we can identify three general 
positions, as follows. 
• [T]here is a categorical moral dividing line between humans 
and animals. Human beings have a moral importance that 
animals lack. This we can call the clear-line view 
• [T]here is not so much a clear dividing line as a continuum or 
moral sliding scale, correlated, perhaps, with a biological 
sliding scale of neurological complexity 
• [B]iological classification is not by itself sufficient to support 
claims about a categorical moral distinction between human 
and non-human animals.” 
Texto e imagem disponível em: 
https://www.nuffieldbioethics.org/assets/pdfs/The-ethics-of-
research-involving-animals-full-report.pdf 
Trecho retirado de: The Ethics of 
Research Involving Animals. The 
Nuffield Council on Bioethics. 
2005. Chapter 3 – Ethical issues 
raised by animal research. 
Figura 7 – The Nuffield Council 
of Bioethics é uma referência 
mundial em ética do uso dos 
animais em experimentação 
 
 
1.2.2 O Contrato Social como Justificativa 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A escola do contrato social estabelece, nas palavras de James Rachelxxiv, que “a 
moralidade consiste num conjunto de regras para governar como as pessoas devem tratar 
outras pessoas, as quais as pessoas racionais concordam em aceitar para o benefício mútuo 
e com a condição de que os outros seguirão essas mesmas regras”. Os animais não podem 
concordar com essas regras e, portanto, são deixados de fora da moral e da capacidade de 
serem credores de direitos. Por outro lado, dentro das regras que nós, humanos, damos 
para nós mesmos, estabelecemos que alguns animais têm alguns direitos. Esse contrato 
social atual é que estabelece que está justificado usar animais em experimentação. Nesse 
sentido pode ser muito útil saber qual a opinião da população sobre esse ponto, já que as 
regras que nos damos dependem de nossas opiniões. Em pesquisas feitas no Reino Unido, 
país considerado pró-animais, a proporção favorável ao uso oscilava entre 55% e 60%. 
Porém, deve-se ter em conta que a maneira com que são feitas as perguntas influencia 
grandemente o resultado. Assim, quando na pergunta era incluída uma referência à 
medicina, a porcentagem de respostas favoráveis aumentava claramente, enquanto que, se 
a referência era ao sofrimento animal, a porcentagem caía. Por tudo isso, deve-se ter em 
mente que a justificação pode mudar em pouco tempo, sem a necessidade de aparição de 
novas escolas de pensamentoxxv,xxvi. 
 
“If the government were to suddenly decide to 
remove everyone’s pet dogs from their homes, 
there would be a societal outcry that would 
likely be accompanied by violence [...] 
So, if contractualists are concerned with 
preventing societal chaos, why should dogs 
not have full moral standing under their 
system?” 
Swanson, Jennifer (2011) “Contractualism and the 
Moral Status of Animals”, Between the Species 14(1), 
Article 1. 
Between the Species is a peer-reviewed 
electronic journal devoted to the 
philosophical examination of the 
relationship between human beings and 
other animals. 
 
Figura 8 – Logo da revista de filosofía 
Between the Species 
Fonte: 
https://digitalcommons.calpoly.edu/bts/ 
 
https://digitalcommons.calpoly.edu/bts/
 
 
1.3 Legislação e Diretivas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A preocupação pelo bem-estar animal tem-se traduzido em leis nos diferentes países. 
Porém, nem todos iniciaram esse caminho ao mesmo tempo. Assim, na Inglaterra, a Cruelty 
to Animals Act foi proclamada em 1876 e incluía que os animais utilizados em 
experimentação científica deveriam ser anestesiados, se envolvesse sofrimento ou feridas 
deveriam ser abatidos ao final dos experimentos e, mais importante, que só deviam ser 
utilizados animais se houvesse uma necessidade real de conhecimento. Por outro lado, os 
EUA decretaram sua primeira lei em 1966 (Animal Wellfare Act). No Brasil, somente em 2008 
foi promulgada a chamada Lei Arouca. Contudo, ainda há países, como China, que apenas 
possuem orientações mais ou menos oficiais, mas não legislaçãoxxvii. 
A lei no 11794/2008 estabelece normativas para o uso de vertebrados em 
experimentação científica no Brasil3. Da aplicação desta lei, criaram-se o Concea (Conselho 
Nacional de Controle da Experimentação Animal), órgão máximo nas questões deutilização 
de animais, e os Comitês de Ética para o Uso de Animais, conhecidos como CEUAs, nas 
diferentes instituições de pesquisa e ensino. Segundo a Lei, todo projeto de pesquisa que 
envolva a utilização de vertebrados deve ser revisado e aprovado pelo comitê de ética da 
instituição (CEUA) antes de iniciar. 
No nosso país existe uma sensibilização para a procura de métodos alternativos ao 
uso de animais (MAUA). Isso se inclui na Diretriz Brasileira para o Cuidado e Utilização de 
Animais em Atividades de Ensino e Pesquisa (DBCA) que foi criada pelo Concea em 2016. 
Essa diretriz obriga a oferecer MAUA para aqueles estudantes que se declarem objetores de 
consciência. Além disso, a procura por MAUA é incentivada e regulada. Para isso, 
 
3 http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm. 
“In Italy, Law 413/1993 states that public and private 
Italian Institutions, including academic faculties, are 
obliged to fully inform workers and students about their 
right to conscientious objection to scientific or educational 
activities involving animals, hereafter written as “animal 
CO”. […] 
The results of this investigation revealed that less than 
half of Italian academic faculties comply with their duty to 
inform on animal CO” 
Baldelli, I. et al. (2017) Conscientious Objection to Animal 
Experimentation in Italian Universities. Animals (Basel) 7: 
24. 
A consequência dos fatos relatados 
no exemplo ao lado (falta de 
vigilância e execução das leis 
relacionadas com uso de animais) 
faz com que o nível cumprimento 
delas com frequência dependa da 
vontade e princípios éticos dos 
pesquisadores. 
Figura 9 – Università da Roma 
"La Sapienza" 
Fonte da imagem: Melirius / CC BY-AS 
https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Sapienza_entrance_(20
040201351).jpg 
 
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11794.htm
 
 
estabeleceu-se o BRACVAM, que identifica as necessidades e promove a procura por MAUA. 
Esses métodos são avaliados experimentalmente na Renama (Rede Nacional de Métodos 
Alternativos), e, uma vez terminados os estudos, o Concea valida tais métodos para uso 
nacionalxxviii. 
Outros organismos, como a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância 
]]7 Sanitária), também têm produzido regulações sobre aspectos relacionados (RDC 
35/2015)xxix. 
 
 
 
 
1.3.1 Ética na Prática com Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A bioética não é apenas um exercício que devemos fazer para obter a aprovação do 
comitê de ética de nossa instituição. Na prática do dia a dia nos laboratórios, a ética para 
com os animais é de grande importância. Assim, existem algumas diretrizes que são mais ou 
menos aceitas de forma geral no mundo ocidental entre os pesquisadores. As mais 
amplamente divulgadas são as conhecidas como “As três R”, inicialmente propostas pelos 
pesquisadores W. Russel e R. Burch no livro “Principles of Humane Experimental Technique” 
em 1959: Replacement (Substituição), Reduction (Redução) & Refinement (Refinamento)xxx. 
• Substituição: significa evitar o uso de animais sempre que possível. Essa substituição 
pode ser absoluta (com uso de métodos in vitro, uso de dados já publicados na 
literatura, ou simulações in silico) ou relativa (com uso de animais menos sencientes 
ou o uso de experimentação em humanos). 
• Redução: uso do menor número possível de animais. Isso pode ser realizado 
mediante uso de animais apenas nos últimos estágios da experimentação, escolha 
ponderada do tipo de teste a ser realizado, boa planificação e estratégias estatísticas 
(como desenho de experimentos sequenciais e fatoriais). 
• Refinamento: redução do sofrimento e cuidado nas condições em que o 
experimento será realizado. Neste caso, o refinamento para limitar o sofrimento 
pode incluir sacrificar os animais antes de estes chegarem a falecer por causa do 
experimento. O refinamento das condições de vida e experimentação podem incluir 
"Limitations of the Three Rs tenet 
[...] 
1. The Three Rs tenet has been criticized for the 
underlying premise that the use of animals for scientific 
purposes is acceptable [...] 
2. The Three Rs tenet does not provide a way to give 
special consideration for certain species. [...] 
3. Conflicts between each “R” have also been identified 
as a limitation [...] 
4. There can be conflicts between the Three Rs tenet 
and the goals of certain types of scientific animal use. 
[...] 
5. The full potential of the Three Rs tenet to improve 
animal welfare has not yet been reached” 
Fenwick, N, et al, (2009) The 
welfare of animals used in 
science: How the “Three Rs” ethic 
guides improvements. Can. Vet. J. 
50: 523-530. 
Festing, S. & Wilkinson, R. (2007) 
EMBO Rep 8:526-530. 
Figura 10 – “As três R” 
Fonte: 
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/ar
ticles/PMC2002542/ 
 
 
 
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2002542/
https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC2002542/
 
 
cuidados na escolha do tipo de gaiola, forma de transporte e condições higiênicas, 
assim como as condições próprias do experimento (anestesia, evitar danos 
desnecessários, como a amputação de membros para identificação etc.). 
Além disso, deve-se estar consciente de que a bioética começa no bem-estar dos 
animais antes de serem sujeitos de experimentação, por exemplo, na sua criação e 
manutenção nos biotériosxxxi. 
 
 
 
 
1.4 Modificação Genética de Animais 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O avanço nas técnicas de clonagem e modificação do genoma dos mamíferos com, 
por exemplo, a utilização de técnicas baseadas em CRISPR/Cas9 capazes de induzir a deleção 
de genes sem introduzir DNA exógeno faz com que, na atualidade, seja mais correto falar de 
Animais Modificados Geneticamente (AMG) do que Animais Transgênicos. 
A finalidade da introdução de modificações nos genomas dos animais é variada. 
Assim, na maioria dos casos, as modificações têm como finalidade o conhecimento 
científico. Porém, não devemos esquecer que outras motivações são também possíveis. Por 
exemplo, a modificação do peixe zebra mediante a introdução da sequência de codificação 
de uma GFP deu lugar à venda desses animais (GloFish) como animais de estimação 
exóticos; igualmente, apesar de ainda não haver AMG permitidos para uso alimentar 
humano, existem já bovinos que expressam proteínas recombinantes e porcos transgênicos 
com maiores níveis de ácidos graxos insaturadosxxxii. 
A criação de animais modificados geneticamente traz consigo algumas preocupações 
relacionadas ao bem-estar dos animais. Assim, questiona-se se os procedimentos para a 
obtenção desses animais não são excessivamente invasivos, podendo ter consequências 
imprevisíveis que afetem à própria manutenção dos animais (caso de fenótipos severos) ou 
se esses procedimentos exigem a morte de um número incalculável de animais em estágios 
embrionáriosxxxiii. 
Além disso, a manipulação genética levanta também outra série de preocupações 
mais básicas. Do ponto de vista utilitarista, cabe perguntar se o prejuízo pela transformação 
dos animais está compensado pelo benefício obtido. A maioria concordaria com a utilidade 
de modificar o genoma de alguns animais se isso beneficiasse a saúde da sociedade humana; 
GloFish é o nome comercial da variedade fluorescente 
geneticamente modificada do peixe ornamental Danio rerio, 
conhecido no Brasil como paulistinha, [...] este é o primeiro 
animal geneticamente modificado publicamente disponível 
como animal de estimação. 
[...] 
A venda ou posse destes peixes é ilegal na Califórnia devido a 
uma legislação que restringe a comercialização de qualquer 
peixe geneticamente modificado. 
O Canadá também proíbe a importação ou a venda destes 
peixes, devido à falta de informações suficientes para a tomada 
de uma decisão quanto à segurança do uso deste OGMs. 
A importação, venda e posse destes peixes também são 
proibidas na União Europeia.[...] 
Na Nova Zelândia, a posse de um GloFish acarreta multa e 
sacrifício dos animais apreendidos. 
 
Texto e imagem disponível em: Wikipedia 
(https://pt.wikipedia.org/wiki/GloFish). 
Figura 11 Paulistinhas ou 
peixe zebra 
Fonte: Zebrafisch por Azul 
Domínio Público 
 
 
https://pt.wikipedia.org/wiki/GloFish
 
 
porém, é menos provável que concordem com a produção de animais de estimação 
fluorescentes. Por outro lado, estão as preocupações sobre a liberação, tanto em vida como 
depois da morte, dos animais modificados geneticamente no ecossistema selvagem. Devem 
estes animais serem contidos em vida e destruídos totalmente sem que seus corpos sequer 
possam contaminar o meio ambiente natural?xxxiv. 
Finalmente, estão as questões sobre se os animais modificados podem ser 
patenteados e se as modificações genéticas afetam a essência e o propósito da espécie ou 
do indivíduo modificado (Telos). A modificação genética do comportamento de uma espécie 
selvagem para que aceite a vida em gaiolas é uma modificação excessiva do caráter da 
espécie?xxxv 
 
 
 
 
1.5 Invertebrados: A Fronteira 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os animais invertebrados são aproximadamente mais de 95% dos animais na 
natureza, e, entre eles, muitos são utilizados em experimentação científica, por exemplo, os 
bem conhecidos em genética e biologia molecular Caenorhabditis elegans (Nematoda) e 
Drosophila melanogaster (mosca da fruta), mas também muitos outros, desde Aedes egyptii 
(mosquito) até minhocas planas (Platyhelminthes). 
Como vimos até aqui, a consideração e os direitos dos animais têm evoluído 
grandemente nos últimos séculos, e estes passaram de ser bêtes machines, na opinião de 
Descartes, para serem seres vivos cujo uso em experimentação requer justificativas morais. 
Porém, a consideração moral dos animais está geralmente limitada, nos casos mais amplos, 
aos vertebrados. Esses limites estão marcados pela senciência suposta neles. Por isso, na 
maioria dos países, o uso de vertebrados em experimentação requer aprovação de um 
comitê de éticaxxxvi. 
A separação entre vertebrados – considerados sencientes – e invertebrados – não 
sencientes – é feita baseando-se na etologia e na aparente simplicidade dos sistemas 
nervosos. Porém, a nocicepção (capacidade de perceber e transmitir impulsos nervosos 
relacionados ao dano tecidual) está ainda pouco estudada nesses organismos. Contudo, já 
foram encontrados nociceptores e estruturas nervosas que respondem aos estímulos 
nocivos em cefalópodes e outros organismos, assim como plasticidade neuronal e condutas 
etológicas que parecem estar relacionadas a aprendizado e sentimentos como o medo. Por 
outro lado, descobriu-se que muito do processamento sensorial nos cefalópodes acontece 
Fig. 2 Behaviour approaches of assessing emotions 
in invertebrates 
“Although only a very limited number of studies 
have examined emotions in invertebrates, of those 
that have used a behavioural approach, two have 
addressed the possibility of positive emotions. 
Cassill and colleagues (2016) report a behaviour in 
fire ants (Solenopsis invicta) that, they argue, is 
similar to bodily expressions indicating pleasure in 
humans and other animals (Fig. 2C).” 
Perry, C. J. & Baciadonna, L. (2017) Studying emotion in 
invertebrates: what has been done, what can be 
measured and what they can provide J. Exp. Biol. 220: 
3856. Link direto para o artigo: 
https://jeb.biologists.org/content/220/21/3856 
 
 
 
Figura 12 – Expressão de emoções em 
invertebrados 
Fonte: Figura 2 do artigo Perry, C. J. & 
Baciadonna, L. (2017) J. Exp. Biol. 220: 
3856. 
https://jeb.biologists.org/content/220/21/3856
 
 
na periferia dos braços, e não no cérebro, o que sugere que não é preciso uma estrutura 
central complexa para essas tarefas. 
Por tudo isso, na Europa, os cefalópodes estão inclusos na Diretiva 2010/63/EU “On 
the Protection of Animals Used for Scientific Purposes”, e outros países, como a Austrália, 
também incorporam proteções similaresxxxvii. 
Embora ainda não exista um debate vivo na população sobre o tema e ainda que a 
comunidade científica, por enquanto, seja contra a inclusão dos invertebrados entre os 
animais regulamentados pelos comitês de ética, o debate já está nas revistas científicas e 
entre os filósofos, e por isso talvez a fronteira dos direitos animais para usos científicos pode 
variar nos próximos anos junto aos novos achados sobre funções cognitivas em 
invertebrados. 
 
 
 
► 2. Bioética Não Animal e Meio Ambiental 
 
Figura 13 – Charles Strebor “Earth Ball”. 
 
Fonte: https://www.iied.org/fighting-for-future-sustainable-development-battle-for-ideas-2017 
Creative Commons. 
 
 
 
 
https://www.iied.org/fighting-for-future-sustainable-development-battle-for-ideas-2017
 
 
2.1 Desextinção de Espécies 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A extinção de espécies é, infelizmente, uma constante na atualidade; na maioria dos 
casos, essas extinções têm os humanos como causa direta ou indireta. Por isso, a 
possibilidade que a biologia molecular abre para a “ressurreição” de espécies por meio da 
clonagem está no foco do debate ético. 
Antes de entrar na discussão, devemos ter em mente que existem vários tipos de 
extinção: extinção final ou filética (quando não há mais indivíduos dessa espécie), a 
hibridação com outras espécies, a pseudoextinção dada por evolução para outra espécie 
nova e a especiação alopátrica (idêntica à anterior, mas produzindo duas ou mais espécies 
diferentes). Cada uma dessas extinções traz seus próprios condicionantes éticos frente à 
possibilidade de desextinção. Vamos falar aqui apenas da desextinção para o caso 
filéticoxxxviii. 
A extinção filética, porém, não significa exclusivamente a extinção de todos os 
indivíduos da face da terra. Se admitirmos que cada ecossistema individual é um ente 
isolado que não se importa com o que acontece nos outros ecossistemas, a desaparição de 
uma espécie de um ecossistema, por exemplo, o urso dos Pireneus, pode ser considerada 
extinção filética nesse ecossistema, mesmo que existam ursos da mesma espécie nas 
montanhas húngaras. Isso traz como consequência a noção de desextinção também como a 
reintrodução da espécie com indivíduos trazidos de outro ecossistema. Outro ponto 
importante é que a desextinção também atinge plantas e outros organismos, e sua 
importância não é menor, mesmo que os casos mais espetaculares e midiáticos sejam 
sempre os relacionados com grandes animais do passado, como o mamutexxxix. 
“How long before de-extinction is a reality? 
The answer depends on what you’re willing to 
accept as “de-extinction.” If you mean a pigeon 
born with some passenger pigeon traits, or an 
elephant born with mammoth-like traits, it could 
happen within a few years to a decade. Longer for 
mammoths, for the reasons I’ve already mentioned 
and because elephants have a two-year gestation 
period. If you mean 100-percent mammoth, with 
all mammoth genes and behaviors, that will never 
happen.” 
Entrevista com a autora Beth Shapiro e fonte para a 
imagem: 
https://www.smithsonianmag.com/science-
nature/these-are-extinct-animals-we-can-should-
resurrect-180954955. 
Figura 14 – Capa do livro How to Clone 
a Mammoth, da autora Beth Shapiro] 
https://www.smithsonianmag.com/science-nature/these-are-extinct-animals-we-can-should-resurrect-180954955
https://www.smithsonianmag.com/science-nature/these-are-extinct-animals-we-can-should-resurrect-180954955
https://www.smithsonianmag.com/science-nature/these-are-extinct-animals-we-can-should-resurrect-180954955
 
 
2.1.1 Razões e sofrimento na desextinção 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Devemos dizer que ainda não houve sucesso na desextinção de espécies por métodos 
moleculares. Porém, acredita-se que isso acontecerá, sim, em curto prazo. A respeito das 
técnicas moleculares, existem duas grandes opções no caso deanimaisxl: 
• A transferência nuclear a partir de uma célula somática armazenada para um gameta 
feminino enucleado de uma espécie similar e utilização de uma mãe substituta. 
Porém, o clone será só quase geneticamente idêntico aos membros da espécie 
extinta: as mitocôndrias possuem DNA cuja origem está no gameta enucleado. 
• A fecundação de um gameta (geralmente feminino) de uma espécie afim com 
gametas conservados da espécie a ser “ressuscitada”. Nesse caso, os indivíduos serão 
híbridos que deveriam ser retrocruzados para conseguir a homogeneidade genética. 
Ambas as técnicas podem gerar críticas sobre se realmente estamos desextinguindo 
espécies ou criando novas, dependendo de quais sejam os critérios para aceitar que um 
indivíduo pertence a uma espéciexli. 
Do ponto de vista da ética, as primeiras preocupações que se sobressaem são as 
razões reais pelas quais queremos realizar a desextinção. Sem dúvida, é bacana, traz fama, e 
talvez seja até economicamente interessante para um grupo de pesquisa conseguir trazer de 
volta uma espécie extinta. Por outro lado, desextinguir uma espécie pode ser uma forma de 
consolar nossa consciência da responsabilidade de ter causado a extinção desta ou de outras 
espécies. Nenhum deles é um argumento éticoxlii. 
Voltando às técnicas, a imperfeição destas faz com que muitos dos indivíduos 
clonados apresentem problemas sérios de malformações, infertilidade e até problemas 
imunitários. Por isso, desde o utilitarianismo, somente é aceitável a desextinção se esta traz 
The de-extinction process via precise 
hybridization. The sequential stages begin with 
in silico and end in situ, shown on the outside 
circle. The inner circle shows the 
compartmentalized and overlapping supporting 
research for the de-extinction process, with 
arrows showing exchange of resources (dark 
purple are physical resources, light purple are 
knowledge resources). 
 
Novak, B. J. De-Extinction. Genes (Basel). 2018. 9(11):548. 
Disponível em: 
https://www.mdpi.com/2073-4425/9/11/548/htm 
O processo de desextinção envolve muito 
mais do que a simples clonagem. Pode 
envolver até a reconstrução do ecossistema 
original. 
Figura 15 – Procesos de desextinção via 
hibridação precisa 
Fonte: Figura 2 de Novak, B. J.. Genes 
(Basel). 2018. 9(11):548 
 
 
https://www.mdpi.com/2073-4425/9/11/548/htm
 
 
consigo um maior benefício que o prejuízo causado com o sofrimento animal. Do ponto de 
vista dos direitos dos animais, matar um animal (ou embriões) para trazer outro diferente à 
vida não é aceitávelxliii. 
 
 
 
 
2.1.2. Em favor da desextinção 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O argumento maior em favor da desextinção também vem do utilitarismo. A 
reintrodução de uma espécie num ecossistema estará justificada se isso significar uma 
melhora na “saúde do ecossistema”. Por exemplo, a extinção de um predador pode trazer 
consigo o incremento no número de suas presas herbívoras que, por sua parte, modificam o 
ecossistema, colocando em perigo de extinção algumas das espécies de plantas ou, em geral, 
reduzindo a diversidade. Nesse caso, a reintrodução do predador traria de volta o equilíbrio 
entre espécies e um incremento na diversidade, que pode ser entendido como um aumento 
na saúde do ecossistema. Ou seja, depois de uma análise cuidadosa, em alguns casos, pode 
estar justificada a desextinção do ponto de vista da éticaxliv. 
Outro argumento é que a desextinção pode oferecer animais que possam ser 
utilizados para obter conhecimentos fisiológicos, anatômicos ou de outro tipo que não 
podem ser obtidos de outra forma. Porém, como foi adiantado anteriormente, os animais e 
plantas desextintos podem não ser idênticos aos originais. Relacionado a isso, se os animais 
não são idênticos, vale a pena gerá-los? Um quadro pintado por Rembrandt tem o mesmo 
valor que uma cópia deste, caso o original fosse perdido num incêndio?xlv. 
Por outro lado, argumenta-se que, se a extinção não é irreversível, nossa 
preocupação pelo cuidado do meio ambiente se tornaria bem menor. Mas se o resultado são 
ecossistemas íntegros e saudáveis, vale a pena se preocupar por isso?xlvi. 
Em linhas gerais, há mais perguntas que respostas, mas a tendência geral na sociedade é 
para a justificação. 
“De-extinction via breeding has been widely 
presented by many authors as a novel 
conservation endeavour wholly separate from 
historic conservation trends […] 
Aside from the well-known case of wolves in 
Yellowstone National Park, reintroductions via 
translocation in the United States include: 
beaver, bighorn sheep in badlands habitats, elk 
in eastern states and bald eagles and wild turkey 
in New England. Wild turkeys, which are 
abundantly common now in New England, had 
gone extinct in the region by the 1840s and were 
absent until successful reintroductions in the 
1970s” 
Novak, B. J. De-Extinction. Genes (Basel). 2018. 9(11):548. 
O castor foi reintroduzido nas Badlands 
(ND, EUA) por iniciativa daquele que seria 
depois o presidente T. Roosevelt. 
Figura 16 – Castor (autor desconhecido) 
Fonte: 
https://www.chelseagreen.com
/2018/badlands-without-
beavers/ 
https://www.chelseagreen.com/2018/badlands-without-beavers/
https://www.chelseagreen.com/2018/badlands-without-beavers/
https://www.chelseagreen.com/2018/badlands-without-beavers/
 
 
2.2 Plantas Modificadas Geneticamente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
As plantas modificadas geneticamente (PMG) apresentam algumas diferenças 
notáveis com respeito ao já visto anteriormente e estas diferenças possuem uma grande 
importância. Em primeiro lugar, as plantas não são consideradas sencientes por carecerem 
de sistema nervoso e, consequentemente, não são consideradas credoras de direitos nem 
possuem valor moral, contrariamente ao caso dos animais vertebrados. Contudo, um pouco 
incongruentemente, considera-se errado maltratar as plantasxlvii. Por outro lado, as PGM são 
majoritariamente dirigidas direta ou indiretamente para o consumo alimentar humano. Este 
último fato é o causador de as PMG estarem no “olho do furacão” da controvérsia sobre os 
seres vivos modificados geneticamente. 
A percepção sobre as PGM não é similar em todos os países. Assim, nos EUA apenas 
2% da população considera as PMG uma preocupação, enquanto na Europa a porcentagem 
se eleva até quase 60%xlviii,xlix. A controvérsia gira ao redor de vários itens que podem ser 
resumidos eml,li: 
• A virtude da modificação genética de seres vivos e seu cultivo. Ou seja, é correto 
modificar o genoma dos seres vivos? Este é um debate similar em muitos aspectos ao 
já visto com animais. 
• Os direitos intelectuais e a patenteabilidade de seres vivos. Podemos considerar os 
seres vivos como instrumentos nossos? Invenções humanas? 
• Os direitos de agricultores, corporações e consumidores: etiquetagem, segurança 
alimentar, interesse geral, lucro. 
• A segurança meio ambiental dos cultivos de PMG: existe perigo em modificar as 
espécies selvagens de plantas com o pólen das PMG? Podem afetar de alguma outra 
forma? 
“A wide gap exists between the rapid 
acceptance of genetically modified (GM) crops 
for cultivation by farmers in many countries and 
in the global markets for food and feed, and the 
often-limited acceptance by consumers […] 
Recent political and societal developments show 
a hardening of the negative environment for 
agricultural biotechnology in Europe, a growing 
discussion – including calls for labeling of GM 
food – in the USA, and a careful development in 
China towards a possible authorization of GM 
rice that takes the societal discussions into 
account” 
Lucht, J. M. (2015) Public Acceptance of Plant 
Biotechnology and GM Crops. Viruses, 7: 4254-4281. 
Disponível em: 
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26264020/ 
A percepção social contra os transgênicos 
às vezes é explorada comercialmente sem 
pudor. 
Figura 18 – Água não transgênica – de 
AmandaAllworth. 
Fonte: https://medium.com/live-your-life-
on-purpose/shameless-food-labeling-is-a-
problem-8aed70752770 
https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/26264020/
https://medium.com/live-your-life-on-purpose/shameless-food-labeling-is-a-problem-8aed70752770
https://medium.com/live-your-life-on-purpose/shameless-food-labeling-is-a-problem-8aed70752770
https://medium.com/live-your-life-on-purpose/shameless-food-labeling-is-a-problem-8aed70752770
 
 
2.2.1 PMGs e Ética 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O primeiro dos pontos, a moralidade dos cultivos de PMG, é talvez o que mais 
puramente corresponde a um debate ético. 
Do ponto de vista do consequencialismo/utilitarismo, os cultivos de PMG deveriam 
ser aceitos e até favorecidos se realmente supõem um benefício para a humanidade em 
termos econômicos, sociais ou de saúde. Somente se houvesse desvantagens importantes 
que pudessem contrariar os benefícios (problemas de segurança ambiental ou de outro 
tipo), seria válido se opor. Como nos casos anteriores, o valor que demos aos problemas 
frente aos benefícios pode fazer com que o balanço caia para um lado ou outro. Por 
exemplo, quão importante é uma probabilidade de 0,0000001 de contaminação do teosinto, 
uma planta selvagem raramente encontrada no Brasil, com o transgene do milho Bt frente a 
uma poupança de milhões de reais em pesticidas?lii 
Do ponto de vista da ética da autonomia e do consentimento, bem cedo 
encontramos controvérsias. Essa escola de pensamento sustenta que temos direito a decidir 
sobre as questões que nos atingem diretamente. Porém, quem tem um direito maior? O 
agricultor, quando escolhe PMG para evitar exposição a pesticidas, ou o consumidor, 
quando escolhe não comer PMG? Essa controvérsia e outras parecidas serão tratadas mais à 
frente quando falarmos sobre as controvérsias em torno dos direitos dos consumidoresliii. 
Do ponto de vista da ética da virtude, de forma similar ao utilitarismo, vamos 
procurar um balanço positivo, mas, neste caso, de virtude, e não de benefício. A dificuldade 
“A novel weed has recently emerged, 
causing serious agronomic damage in one of 
the most important maize-growing regions 
of Western Europe, the Northern Provinces 
of Spain. The weed has morphological 
similarities to a wild relative of maize and 
has generally been referred to as teosinte. 
[…] 
We infer that Spanish teosinte is of admixed 
origin, most likely involving Zea mays ssp. 
Mexicana as one parental taxon, and an 
unidentified cultivated maize variety as the 
other.” 
Trtikova et al. (2017) Teosinte in Europe – 
Searching for the Origin of a New Weed Sci. Rep. 
7: 1560. 
Disponível em: 
https://www.nature.com/articles/s41598-017-
01478-w 
 
 
A preocupação sobre a possibilidade de espalhar 
genes estranhos no meio ambiente está baseada em 
fenômenos reais, porém, raros, de hibridação de 
espécies relacionadas. O caso acima ilustra a 
descoberta no campo espanhol de híbridos de 
teosinto (o antecessor do milho e uma espécie 
invasora na Espanha) com milho comercial. 
Figura 19 – Milho espanhol, teosinte espanhol e 
híbrido. 
Fonte: https://www.nature.com/articles/s41598-
017-01478-w 
https://www.nature.com/articles/s41598-017-01478-w
https://www.nature.com/articles/s41598-017-01478-w
https://www.nature.com/articles/s41598-017-01478-w
https://www.nature.com/articles/s41598-017-01478-w
 
 
aqui será determinar o que é virtuoso. Assim, o respeito pelas plantas pode ser considerado 
uma virtude, mas, como falado anteriormente, as plantas não têm valor moral, talvez apenas 
um status moral. Neste marco, incluem-se também as discussões sobre se estamos 
ultrapassando os limites do que é ético quando modificamos uma espécie (conceito do 
Hubris ou, mais popularmente, “brincar de ser Deus”). Neste caso, os partidários 
argumentam que a agricultura é uma tecnologia, não um ecossistema naturalliv. 
 
 
2.2.2 Debates sobre as PMGs 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Além do debate ético, existem inúmeras controvérsias em torno das PMGs. Vamos 
ver apenas algumas delaslv: 
• Debate sobre a justiça. Por um lado, argumenta-se que os cultivos de PMG podem 
ajudar a alimentar uma população faminta ou, em outros casos, ajudar na nutrição 
correta dos humanos (caso do arroz dourado que ajuda corrigir dietas pobres em 
vitamina A); por outro, acredita-se que o aceite de PMGs sob essas razões abriria a 
porta para todos os PMGs. Também relacionado à justiça, argumenta-se que as 
companhias como Monsanto obrigam os agricultores a não guardarem parte da 
colheita para usar como semente nos próximos anos. Isso vai contra o princípio de 
justiça e os usos tradicionais. Por outro lado, não veem inconvenientes na venda e no 
uso de sementes que produzem indivíduos híbridos, e consequentemente, por 
segregação, os indivíduos da segunda geração nunca são iguais aos parentais, o que 
torna inviável esse costume de guardar parte da colheita para semente. 
• Direito dos consumidores à escolha livre. Em defesa dos consumidores e de seu 
direito de escolher livremente se querem ou não consumir produtos com PMG, 
“Gilles-Éric Séralini, cientista da Universidade de Caen 
(França) e autor principal de um controverso artigo que, 
supostamente, associava o cancro ao consumo de 
organismos geneticamente modificados (OGM) – mais 
precisamente de cereais transgénicos –, não parece estar 
interessado em tratar seriamente do assunto. Está 
convencido de que tem razão – e disposto a adoptar uma 
posição nada científica para ter a última palavra. 
A prova disso: a saga do artigo assinado por ele e a sua 
equipa, que foi publicado, em 2012, numa revista científica; 
retirado de publicação, em 2013, pela própria revista e 
devido a diversas falhas graves; e, apesar de tudo, tornado a 
publicar há dias, numa outra revista. Só que, desta vez, sem 
passar por qualquer crivo científico de avaliação – e sem 
qualquer novo resultado que venha agora demonstrar a 
justeza das conclusões iniciais dos seus autores.” 
 
Diário Público; Ana Gerschenfeld, 4 de Julho de 2014 
 
https://www.publico.pt/2014/07/04/ciencia/noticia/ogm-quando-
os-cientistas-se-esquecem-de-fazer-ciencia-1661471 
 
Figura 20 – Primeira página do 
artigo Séralini et al. (2012) Food and 
Chemical Toxicology 50: 4221-4231. 
Fonte: 
https://reader.elsevier.com/reader/
sd/pii/S0278691512005637?token=
B6A846B4843A2A2A4B9644A6696A
7DEDE966464734A7221482A61B32
3C91298A6581AF932CE5C35E8CD2
7D304919FA41 
https://www.publico.pt/2014/07/04/ciencia/noticia/ogm-quando-os-cientistas-se-esquecem-de-fazer-ciencia-1661471
https://www.publico.pt/2014/07/04/ciencia/noticia/ogm-quando-os-cientistas-se-esquecem-de-fazer-ciencia-1661471
 
 
exige-se a etiquetagem de todos os produtos que possam ter traços destas. Contudo, 
o nível de informação sobre os perigos reais do consumo de alimentos com PMG é 
muito limitado, e abundam as desinformações. Assim, não é estranho ouvir pessoas 
formadas falarem “eu não vou comer esses tomates, porque tem um gene, e isso é 
perigoso para a saúde”. 
• Contenção e modificação do meio ambiente. Argumenta-se que não há dados 
suficientes para se ter certeza de que o pólen das PMG num cultivo não pode 
fertilizar outras plantas no entorno e, com isso, espalhar a modificação genética para 
o meio ambiente. Exige-se, nesta situação, que se aplique o princípio de cautela e a 
proibição das PMG até se terem dados suficientes. 
Paralelamente a essas controvérsias, há inúmeros exemplos de fake news, pesquisas 
tendenciosas e paracientíficas e preconceitos que são impulsionados pelos interesses 
políticos e econômicos e por medos populares. Tudo isso faz com que o debate sobre as 
PMG esteja vivo e gritante, com posições radicais frequentemente. 
 
 
 
 
2.3 Microrganismos, Genética e Biotecnologia 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Nos anos 1970, com o início das técnicas de biologia molecular,houve um grande 
debate sobre microrganismos e sobre como podiam ser modificados geneticamente. Isso 
trouxe consigo uma parada voluntária temporária na pesquisa dessas técnicas e, 
consequentemente, da modificação de microrganismos, que durou apenas dois anos. Desde 
essas datas, a maior parte das dúvidas sobre a ética sobre a manipulação de microrganismos 
tem sido dissipada, e, na atualidade, apenas aquelas modificações que atingem ou têm 
como fim o mercado alimentar são recebidas com receio. Por outro lado, as inúmeras 
instâncias de modificação genética no campo biomédico (por exemplo, a produção de 
insulina recombinante ou anticorpos antitumorais) são recebidas com entusiasmo pela 
sociedade. Na atualidade, as maiores controvérsias têm a ver com segurança. Nesse sentido, 
os maiores receios giram em torno da resistência aos antibióticos (transmissão horizontal de 
genes de resistência), da toxicidade humana, de possíveis reações alérgicas ou da criação de 
cepas patogênicas novas ou mais virulentas (neste caso, às vezes associado ao possível uso 
como armas biológicas)lvi. 
A respeito da liberação de microrganismos modificados no meio ambiente, 
contrariamente ao panorama em plantas, é considerada uma opção válida para o caso de 
melhoras ambientais (por exemplo, despoluição) ou controle de pragas, entre outros. A 
oposição social, ainda que existente, é fraca e baseia seus argumentos nos mesmos 
princípios do caso de animais e plantaslvii,lviii. 
Em resumo, a partir de um ponto de vista ético, os pontos mais controversos sãolix: 
40 Years Ago, GMO Insulin Was Controversial Also 
“It may seem like olden days to millennials, but the late 1970s were a lot like today. America was 
divided due to an unpopular President, gas was expensive, the movie industry was at death's door 
... and genetic engineering was a big concern. […] 
Though GMO insulin today is regarded as a gigantic success story for public health, in 1977, the year 
before the American Council on Science and Health was founded, the same political forces and 
activists aligned against science now were already against it then. Just the names have changed. […] 
Scientists persevered, voluntarily making sure everything was done safely before Kennedy and the 
Carter administration could find a legal way to shut them down. They came to a consensus on using 
specific bacteria (e-coli strain K12) genetically engineered so that even if they somehow got to the 
outside world, they would die quickly and have no chance to colonize the human digestive tract.” 
 
Hank Campbell July 29, 2017 
https://www.acsh.org/news/2017/08/29/40-years-ago-gmo-insulin-was-controversial-also-11757. 
https://www.acsh.org/news/2017/08/29/40-years-ago-gmo-insulin-was-controversial-also-11757
 
 
• Possibilidade de efeitos sobre os humanos ou o meio ambiente se espalharem, 
como dito acima. A maior preocupação está associada ao fato de que, uma vez 
liberado o microrganismo, não possuímos mais controle sobre ele. 
• Controvérsia sobre os direitos intelectuais e o patenteamento de organismos vivos, 
como no caso de plantas. 
• Direitos do consumidor (etiquetagem de alimentos nos quais pode haver uso de 
organismos modificados geneticamente, como no caso de laticínios fermentados) e 
segurança alimentar. 
• Criação e uso de armas biológicas por parte de governos e grupos terroristas. 
 
 
 
2.4 Ética e Produção Agropecuária 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O santo graal da ética da produção agropecuária é contestar a pergunta: O que é 
comida boa (virtuosa)? Pensando a partir do academicismo, utilizando aproximações 
utilitaristas, mediríamos os benefícios e os prejuízos das opções e tomaríamos uma decisão 
sobre qual é a forma mais ética de atuar; se utilizarmos uma aproximação deontológica, 
como Tom Regan, chegaríamos à conclusão de que seria aquela agricultura que melhor 
respeita os direitos dos animais. Porém, existem mais duas aproximações para esse 
problema, que tentam dar visões mais bem adaptadas ao contexto agropecuário. A visão 
orientada ao valor cria uma agricultura ideal baseada em valores corretos e, a partir daí, 
julga a agricultura real. Por outro lado, a visão do pluralismo democrático avalia as práticas 
atuais e tenta obter padrões de excelência aos quais se deve chegarlx. 
Em qualquer caso, essas aproximações são utilizadas para avaliar os diferentes 
debates que atualmente temos relacionados à produção agropecuárialxi: 
• Os países “ricos” têm a obrigação de ajudar aqueles que não possuem comida 
suficiente? Essa ajuda é efetiva? Que fazemos com os excedentes agropecuários? 
• Qual deve ser nossa posição frente à má nutrição tanto estrangeira (exemplo: 
avitaminoses em áreas pobres) quanto própria (exemplo: obesidade)? 
“The Nations accepting this Constitution, being 
determined to promote the common welfare by 
furthering separate and collective action on their part for 
the purpose of: 
• raising levels of nutrition and standards of living of the 
peoples under their respective jurisdictions; 
• securing improvements in the efficiency of the 
production and distribution of all food and agricultural 
products; 
• bettering the condition of rural populations; 
• and thus contributing towards an expanding world 
economy and ensuring humanity's freedom from 
hunger”. 
 
Preâmbulo da Constituição da FAO (Food and Agriculture Organization 
of the United Nations. 
Textos básicos da FAO: http://www.fao.org/3/K8024E/K8024E.pdf. 
 
Figura 21 – Logotipo da Organização 
das Nações Unidas para 
Alimentação e Agricultura. 
Fonte: 
https://www.wucwo.org/index.php/
en/activities/international-
updates/fao 
http://www.fao.org/3/K8024E/K8024E.pdf
 
 
• Como devemos encarar o impacto meio ambiental produzido pela agricultura? Como 
agir frente à mudança climática? Que significa sustentabilidade? 
• Como agir na produção pecuária de forma correta com relação aos direitos dos 
animais, tendo em conta os diferentes pontos que isto envolve: transporte, 
abatimento e condições de criação de gado, entre outras? 
• Que posição é mais correta frente às mudanças econômicas e de modos de produção 
industrializado? Devemos ter em conta aqui as consequências econômicas da 
tendência aos grandes monopólios, a redução da agrobiodiversidade e as condições 
de vida dos agricultores. 
Esses debates estão abertos, e não apareceram, ainda, diretrizes claras de consenso. 
Isto, entre outras razões, porque as respostas para umas perguntas criam conflitos com as 
respostas para outras. 
 
 
 
 
2.5 Ética e o Meio Ambiente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Em linhas gerais, a ética meio ambiental segue as mesmas linhas de pensamento que 
outros ramos da bioética. Isso não é surpreendente se temos em conta que existe uma 
grande transferência de ideias e conceitos entre o pensamento sobre direitos dos animais e 
a ética do meio ambiente. Assim, existem três escolas de pensamento que são as 
majoritárias na hora de conceituar o que é bom e que ações são corretas com relação ao 
meio ambientelxii: 
• Consequencialismo (do qual o utilitarismo é o ramo principal): estão certas ou 
justificadas aquelas ações que maximizam o benefício. Em alguns casos, o benefício 
último é considerado como o florescimento da vida. 
• Deontologia e direitos dos animais: a justiça deve dirigir as ações, e não o benefício. 
Dessa forma, mesmo que produza um menor benefício, devem-se seguir os princípios 
morais (o que é bom) e evitar qualquer atuação que signifique uma ação injusta. Por 
exemplo, a morte sem razão e a extinção de animais seria injusto por ir contra seus 
direitos. 
• Ética da virtude: essa escola está ganhando uma maior importância nos últimos 
anos, embora não seja majoritária. Segundo ela, nossas ações devem maximizar a 
virtude (não o benefício). Assim, nossas ações estarão justificadas se trouxerem 
consigo valores comocompaixão pelos animais, eficiência ou sensibilidade ecológica. 
“Deep ecology” was born in Scandinavia, the result of 
discussions between Næss and his colleagues Sigmund 
Kvaløy and Nils Faarlund […] 
The “shallow ecology movement”, as Næss (1973) calls 
it, is the “fight against pollution and resource 
depletion”, the central objective of which is “the 
health and affluence of people in the developed 
countries.” The “deep ecology movement”, in contrast, 
endorses “biospheric egalitarianism”, the view that all 
living things are alike in having value in their own right, 
independent of their usefulness to others. The deep 
ecologist respects this intrinsic value, taking care, for 
example, when walking on the mountainside not to 
cause unnecessary damage to the plants. 
Environmental Ethics. Stanford Encyclopedia of Philosophy 
(2003, revised 2015). 
 
https://plato.stanford.edu/entries/ethics-
environmental/#DeeEco. 
 
Figura 22 – Percepções da ecologia 
Fonte: 
https://environmentalethics2014.w
ordpress.com/ 
Entrada de 1 Dezembro, 2014 
https://plato.stanford.edu/entries/ethics-environmental/#DeeEco
https://plato.stanford.edu/entries/ethics-environmental/#DeeEco
https://environmentalethics2014.wordpress.com/
https://environmentalethics2014.wordpress.com/
 
 
Porém, o grande debate na ética meio ambiental não está em qual dessas escolas de 
decisão ética é utilizada para justificar nossa atitude perante o meio ambiente. A maior 
controvérsia e evolução dentro da ética meio ambiental gira ao redor da relevância moral 
dos diferentes entes que podemos ter em conta, ou seja, o que e por que tem valor moral, 
quanto e quem outorga esse valor. 
 
 
 
2.5.1 Valores Humanos e Meio Ambiente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Tradicionalmente, o mundo, incluindo os animais e o meio ambiente, tem sido 
medido a partir da perspectiva humana. Embora, séculos atrás, se considerasse que somente 
os humanos tinham valor ou status moral, essa visão foi modificada para compreender que 
outros seres e coisas ao nosso redor podiam ter valor, dependendo de sua relação conosco. 
Esse valor, portanto, é outorgado pelos humanos e será tão grande quanto nós, humanos, 
valorizemos a relação entre o ente e nós mesmos. Por conta de a fonte dos valores ser a 
relação com os humanos, denominam-se estes valores como antropocêntricos ou 
instrumentais. Esses valores são utilizados tanto para justificar o uso da biosfera pelos 
humanos quanto para derivar os deveres que temos para preservá-lalxiii. 
• Valores diretos e indiretos. A forma mais primária de outorgar valores. Estes 
derivam da capacidade dos entes para serem modificados e/ou produzir benefício 
material para os humanos de forma direta ou indireta. Por exemplo, o valor de um 
bosque, e daí nosso dever de preservação, é derivado da riqueza que pode ser obtida 
pela exploração sustentável de seus recursos madeireiros. O uso da palavra 
“sustentável” aqui não é fortuito. Os valores diretos são a origem do interesse na 
sustentabilidade dos ecossistemas de diversas organizações humanas, especialmente 
governos. 
• Valor por amenidade. O valor dos entes é outorgado pela capacidade de ser um 
ponto recreativo, um referente turístico, um ponto histórico ou religioso, entre 
“The Brundtland definition of sustainable 
development was a broad ethical principle with 
two key components. First, it framed the goals of 
development in terms of meeting people's needs. 
In this respect it differed from some theories or 
accounts of development that used less value-
laden terms, especially those stressing GDP or 
general economic expansion. Second, the 
Brundtland definition makes an explicit 
commitment to future generations. It thus adopted 
one a philosophical approach in environmental 
ethics that has been associated with 
anthropocentrism, or the view that protection of 
the environment should be based primarily (if not 
exclusively) on benefits that humans derive from 
utilizing natural resources.” 
Thompson, P. B. (2012) Sustainability: Ethical 
Foundations. Nature Education Knowledge 3(10):11. 
Figura 23 – A relação entre ecologia, 
sustentabilidade e design. 
Fonte: Filiz Çelik (2013) Ecological 
Landscape Design in “Advances in 
Landscape Architecture”. IntechOpen 
 
 
outros. Não precisa ser utilizado ou convertível em valor econômico. Nesse grupo 
pode se englobar o valor dos parques naturais como lugares visitáveis. 
• Valor por opção. Tem a ver com a possibilidade de que, no futuro, o ente tenha uma 
importância que agora desconhecemos. Por exemplo, pode ser importante conservar 
um ecossistema aquático porque sua biodiversidade faz pensar que talvez no futuro 
possa ser encontrado algum antibiótico produzido por algum dos animais ou plantas 
marinhas. 
• Valor pela própria existência. Neste caso, o valor é derivado de nossa percepção de 
que um animal, lugar ou ente é importante por sua beleza ou capacidade de nos 
impressionar (Antártida), pelos valores que associamos a eles (fofura do coala) ou 
por qualquer outro fator relacionado a uma experiência humana satisfatória. Assim, 
este valor pode ser estendido à biosfera toda. 
 
 
 
 
 
2.5.2 Valores Não Humanos e Meio Ambiente 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Os valores antropocêntricos são ainda hoje grandemente utilizados tanto na política 
quanto pela sociedade toda. Porém, outros valores estão tomando força e são já de grande 
importância para entender nossa atitude de preservação de ecossistemas e diante das 
mudanças meio ambientais. Esses valores não dependem da relação dos entes com os 
humanos; pelo contrário, ainda que os humanos não existissem, os entes teriam valor. Ou 
seja, são valores intrínsecos, também denominados valores não antropocêntricos. Esses 
valores nascem a partir de visões individualistas ou grupais dos seres vivoslxiv,lxv: 
• Individualismo. Os defensores dos valores individuais argumentam que, como no 
caso dos humanos, cada um dos indivíduos animais possui um valor e, portanto, 
importância moral. Esse valor poderá ser diferente para os componentes de cada 
uma das espécies segundo seu nível de senciência e autoconsciência; para outros 
autores, o valor é igual para todas as espécies animais. No extremo, essa forma de 
pensamento leva a outorgar o mesmo valor para todos os indivíduos vivos 
(biocentrismo), desde uma célula de levedura até um caxinguelê ou um gorila. 
• Holismo. Neste caso, são os entes supraindividuais os que possuem valor. No caso do 
especismo, as espécies é que possuem status moral. No ecocentrismo, os 
ecossistemas são os entes moralmente valiosos, enquanto que os indivíduos e as 
Anthropocentrism versus Ecocentrism Revisited: Theoretical Confusions and Practical 
Conclusions 
“One of the most disputed questions in environmental philosophy can be characterized as 
an intellectual debate between anthropocentric and ecocentric approaches […] 
1) Anthropocentrists see hierarchy in natural order, where humans are above all other 
biota […] 
2) The first point often results in metaphysical dualism, an ontological divide between 
humans and other nature. […] 
3) Other nature is seen mechanistically; […] 
4) Humans are the only beings seen as intrinsically (in the meaning of 
“noninstrumentally”) valuable; […] 
5) It is held that human beings constitute the moral community. […] 
Holistic nonanthropocentrism, or ecocentrism, was introduced to the philosophical 
community by Aldo Leopold […]. Leopold’s main critique of anthropocentric attitude is 
that its nature-relation is merely economic; consequently, we seem to ignore the welfare 
of those beings and things in nature that don’t have any direct economic value to us.” 
 
Kortetmaki (2013) SATS 14, 21-37. Disponível em: 
https://www.degruyter.com/view/journals/sats/14/1/article-p21.xml 
https://www.degruyter.com/view/journals/sats/14/1/article-p21.xml
 
 
espéciespossuem valores ecológicos diferentes e, portanto, contribuem em maior ou 
menor medida ao valor moral do ecossistema. Finalmente, no extremo, outorga-se 
valor moral à biosfera toda. Em qualquer desses casos, as entidades (neste caso a 
biosfera) possuem interesses que não têm por que coincidir com as dos membros, 
(as espécies) e, no caso extremo, defende-se que os interesses humanos são 
irrelevantes frente aos da biosfera. 
A selvageria (a qualidade de ser prístino de contato com humanos), embora não 
possua um valor moral, às vezes é considerada como possuindo um valor intrínseco, e, 
portanto, devemos nos preocupar para que o nível de independência dos ecossistemas em 
relação ao ser humano (selvageria) se mantenha. Por isso, algumas pessoas consideram 
reprovável a reintrodução de espécies num ecossistema ou desextinção, porque os animais 
reintroduzidos perdem sua caraterística de selvagem quando passam pelas mãos humanas. 
 
 
 
 
2.5.3 Outras Visões Ecologistas 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Além das linhas de pensamento mencionadas anteriormente, existem também 
outras que, embora não majoritárias, possuem uma importância crescente para entender os 
debates existentes na sociedade sobre o ecologismo. 
• Ecofeminismo. Este é um movimento bem diverso, mas que tem um ponto em 
comum: existe uma ligação mutualmente fortalecedora entre a dominação da 
mulher e a dominação do meio ambiente que pode explicar os abusos atuais de 
ambos. As diferentes variantes de ecofeminismo oferecem diferentes explicações 
sobre qual é a ligação entre patriarcalismo e abuso do ecossistema e, em alguns 
casos, incluem explicações mais amplas que abrangem o racismo e o classismo na 
sociedade. Além disso, as visões ecofeministas usualmente fazem uma crítica contra 
o uso de princípios morais abstratos que não têm em conta as emoções na hora de 
fazer decisões éticas. Tudo isso influi na hora de outorgar status moral aos diferentes 
componentes dos ecossistemas e, em geral, à nossa relação com os seres vivos e a 
sociedade a um só tempo. Assim, existem ramos do ecofeminismo que podem ser 
denominados como ecofeminismo materialista, ecofeminismo vegetarianista e 
ecofeminismo espirituallxvi. 
• Pragmatismo Meio ambiental. Essa forma de pensar acredita que as aproximações 
“clássicas” (consequencialismo, deontologia etc.) não têm como oferecer um 
discurso único que possa nos dar linhas morais satisfatórias, de modo que se afastam 
disso e se concentram em objetivos práticos que podem ser discutidos, analisados e 
que, finalmente, possam produzir políticas ou diretrizes. Assim, acreditam que, em 
muitos casos, não existem contradições entre assumir uma posição antropocentrista 
“Debates on basic moral principles are important. One 
cannot just call for an end to the ‘humans first’ and 
‘nature first’ debate on the basis of expediency. […] 
Particular cultures have their specific conceptions of 
the good, and advancing decisions by using the 
machinery of the state to expedite matters is 
unacceptable. For instance, one can think of mining 
and its impact on a community’s way of life. Deciding 
on the basis of practicality in this regard is disrespectful 
and tyrannical. Policies advanced on the basis of 
expedient outcomes would be ethically and 
democratically deficient.” 
Maboloc, C. R. (2016) On the Ethical and Democratic Deficits 
of Environmental Pragamatism. J Human Values 22: 107-
114. Disponível em: 
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/097168581
5627930 
Figura 24 – Onde a mágica 
acontece. 
Fonte: 
http://www.remsol.co.uk/sustainabi
lity-pragmatism-vs-idealism/ 
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0971685815627930
https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/0971685815627930
http://www.remsol.co.uk/sustainability-pragmatism-vs-idealism/
http://www.remsol.co.uk/sustainability-pragmatism-vs-idealism/
 
 
ou defender valores não humanos, porque, no final, se o ecossistema é preservado, 
tanto os valores de uma aproximação como da outra são respeitadoslxvii. 
 
Considerações Finais: 
 
A bioética abrange mais do que simplesmente as atuações que têm os humanos 
como sujeitos. A consideração pelos animais, seja como instrumentos de experimentação, 
fonte alimentar ou companheiros de viagem na terra, é fácil de entender “instintivamente”. 
Porém, justificar quantos animais usarmos e de qual espécie numa determinada atuação 
experimental precisamos entender o conceito de senciência e nossa visão atual dela, entre 
outros requerimentos. 
Mas a vida, e a bioética, não estão restritas aos animais. Plantas, microrganismos e o 
ecossistema todo são também sujeitos de consideração. Assim que ainda hoje as visões 
desde a utilidade para os humanos sejam o ponto de partida do que entendemos como 
justificável, essas visões estão deixando espaço para outras onde os humanos somos apenas 
uma parte mais do ecossistema. 
 
Bibliografia consultada 
 
O texto desenvolvido aqui está baseado principalmente em: 
• Hubrecht, R. C. UFAW-The Welfare of Animals Used in Research. 2014. Willey 
Blackwell. 
• Mepham, B. Bioethics, An Introduction for the Biosciences. 2nd Edition. 2008. Oxford 
University Press. 
• Oksanen, M. & Siipi, H. (Eds) The Ethics of Animal Recreation and Modification. 2014. 
Palgrave McMillan. 
• Palmer, C., McShane, K. & Sandler, R. (2014) Environmental Ethics. Ann. Rev. Environ. 
Resour. 39:419-442. 
• Parekh, S. R. (Ed.) The GMO Handbook. 2004. Springer. 
• Ricroch, A. E., Guillaume-Hofnung, M. & Kuntz, M. (2018) The Ethical Concerns about 
Transgenic Crops. Biochem. J. 475: 803-811. 
 
 
• Steinbock, B. (Ed.) The Oxford Handbook of Bioethics. 2007. Oxford University Press. 
De forma complementar, podem consultar: 
• Andersen, M. L. & Winter, L. M. F. (2019) Animal Models in Biological and Biomedical 
Research - Experimental and Ethical Concerns. An Acad. Bras. Cienc. 91, e20170238 
[para legislação e instituições brasileiras sobre uso de animais em experimentação]. 
• Carere, C. & Mathers, J. (Eds) The Wellfare of Invertebrate Animals. 2019. Springer 
[para bioética relacionada aos invertebrados]. 
• Herring, R. J. (Ed.) The Oxford Handbook of Food, Politics, and Society. 2015. Oxford 
University Press [para Ética e Produção Agropecuária]. 
Os casos são de produção própria. 
 
 
 
 
 
 
O material Bioética Animal e Meioambiental de Agustín Hernández López está licenciado com uma 
licença Creative Commons - Atribuição-CompartilhaIgual 4.0 Internacional 
http://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/
 
 
http://poca.ufscar.br/ 
http://poca.ufscar.br/ 
Notas bibliográficas 
 
 
i Vignes, J. D. (2011) C. R. Biologies 334: 171-181. 
ii The Ethics of Research Involving Animals (2005) The Nuffield Council on Bioethics, Reino 
Unido. 
iii Hubrecht, R. C. (2014) UFAW-The Welfare of Animals Used in Research. Willey Blackwell. 
iv Hubrecht, R. C. (2014) UFAW-The Welfare of Animals Used in Research. Willey Blackwell. 
v Mepham, B. (2008) Bioethics: An introduction to the biosciences. 2nd Edition. Oxford Univ. 
Press. 
vi Mepham, B. (2008) Bioethics: An introduction to the biosciences. 2nd Edition. Oxford Univ. 
Press. 
vii The Ethics of Research Involving Animals (2005) The Nuffield Council on Bioethics, Reino 
Unido. 
viii The Ethics of Research Involving Animals (2005) The Nuffield Council on Bioethics, Reino 
Unido. 
ix Mepham, B. (2008) Bioethics: An introduction to the biosciences. 2nd Edition. Oxford Univ. 
Press. 
x The Ethics of Research Involving Animals (2005) The Nuffield Council on Bioethics, Reino 
Unido. 
xi Hubrecht, R. C. (2014) UFAW-The Welfare of Animals Used in Research. Willey Blackwell. 
xii Mepham, B. (2008) Bioethics: An introduction to the biosciences. 2nd Edition. Oxford Univ. 
Press. 
xiii Jones, R.C. (2013) Biol Philos 28: 1-30. 
xiv Hubrecht, R. C. (2014) UFAW-The Welfare of Animals Used in Research. Willey Blackwell.

Outros materiais