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S2 Medicina Alina Villela Valvopatias Introdução As valvulopatias podem afetar qualquer uma das quatro válvulas cardíacas, sendo as valvas aórtica e mitral as principais afetadas. Basicamente, as valvulopatias podem ser estenoses ou insuficiências. Nas estenoses, há sobrecarga de pressão nos ventrículos direito esquerdo, visto que essas câmaras precisam vencer a barreira da obstrução gerada pela dificuldade de abertura das válvulas, a fim de mandar o sangue adianta na circulação. Nas insuficiências, por outro lado, há uma sobrecarga de volume, visto que o coração precisa bombear mais sangue para compensar o volume regurgitado, o que ocorre devido à dificuldade da válvula em fechar. Anatomia Para nunca esquecer!!! Sopro = sangue passa por um buraco apertado (estenose) ou por um buraco que não deveria passar (insuficiência). Sopro diatólico em foco mitral (ou tricúspide) = estenose Sopro sistólico em foco mitral (ou tricúspide) = insuficiência Sopro diatólico em foco aórtico= insuficiência Sopro sistólico em foco aórtico = estenose S2 Medicina Alina Villela Estenose aórtica Estenose corresponde à dificuldade de uma válvula abrir. No caso da estenose aórtica, uma das principais causas é o envelhecimento associado a fatores de risco cardiovasculares, como hipertensão e dislipidemia. Esses quadros geram calcificações na válvula, o que leva a perda de mobilidade. Acredita-se que a calcificação valvar esteja associada a mecanismos inflamatórios ativos similares aos que ocorrem na doença coronariana. Outra causa dessa complicação é a febre reumática, que pode provocar todas as outras doenças valvares. Na febre reumática, ocorre a fusão comissural, que corresponde à fusão das bordas entre os folhetos da válvula, deixando uma abertura central em “boca de peixe”. Quando sadia, a valva aórtica não gera um gradiente de pressão entre o ventrículo esquerdo e a aorta, sendo as pressões nessas duas cavidades praticamente a mesma durante a sístole. Entretanto, quando há estenose aórtica, essa valva fica espessada, gerando aumento de pressão no ventrículo esquerdo, visto que o mesmo precisa “vencer” a força gerada pela estenose aórtica para conseguir impulsionar o sangue para a aorta e daí para a grande circulação. Assim, o ventrículo responde à pressão aumentada com hipertrofia, que no início é concêntrica, e com o passar dos anos pode ocorrer uma dilatação excêntrica. Isso é explicado pela equação de Laplace – Estresse = pressão x raio x ½ espessura, indicando que a força no miocárdio gerada pela pós- -carga varia diretamente com a pressão ventricular e com o raio da valva e inversamente com a espessura da parede. Além disso, esse aumento de pressão também é transmitido para o átrio esquerdo, que sofre uma dilatação, e para o pulmão. A longo prazo, esse aumento da pressão pulmonar provoca aumento das pressões do lado direito do coração e para o sistema venoso, assim, a hipertrofia, que busca compensar o desequilíbrio do sistema, acaba por se tornar um fator patológico. Observa-se assim, que o espessamento da valva aórtica provoca uma disfunção contrátil (insuficiência sistólica) e ainda um déficit no relaxamento normal (insuficiência diastólica), visto que a pós-carga excessiva gerada inibe a ejeção, reduz o débito cardíaco e leva à insuficiência, que piora à medida que aumenta a hipertrofia, pois as paredes ventriculares ficam mais rígidas, ou seja, têm maior dificuldade tanto de contração quanto de relaxamento. Pré-carga corresponde à pressão de sangue no ventrículo após seu enchimento passivo e contração do átrio (diástole). Pós-carga se refere à pressão enfrentada pelo ventrículo durante o processo de ejeção de sangue (sístole). O fator que mais interfere na pós-carga é a resistência vascular periférica. Sintomas Síncope (3 anos) Angina (5 anos) Dispneia (2 anos) A angina na estenose aórtica está associada à hipertrofia ventricular, que aumenta a demanda de oxigênio e a oferta não é capaz de atender essa demanda, provocando dor torácica devido à incapacidade de aumento do fluxo coronariano pela obstrução gerada pela estenose. A síncope que ocorre na estenose aórtica normalmente está relacionada ao esforço, devido ao baixo débito cardíaco provocado pela dificuldade de passagem do sangue, que pode ser compensado pela queda na resistência vascular periférica, levando a uma diminuição da pressão arterial e diminuição no fornecimento de sangue oxigenado para o cérebro. Diagnóstico ✓ Pulso parvus e tardus ✓ Ictus com intensidade aumentada ✓ Frêmito e sopro sistólico em foco aórtico ✓ B2 hipofonética ✓ Pode ocorrer ainda um desdobramento paradoxal de B2 e um galope de B4 ✓ ECG), que permite identificar sobrecarga do ventrículo esquerdo, S2 Medicina Alina Villela Insuficiência aórtica A insuficiência valvar corresponde a um fechamento incompleto da válvula, levando a uma regurgitação do sangue. “Doença que tudo pulsa!!” A insuficiência aórtica pode ser causada por defeitos congênitos (valva bicúspide), além da febre reumática e endocardite infecciosa. Porém, a principal causa dessa complicação é a dilatação da aorta, que pode ser resultado de hipertensão arterial sistêmica, dissecção de aorta e aneurisma, doença do tecido conjuntivo (Marfan – deficiência de colágeno), sífilis terciária e doenças reumáticas, sendo a espondilite anquilosante a principal delas. Quando a valva não fecha corretamente, o sangue retorna na diástole. Em condições normais, o sangue na diástole vem do átrio esquerdo, no caso da insuficiência aórtica, parte do sangue da diástole virá da aorta, o que gera sobrecarga de volume no ventrículo esquerdo, gerando uma hipertrofia excêntrica, pois a câmara esquerda é obrigada a aumentar para comportar essa quantidade de sangue. Com a evolução da doença, esse volume excessivo é transmitido para o átrio e, consequentemente, para os pulmões através das veias pulmonares. O aumento da pressão pulmonar transmite essa sobrecarga para o lado direito do coração, e daí para o sistema venoso. Sintomas O quadro clínico da insuficiência aórtica se associa à insuficiência cardíaca, cursando com dispneia, ortopneia e dispneia paroxística noturna (DPN), congestão sistêmica (edema de MMII e estase de jugular), e sensação de batimento mais intenso, devido à grande diferença entre as pressões sistólica e diastólica. Os sinais periféricos são numerosos, incluindo pulso em martelo d'água (pulso de Corrigan), leves oscilações da cabeça para baixo e para a frente (sinal de Musset), pulsação na base da língua (sinal de Minervini), pulso capilar (sinal de Quincke), sensação de choque à ausculta de certas artérias, como a pediosa (pistol shot), duplo sopro auscultado à compressão da femoral (sinal de Duroziez) e ausculta na artéria femoral de um primeiro ruído tipo présistólico e um segundo ruído correspondente à segunda bulha (duplo som de Traube). Diagnóstico ✓ Sopro sistólico em FA Melhor audível com o tronco inclinado para frente, posição de cócoras = intensifica o sopro ✓ B3 ✓ PA divergente (pressão sistólica fica mais elevada, enquanto a pressão diastólica fica mais reduzida, devido ao regurgitamento) Lembrando, pressão de pulso é resultado da contração cardíaca. Esse pulso é chamado de pulso de Corringan ou em martelo d’água, e pode estar associado ao sinal de Musset, no qual há movimentação sútil da cabeça. ✓ Ictus hiperdinâmico e impulsivo desviado, devido à dilatação excêntrica ✓ No ECG, deve-se procurar evidências de sobrecarga do ventrículo esquerdo ✓ O raio-X de tóraxpermite identificar a dilatação cardíaca (aumento do AE) ✓ O ecocardiograma permite visualizar a regurgitação aórtica ✓ Congestão pulmonar S2 Medicina Alina Villela Estenose mitral A valva mitral faz o controle da passagem do sangue do átrio esquerdo para o ventrículo esquerdo e sua dificuldade em abrir é gerada pelo seu espessamento, normalmente provocando defeitos nas comissuras que conectam os dois folhetos dessa válvula. A principal causa de estenose mitral é a febre reumática, sendo mais comum em mulheres, manifestando-se normalmente por volta dos 40 a 50 anos. Há outras causas, no entanto, como a calcificação do anel mitral no envelhecimento, doença infiltrativa (mucopolissacaridose), endocardite infecciosa e síndrome carcinoide, relacionada com tumores neuroendócrinos que produzem substâncias semelhantes à serotonina, que pode se acumular na valva e causar estenose, porém essas causas são raras. A febre reumática ocorre devido à infecção por S. pyogenes, estreptococos do grupo A e um dos principais causadores das faringoamidalites. Nestas situações, o organismo produz anticorpos, que quais podem ter reação cruzada com proteínas cardíacas, principalmente da válvula mitral. O acúmulo de anticorpos na válvula provoca alterações como espessamento, fusão comissural, fibrose e calcificação, que levam à estenose devido à redução da mobilidade. Quando há estenose mitral, é gerado um gradiente de pressão persistente entre o ventrículo e o átrio esquerdos (normalmente o gradiente é transitório, ocorrendo no momento do enchimento ventricular), levando a uma dilatação do átrio esquerdo. Essa pressão, a longo prazo, também é transmitida pela veia pulmonar para o pulmão, causando aumento passivo da pressão pulmonar. Com a evolução da doença, essa sobrecarga se reflete nas câmaras direitas do coração, levando à congestão sistêmica. Com a cronicidade desse aumento de pressão, ocorre o remodelamento dos vasos, com fibrose - que gera vasoconstrição - e o aumento de pressão que antes era passivo, passa a ser ativo. No entanto, a fração de ejeção é reduzida, devido à uma pré-carga reduzida, gerada pela obstrução do fluxo pela estenose, e pós-carga aumentada, graças à vasoconstrição reflexa gerada pelo débito cardíaco reduzido (sistema renina-angiotensina-aldosterona). Sintomas Pacientes com estenose mitral normalmente cursam com dispneia aos esforços, fadiga, ortopneia, DPN e edema agudo de pulmão (EAP) por taquicardia, pois quando a frequência cardíaca é muito elevada, o átrio tem menos tempo para bombear o sangue para o ventrículo, levando ao acúmulo de sangue nessa câmara e posterior transferência para os pulmões. Além disso, podem ocorrer palpitações, devido à dilatação atrial, principalmente fibrilação atrial; rouquidão (síndrome de Ortner), quando o átrio se torna grande suficiente para comprimir o nervo laríngeo recorrente (responsável pela movimentação das cordas vocais); e hemoptise, devido ao edema pulmonar e consequente ruptura das anastomoses das pequenas veias brônquicas. Diagnóstico ✓ Sopro diastólico em ruflar no FM ✓ B1 pode estar hiperfonética ✓ A B2 normalmente é seguida por um estalido de abertura e a distância entre B2 e o estalido de abertura fornece uma estimativa da pressão no AE e da gravidade da estenose mitral. ✓ Também podem estar presentes crepitações pulmonares, turgência de jugular, refluxo hepatojugular, edema de membros inferiores e pulso arrítmico, normalmente com fibrilação atrial (FA). Na FA, desaparece o reforço pré-sistólico do sopro, tornando-se mais difícil a ausculta do sopro em ruflar. ✓ O ECG pode evidenciar sobrecarga dos átrios, a partir de alterações da onda P ✓ No raio-X, pode-se identificar o aumento do átrio esquerdo S2 Medicina Alina Villela Insuficiência mitral A insuficiência mitral primária ocorre quando o defeito é na válvula e/ou no aparato subvalvar (cordas tendíneas e músculos papilares), ou seja, quando as comissuras anteromedial e posterolateral deixam de ficar bem unidas. A principal causa desse tipo de insuficiência mitral é o prolapso da valva mitral (PVM), mas também pode ser causada por febre reumática (aguda), endocardite infecciosa, doença vascular do colágeno, calcificação anular e infarto. A insuficiência mitral secundária, por sua vez, é causada pela disfunção do miocárdio do ventrículo esquerdo, que leva à dilatação do anel valvar, devido à deslocação dos músculos papilares e/ou ruptura da cordoalha tendínea, que sustentam a valva mitral. Ou seja, nessa situação, a valva mitral em si está normal, o defeito está nas estruturas que regulam seu fechamento. As principais causas de insuficiência mitral secundária são doenças que causam dilatação ou hipertrofia do ventrículo: cardiomiopatia dilatada; cardiomiopatia hipertrófica; e a isquemia miocárdica, que gera alteração de contratilidade, levando a uma menor mobilidade da musculatura papilar, provocando tração na cúspide e, consequentemente, impedindo que a válvula se feche adequadamente. Como a válvula mitral não fecha, ocorre regurgitamente de sangue para o átrio esquerdo, gerando uma sobrecarga de volume nessa câmara. Com isso também será gerada uma sobrecarga de volume no ventrículo direito na sístole seguinte (soma o volume que regurgitou com o “novo” volume sanguíneo advindo do pulmão). Isso gera dilatação do átrio esquerdo e hipertrofia excêntrica do ventrículo esquerdo, que precisa aumentar a cavidade para comportar esse volume. O aumento de volume no átrio esquerdo gera aumento de pressão no pulmão, gerando congestão pulmonar. Este quadro é transmitido para o lado direito do organismo, normalmente em fases mais tardias da doença ou quando é um processo muito agudo, que não permite tempo de acomodação do pulmão. Sintomas Pacientes com PVM normalmente são assintomáticos, cursando raras vezes com palpitações. No entanto, os pacientes que apresentam insuficiência mitral mais grave, normalmente cursam com dispneia e ortopneia, devido ao aumento da pressão pulmonar. Os pacientes com insuficiência mitral por dilatação do átrio podem cursar com arritmia, principalmente fibrilação atrial, e a longo prazo desenvolver os sintomas de congestão sistêmica (insuficiência cardíaca direita). Diagnóstico ✓ Sopro holossistolico em FM ✓ B1 hipofonética, enquanto B2 apresenta desdobramento fisiológico, sendo seguida de B3, que aqui representa o enchimento rápido do VE graças ao grande volume de sangue retido no AE. ✓ Ao agachar, a musculatura dos membros inferiores contrai, e com isso ocorre um maior retorno venoso e, consequentemente, mais sangue regurgita, ou seja, o sopro ficará mais intenso. Outra manobra que pode ser empregada é a de esforço isométrico, como a preensão da mão (hand grip) gera aumento da resistência vascular periférica por compressão dos vasos, há um aumento do sopro aórtico (mais força para ejetar o sangue para a aorta). ✓ No ECG, a insuficiência mitral pode ser evidenciada pelos achados que revelam a sobrecarga das câmaras esquerdas: índice de Sokolov e o sinal de Strain. ✓ No raio-X, o aumento da câmara esquerda ✓ O ecocardiograma permite identificar o prolapso da valva mitral, além de fornecer medidas da quantidade de sangue regurgitada.
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