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3 - Distúrbios do líquido amniótico

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Distúrbios do líquido amniótico 
1. Introdução
· Feto é envolto por líquido amniótico (LA) durante todo o desenvolvimento intrauterino. La mantém homeostase térmica, proporciona proteção contra trauma mecânico, evita fenômeno compressivo do cordão umbilical, fundamental para adequado desenvolvimento do sistema muscoloesquelético, permitindo movimentação corporal.
· Presença de hormônios, fatores de crescimento, enzima etc., denota importante papel do LA no desenvolvimento e diferenciação dos epitélios intestinal e pulmonar, além de participação da homeostase fetal e ser ambiente estéril favorável para desenvolvimento do concepto.
· Alterações do volume estão classicamente associadas a aumento do risco perinatal e complicações no parto e puerpério. Incorporação de ultrassons na rotina permitem melhor diagnóstico e acompanhamento.
2. Fisiologia
· No início, líquido na cavidade amniótica é essencialmente um ultrafiltrado do plasma materno. Depois do 2 trimestre, difusão do líquido extracelular através da pele fetal torna a composição do LA semelhante à do plasma fetal.
· Depois de 20 semanas, com queratinização da pele fetal, fontes de LA passam a ser a urina fetal e o fluido pulmonar. A reabsorção se faz principalmente pela deglutição fetal, seguida de reabsorção intestinal e trocas através da superfície das membranas que revestem o cordão umbilical, a face fetal da placenta e a parede uterina. 
· Durante a segunda metade a gestação, produção de urina diária equivale a cerca de 30% do peso fetal e ele deglute de 20-25%. Fluído pulmonar representa cerca de 10% do peso corporal, mas somente metade ingressa na cavidade amniótica, sendo o restante deglutido. Aproximadamente 400mL/dia de líquido são absorvidos pela superfície placentária de feto com 3Kg. Já o volume mobilizado através da membrana é muito pequeno. Ainda não se conhece mecanismo regulatório preciso que determina quantidade de líquido amniótico; é possível que seja resultante da interação entre os diversos mecanismos que controlam isoladamente cada uma das vias de entrada e saída de líquido da cavidade amniótica.
· Durante a gestação, volume de LA aumenta até atingir cerca de 32 semanas e passa a diminuir gradativamente até o termo. Variação é proporcional ao valor médio encontrado em determinada idade gestacional, sendo muito menor durante 1º trimestre. 
3. Avaliação e diagnóstico
· Ultrassonografia é o método de escolha para diagnóstico e acompanhamento. Mas, diante de determinados sintomas, é possível suspeitar da presença dessas anormalidades.
3.1 Avaliação clínica
· Oligoâmnio: há suspeita quando volume uterino é menor do que o esperado, podendo se evidenciar a diminuição do líquido amniótico e o fácil reconhecimento das partes fetais pela palpação do abdômen materno. Mão pode relatar diminuição do movimento fetal ou perda de líquido por via vaginal.
· Polidrâmnio: queixa mais comum é dispneia, altura uterina é maior que a esperada e a pele do abdômen pode se apresentar distendida, lisa e brilhante, com presença de estrias extensas. Outras queixas: decorrentes de fenômenos mecânicos relacionados à sobredistensão uterina e à pressão sobre os órgãos adjacentes. Na palpação, há dificuldade para identificar partes fetais, em alguns casos útero pode apresentar hipertonia decorrente do volume excessivo. Auscuta dos batimentos cardíacos fetais é dificultada pelo excesso de movimentação do feto e observa-se sinal do Piparote. É comum edema nas porções baixas do ventre materno e nos membros inferiores. Quando o quadro é agudo, precoce e se desenvolve ao longo de poucos dias, podem ser detectadas contrações que caracterizam trabalho de parto prematuro.
3.2 Avaliação ultrassonográfica 
· Se houver suspeita clínica, diagnóstico das alterações do volume de LA pode ser confirmado por ultrassom que permite avaliar volume por critérios subjetivos ou semiquantitativos. Avaliação subjetiva torna mais difícil comparação dos resultados obtidos por diferentes observadores e depende da experiência. 
a) Critérios subjetivos: 
· Oligoâmnio: pequena quantidade de LA entre interfaces fetais e a parede uterina, constatação das pequenas partes fetais muito “aglomeradas” e diminuição evidente de LA, que dificulta estudo da morfologia fetal. 
· 
· Polidrâmnio: aumento evidente de LA com identificação de grandes bolsões, discrepância entre tamanho do feto e quantidade de LA e presença de espaço entre feto e a parede uterina anterior. Casos graves: placenta se apresenta fina por causa da distensão da cavidade amniótica. Se moderado, pode facilitar o estudo morfológico para investigar malformações fetais. Se acentuado, estudo é dificultado por causa do distanciamento entre parede abdominal anterior materna e o feto. Nesse caso, é frequente ocorrência de hipotensão materna supina, por compressão de veia cava inferior, o que dificulta ultrassom. 
b) Critérios semiquantitativos 
· Técnica do maior bolsão de LA: medida do diâmetro vertical do maior bolsão de LA, livre de partes fetais e alças do cordão umbilical. Salienta-se importância de evitar cortes oblíquos ou tangentes posicionando o transdutor perpendicular ao contorno da parede abdominal materna. Habitualmente feita na avaliação de volume de LA em gestações múltiplas ou quando fundo uterino não ultrapassa cicatriz umbilical. 
· Índice do líquido amniótico (ILA): ou técnica ods 4 quadrantes; gestante em decúbito dorsal horizontal, abdome é dividido em 4 quadrantes determinados pela linha nigra e pelo eixo transverso (nível da cicatriz umbilical). Resultado final: soma das medidas do bolsão vertical identificado em cada um dos quadrantes. Para evitar bolsões que contenham cordão umbilical, pode-se utilizar o recurso do mapeamento de fluxo colorido para facilitar a identificação destes, tem como principal vantagem ser de fácil padronização e apresentar boa reprodutibilidade. É utilizado preferencialmente acima de 28 semanas e quando o fundo uterino ultrapassa a cicatriz umbilical.
4. Oligoâmnio
· Redução do volume de LA classicamente definida como valores abaixo de 300-400mL. Incidência aproximada de 0,5-5,5% das gestações, dependendo de critérios utilizados para definição e das características populacionais.
4.1 Causas
· No 2º trimestre, o diagnóstico está frequentemente associado a quadros de insuficiência placentária grave com RCF, rotura prematura de membranas ovulares (RPMO) e anomalias fetais que impedem eliminação da urina fetal na cavidade amniótica, como agenesia renal bilateral, doença renal cística e obstruções baixas e bilaterais.
· Se relacionado a insuficiência placentária, déficit nutritivo e regime de hipóxia desencadeiam fenômeno de redistribuição da circulação fetal (centralização hemodinâmica), que destina maior fluxo sanguíneo para órgãos mais importantes (cérebro, coração e adrenais) em detrimento de outros (rins, pulmões e TGI). Hipofluxo sanguíneo gera diminuição gradativa do LA e favorece ocorrência de fenômenos compressivos do cordão umbilical, sofrimento fetal e, em graus extremos, óbito do produto conceptual. 
· Gestações múltiplas monocoriônicas podem ser complicadas pela síndrome da transfusão feto-fetal em até 10% dos casos; em formas graves, feto doador apresenta oligoâmnio.
· No 3º trimestre, principalmente no pós-datismo, diagnóstico de oligoâmnio é frequente e se associa ao declínio da função placentária. Estudos demonstram que pode haver uma diminuição de 25% do LA por semana após 41 semanas. Contudo, pode haver alteração abrupta do LA, por isso a avaliação do volume deve ter intervalos curtos.
· Exposição materna a substâncias como inibidores da síntese de prostaglandinas é outra situação de risco e pode cursar com redução acentuada do volume de LA em até 70% das ocasiões. Os efeitos dos iECA faz com que esse grupo seja contraindicado na gestação. 
4.2 Morbidade associada 
· Principais repercussões fetais de instalação precoce e persistente incluem hipoplasia pulmonar e aumento do risco de óbito perinatal. Principal fator preditor parece ser a idade gestacional
em que se instala o oligoâmnio. Hipoplasia pulmonar em 16% dos casos de rotura de membrana antes de 29 semanas. Risco de hipoplasia apresenta relação inversa com idade gestacional, diminuindo de 50 para 10 e 1% nos casos em que RPMO ocorre com 19, 25 e 31 semanas, respectivamente. 
· Outras consequências: deformidades do polo cefálico e da face, e mau posicionamento das extremidades.
· Em grupo composto por casos de oligoâmnio grave (ILA < 3,0cm), incidência de cardiotocografia anteparto suspeita ou alterada, perfil biofísico fetal alterado, dopplervelocimetria da artéria cerebral média com sinais de centralização, RN pequenos para idade gestacional e LA meconial foram significativamente maiores do que o grupo com ILA entre 3,1 e 5,0cm. 
4.3 Tratamento
· Manejo, eventual tratamento e prognóstico dependem fundamentalmente de minuciosa investigação para determinar a causa primária do quadro e também da idade gestacional em que é diagnosticado. É fundamental determinar etiologia com base nas seguintes condutas:
· Anamnese cuidadosa;
· Investigas sinais e sintomas que indiquem RPMO ou exposição a substâncias e medicamentos;
· Estudo detalhado da morfologia fetal para descartar malformações associadas e avaliar a adequação do crescimento fetal e dos parâmetros da vitalidade fetal nos casos de insuficiência placentária;
· Exceto casos de malformação com prognóstico ominoso, o sucesso da conduta dos casos depende do controle rigoroso da vitalidade fetal. Ponderar riscos de prematuridade e sofrimento fetal é outra premissa relevante. Resolução da gestação é indicada em casos de oligoâmnio com maturidade pulmonar comprovada ou quando as provas de vitalidade fetal estão alteradas, independentemente da maturidade, mas após a viabilidade.
· Em idade gestacional igual ou superior a 37 semanas, recomenda-se resolução. Se quadro é acompanhado de RCF, resolução pode se dar antes. Se inferior a 37, analisa ILA; oligoâmnio grave é situação em que se indica resolução da gestação; se ILA entre 3,0 e 5,0cm, analisar o caso com base em condição clínica materna e fetal. Os exames de vitalidade fetal poderão estabelecer conduta caso haja evidência de sofrimento fetal. Em ausência de maturidade, recomenda-se internação da pct para repouso e vigilância materno-fetal intensiva pela avaliação de vitalidade.
4.4 Hidratação materna
· Relacionado ao volume intravascular e à osmolaridade. Parece ser principal fator regulatório materno do volume de LA. É fácil compreender que casos de oligoâmnio decorrentes de desidratação materna grave sejam revertidos com reposição volêmica adequada. 
· Devido a pluralidade e complexidade dos diversos mecanismos regulatórios da homeostase do LA, ainda não se sabe peso e importância precisos que o estado de hidratação materna desempenha na determinação do volume de LA quando não há alterações tão significativas no estado materno tanto em gestação normal quanto nas com oligoâmnio. Provável que impacto dependa da causa primária da redução do volume de LA, uma vez que dificilmente casos decorrentes de anomalias fetais, por exemplo, serão beneficiados por essa forma de intervenção.
· Estudo com 2L de água administrados por VO em casos de oligoâmnio demonstraram aumento de 30% no ILA. Se hidratação for realizada com volume de LA normal, aumento observado é de 16%. Hidratação materna cursa com alterações significativas na osmolaridade materna, o que torna necessário estudar também a segurança, além da real eficácia, desse método como forma de tratamento para olgoêmnio.
4.5 Amnioinfusão 
· Realização de amniocentese para infusão de SF na cavidade amniótica. Relata-se volume infundido de 40-640 mL. Pode ser realizado para fins de diagnóstico – aumenta-se a quantidade de Lae cria-se melhores condições tanto para o ultrassom quanto para o propósito terapêutico fetal.
· Papel terapêutico foi avaliado em 9 casos com crescimento fetal normal e sem anomalias congênitas submetidos a procedimentos repetidos a intervalos semanais. Do grupo, 3 crianças sobreviveram, 3 apresentaram óbito neonatal por complicações pulmonares e um caso de óbito intrauterino. Em 2 casos houve interrupção voluntária da gestação. Assim, papel para amnioinfusão na terapêutica do oligoâmnio visando a prevenção da hipoplasia pulmonar e à melhora dos resultados neonatais ainda permanece obscuro. No trabalho de parto, a técnica não demonstrou benefício na prevenção da síndrome da aspiração meconial. 
4.6 Reparo do defeito
· Fibrina, plaquetas e criopreciptados têm sido utilizados com o intuito de selar o defeito nas membranas fetais, nos casos em que o oligoâmnio decorre de RPMO; contudo, maior parte dos estudos são relatos de caso. Eficácia e biossegurança ainda não foram propriamente examinadas. Ainda deve considerar experimental.
5. Polidrâmnio 
· Volume de líquido excede 2.000 mL; ocorre em 0,4-1,5% das gestações. Pode se desenvolver de forma aguda (poucos dias) ou crônica (ao longo de semanas). Aguda é mais comum durante o 2º trimestre, habitualmente antes de 24 semanas. É quadro grave e cursa com trabalho de parto prematuro e elevados índices de mortalidade perinatal. Forma crônica é diagnosticada com maior frequência no 3º trimestre e a evolução fetal é mais favorável.
5.1 Causas
· Diversas e podem envolver fatores maternos, fetais e/ou placentários. Em estudo com 120 casos, incorporando ultrassom como propedêutica, 60% foram classificados como idiopáticos. Anomalias fetais identificadas em 19%; 7,5% em gestações gemelares; diabetes materno associado em 5%. 8,5% tinham etiologia mista. Outro estudo, 99 casos, aponta 60% idiopático, 19% diabetes materno associado, 9% gestação gemelar, em 12% identificadas malformações fetais.
· Muitas anomalias fetais estão relacionadas. Estudo com fetos com polidrâmnio grave aponta maior envolvimento do SNC (52%), digestivo (47%, cardiovascular (30%), musculoesquelético (19%) e genitourinário (16%). Dentre anomalias do SNC cita-se anencefalia e espinha bífida; no digestório, atrésia esofágica e duodenal; cardiovascular, principalmente arritmias cardíacas. Além dessas, existem hérnias diafragmáticas e displasias esqueléticas com compressão torácica. 
· DM constitui principal condição materna associada ao problema. Mecanismo fisiológico sugerido é relacionado a hiperglicemia fetal com consequente poliúria. Outra possibilidade é o aumento na concentração de glicose presente no LA que provoca influxo de água para a cavidade amniótica seguindo gradiente osmótico. Estudo aponta que em pct com DM pré-gestacional a média do ILA é significativamente maior a partir de 32 semanas. Constatou-se, ainda, que alterações do ILA, principalmente superiores a 18,0cm, estão relacionadas ao nascimento de criança grande para a idade gestacional.
· Antes, polidrâmnio era frequentemente encontrado em pct aloimunizada. Mecanismo nesse caso é associado ao hiperdinamismo da circulação fetal decorrente de anemia grave. Com aprimoramento, polidrâmnio nessa doença tem sido cada vez menos frequente.
· Entre causas placentárias, mais frequentemente encontrada é polidrâmnio associada a gestações monocoriônicas. Pela presença de anastomoses vasculares entre as duas circulações fetais, uma parcela dos casos é complicada pela síndrome de transfusão feto-fetal grave, em que feto receptor geralmente é hipervolêmico e apresenta aumento da produção urinária, o que ocasiona polidrâmnio.
5.2 Morbidade associada
· Polidrâmnio associado a maiores taxas de morbimortalidade do que na população em geral. Se deve à maior frequência de malformações e aneuploidias fetais nesses casos, além da associação com quadros de doença aloimune grave e DM não compensado. Prognostico depende do tipo e gravidade das anomalias fetais e dos cuidados durante a gestação, parto e puerpério das citadas condições maternas.
· Além de desconforto respiratório materno, principais complicações são trabalho de parto prematuro, RPMO, descolamento prematuro de placenta (DPP), apresentação fetal anômala, parto moroso e distocia funcional, prolapso de membros
ou cordão, atonia uterina e hemorragia pós parto.
· Estudo constatou resultado neonatal favorável nos casos classificados como leves; nesses, causa provável foi encontrada em cerca de 15% das vezes. Nos casos graves, causa provável foi determinada em 90% e houve frequente associação com malformações fetais e pior prognóstico neonatal.
5.3 Tratamento
· Deve sempre levar em consideração a origem primária. Se possível, correção das causas maternas e fetais proporciona melhora no volume do LA. Raramente necessita de tratamento; quadros que cursam com desconforto materno podem ser conduzidos de forma não intervencionista.
a) Amniodrenagem: nos casos associados a dispineia e/ou dor abdominal materna, realizar amniodrenagem aliviadora (alívio temporário do sintoma materno). È procedimento invasivo que consiste na punção percutânea da cavidade amniótica para drenagem do LA. Cap 66 Não é isento de risco, em casuística envolvendo 134 amniodrenagens, relatou-se incidência de 3% de complicações sendo as principais: rotura de membranas, trabalho de parto prematuro e corioamnionite, descolamento prematuro de placenta (DPP ocorre principalmente quando o esvaziamento se dá muito rápido). Procedimento pode ser realizado, ainda, com intuito de reduzir o risco de esvaziamento e descompressão uterina súbitos, após a amniotomia, minimizando a chance de complicações como prolapso de cordão e DPP.
b) Inibidores da prostaglandina: administração de indomectina à mãe é alternativa não invasiva. Emprega-se 1,5-3mg/Kg/dia; parece reduzir a produção de LA pelo feto, atuando diretamente no epitélio pulmonar e nos rins. Estudos demonstram eficácia em praticamente todos os casos, contudo induz fechamento precoce do ducto arteioso fetal como efeito colateral em 70% dos casos, assim, não se utiliza esse tratamento no HC-FMUSP.

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