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Gestalt-terapia e Esquizoanálise Bruno Carrasco Gestalt-Terapia Gestalt-Terapia Abordagem em psicoterapia desenvolvida entre as décadas de 1940 e 1950, pelo (ex-)psicanalista alemão Friedrich Perls, juntamente com sua esposa, Laura Perls, e o psicoterapeuta norte-americano Paul Goodman. A palavra "gestalt" é um termo alemão que não possui tradução para o português, seu significado seria algo como configuração, forma ou integração. Bases e prática Com bases no existencialismo, no humanismo e na fenomenologia, a Gestalt-Terapia se dedica ao entendimento do modo como se constitui a percepção que cada pessoa possui da realidade e de si mesma, tendo como objetivo entrar em contato com os fenômenos e com as pessoas de forma afetiva e ativa, possibilitando uma ressignificação criativa da experiência vida de cada indivíduo. Sua prática psicoterapêutica incentiva a conscientização dos sentimentos e pensamentos próprios da pessoa atendida, valorizando a vivência do momento presente, no aqui e no agora, possibilitando o desenvolvimento de um modo de ser autêntico na sua relação consigo mesma e com as outras pessoas. Foco e questões O grande foco da Gestalt-Terapia está voltado para a percepção, e questões sobre como se dá a nossa percepção e de que modo ela influencia nossos sentimentos e comportamentos. Questões: ● Como a nossa percepção influencia nossos sentimentos e ações? ● Como diminuir as resistências da pessoa para compreender ela mesma? ● Como nos aproximamos ou nos distanciamos do que sentimos? ● O que nos torna autênticos e o que nos torna inautênticos? ● Como percebemos o mundo a nossa volta? Concepção de realidade A Gestalt-Terapia acredita que nossa concepção de realidade é criada pela maneira como interpretamos as nossas experiências e não pelos fatos que acontecem. A maneira que escolhemos encarar a vida implica na maneira como vivemos ela, as verdades que acreditamos são sempre verdades pessoais. Os gestaltistas negavam um dos princípios básicos do método científico, o de que "o todo" pode ser entendido mediante sua redução em pequenas partes. Eles entendem que as coisas se apresentam primeiramente em sua totalidade de forma e configuração, e somente depois nos atentamos para os seus detalhes. “Gestalt” Toda a percepção que temos de algo, seja um objeto, uma pessoa ou de uma situação, compõe uma "gestalt", uma configuração totalizante que não pode ser compreendida pela soma de suas partes. O conjunto do todo é mais que a soma das partes. Na experiência de escutar uma música, por exemplo, se uma nota da música que conhecemos é alterada, altera-se o todo, a música deixará de ser a mesma. Do mesmo modo, não são as partes separadas de uma melodia que caracterizam a percepção de uma música. Se mudarmos as relações, a qualidade do todo mudará completamente. "O primeiro e último problema do indivíduo é integrar-se internamente e ainda assim, ser aceito pela sociedade." (Fritz Perls) Figura e fundo Apesar de termos uma percepção do "todo", nosso foco perceptivo acontece sempre parcialmente, de modo que nossa percepção se caracteriza por um processo de figura-fundo, onde sempre focamos em algo específico, considerado como "figura", e deixamos de lado todo o restante, chamado de "fundo". O processo terapêutico consiste em auxiliar a pessoa atendida a tomar consciência de seus sentimentos presentes e de suas percepções, possibilitando assumir a responsabilidade por suas escolhas e incentivando o encontro e a criação novos caminhos que sejam satisfatórios para si, incentivando uma fluidez nos processos do indivíduo e colocando este como participante ativo em suas percepções, ao invés de um recipiente passivo. “A terapia possibilita ao indivíduo deixar de repetir de forma morta sua vida, apresentando um novo conflito criativo que convida ao crescimento, à mudança, ao excitamento e à aventura de viver.” (Fritz Perls) Contato com os sentimentos autênticos De acordo com Fritz Perls, um dos criadores da Gestalt-Terapia, a capacidade de entrar em contato com os sentimentos autênticos - emoções e pensamentos verdadeiros - era mais importante para o crescimento pessoal do que as explicações psicológicas. A pessoa é incentivada a reconhecer seus sentimentos e suas escolhas genuínas, percebendo melhor o que quer e o que não quer. Podemos perceber isso na linguagem cotidiana, quando uma pessoa diz "não posso fazer isso", mas gostaria de ter dito "não quero fazer isso", ou, diz algo como "eu preciso ir embora", ao invés de "eu quero ir embora". “Perca a cabeça e encontre as suas razões.” (Fritz Perls) Princípios e valores ● A pessoa é um todo, maior do que a soma de suas partes; ● Em nossa percepção há coisas que são figura e outras que são fundo, as figuras tomam um caráter mais importante, enquanto o fundo não é tão percebido conscientemente; ● A percepção que a pessoa tem de si e do mundo que vive orienta seus movimentos, buscas e desejos; ● O modo que escolhemos encarar a vida implica na maneira como vivemos e experimentamos ela; ● Não existe uma verdade absoluta, igual para todos, a única verdade que alguém pode ter é a sua própria verdade pessoal. “Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não, não há o que fazer.” (“Oração da Gestalt”, por Fritz Perls) Esquizoanálise Esquizoanálise O termo esquizoanálise vem do germânico “esquizo”, que significa fender, dividido, dual, dualidade; e “análise”, que significa o exame de algo. É uma proposta de teoria e prática que surgiu do encontro entre o filósofo Gilles Deleuze (1925-1995) e o psicanalista Félix Guattari (1930-1992), logo após o movimento revolucionário “Maio de 68” na França. A esquizoanálise trata-se de uma clínica nômade, mutante e rizomática, com foco na criação de novos modos de subjetivação, de ser e se colocar no mundo. Esquizo significa muitos, representa os múltiplos seres que nos habitam e que habitamos, que podem ser captados por meio de uma cartografia e do exame de deles na relação com o todo. Maio de 1968 - França No dia 6 de maio de 1968, a União Nacional de Estudantes da França e o sindicato dos professores universitários convocaram uma passeata com objetivo de protestar contra a invasão da Universidade de Sorbonne pela polícia. A marcha teve a participação de mais de 2 mil estudantes, professores e simpatizantes do movimento que avançaram em direção à Sorbonne e foram violentamente reprimidos pelos policiais, deixando as ruas de Paris, por vários dias, um cenário de guerrilha. O movimento cresceu tanto que os operários se uniram aos universitários e promoveram posteriormente a maior greve geral da Europa, o que balançou o governo do então presidente da França, Charles De Gaulle. Consequências do maio de 1968 Bandeiras como feminismo, anti-racismo, pacifismo e orgulho LGBT são certamente frutos da força desse momento “Maio de 68”. Foi nas ruas de Paris que se iniciou a queda do Muro de Berlim, a Primavera de Praga e, pela primeira vez, falou-se da condição feminina. Antes do Maio de 68 mulheres não podiam ir de calças para ir às aulas. O movimento provocou o aumento de salários, possibilitou a participação dos estudantes na vida universitária. A universidade mudou! A partir dali era possível pensar pela própria cabeça, a ter relações mais livres, a intervir mais. Essa inquietação é um legado presente até hoje na cultura francesa e que avançou fronteiras, levando esse traço de rebeldia criativa para os quatro cantos do mundo. Clínica esquizoanalítica A clínica segundo a Esquizoanálise trata-se de um processo de análise dos modos de subjetivação de sujeitos e grupos em suas relações com instituições e os espaços. Exploraas relações sociais e afetivas, a micropolítica e questiona nossas próprias ações, buscando ativar a potência revolucionária do desejo. Sua intenção é romper com as barreiras da estrutura dos saberes instituídos em troca de um saber subterrâneo chamado de rizoma, rompendo com o diagnóstico médico que utiliza a patologização para orientar a prática médica e a psicologia clínica, enquadrando o sujeito em categorias que o impedem de trocar informações com outros territórios e o cristalizam numa subjetividade que não o pertence. Deste modo, possibilita olhares e ações mais voltados para a experimentação, possibilitando outros modos de subjetivação. Leitura cartográfica A leitura cartográfica é uma leitura dos processos, com intuito de perceber as conexões da pessoa com os objetos, espaços, outras pessoas e consigo mesma. Ela possibilita refletir sobre o modo como nos afetamos ou somos afetados nas relações que estabelecemos, ou como nossas relações criam sentidos e nos constituem como um uno-múltiplo, inclusive por onde nosso desejo transita. O desejo está ligado com a produção, a doença está no mundo: no capitalismo, na história, nos povos, etc. O que faz com que um processo seja bloqueado está associado com seu contexto, é fruto de um processo de relação. Somos seres inacabados e em permanente transformação, passamos por situações que bloqueiam nossos movimentos e nos geram sensação de incômodo, e para cada uma das situações há muitas saídas. “Cada um de nós somos vários; nós juntos já é muita gente; há o que nos aproxima de mais próximo e de mais distante; não somos mais somente nós mesmos, fomos alterados, aspirados, multiplicados; a lei do Uno que se torna dois, depois dois que se tornam quatro - pode-se passar diretamente de Uno a três, quatro ou cinco.” (Deleuze e Guatarri, em ‘Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia’) Processo de análise A análise pode partir da escuta de um sujeito: das coisas que faz e gosta de fazer, de suas queixas, de suas potências, de seus sintomas, dos espaços que transita, das pessoas que para si são significativas. Esse procedimento não é estático, pois todo sujeito está sempre produzindo novas ações e novos problemas, por conta de novas experimentações, criando novas conexões e oportunidades. Com a análise de múltiplos elementos de um sujeito (família, escola, amigos, vizinhos, sintomas, potências), não com a intenção de interpretar, mas experimentar, se pretende auxiliar o sujeito a criar e potencializar novas possibilidades, acompanhando este e não induzindo. É possível facilitar o processo com dispositivos, como: livros, poesias, músicas, colagens, entre outros, que auxiliem na busca de potencialidades. “O devir não é se direcionar para uma forma, é algo inacabado, sempre em curso, o devir sempre está ‘entre’.” (Gilles Deleuze, em 'A Literatura e a Vida') Clínica rizomática O capitalismo gera uma impossibilidade de cada indivíduo buscar o que constitui a si mesmo, somos afetados por muitas coisas sem entender o que elas são. Por meio de uma clínica do movimento e da experimentação que se faz no encontro do sujeito para criar, inventar e potencializar, onde se cria novas possibilidades para cada um, percebendo o que faz seu corpo expandir e não contrair. A clínica rizomática procura buscar o sinal de vida que se encontra na dor, procurando perceber como cada pessoa se deixa afetar com seu corpo a partir das relações e da abertura pelas quais se conecta com o mundo, como se afeta pelo outro. Acredita-se que podemos criar possibilidades de enxergar novos mundos através das experiências e por meio da arte. Encontrar a potência Encontrar a potência em meio a confusão, olhando para a vida existente na pessoa e não para a doença, valorizando o processo, onde as coisas vão se fazer, fazendo. A ideia de enfermidade está ligada ao aprisionamento, parada de processos, interrupção do devir. A doença é concebida como algo que nos impede de criar novos modos de ser e de se fazer. Para isso devemos intervir na criação de uma nova sintaxe e de novos meios de subjetivação. A esquizoanálise não tem como intuito instituir algo, pode se compor de inúmeros dispositivos que estimulam a experimentação para transformar pessoas e relações, no sentido de se movimentar e se reinventar, explorando novas conexões e modos de ser, fomentando práticas inovadoras e alternativas, com respeito às singularidades. “Se cria uma terceira pessoa para perceber a nós mesmos sem que esteja em primeira pessoa, quando se alcança esta visão, se potencializa o devir; consiste em se criar o que se falta; cada um cria sua própria língua, sua própria bandeira, seu hino, sua lei e sua sentença.” (Gilles Deleuze, em 'A Literatura e a Vida') Não interprete, experimente Esta perspectiva envolve um processo de análise dos modos de constituir as subjetividades de sujeitos e grupos nas suas relações com instituições e com o mundo, buscando ampliar as explorações sociais e afetivas, questionando as próprias ações, desconstruindo modelos de representação e ativando a potência revolucionária do desejo. A experimentação se faz no encontro do sujeito para criar, inventar e potencializar novos caminhos, indo no sentido do que faz seu corpo expandir, não contrair. Para esta vertente, o sujeito está além de diagnósticos ou classificações, pois estes podem o impedir de usufruir suas potências por cristalizarem identidades pouco maleáveis. Possibilita olhares e ações mais para a experimentação do que para a interpretação. “Não há programas de vida, cada um se constrói e surge na prática, as coisas vão se fazer, fazendo.” (Gilles Deleuze) Referências Bibliográficas DELEUZE, Gilles; GUATTARI, Félix. Mil Platôs: capitalismo e esquizofrenia. São Paulo: Editora 34, 1995. KIYAN, Ana Maria Mezzarana. O gosto do experimento: possibilidades clínicas em Gestalt-terapia. São Paulo: Altana, 2009. PERLS, Fritz. Gestalt-terapia explicada. Summus, 1977. Referências Bibliográficas POMPÉIA, João Augusto. Uma caracterização da psicoterapia. Associação Brasileira de Daseinsanalyse n.9, (dez.2000), p.19-30. POMPÉIA, João Augusto. Desfecho - Encerramento de um processo. Palestra proferida na Faculdade de Psicologia da Universidade Católica de Santos, 1990. Editado por Maria de Jesus Tatit Sapienza, a partir da gravação original. Por: Bruno Carrasco Professor de filosofia e psicologia, graduado em psicologia, licenciado em filosofia e em pedagogia, pós-graduado em ensino de filosofia e em psicologia existencial humanista e fenomenológica, pós-graduando em aconselhamento filosófico. www.brunodevir.blogspot.com www.instagram.com/brunodevir www.fb.com/brunodevir http://www.brunodevir.blogspot.com http://www.instagram.com/brunodevir http://www.fb.com/brunodevir
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