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13
Introdução ao pensamento 
filosófico
Introdução
A Filosofia do Direito é uma parte da Filosofia. Assim, para se entender 
adequadamente o movimento dos pensadores que articularam conceitos 
e ideias referentes à categoria Justiça, é importante antes esboçar algumas 
considerações preliminares acerca da Filosofia, para depois ser possível 
entrar com mais segurança no terreno da Filosofia do Direito.
Algumas questões são importantes: o que é Filosofia? A Filosofia é uma 
ciência? Qual a sua função? Qual o método que utiliza para analisar seus con-
teúdos? Como a Filosofia pode contribuir com o Direito? Essas são questões 
que tentaremos responder neste primeiro capítulo.
O leitor verá no decorrer dos capítulos que os autores possuem visões 
muitas vezes até opostas em relação à mesma matéria, o que poderia ser 
uma desvantagem à Filosofia, sob a argumentação de que nem ela é exata 
e nem ela é capaz de ter unanimidade naquilo que se propõe a responder. 
Contudo, isso não vem a ser muito importante, como demonstraremos mais 
adiante.
Primeiramente, para se entender adequadamente o que seria a Filosofia, 
é preciso vê-la em sua totalidade de movimento, ou seja, em todo o seu per-
curso, e não se atendo a este ou aquele filósofo. Talvez a melhor maneira de 
entender esse conceito é voltando justamente ao momento de sua criação, 
no tempo dos filósofos pré-socráticos na Grécia Antiga, pois, como se verá, 
a tônica que gerou a Filosofia será a mesma que atravessará os séculos, qual 
seja: a Filosofia como admiração ao saber.
O primeiro pensador a empregar o termo filosofia foi Pitágoras, que 
juntou as palavras philos (amor) e sophia (saber), ou seja, o amor ao saber, à 
sabedoria. “O termo é deveras expressivo. Os primeiros filósofos gregos não 
concordaram em ser chamados sábios, por terem consciência do muito que 
ignoravam. Preferiam ser conhecidos como amigos da sabedoria, ou seja, 
filósofos”. (REALE, 2002, p. 5).
Este material é parte integrante do acervo do IESDE BRASIL S.A., 
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Introdução ao pensamento filosófico
O historiador Diôgenes Laêrtios nos lembra ainda que para os gregos a 
sabedoria era considerada algo supremo, que somente os deuses eram ca-
pazes de possuir. Os homens nunca conseguiriam alcançar o completo en-
tendimento do mundo, das coisas, do Universo, da vida, dos deuses ou de si 
mesmos (LAÊRTIOS, 1987, p. 15). Contudo, isso não era desmotivador, pois a 
exigência de aprender, aliada à humildade de reconhecer que pouco se sabe, 
era a força que impulsionava aqueles pensadores ao desconhecido, a tentar 
chegar cada vez mais próximo da sabedoria. Por certo, Pitágoras foi um dos 
maiores filósofos, pois essa noção de humildade e necessidade de conhe-
cer nasceu da sua incrível estupefação diante das maravilhas que a natureza 
punha diante de si. Não por acaso essa estupefação o conduziu a pesquisar a 
Matemática, a Ética, a Teologia, a Astronomia, a Música, e tantas outras maté-
rias do conhecimento. O completo entendimento de todo esse universo que 
nos rodeia é possível somente aos deuses, de forma que buscarmos avançar 
cada vez mais nesse anseio é também trilhar um caminho divino.
“Na Metafísica, Aristóteles afirma que a Filosofia era a admiração pelo 
saber, e por isso mesmo aqueles que amavam os mitos eram filósofos, 
porque nutriam nos mitos essa admiração pelo saber” (ARISTÓTELES, 2002). 
Os mitos não eram, para os gregos, apenas um conjunto de crenças, aspec-
tos culturais e religiosos de um povo, eram manifestações do íntimo humano 
na tentativa de explicar os fenômenos naturais, sociais, o cosmos, os deuses. 
Portanto, os mitos também exprimiam a admiração ao saber, e por isso é 
imprescindível que partamos deles para depois explorarmos a história do 
pensamento filosófico.
Nossa pesquisa pretende apresentar a concepção de Justiça na história 
da Filosofia, de forma que o princípio originário da Filosofia não se torna aqui 
tão fundamental. Partiremos do fato de que, mesmo já tendo sido desper-
tado o pensamento acerca da verdade e a busca pela explicação da estru-
turação do Universo e da vida em geral anteriormente em outros povos, é 
somente com os gregos que ela recebe seus maiores contornos racionais, 
isto é, um estudo que diga como, de onde, e por que as coisas são como são. 
E essa forma de pensar é criação própria dos gregos (HIRSCHBERGER, 1969).
Nas culturas anteriores aos gregos,1 o pensamento e a verdade não eram re-
fletidos e construídos pelo indivíduo comum, membro da comunidade, mas 
por sentenças irrefutáveis proferidas pelos grandes sacerdotes religiosos. 
Os gregos, por outro lado, trouxeram o estudo da verdade para a dimensão 
1 Entre elas citamos os egíp-
cios, indianos e os povos da 
antiga Mesopotâmia.
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Introdução ao pensamento filosófico
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humana, para dentro da vida humana, e, como se verá, ainda mais além, para 
dentro da vida política.
Contudo, a passagem do pensamento religioso para o filosófico se dá 
também na passagem do mito à Filosofia. Antes da Filosofia, eram os mitos que 
traziam os grandes ensinamentos morais e de conhecimento, de forma que 
entender essa mudança é entender o nascimento da racionalidade filosófica.
A passagem do mito à Filosofia
Precisar o limiar transitório entre o pensamento mítico e o pensamento 
filosófico é uma tarefa difícil. De fato, conforme atesta Aristóteles no primei-
ro livro da Metafísica, os mitos gregos já eram um modo de se identificar o 
mundo racionalmente.
Sobre essa questão, conforme destaca Muñoz:
[...] a fronteira entre o pensamento mítico e o pensamento racional nunca foi inteiramente 
clara. Muitos procuraram indicar que as explicações dos primeiros “cientistas” eram o 
prosseguimento, se não em termos de conteúdo, ao menos de forma, das explicações 
oferecidas pelos mitos. As aspas são necessárias, pois suas investigações diferem daquelas 
produzidas pela comunidade científica de nossos dias por um aspecto crucial: não havia 
uma pesquisa experimental sistemática e, em muitos casos, sequer rudimentar. Se as 
fronteiras entre o pensamento racional e o pensamento mítico que o precedeu não 
são nítidas, havendo inúmeros pontos de continuidade entre ambos, isso não significa, 
porém, que não haja ruptura entre eles. O pensamento racional, aplicado para oferecer 
explicações sobre o funcionamento da comunidade política e do cosmo, é algo totalmente 
novo, ainda que sob alguns aspectos avance as características do pensamento mitológico 
que o precedeu. A originalidade desse novo pensamento [...] é algo fundamentalmente 
grego, inexistente até então. (MUÑOZ, 2008, p. 57)
Entre os fatores que favoreceram os gregos a serem os protagonistas 
dessa importante passagem destaca-se que estes não possuíam um siste-
ma religioso absolutamente definido, baseado em um livro de revelações 
ou com dogmas essenciais que somente eram dominados pela classe sa-
cerdotal. Os principais escritos que fundamentavam sua religião eram os de 
Homero e Hesíodo, donde extraíram seus modelos de vida, matéria de refle-
xão e estímulo à fantasia. Além disso, os sacerdotes gregos possuíam uma 
atuação muito mais limitada se comparados com os do Oriente.
Ademais, conforme assevera Reale (1993), existem características que di-
ferenciam os poemas homéricos daqueles que estão nas origens dos vários 
povos; nessas obras já se manifestam algumas das características do espírito 
grego que criaram a Filosofia. Primeiramente, os poemas gregos não se fixam 
na descrição do monstruoso e do disforme, ao contrário, se estruturam se-
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Introdução ao pensamento filosófico
gundo o sentido da harmonia, eurritmia e proporção,do limite e da medida, 
uma constante da filosofia grega que erigirá a medida e o limite até mesmo 
em princípios metafisicamente determinantes. A arte da motivação também 
é uma constante; não se relata somente uma cadeia de fatos, mas busca-se 
em nível fantástico-poético as suas razões, busca-se determinar pelo mito a 
relação entre causa e efeito. Terceira característica é o retrato da realidade 
em sua totalidade de forma mítica. A posição do homem no universo estava 
presente no mito e será assunto marcante do pensamento filosófico, dessa 
vez sob bases puramente racionais.
O contexto de liberdade em que os gregos viviam é também um dos ele-
mentos que influenciaram a passagem do mito à Filosofia. Não havendo uma 
estrutura formal religiosa que limitasse a participação do cidadão, bem como 
a própria concepção do homem como essencialmente cidadão, são fatores 
que favoreceram a gênese do pensamento baseado na razão. Além disso, 
as condições socioeconômicas também foram importantes, tanto que a Fi-
losofia nasce antes nas colônias, primeiramente na Ásia e depois na Magna 
Grécia, sul da Itália, para depois atingirem a península do Peloponeso.
Considerado todo esse contexto favorável, a passagem do mito à Filoso-
fia, operada por Tales de Mileto, é marcada pela substituição da crença nas 
explicações dos relatos míticos pela compreensão racional do homem e do 
mundo que o rodeia. Os mitos já eram explicações do homem e do mundo 
baseadas em um profundo saber, contudo suas explicações das causas que 
geravam todos os efeitos no mundo baseavam-se na crença em um modelo 
que representava aquela situação.
A Filosofia, avançando nessa estrada já aberta, apresentou de modo 
nítido desde seu nascimento as seguintes características: quanto ao con-
teúdo, busca explicar a totalidade das coisas, toda a realidade; quanto ao 
método, busca-se uma explicação puramente racional da totalidade, o que 
vale para a Filosofia é o argumento da razão, a motivação lógica, o logos; por 
fim, o escopo da Filosofia, seu caráter é puramente teórico, ou seja, contem-
plativo, visa simplesmente à busca da verdade por si mesma, por isso é livre, 
não está vinculada a qualquer utilização pragmática, apesar de que de suas 
conclusões influencia-se todo o mundo prático.2
Buscar as explicações de modo racional não significa que a Filosofia disso-
cie-se por completo do divino, posto que, através dela, possibilita-se alcançar 
a dimensão do divino racionalmente. Conforme Aristóteles, “pode-se chamar 
2 REALE, Miguel. História 
da Filosofia Antiga: das 
origens a Sócrates. p. 29.
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Introdução ao pensamento filosófico
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a filosofia de “divina”, pois além de levar o homem a conhecer Deus, possui as 
mesmas características que deve possuir a própria ciência que Deus possui, a 
desinteressada, livre, total contemplação da verdade”. (ARISTÓTELES, 2002)
Constata-se, portanto, que a busca da explicação do mundo através do 
logos é o que há de revolucionário com o nascimento da Filosofia, e quem 
pela primeira vez buscou conhecer a realidade desse modo, sendo, portanto, 
o primeiro filósofo, foi Tales de Mileto, o qual concluiu que a água é o ele-
mento essencial de todas as coisas da natureza.
Após essa exposição acerca do surgimento da Filosofia, é importante 
agora apresentá-la de forma geral em suas principais disciplinas, que depois 
se aprofundam e fundamentam as grandes discussões sobre a verdade, o 
conhecimento, a Justiça, entre outras categorias fundamentais. Esse estudo 
introdutório é essencial para se compreender os pensamentos elaborados 
pelos filósofos que serão trazidos durante o restante do livro.
As principais disciplinas da Filosofia
A Filosofia pode ser dividida em três grandes disciplinas, partindo destas 
todas as demais áreas do conhecimento filosófico e, por conseguinte, 
também todo o conhecimento científico, dada sua vinculação genealógica 
com a Filosofia. Estas três grandes áreas são a Ontologia, a Teoria do Conhe-
cimento e a Ética.
A Ontologia3, estudo do ser, pode ser entendida como o estudo que busca 
conhecer o ser e seus modos. É a disciplina da Filosofia que busca identificar 
as essências dos seres e seus acidentes, aquilo que especifica qualquer coisa, 
individuando-a ante as demais, bem como os acidentes, os elementos que 
qualificam essa substância individuada. Trata-se da mais abstrata, porém mais 
profunda das áreas da Filosofia, pois estuda os elementos que constituem toda 
a realidade, estando além dela. Por tal motivo, a Ontologia ocupa-se também 
do estudo das causas dos fenômenos, até encontrar um princípio primeiro, de 
onde partem todos os demais, sendo chamada, assim, de Filosofia Perene.
Outra grande área de estudo da Filosofia é a Teoria do Conhecimento4
, também chamada de Epistemologia5 e de Gnoseologia6, que se ocupa do 
modo de conhecimento do homem e de como esse conhecimento poderá 
ou não ser considerado verdadeiro, científico (episteme), caracterizando-se 
nessa segunda situação meramente como uma opinião (doxa). Busca-se en-
3 Palavra composta pelas 
raízes gregas ontos, geniti-
vo do particípio presente 
do verbo ser, e logos, ciên-
cia, estudo.
4 Termo comumente usa- 
do na língua portuguesa, 
francesa (théorie de la 
connaisance) e na língua 
alemã (Erkennthistheorie).
5 Do grego episteme co-
nhecimento, ciência) e 
logos. Esse termo é mais 
utilizado pelos filósofos 
ingleses.
6 Do grego gnosis (conheci-
mento) e logos. Termo mais 
usado na língua italiana.
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Introdução ao pensamento filosófico
contrar a evidência que ateste a veracidade de um conhecimento, pressu-
posto essencial para se fazer Filosofia ou ciência.
Além da compreensão de que o homem existe (Ontologia) e conhece 
(Teoria do Conhecimento), a Filosofia também compreende a Ética7, a qual 
enfrenta o problema de qual comportamento se deve adotar. A Ética é a 
doutrina da Filosofia que, centrada no próprio homem enquanto indivíduo e 
enquanto sociedade, e sua conduta, pressupondo a orientação da conduta 
humana a um padrão ideal, tem em vista simplesmente o agir ideal ou o al-
cance de uma finalidade maior.
A Filosofia Prática, ramo onde encontra-se a Ética, compreende ainda a 
Filosofia Política, parte da Filosofia que orienta e organiza a vida do homem 
em sociedade, e a Filosofia do Direito, que toma para si a investigação sobre 
a Justiça, a legitimidade das normas jurídicas e a relação entre o Direito e os 
indivíduos e instituições.
A Filosofia do Direito
Sendo o Direito uma realidade social, presente em qualquer sociedade e 
cultura, não pode a Filosofia prescindir de analisar esse importante fenôme-
no.8 A Filosofia do Direito não é disciplina jurídica, mas a aplicação da Filoso-
fia ao campo jurídico. Miguel Reale delimita muito bem a diferença entre a 
pesquisa jurídica e a pesquisa filosófica do Direito:
Enquanto que o jurista constrói a sua ciência partindo de certos pressupostos, que são 
fornecidos pela lei e pelos códigos, o filósofo do Direito converte em problema o que 
para o jurista vale como resposta ou ponto assente e imperativo. Quando o advogado 
invoca o texto apropriado da lei, fica relativamente tranquilo, porque a lei constitui ponto 
de partida seguro para o seu trabalho profissional; da mesma forma, quando um juiz 
prolata a sua sentença e a apoia cuidadosamente em textos legais, tem a certeza de estar 
cumprindo sua missão de ciência e de humanidade, porquanto assenta a sua convicção 
em pontos ou em cânones que devem ser reconhecidos como obrigatórios. O filósofo do 
Direito, ao contrário, converte tais pontos de partida em problemas, perguntando: Por 
que o juiz deve apoiar-se na lei? Quaisas razões lógicas e morais que levam o juiz a não 
se revoltar contra a lei, e a não criar solução sua para o caso que está apreciando, uma vez 
convencido da inutilidade, da inadequação ou da injustiça da lei vigente? Por que obriga 
a lei? Como obriga? Quais os limites lógicos da obrigatoriedade legal? (REALE, 2002)
A Filosofia do Direito, portanto, tem a missão de examinar criticamente 
o Direito, analisar as temáticas jurídicas não do ponto de vista legal ou ju-
risprudencial, mas do universal, do próprio conhecimento. A Filosofia Jurí-
dica busca encontrar a verdade no Direito, aqueles princípios primeiros que 
depois dão fundamento a todas as construções jurídicas. Pode-se dizer que 
7 Do grego ethos, cos- 
tume.
8 “O Direito é realidade 
universal. Onde quer que 
exista o homem, aí existe 
o Direito como expressão 
de vida e de convivência. 
É exatamente por ser o 
Direito fenômeno univer-
sal que é ele suscetível de 
indagação filosófica.” 
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Introdução ao pensamento filosófico
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o filósofo vê o Direito de cima, de uma certa distância, ou seja, ele não está 
envolvido no fenômeno jurídico, não dentro do problema, é antes um atento 
observador externo, que racionalmente e cautelosamente percebe as incoe-
rências e formula os fundamentos que são capazes de contribuir com a evo-
lução da estruturação do Direito.
O Direito examina e formula suas leis, suas normas jurídicas. Mas a Filoso-
fia examina esse exercício, a Filosofia busca o conceito de Direito, contextu-
alizando sua função ao movimento social e cultural da humanidade. A Filo-
sofia tem prerrogativa para afirmar se uma lei é justa ou injusta, porque sua 
crítica não parte de um dado posto, mas do universal, ela entende o Direito 
como um enorme processo histórico, que se adéqua de modo diferente a 
cada espaço e tempo. O direito positivo, o direito natural, o ordenamento 
jurídico, a necessidade, função, surgimento e conceito do Direito, tudo isso é 
temática da Filosofia do Direito.
Ademais, a ciência que dá fundamento ao Direito, a Ética, é disciplina es-
sencial ao pensamento filosófico. O agir humano sempre foi objeto de dis-
cussão da Filosofia. Como deve agir o homem? Quais os critérios que deter-
minam um agir correto? Há leis que regulam a existência? Qual a finalidade 
da ação humana?
Desde Sócrates não há mais como separar o Direito da Ética. A Ética está 
acima das normas e leis jurídicas, ela é o exame das ações humanas. A Ética 
tem prerrogativa para analisar o Direito, porque a Ética estuda a natureza 
humana, e tenta formular princípios para que o indivíduo se desenvolva e 
se realize tendo em vista essa natureza humana. Com efeito, o Direito deve 
prestar atenção à Ética, pois ambos trabalham com o agir humano e todas as 
consequências que advêm disso para a sociedade.
Filosofia e business
Se a Filosofia pode examinar criticamente e universalmente o Direito, 
dando contribuições diferenciadas através da Filosofia do Direito, é certo 
que ela pode realizar o mesmo em outros campos da vida humana, e aqui 
incluímos o mundo do business. Os filósofos, quando buscam entender a na-
tureza humana, dando princípios para a sua realização existencial, em geral 
não se esquecem de um importante aspecto: o econômico. Da poesia ho-
mérica aos contemporâneos, os pensadores colocam a questão econômica 
como essencial para o indivíduo conduzir bem a sua vida. Nesse sentido, 
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Introdução ao pensamento filosófico
este livro pretende trazer implicações ao business de cada pensador, ou seja, 
quais ideias formuladas pelos filósofos podem contribuir com a atividade do 
empresário e do empreendedor no aspecto tanto da Ética quanto da funda-
mentação do Direito, que tenha relação com as questões que envolvem o 
mundo dos negócios.
No decorrer dos capítulos o leitor acompanhará que, por exemplo, nossas 
concepções de atitude no trabalho foram objeto de discussão por filósofos 
como Hegel e Marx, e mesmo de Hesíodo, um poeta que se tornou célebre 
quase 3 000 anos atrás. Além disso, as questões econômicas sempre foram te-
máticas entendidas como essenciais para a manutenção do bem-estar social.
Por fim, destaca-se que a Filosofia trabalha a reorientação da racionalidade, 
de forma que entendimentos adequados permitem desenvolver intuições e 
raciocínios que conduzem melhor a vida cotidiana. O business também é racio-
nalidade. E a Filosofia, desde seus primeiros pensadores gregos, foi criada para, 
acima de tudo, ajudar o homem a pensar e agir melhor. Daí a valiosa contribui-
ção filosófica: “A Filosofia reflete no mais alto grau essa paixão pela verdade, o 
amor pela verdade que se quer conhecida sempre com maior perfeição, tendo-
se em mira os pressupostos últimos daquilo que se sabe” (REALE, 2002).
A Filosofia como admiração ao saber
A Filosofia nasce da perplexidade. Portanto, são justamente os grandes 
questionamentos que suscitam o progresso filosófico, a íntima necessidade 
de penetrar cada vez mais a essência do problema.
A Filosofia, por ser a expressão mais alta da amizade pela sabedoria, tende a não se contentar 
com uma resposta, enquanto esta não atinja a essência, a razão última de um dado “campo” 
de problemas. Há certa verdade, portanto, quando se diz que a Filosofia é a ciência das causas 
primeiras ou das razões últimas: trata-se, porém, mais de uma inclinação ou orientação 
perene para a verdade última, do que a posse da verdade plena (REALE, 2002).
Essa paixão pela verdade se torna uma incansável busca por encontrar as 
causa primeiras de todas as coisas, aquelas causas que respondem os gran-
des questionamentos e ainda geram todos os outros questionamentos.
A necessidade de responder com maior perfeição é aquilo que gera o 
caminho histórico percorrido pela Filosofia. A história nos coloca novas in-
terrogações, seja por determinados eventos, por mudanças culturais, por 
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Introdução ao pensamento filosófico
21
avanços das ciências, por mudanças de concepções das próprias pessoas, 
todo esse universo influencia o exercício do pensar filosófico, exigindo do 
filósofo novas respostas, novas indagações. Podemos nos arriscar a dizer 
que enquanto o homem não conhecer com plenitude a verdade última das 
coisas, a Filosofia prosseguirá sua marcha histórica.
A história da Filosofia tem o grande valor de mostrar que esta não pode se estiolar em um 
sistema cerrado, onde tudo já esteja pensado, muitas vezes antecipadamente resolvido. 
Quando um filósofo chega ao ponto de não ter mais dúvidas, passa a ser a história acabada 
das suas ideias, o que não quer dizer que não gere a Filosofia nos espíritos uma serenidade 
fecunda, apesar da incessante pesquisa (REALE, 2002. p. 8-9).
E esse é o grande mérito da história da Filosofia: apresentar o panorama 
geral da estupefação diante do saber, da necessidade existencial, talvez até 
metafísica, de o homem conhecer, chegar mais próximo da verdade última 
das coisas, inclusive aquilo que é idêntico, útil e funcional.
Acompanhando o percurso histórico, o que nos ocupa aproximadamen-
te 28 séculos de esforço intelectual em busca da verdade e do que é justo, 
adequado, de direito, nos ajudará ainda a pensar melhor quais são as nossas 
grandes questões contemporâneas, a que nível chegamos nas problemáti-
cas metafísicas, e, já que esta obra também é voltada ao Direito: como é o 
Direito atual? E como ele deve ser no futuro?
Talvez nenhuma frase seja tão ilustrativa para essa condição humana 
como aquela empregada por Aristóteles para abrir a obra que, para ele, 
era dedicada ao conhecimento do saber supremo:a Metafísica. “Todos os 
homens, por natureza, tendem ao saber” (ARISTÓTELES, 2002).
A filosofia grega
A admiração pelo saber tornou-se maior, sobretudo, com os gregos an-
tigos, que viviam um período de profunda busca pelo saber. Da Teologia à 
Política, passando pelas várias artes e ciências, tudo era objeto de grandes 
investigações e reflexões. Fervilhava o espírito crítico, reflexivo e investiga-
dor da natureza no espírito grego. Esse momento, talvez único na história 
humana, surge juntamente com a figura do homem político. O fato de tanto 
a Filosofia como a Política terem nascido no mesmo período e no mesmo 
lugar merece algumas reflexões, pois ajuda a demonstrar que, no fundo, os 
gregos viviam uma época de liberdade de pensamento.
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Introdução ao pensamento filosófico
Filosofia e Política na Grécia Antiga
Para se compreender o percurso histórico da Filosofia do Direito, acom-
panhando a construção de conceitos como Direito, Justiça, Liberdade, Cida-
dania, Ética, Igualdade, é importante partir desde o momento que lançou as 
bases para a formação da racionalidade ocidental: o mundo grego. Pois foi 
na Grécia que surgiram os primeiros filósofos do Ocidente, que influenciam 
inclusive os pensadores contemporâneos.
Os primeiros filósofos foram os chamados pré-socráticos, que se tornaram 
célebres por realizarem grandiosas argumentações sobre a ordem e o prin-
cípio das coisas, pela tentativa de explicar a natureza, a existência humana, 
e mesmo questões divinas e transcendentais. É com os pré-socráticos que a 
Ontologia se origina. Esses filósofos serão estudados no Capítulo III do nosso 
trabalho.
Antes, é importante compreender os movimentos que influenciaram e 
contribuíram enormemente para a criação do pensamento filosófico. Pois os 
pré-socráticos não poderiam conceber seus grandes conceitos sem a influ-
ência dos poetas, em especial Homero e Hesíodo. Depois haveriam outros 
poetas que também seriam importantes, como “Tirteu, Arquíloco, Alceu, Safo 
e inclusive o grande Sólon”, que também foi célebre político ateniense.9
Para se compreender a origem da filosofia grega, é preciso, além de re-
correr aos poetas, buscar também entender o processo cultural e político 
enfrentado pelos gregos, que apresentaremos brevemente neste capítulo, 
juntamente com a exposição dos poetas. Não há como separar, a filosofia 
grega, em sua forma racional e sistemática mais bem acabada, surge jun-
tamente com as cidades-Estado. O filósofo surge junto com o político. As 
culturas anteriores possuíam a figura do político e suas organizações polí-
tico-jurídicas, mas não eram analisadas sistematicamente e racionalmente 
tal como faziam os gregos. A Política como ciência, que concebia as formas 
de organização social, de governo, do problema da validade e da imposição 
das leis, de quem e como deve governar, tudo isso é criação grega. Não há 
entre os hebreus, entre os egípcios, entre os chineses ou entre os indianos 
um estudo tão sistemático da Política como aquele realizado por Aristóteles, 
nem uma preocupação da união indissolúvel entre política e educação como 
faz Platão na República. Os gregos se atreveram a trazer o conceito de Justiça 
para o âmbito público, social, do cidadão da polis, situação essa impensável 
no mundo anterior, que remetia a uma divindade transcendente toda a pro-
9 Para maiores informa-
ções sobre esses outros 
poetas, interessante obser-
var o capítulo dedicado a 
eles na Paideia, de Jaeger, 
e também a obra de Do-
naldo Schüler, Literatura 
Grega (SCHÜLER, Donaldo. 
Literatura Grega. Porto 
Alegre: Mercado Aberto, 
1985.).
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Introdução ao pensamento filosófico
23
blemática da Verdade e da Justiça, de forma que o homem, como adorador 
dos deuses, existia para praticá-la e aperfeiçoá-la no mundo terreno, sem 
contudo ter poder para contestá-la ou mesmo modificá-la. No mesmo pe-
ríodo e no mesmo lugar nasceram a Filosofia e a Ciência Política. Vejamos 
agora como se dá esse processo e a que tal ponto o político contribui com o 
surgimento do pensamento filosófico.
A Justiça como questão filosófica
Com a explosão do comércio marítimo e a expansão dos domínios gregos, 
a vida pública tornou-se cada vez mais importante com as discussões polí-
ticas e jurídicas ocupando grandes centros de debate da polis. O novo cená-
rio ampliou os horizontes dos gregos, sendo propício para o surgimento de 
novas ideias e discussões sobre questões éticas, jurídicas e políticas. Embora 
a esfera religiosa jamais tenha deixado de influenciar a sociedade grega, vi-
via-se um momento em que o homem cada vez mais ousava a contrair para 
si diversos assuntos.
Entre essas ideias ousadas está a alta estima dada tanto pelos poetas 
como depois também pelos filósofos acerca dos conceitos de Direito e Jus-
tiça, e a atribuição da importância dessas categorias para a organização da 
comunidade. A grande novidade trazida pelos gregos está no fato de conce-
ber a comunidade como uma organização essencialmente humana, tendo 
suas concepções e determinações político-jurídicas como materialização da 
vontade de seus próprios cidadãos.
Ainda que nos séculos seguintes a administração do Direito permanecesse 
nas mãos dos nobres, que controlavam leis não escritas e aplicadas a toda a 
população, a nova concepção humanista de Direito permitiu aos cidadãos em 
geral contestarem esse abuso político por parte dos magistrados. A oposição 
entre nobres e cidadãos livres acabou gerando o movimento de positivação 
dos direitos, em que as leis passaram de não escritas a escritas, de forma que 
poderia valer igualmente para todos. “Direito escrito era direito igual para 
todos, grandes e pequenos” (JAEGER, 2003, p. 134). Nesse processo, os gran-
des porta-vozes da violência causada pelos magistrados foram justamente os 
poetas, em particular Hesíodo. A luta pela diké seria então a luta pela aplicação 
do Direito, o que envolveria inclusive a luta de classes. “Hoje, como outrora, 
podem continuar a ser os nobres, e não os homens do povo, os juízes. Mas 
estão submetidos no futuro, nas suas decisões, às normas estabelecidas na 
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Introdução ao pensamento filosófico
diké” (JAEGER, 2003, p. 134). Contudo, inclusive antes de Hesíodo, a vontade de 
conceber a Justiça como uma fonte indispensável para a organização social já 
se via nos poemas homéricos.
Homero representa ainda o início desse longo processo que é a passa-
gem do Direito de sua condição essencialmente divina para uma construção 
humana. Em Homero, o Direito é designado com o termo themis, um “com-
pêndio da grandeza cavaleiresca dos primitivos reis e nobres senhores. Etimo-
logicamente significa ‘lei’” (JAEGER, 2003, p. 134). A themis era concedida por 
Zeus aos reis nos tempos homéricos. Tão antigo quanto o conceito de themis 
é também o de diké.
O conceito de diké não é etimologicamente claro. Vem da linguagem processual e é tão 
velho quanto themis. Dizia-se das partes contenciosas que “dão e recebem diké”. Assim se 
compendiava numa só palavra a decisão e o cumprimento da pena. O culpado “dá diké”, o 
que equivale originariamente a uma indenização, ou compensação. O lesado, cujo direito 
é reconduzido pelo julgamento, “recebe diké”. O juiz “reparte diké”. Assim, o significado 
fundamental de diké equivale aproximadamente a dar a cada um o que lhe é devido. Significa 
ao mesmo tempo, concretamente, o processo, a decisão e a pena. (JAEGER, 2003, p. 134-135)
Nesse sentido, enquanto a themis está relacionada à autoridade da lei, à 
sua validade e aplicabilidade a todos os cidadãos, a dikése refere à sua pró-
pria aplicação. Na themis observa-se muito mais um princípio primeiro da 
fundamentação jurídica, da qual se provém a legitimidade para imposição 
da lei, enquanto que na diké se vê o próprio movimento de realização do 
Direito, e por isso abrange na mesma palavra as ideias de processo, sentença 
e pena. Ademais, a aproximação da diké a uma ideia de equidade, em que o 
Direito se reparte de forma justa a todos os cidadãos, tornou-se o fundamen-
to principal para as lutas de todos em nome de seus direitos. Como cada um 
possui parte nessa ideia de Justiça, possuem também o direito de lutar por 
seu direito. Dessa forma, a diké representa também o direito de cada cidadão 
a lutar contra a hybris, que por sua vez equivale à ação contrária ao Direito.
Significa que há deveres para cada um e que cada um pode exigir, e, por isso, significa 
o próprio princípio que garante essa exigência e no qual se poderá apoiar quem for 
prejudicado pela hybris – palavra cujo significado original corresponde à ação contrária 
ao Direito. Enquanto themis refere-se principalmente à autoridade do Direito, à sua 
legalidade e à sua validade, diké significa o cumprimento da Justiça. Assim se compreende 
que a palavra diké se tenha convertido necessariamente em grito de combate de uma 
época em que se batia pela consecução do Direito a uma classe que até então o recebera 
apenas como themis, quer dizer, como lei autoritária. O apelo à diké tornou-se de dia para 
dia mais frequente, mais apaixonado e mais premente.10
Na diké o cidadão encontrava o fundamento para poder reclamar a Justi-
ça, o que significa enfrentar o próprio Direito estabelecido naquele momen-
to. O Direito dessa forma já não era algo consolidado como uma manifes-
10 JAEGER, Werner Wi-
lhelm. Paideia: a Forma-
ção do Homem Grego, 
p. 135.
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tação divina, que não podia ser contestado pelo cidadão comum, mas um 
movimento, em que a luta pelo Direito11 era também parte desse processo. 
Como síntese, o Direito entre os gregos tornou-se um processo de formação, 
o homem desenvolvia-se ao mesmo tempo em que desenvolvia a ideia de 
Direito.
A igualdade é o conteúdo principal da diké, o objetivo de se dar a cada 
um o que é seu, uma prerrogativa de fazer todos os cidadãos livres iguais 
perante o Direito. A partir daí a igualdade ocuparia sempre lugar central nas 
discussões jurídicas e políticas, chegando a influenciar os grandes filósofos 
Platão e Aristóteles: “A exigência de um Direito igualitário constitui a mais 
alta meta para os tempos antigos”.(JAEGER, 2003, p. 136).
Nessa nova concepção de Direito, os nobres tiveram que também se sub-
meter à igualdade de todos. Essa igualdade, contudo, não poderia ser resumida 
numa igualdade de todos perante a lei, mas sim da própria acepção de Direito. 
O Direito assemelha-se a uma medida para decidir as questões entre o “‘meu’ e 
o ‘teu’” (JAEGER, 2003, p. 136), de tal forma que se possa fixar o Direito, atribuin-
do a cada um o que é seu. Essa mudança, visando uma igualdade jurídica e po-
lítica, operou-se ao mesmo tempo em que se delimitava, na esfera econômica, 
a fixação de medidas e pesos para o intercâmbio de mercadorias. Assim como 
a economia fixava a medida e o peso, o Direito fixava as normas. Logo, trata- 
-se de um movimento amplo no qual o que se apresenta é a própria forma-
ção do povo grego, um desenvolvimento cultural sem o qual seria impensável 
o surgimento, por exemplo, da democracia, que para ser instituída depende 
do princípio de que todos são iguais perante a lei. “Procurava-se uma ‘medida’ 
justa para a atribuição do Direito e foi na exigência de igualdade, implícita no 
conceito de diké, que se encontrou essa medida”. (JAEGER, 2003, p. 136).
A delimitação de medidas foi essencial para a construção do Direito, 
não somente no sentido positivo, da produção e aplicação de normas, mas 
também na própria esfera moral, na delimitação e fixação de condutas que 
não poderiam ser praticadas. Desde os tempos primitivos encontram-se na 
literatura e na mitologia menções a delitos, como o assassínio, o adultério, o 
furto e o rapto.12 Essa delimitação de condutas, de limites às ações humanas, 
inclusive anteriores à fixação de normas, provém de um conceito ligado à 
ideia de diké, o termo díkayosine, que não possui uma tradução moderna 
equivalente. A dikayosine representa a medida abstrata, mas amplamente 
efetiva, que constituía o conteúdo essencial das primeiras leis escritas.
11 Percebe-se já entre 
os gregos o fundamento 
principal para a luta pelo 
Direito como condição 
para a existência do pró-
prio Direito, antecipando 
em muitos séculos a con-
cepção do Direito como 
luta de Jhering.
12 Ésquilo narra em 
Prometeu Acorrentado a 
história do furto do fogo 
dos deuses por Prometeu, 
que entregou aos mortais, 
assim como na Ode a De-
méter vemos o relato do 
rapto de Perséfone por 
Hades, e inclusive a con-
clusão do Direito como 
uma medida justa, em que 
a vítima permaneceria 
metade do ano na Terra e 
a outra metade no mundo 
dos mortos, gerando as 
quatro estações. Percebe- 
-se como as noções de 
medida e delimitação já 
estavam desde sempre 
presentes na mentalidade 
grega.
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Introdução ao pensamento filosófico
O novo termo proveio da progressiva intensificação do sentimento da Justiça e da sua 
expressão num determinado tipo de homem, numa certa arete. Originariamente, as aretai 
eram tipos de excelência que se possuíam ou não. Nos tempos em que a arete de um 
homem equivalia à sua coragem, colocava-se no centro esse elemento ético, e todas as 
outras excelências que um homem possuísse se subordinavam a ele, e deviam pôr ao seu 
serviço. A nova dikayosine era mais objetiva. Tornou-se a arete por excelência, desde o 
instante em que se julgou ter na lei escrita o critério infalível do justo e injusto. Pela fixação 
escrita do nomos, isto é, do direito consuetudinário válido para todas as situações, ganhou 
conteúdo palpável. Consistia na obediência às leis do Estado, como mais tarde a “virtude 
cristã” consistiria na obediência às ordens do divino (JAEGER, 2003, p. 137-138).
A dikayosine, nesse sentido, era a expressão positiva e mesmo ética de um 
ideal de homem, de um elevado tipo de homem dotado de certas virtudes, 
tal como o guerreiro antigo deveria guiar-se pela coragem. As leis do Estado 
não seriam obedecidas simplesmente por sua autoridade coercitiva, mas 
por serem a expressão desse sentimento de Justiça, dessa fixação do justo e 
do injusto ao qual o homem grego se submetia. As leis escritas refletiam os 
costumes, que por sua vez representavam esse critério criado num processo 
histórico e espiritual da Justiça como uma virtude. Nessa perspectiva, o Di-
reito era resultado da Justiça, da medida e do critério que delimita o justo e 
o injusto, e seguir o Direito significaria viver conforme esse ideal virtuoso de 
homem. Delineia-se aqui o essencial papel que cumpre o ideal de formação 
de homem na cultura grega, em que mesmo o Direito deveria ser utilizado 
para a formação do homem, do cidadão, do membro da polis. Com a Justi-
ça sendo inserida como virtude central da polis, abandonou-se a concepção 
anterior da valentia como arete máxima, advinda da sociedade espartana, 
voltada principalmente às guerras, mas abriu a necessidade de cultivar um 
novo tipo de homem, aquele relacionado essencialmente às atividades pú-
blicas, sejam elas jurídicas, políticas, artísticas ou intelectuais em geral. Não 
era mais a guerra o centro das disposições de vontade do homem grego, mas 
a cultura e a organização social. “O conceito de Justiça, tida como a forma de 
areteque engloba e satisfaz todas as exigências do perfeito cidadão, supera 
naturalmente todas as formas anteriores” (JAEGER, 2003, p. 139).
A Justiça como virtude cardeal, que resume todas as demais, tal como afir-
mariam posteriormente Platão e Aristóteles, apresenta essa nova forma de 
pensar criada pelo homem grego, derivada do crescimento tanto econômico 
como cultural da polis. E esse desenvolvimento está ligado principalmente 
ao surgimento do Estado constitucional, isto é, do período antigo da forma-
ção do homem grego em que as cidades passaram a ser reguladas por leis 
escritas, por uma constituição. A constituição garantia o princípio da igual-
dade a todos os cidadãos e simbolizava o ideal de homem daquele povo; 
ela era regulada e aplicada conforme a arete que se desenvolvia, sua medida 
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de Justiça estava na dikayosine. Desse processo advém todo o valor de o 
homem grego sentir-se parte de seu Estado; seu sentimento pátrio estava 
em viver conforme aquelas virtudes preceituadas por ele e inseridas no espí-
rito da constituição. Também por esse motivo o Estado deveria promover a 
educação a todos os jovens, um ensino público, porque somente assim teria 
a certeza de que a juventude seria formada dentro do seu ideal de homem, 
conforme as virtudes que determinavam o conteúdo de sua constituição. O 
ensino público não existia simplesmente por ser uma obrigação estatal, mas 
por essa necessidade pedagógica (JAEGER, 2003, p. 141). É por essa razão 
que Platão e Aristóteles afirmam que cada Estado, pela lei, expressa e inte-
rioriza nos seus cidadãos o seu ideal de homem. Para os gregos, como se vê, 
a legislação possuía por conteúdo sua mais elevada condição. Sua existência 
não estava apenas na regulamentação da sociedade, mas essencialmente na 
educação, no cultivo de seu tipo ideal de homem.
A herança de normas jurídicas e morais do povo grego encontrou na lei a sua forma mais 
universal e permanente. Platão culminou a sua obra, de Filosofia Pedagógica com a sua 
conversão em legislador, na última e maior das suas obras; e Aristóteles conclui a Ética 
com o apelo a um legislador que lhe realize o ideal. A lei é também uma introdução à 
Filosofia, na medida em que, entre os Gregos, a sua criação era obra de uma personalidade 
superior. Com razão, o legislador era considerado educador de seu povo, e é característico 
do pensamento grego que ele seja frequentemente colocado ao lado do poeta, e as 
determinações da lei junto das máximas da sabedoria poética. Ambas as atividades são 
estreitamente afins. (JAEGER, 2003, p. 143)
Ética e Direito entrelaçam-se a tal maneira que quase passam a entender- 
-se como sinônimos. Pela Ética, o Estado tinha a garantia à educação de seu 
Direito, de suas leis; e pelas leis, pelo Direito, o Estado garantia também a 
formação do seu ideal de homem, cultivado naquelas virtudes que sua Ética 
consagrou. Nessa comunidade ética, o cidadão vivia conforme a vida políti-
ca, cívica, em que o cidadão existia no Estado e participava do bem comum, 
dos interesses gerais da polis. Essa existência pública e política imprimia no 
espírito do cidadão um dever ético de realizar e viver também para a evolu-
ção do Estado, da comunidade. Como o Estado lhe concedia inúmeros direi-
tos, oriundos da antiga diké e o seu princípio da igualdade, entre eles a edu-
cação pública, era seu dever contribuir com o crescimento do Estado. Dessa 
necessidade resultou o crescimento intelectual, profissional e espiritual do 
homem grego. Em sentido prático, isso inclui a grande transformação na so-
ciedade grega, a passagem da antiga sociedade rural dos tempos hesiódicos 
à uma polis urbana, voltada essencialmente aos interesses citadinos. A habi-
litação profissional não era apenas dever por ser o trabalho uma atividade 
que desenvolve a si próprio, mas também para contribuir com a polis. Se o ci-
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Introdução ao pensamento filosófico
dadão recebia a educação, sentia-se no dever de tornar-se cada vez mais um 
melhor profissional. O Estado é a essência do cidadão grego para onde diri-
gem todas as suas atividades espirituais. Para esse modelo de homem, fazer 
parte do Estado era sentimento de felicidade, de viver conforme o ethos.
É um cosmos legal segundo esse velho modelo helênico – onde o Estado seria o próprio 
espírito e a cultura espiritual visaria o Estado como seu fim último – o que Platão esboça 
nas Leis. Ali ele define como oposta ao saber especializado dos homens de ofícios, 
negociantes, merceeiros, armadores, a essência de toda a verdadeira educação ou 
paideia, a qual é educação na arete que enche o homem do desejo e da ânsia de se tornar 
um cidadão perfeito, e o ensina a mandar e obedecer, sobre o fundamento da Justiça. 
(JAEGER, 2003, p. 146-147)
A educação política, ou ainda a techné política, não pode ser ensinada 
como se faz com o ensino das profissões especializadas em uma atividade, 
porque nesses casos exige-se sobretudo a parte técnica, enquanto que na 
arte política não basta o caráter técnico, os saberes teóricos e práticos, mas a 
educação do ethos, da arete. Não se pode medir o cidadão pelo seu conheci-
mento, mas pelo seu caráter, pelo cultivo que fez das virtudes e da educação 
político-humanista concedida pelo Estado.
Apresentado esse relato histórico, passaremos agora a tratar das caracte-
rísticas essenciais de nossos estudos nas poesias de Homero e Hesíodo.
Origens da filosofia grega: 
os poetas Homero e Hesíodo
Homero
Homero é certamente o maior nome da literatura grega. As duas epo-
peias que a sua autoria são creditadas, Ilíada e Odisseia13, repercutirão na 
formação do espírito grego como nenhum outro autor tão longe alcançou. A 
Ilíada imortalizou-se como, possivelmente, a mais impressionante guerra já 
retratada literariamente. A força com que o autor apresenta os emocionan-
tes combates, as inesperadas e precisas intervenções divinas, os dramas dos 
heróis envolvidos, as grandes questões que movimentam ambos os exérci-
tos combatentes (gregos e troianos), tudo isso torna a Ilíada obra de caráter 
único na literatura universal.
A Ilíada apresenta a narração da célebre Guerra de Troia14. Páris, príncipe 
troiano, raptou Helena, esposa de Menelau, famoso monarca grego, levan-
13 A discussão sobre se 
Homero de fato escre-
veu ambas as epopeias 
já alcança mais de um 
século. Entre os eruditos 
surgem as mais diversas 
opiniões, desde aqueles 
que afirmam que Homero 
sequer existiu, e que as 
epopeias seriam compi-
lações de autores poste-
riores de versos passados 
oralmente de geração a 
geração; outros afirmam 
que ele existiu sim ,mas 
que apenas escreveu ou 
compilou uma das poe-
sias, já que ambas contêm 
construções e estilos 
literários diferentes; por 
fim, existem aqueles sim 
acreditam na real autoria 
de ambas as epopeias ao 
poeta Homero. Para este 
trabalho, tais questões 
não chegam a ser de vital 
importância, pois o essen-
cial aqui é captar a influ-
ência dessas epopeias no 
espírito grego, como au-
xiliaram nas construções 
dos conceitos de Ética, 
Justiça, Direito etc.
14 Aqui também os estu-
diosos se dividem. Seria 
a Guerra de Troia apenas 
uma construção literária, 
uma epopeia elaborada 
para enaltecer o povo 
grego? Ou poderia de fato 
ter acontecido? Algumas 
descobertas arqueológi-
cas desde o século passa-
do alimentam a discussão, 
abrindo a possibilidade 
de as famosas muralhas 
de Troia se localizarem no 
que hoje é território turco.
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Introdução ao pensamento filosófico
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do-a para suasterras. Decidido a recuperar sua esposa, Menelau pede auxí-
lio ao seu irmão Agamemnon. Em pouco tempo, a raiva que se apossou de 
Menelau tomou conta de todo o povo grego, e os grandes chefes e guerrei-
ros de todos os reinos foram convocados a participarem da guerra contra os 
troianos. Entre esses ilustres guerreiros estavam, além de Menelau e Agame-
mnon, o enorme e forte Ajax, o sábio e velho Nestor, o astuto e protegido 
dos deuses Ulisses e o célebre personagem principal da obra, Aquiles, filho 
da deusa Tétis.
A Ilíada inicia-se já no nono ano de combates, no famoso episódio da dis-
cussão entre Agamemnon e Aquiles, que resultou na retirada do segundo do 
campo de batalha. São 24 cantos, que terminam com os funerais de Heitor, o 
troiano que matou Pátroclo, melhor amigo de Aquiles, e morto por este por 
vingança. A violência final de Aquiles é a explosão de sua ira, tema central de 
toda a obra. Aquiles estava fora das batalhas, foi apenas quando seu amigo 
morreu que violentamente retornou aos campos e vingou Pátroclo.
Já a Odisseia narra as aventuras enfrentadas por Ulisses em seu retorno 
após a Guerra de Troia. Ulisses comete um grande erro, devido à soberba, 
ao declarar não necessitar da ajuda dos deuses, o que irritou profundamen-
te Posêidon, o deus dos mares. Diante disso, o deus decide causar o maior 
número possível de problemas ao herói, atrasando seu retorno em 10 anos. 
Entre as aventuras enfrentadas por Ulisses e sua tripulação estão a ilha do 
Ciclope, gigante de um olho só, a ilha de Circe, a feiticeira que transforma 
a todos em animais, as belíssimas sereias, que com seus cantos irresistíveis 
atraem todos os marinheiros à morte, o célebre estreito dos monstros de 
Posêidon, Cila e Caribdes, entre outros problemas envolvendo fenômenos 
naturais. Ao término da saga, Ulisses ainda precisa enfrentar os pretendentes 
de sua esposa, Penélope, que tentavam usurpar sua mulher e o reino.
Acima expomos o resumo geral das obras. Agora apresentaremos algu-
mas análises de como esses versos influenciam na Filosofia e no Direito.
Para Schüler (2004), a Ilíada é produzida numa época em que o homem 
ainda não havia tomado completamente consciência de si mesmo, de forma 
que mais lhe impressiona as façanhas de heróis e deuses, no campo externo, 
que os dilemas psicológicos que aterrorizam a dimensão interna do indivíduo. 
Para esse autor, seria um período histórico em que o homem ainda se maravi-
lhava com o mundo que o rodeia, entusiasmava-se por participar dele.15
15 Sintaticamente o 
objeto (ira, o herói, Ílion) 
precede o sujeito. A aten-
ção, tanto a do poeta 
como a do ouvinte, está 
presa no objeto. O objeto 
mantém o sujeito oculto. 
Vive-se num período em 
que o homem ainda não 
tomou inteira consciência 
de si mesmo. Entusiasma- 
-se pelo grande espetácu-
lo do mundo. Fascinam-
no as obras dos deuses e 
dos heróis. Sente prazer 
em nomear o mundo rico 
que se desdobra diante 
de seus olhos. E não se 
apercebe de si. Não lhe 
ocorrem suas dúvidas, 
dores ou conflitos pesso-
ais. Não olha para dentro 
de si mesmo. O mundo o 
absorve inteiro. Na cultu-
ra em que o homem só 
tem olhos e ouvidos para 
o mundo e para o outro, 
nasce a epopeia com as 
estupendas façanhas dos 
heróis e deuses. 
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Introdução ao pensamento filosófico
Isso não significa que contornos psicológicos e pessoais não estejam pre-
sentes na obra. Por exemplo, a epopeia inicia e termina com a ira de Aquiles, 
a emoção que lhe impulsiona e dá a tônica dos relatos. A arrogância de Aga-
memnon nos primeiros cantos desperta preocupação e resistência em seus 
próprios aliados, ao verem como ele enfrentou e permitiu facilmente que o 
valente Aquiles se retirasse do combate. Até mesmo os deuses, como já é 
frequente nas lendas gregas, não escapam de questões psicológicas, opi- 
niões e preferências que por vezes os aproximam dos humanos. Logo no 
início, Apolo, o deus Sol, lança epidemia aos gregos, devido à rejeição de 
Agamemnon em devolver sua escrava Criseida, filha de Criseis, sacerdote de 
Apolo. Depois, vendo Aquiles, seu filho, sendo humilhado perante os gregos, 
Tétis implora a Zeus que dê a vitória aos troianos, até que se arrependam 
e peçam perdão a Aquiles. Também por várias vezes Atena é enviada ao 
campo de batalha, ora aconselhando um ou outro guerreiro. Logo no canto 
II, inclusive, vemos Zeus tendo dificuldades para dormir diante das reflexões 
que lhe vinham à mente, provocadas pelo inesperado pedido de Tétis.
Contudo, é somente na Odisseia que se verão sinais mais evidentes dos 
dilemas humanos, vestígios de aspectos psicológicos que circundam aquela 
obra; na Ilíada, não obstante, ainda se presencia tão somente o fascínio do 
homem pela descoberta de si mesmo e do mundo. Na Ilíada não se pensa 
em limites para a ação heroica, mas na vontade e no ato de conquistar por 
inteiro esse mundo. É nesse cenário que surge a figura do herói, a clássica 
imagem da poesia homérica. Num primeiro momento, como o próprio Schü-
ler observou, é importante notar que no proêmio, o objeto principal da nar-
ração da Ilíada, a causa primeira da história heroica, é a ira de Aquiles, e so-
mente secundariamente aparece como causa a vontade de Zeus. O homem 
ainda não havia olhado para dentro de si completamente, de forma que seus 
limites não estavam completamente estruturados. Não tão dependente de 
Zeus, o homem aparecia a si mesmo como ilimitado, e nisso consistia a faça-
nha heroica. O significado de colocar a causa principal do ciclo da Ilíada na 
ira humana, e não na vontade divina, revela que o destino, ainda que existen-
te na cultura helênica, não absorvia completamente o homem, de forma que 
suas ações e resultados eram responsabilidades suas.
Também situa-se aqui o episódio do Canto II, em que Zeus envia um sonho 
a Agamemnon, na forma do confiável Nestor, no qual este aconselha o herói 
a invadir imediatamente Troia, pois aí teria a vitória. Porém, Agamemnon, 
após uma breve exaltação, deu-se conta da falsidade da mensagem, que na 
verdade tratar-se-ia de uma armadilha. Zeus preferia Aquiles a Agamemnon, 
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Introdução ao pensamento filosófico
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e o chefe dos gregos era consciente disso. Os deuses sim interferem, mas os 
humanos são livres para aceitar ou mudar seus destinos.
Na exaltação do herói encontramos ainda outra característica marcante 
da poesia homérica, em especial a Ilíada: a presença do destino. Contudo, a 
ideia homérica de destino não se confunde com um ciclo fechado, em que a 
vida do indivíduo está previamente estabelecida. Para Homero, o destino, as 
moiras16, se assemelha a uma ordem superior em que não somente os huma-
nos, mas inclusive os deuses submetem-se. E é por isso que tanto na Ilíada 
como na Odisseia, nem os deuses podem criar o destino por suas próprias 
vontades, mas agir e criar caminhos. Na ideia de destino dos gregos está 
aberta a responsabilidade do indivíduo, da livre-escolha, o homem pode 
criar uma nova via dentro do cenário predeterminado pelo destino, não é, 
portanto, um roteiro inflexível. Esse destino possui relação com a ordem das 
coisas, e aqueles que adentram seus mistérios são de fato os homens mais 
corajosos, heroicos e sábios.17
Nesse sentido, os poemas homéricos não estão situados tanto no conhe-
cimento do homem a si mesmo, mas no desvelar de seu espírito impetuoso e 
heroico. A Homero não interessa tanto os dilemas que afetam a vida humana, 
embora reconheça que existam, mas a necessidade de estender o domínio do 
homem nesse mundo que serve de palco e cenário para conquistas. E é por 
isso que a figura que se glorifica é a do herói, que não pode temer o destino, 
nem enfrentar a ordemnatural das coisas, mas adentrá-la, e ali criar a história. 
Homero cria um mundo limitado, mas que permite atitudes ilimitadas nesse 
círculo, ainda que o homem não possa tudo fazer, pode dentro do seu possí-
vel atitudes heroicas. Homero “[...] louva e exalta o que no mundo é digno de 
elogio e de louvor. Assim como os heróis de Homero reclamam, já em vida, a 
devida honra e estão dispostos a conceder a cada um a estima que tem direito, 
assim todo o autêntico feito heroico é sedento de honra” (JAEGER, 2003, p. 68). 
Como se vê, Homero enaltece e louva a atitude heroica, porque esta é digna 
de honra, de forma que o herói passa a constituir o ideal de homem para o 
grego em geral. As palavras de Homero ecoaram por toda a história helêni-
ca, transformando-o num educador de toda a Grécia. E a educação homérica 
baseava-se justamente na educação do herói, de sua honra e coragem, da sua 
nobreza de espírito ao deixar-se guiar pelas virtudes e atitudes de louvor, que 
somente o homem ativo e criador é capaz de realizar, ao contrário do herói 
passivo, que somente deixa viver, conforme foi citado anteriormente. Jaeger, 
ao comentar a proposta pedagógica de Homero, assinala que “[...] os mitos e 
as lendas heroicas constituem um tesouro inesgotável de exemplos e mode-
16 Na mitologia grega 
eram as três Parcas, di-
vindades do mundo dos 
mortos, governado por 
Hades, que fiavam o des-
tino dos homens, e a qual-
quer momento poderiam 
extinguir a vida de qual-
quer mortal, bastando 
que para isso cortassem 
determinado fio.
17 A preocupação com 
o destino e com a ordem 
imanente do Universo 
inspiraria vários fenôme-
nos sociais e religiosos no 
mundo grego, como as fa-
mosas sentenças do Orá-
culo de Delfos, a religião 
dos Mistérios de Elêusis e 
a seita órfica. Era comum 
a compreensão de que 
havia uma ordem natu-
ral, na qual nem homens 
nem deuses poderiam 
escapar. O espírito grego 
aspirava a compreender 
essa realidade. Relembre-
mos, também, que tanto 
Platão como Aristóteles 
situavam a máxima felici-
dade na contemplação da 
realidade, no pleno enten-
dimento do mundo.
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Introdução ao pensamento filosófico
los da nação, que neles bebe o seu pensamento, ideais e normas para a vida” 
(JAEGER, 2003, p. 68)
Esse ideal de herói se tornaria, posteriormente, uma espécie de lei para o 
cidadão grego, pois a poesia e o mito, antes mesmo da lei, foram as primei-
ras manifestações da educação. Antes mesmo de o membro da polis obe-
decer o Direito, ele já havia se habituado a cultivar-se no ideal de homem 
difundido pela poesia homérica, que tem na ira de Aquiles sua mais alta 
representação.
A Ilíada celebra a glória da maior aristeia da guerra de Troia, o triunfo de Aquiles sobre o 
poderoso Heitor, em que a tragédia da grandeza heroica votada à morte se mistura com 
a submissão do homem ao destino e às necessidades da sua própria ação. É o triunfo do 
herói, não a sua ruína, que pertence à autêntica aristeia. (JAEGER, 2003, p. 75)
E é nessa ação ousada e deliberada, de colocar a própria vida em risco 
para elevar-se à glória heroica, em que consiste toda a força educadora da 
Ilíada. Os gregos não viam em Aquiles um herói comum, realizador de gran-
des feitos mas que perece no ato de tentar mais uma ação, mas o mais nobre 
dos heróis, aquele que é capaz de antecipadamente saber que o maior dos 
feitos exige também o maior dos sacrifícios. E é essa moral, centrada essen-
cialmente na figura heroica, no Aquiles da Ilíada homérica, que consolida-
rá historicamente o ideal de homem da cultura grega. A moral grega não 
estava preocupada com o cidadão comum, desejante tão somente de uma 
vida prazerosa e tranquila, como teria sido a vida de Aquiles, mas a do herói, 
e mais do que o herói, aquele herói que é capaz de entregar a própria vida 
pelo ato heroico. Pátroclo não morreu devido à luta, mas à ociosidade de 
Aquiles; é na luta e na realização que se situa a ação heroica.
O heroísmo e o destino do herói ligado à morte18 revelam ainda outro 
traço marcante de Homero, que influenciaria o pensamento grego em geral: 
a ideia de uma lei superior e universal. Há um ritmo uniforme, permanente, 
em que todo o movimento se realiza por ação própria, e nisso entram as 
ações de homens e deuses, heróis e não heróis, trata-se de uma lei maior 
que governa a vida em geral, e que se situa no limiar da Moral e da Ética. 
Homero preenche seus poemas com temas morais e naturalistas, descreve 
não somente as lutas, mas também a natureza, o cenário dos episódios, e 
a passagem dos tempos, demonstrando que além das façanhas humanas 
existe um limite imposto por uma lei universal. E dentro desse limite situa-se 
a Ética, como ciência que estuda a conduta humana.
Para Homero, como para os gregos em geral, as últimas fronteiras da Ética não são 
convenções do mero dever, mas leis do ser. É na penetração do mundo por esse amplo 
18 Contudo, há uma pas-
sagem importante na 
Odisseia, de um diálogo 
entre Ulisses e a psykhé 
de Aquiles no mundo 
dos mortos. Nesse trecho, 
constante no Canto XI, a 
sombra de Aquiles decla-
ra, quase num alento de 
saudade, que as honras e 
lembranças dos grandes 
feitos só possuem valida-
de entre os vivos, e tudo 
não passaria de sombras 
entre os mortos. Por esse 
pensamento, qualquer 
vida, ainda que miserável, 
poderia ser entendida 
como superior à morte. 
Seria preferível uma vida 
longa e sem glórias a um 
reinado no mundo dos 
mortos. Tal interpretação 
modificaria a visão de um 
Aquiles resoluto por uma 
vida trágica. (ASSUNÇÃO, 
Teodoro Rennó. Ulisses 
e Aquiles repensando a 
morte – Odisseia, XI, 478-
491 v. Revista Kriterion, 
44, n. 107, jun./2003.)
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sentido da realidade, em relação ao qual todo “realismo” aparece como irreal, que se 
baseia a força ilimitada da epopeia homérica. (JAEGER, 2003, p. 78)
Há uma ligação do humano com o divino que permeia os poemas homé-
ricos, tanto nas inúmeras interferências dos deuses na Guerra de Troia como 
nas inspirações provocadas por Atena na viagem de Ulisses. Homero não 
está preocupado em invadir o mundo interior de suas personagens, explo-
rando suas emoções, mas as ações, os movimentos do mundo exterior que 
constituem a realização heroica. Cada ação, mesmo a cólera de Aquiles, tem 
dois lados: um humano, a motivação psicológica da personagem, e outro 
divino, que em geral se baseiam em vontades dos deuses ou na causa pri-
meira de tudo, a vontade de Zeus, o deus supremo. Há, portanto, uma ordem 
estável, que na Ilíada chega inclusive a ser descrita na forma de concílios 
entre os deuses, que, ainda que em alguns momentos se revele conflituo-
sa entre as próprias figuras divinas, demonstra como além do protagonista 
existe sempre uma outra ordem a julgar e decidir o futuro.
Também a Odisseia é repleta delas. Toda a saga de Ulisses é permea-
da tanto pelo dilema psicológico, a sua soberba contra os deuses, como 
também pela vontade divina, de Posêidon, em prejudicar o herói. Contu-
do, nesse limiar do humano com o divino existe uma ordem que supera 
inclusive tal ligação. Por exemplo, mesmo Posêidon desejando aniquilar 
Ulisses por sua soberba, assim não pode fazê-lo, pois o destino do herói já 
estava traçado, já estava determinado que ele deveria retornar à sua terra 
natal. Nesse contexto, Posêidon poderia apenas causar-lhe mais problemas 
e atrasar sua viagem.
Tal situação poderia parecer ao leitor contraditória, pois para quê Posêi- 
don provocaria tantos problemas se Ulisses estava destinado a triunfar? 
Porém, foi somente quando alcançou o limite de seu sofrimento existencial 
é que Ulisses compreendeuque era sua soberba quem lhe provocava tantos 
problemas. Ao realizar a passagem de humildade tornou-se novo homem, 
mais preparado para os novos desafios. Há uma justiça superior em Homero, 
que liga o humano ao divino, e inclusive apresenta consequências além dessa 
dimensão. Tal Justiça surge ainda em sua mais profunda acepção, aquela em 
que a Ética se preocupa com a formação do homem.
É nesse sentido espiritual, que inclusive antecipa muitas ideias da filosofia 
grega em geral, que se encontra a ideia de Justiça em Homero. A justiça ho-
mérica está estabelecida num patamar elevado em que se liga o humano ao 
divino, nos limites éticos da ação humana que, embora motivada a expandir- 
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Introdução ao pensamento filosófico
-se ao infinito e à arete do herói, chega sempre a um momento que a ordem 
natural e superior das coisas, a lei universal, põe um fim. A ação Ética não 
pode ser separada do movimento natural do Universo, da fluidez do mundo 
exterior. O homem grego cultuado por Homero é aquele que dentro desse 
cenário aparentemente limitado é capaz de, através das virtudes do herói, 
realizar e construir uma vida sublime. A Justiça está nesse agir ético, é uma 
concepção de Justiça que se define a partir de um ideal de homem formado 
pelo cultivo das virtudes do herói, tendo a coragem como cerne. Nesse sen-
tido, a Justiça é uma virtude interna, e sua prática não é uma obediência às 
leis, mas o ato de se guiar pelas virtudes éticas do herói e do ideal de homem 
grego, do homem nobre.
Hesíodo
Depois de Homero houve outro grande poeta que influenciaria bastante 
a formação do ideal grego de homem justo e ético: Hesíodo. Contudo, havia 
diferenças marcantes entre os dois. Hesíodo vivia em um tempo que não 
era tão dourado quanto o de Homero. Se em Homero era essencial cantar 
as façanhas dos heróis, em Hesíodo era mais importante cantar mensa-
gens que ajudassem o povo agricultor e trabalhador a levar uma vida mais 
digna. Em Hesíodo se vê o segundo grande educador, agora não dos heróis 
e nobres, mas do povo e dos cidadãos comuns. O ideal de heroísmo trazido 
por Homero persiste, mas agora não revelado apenas as lutas e guerras gran-
diosas, mas também no árduo trabalho cotidiano.
De Hesíodo nos chegaram duas poesias: a Teogonia e Os Trabalhos e os Dias. 
A primeira narra em forma de mitos a origem genealógica dos deuses, desde 
os deuses primordiais, que participaram da criação do Universo segundo a 
visão religiosa da Grécia Antiga, e depois as gerações seguintes de deuses, até 
os deuses olímpicos, como Zeus, Posêidon, Hades, Hera, Atena, entre outros. 
Também apresenta a lenda que dá origem aos humanos: o roubo do fogo sa-
grado por Prometeu e a criação de Pandora, a primeira mulher.
Já Os Trabalhos e os Dias possui conotação bastante diversa. Aqui, é o pró-
prio poeta, falando em primeira pessoa, com o dom da palavra e da verdade 
inspirados pelas Musas19, que procura dizer algumas verdades ao seu irmão 
Perses, com quem o poeta discute alguns bens a serem distribuídos em su-
cessão. Hesíodo procura demonstrar ao seu irmão como Zeus deseja a Justi-
ça e pune os injustos, de como a Justiça está pautada na medida, e a hýbris 
19 Na mitologia grega, as 
Musas eram as nove filhas 
da união de Zeus com 
Mnemósina, que personi-
fica a Memória. Nasceram 
logo após a grande vitó-
ria dos deuses olímpicos 
contra os titãs, para justa-
mente cantar as enormes 
façanhas dos vencedores. 
“As musas são apenas as 
cantoras divinas, cujos 
coros e hinos alegram 
o coração dos Imortais, 
já que sua função era 
presidir ao pensamento 
sob todas as suas formas: 
sabedoria, eloquencia, 
persuasão, história, mate-
mática, astronomia. Para 
Hesíodo, são as Musas 
que acompanham os reis 
e ditam-lhes as palavras 
de persuasão, capazes 
de serenar as querelas e 
restabelecer a paz entre 
os homens. (BRANDÃO, 
Junito. Dicionário Mítico-
Etimológico. 2. ed. Petró-
polis: Vozes, 1997. v. II. p. 
150-151.)
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(excesso) é aquilo que os deuses não aceitam. O poeta também fala a seu 
irmão do valor do trabalho, que representa a vitória pessoal dentro de um 
caminho honesto. Tudo isso traz o poeta através de relatos míticos: as duas 
lutas, Prometeu e Pandora, e o mito das cinco raças.
É, portanto, em Os Trabalhos e os Dias que concentraremos os nossos es-
tudos, sobretudo na importância que o poeta dedicou às categorias justiça 
e trabalho, e como elas se entrelaçam numa conotação pedagógica para seu 
povo.
Em Hesíodo revela-se a segunda fonte de cultura: o valor do trabalho. O título de Os 
Trabalhos e os Dias dado pela posterioridade ao poema rústico didático de Hesíodo, 
exprime isso perfeita, mente. O heroísmo não se manifesta só nas lutas em campo aberto, 
entre os cavaleiros nobres e seus adversários. Também a luta silenciosa e tenaz dos 
trabalhadores com a terra dura e com os elementos tem o seu heroísmo e exige disciplina, 
qualidades de valor eterno para a formação do Homem. Não foi em vão que a Grécia 
foi o berço de uma humanidade que põe acima de tudo o apreço pelo trabalho. A vida 
despreocupada da classe senhorial em Homero não deve induzir-nos em erro: a Grécia 
exige dos seus habitantes uma vida de trabalho. (JAEGER, 2003, p. 85)
Hesíodo centra seus esforços na formação do cidadão comum, o cida-
dão de seu tempo, ligado a uma época ainda agrária da história helênica. A 
região grega não possui um solo rico, os benefícios que se podem tirar dele 
somente surgem se arrancados mediante o trabalho árduo, uma verdadeira 
luta do homem com a natureza. Hesíodo narra a “idade do ferro”, um período 
distante dos tempos dourados, e que em sua passagem cronológica teve 
como resultado a “subversão do direito, da moral e da felicidade humana nos 
duros tempos atuais” (JAEGER, 2003, p. 87). A passagem da história das cinco 
idades do mundo, que Hesíodo narra em Os Trabalhos e os Dias, revela esse 
sentimento pessimista que tem na idade do ferro seu ápice.20 Existiram cinco 
raças de humanos: a raça de ouro, a raça de prata, a raça de bronze, a raça dos 
heróis e a raça de ferro. Cada raça possui uma vida mais breve e mais sofrida, 
mais abalada pelas misérias do mundo do que a raça anterior.
Ainda assim, esses camponeses a quem Hesíodo se dirigia de modo algum 
devem ser confundidos com sujeitos incultos. Na Grécia hesiódica, em particu-
lar a Beócia, região onde vivia o poeta, ainda não existiam as grandes metrópo-
les. As cidades eram ainda bastante rurais, o que não impediu que a população 
já cultivasse o espírito político, ético e jurídico. Na região da Beócia os cidadãos 
reuniam-se em grande número nas cidades para discutir as questões políticas, 
e impedir a opressão das classes mais elevadas da sociedade. Exemplo disso 
está no poema de Hesíodo, em que o autor critica severamente o seu irmão 
Perses, que entregava a vida à preguiça, à inveja e às reclamações.21
20 Um rápido resumo das 
cinco raças é importante 
também para compreen-
der a diferença de “eras” 
que Hesíodo via na sua era, 
em comparação àquela 
narrada por Homero. A 
primeira raça é a de ouro, 
nela os homens viviam 
com os deuses, e por isso 
não conheciam miséria 
nem dor. A segunda raça 
é a de prata, bastante 
inferior à primeira, pois 
aqui os homens vivem 
100 anos como crianças 
junto às mães, e logo 
quando alcançam a ado-
lescência morrem porque 
não conseguem conter 
a louca hýbris dentro de 
si, o excesso provocado 
pelas paixões arrebatado-
ras. A terceira raça é a de 
bronze, dedicada às prá-
ticas de guerra e à violên-
cia; trabalham o bronze 
na confecção de armas, 
e vivem e morrem lutan-
do; aquarta raça é a dos 
heróis, dos semideuses, 
que perecem como heróis 
mas depois suas almas 
habitam tranquilas a Ilha 
dos Bem-Aventurados; 
aqui se situam os heróis 
da Ilíada, por exemplo, e 
por isso a poesia homérica 
situa-se nessa era; por fim, 
a quinta raça é a do ferro, 
aquela em que vive Hesío- 
do, quando os homens 
são obrigados a trabalhar 
durante toda a vida para 
não morrerem de fome 
e miséria. (LAFER, Mary 
de Camargo Neves. Co-
mentários. In: HESÍODO. 
Os Trabalhos e os Dias. 
Tradução de: LAFER, Mary 
de Camargo Neves. São 
Paulo: Iluminuras, 1996. 
p. 79-80.)
21 Vejamos um trecho 
de Hesíodo: “trabalha, ó 
Perses, divina progênie, 
para que a fome te de-
teste e te queira a bem 
coroada e veneranda De-
méter, enchendo-te de 
alimentos o celeiro; pois a 
fome é sempre do ocioso 
companheira; deuses e 
homens se irritam com 
quem ocioso vive”. (HESÍ-
ODO. Os Trabalhos e os 
Dias, p. 45.)
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Em outra passagem, não menos incisiva, o poeta denuncia os corruptos 
juízes de seu tempo, utilizando-se de uma fábula, a do gavião e do rouxinol. 
Essa fábula abre a seção de seu texto intitulada “A Justiça”:
Agora uma fábula falo aos reis mesmo que isso saibam. Assim disse o gavião ao rouxinol 
de colorido colo no muito alto das nuvens levando-o cravado nas garras; ele miserável 
varado todo por recurvadas garras gemia enquanto o outro prepotente ia lhe dizendo: 
“Desafortunado, o que gritas? Tem a ti um bem mais forte; tu irás por onde eu te levar, 
mesmo sendo bom cantor; alimento, se quiser, de ti farei ou até te soltarei. Insensato quem 
com mais fortes queira medir-se, de vitória é privado e sofre, além de penas, vexame. 
(HESÍODO, 2002, 9. 39-40)
É uma crítica feroz de Hesíodo, que tornando-se porta-voz de seu tempo 
denuncia a opressão que vivia grande parte da população diante daqueles 
que mantinham os poderes políticos e econômicos. A denúncia é pontual, 
direta aos corruptos. Tal crítica não pode ser resumida a uma classe da comuni-
dade, mas a todos aqueles indivíduos que detêm mais poder e representação, 
sejam posições sociais, jurídicas, econômicas, políticas, e por essa vantagem se 
aproveitam e brincam com as vidas dos demais indivíduos tal como o gavião 
brinca com o rouxinol. Outra mensagem importante nessa citação é que Hesí-
odo aconselha a não medir-se com aqueles considerados mais fortes, pois se 
assim como o rouxinol nada pode fazer com o gavião, um homem comum só 
tem a perder se decidir enfrentar alguém de maior poder e influência social. 
Hesíodo reprova o caminho dos conflitos e das intrigas, e aconselha a todos a 
percorrerem o caminho do trabalho, que é mais digno, honesto, e os frutos são 
merecidos, pois são conquistados pelo próprio esforço e mérito, e não exige a 
necessidade de se medir com indivíduos mais poderosos.
O leitor percebe então como a Ética de Hesíodo distancia-se da ética ho-
mérica por tentar situá-la num plano mais terreno, material, diferente da gran-
diosidade da Ilíada e da Odisseia, que buscam um ideal elevado de homem, 
talvez difícil de ser alcançado. O ideal de Hesíodo relaciona-se diretamente 
à situação histórica de seu povo, tem efeitos práticos imediatos, é a luta co-
tidiana contra o solo, contra a natureza, contra a opressão, é a luta dos cida-
dãos comuns pela aplicação do Direito. Nesse sentido, Hesíodo diferencia-se 
ainda mais de Homero, sua poesia abandona a objetividade da epopeia e 
encarna o ideal de seu povo, passando a defender o Direito e atacar a injusti-
ça em primeira pessoa.“Em Hesíodo introduz-se pela primeira vez o ideal que 
serve como ponto de cristalização a todos esses elementos e adquire uma 
elaboração poética em forma de epopeia: a ideia do Direito. A propósito da 
luta pelos próprios Direitos, contra as usurpações do seu irmão e a venalida-
de dos nobres, expande-se no mais pessoal dos seus poemas, “Os Erga”, uma 
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Introdução ao pensamento filosófico
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fé apaixonada pelo Direito. A grande novidade dessa obra está em o poeta 
falar na primeira pessoa. Abandona a tradicional objetividade da epopeia e 
torna-se porta-voz de uma doutrina que maldiz a injustiça e bendiz o direi-
to. É o enlace imediato do poema com a disputa jurídica sustentada contra 
o seu irmão Perses, que justifica essa ousada inovação. Fala com Perses e 
dirige a ele admoestações. Procura convencê-lo de mil maneiras de que Zeus 
ampara a justiça, ainda que os juízes da Terra a espezinhem, e de que os bens 
mal adquiridos nunca prosperam”. (JAEGER, p. 91)
Tal como o poeta da Ilíada e da Odisseia, Hesíodo também concebe o 
Direito e a Justiça como bens divinos, relacionados a Zeus, e as injustiças 
terrenas como meros fatos existenciais humanos. Hesíodo se põe como in-
terlocutor das Musas, e não o autor propriamente dito, de forma que em 
várias partes de seu poema acompanha-se prodigiosas preces a Zeus e ar-
gumentos tentando convencer Perses da condição divina da justiça, por ser 
esta obra do senhor do Olimpo.
O fato de se pôr ainda em primeira pessoa revela esse caráter apelativo, de 
compreender os Os Trabalhos e os Dias não somente como poema didático, 
mas também como clamores de todo um povo por Justiça. A veemência com 
que Hesíodo maldiz a injustiça e as condutas de Perses corroboram essa ideia.
Àqueles que a forasteiros e nativos dão sentenças retas, em nada se apartando do que é 
justo, para eles a cidade cresce e nela floresce o povo; sobre esta terra está a paz nutriz de 
jovens e a eles não destina penosa guerra o longevidente Zeus: nem a homens equânimes 
a fome acompanha nem a desgraça: em festins desfrutam dos campos cultivados; a terra 
lhes traz muito alimento; nos montes, o carvalho no topo traz bálanos e em seu meio, 
abelhas; [...] Àqueles que se ocupam do mau excesso, de obras más, a eles a Justiça destina 
o Cronida, Zeus longevidente. Amiúde pega a cidade toda por um único homem mau que 
se extravia e que maquina desatinos. Para eles do céu envia o Cronida grande pesar: fome 
e peste juntas, e assim consomem-se os povos [...]. (HESÍODO, 2002, p. 39-41)
Um governante corrupto, portanto, atrai sozinho toda a desgraça para 
o seu povo, pois pratica atos injustos que são odiados por Zeus. Hesíodo 
pontua aqui a responsabilidade maior dos líderes, que por representarem in-
teresses de toda uma população não devem pensar somente em si mesmos, 
mas na coletividade, pois o fracasso dele é também fracasso de muitas outras 
pessoas. Hesíodo lamenta ter nascido em um momento histórico em que 
vigora unicamente o direito do mais forte, e não a justiça em seu sentido 
pleno e divino.
Essa passagem também pode ser transportada para a esfera jurídica da 
contemporaneidade, como crítica aos juízes que não exercem suas profis-
sões com a devida ética que deles se espera. Em muitos casos impera o di-
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Introdução ao pensamento filosófico
reito do mais forte, dos juízes que, comandando o Direito, fazem da Justiça 
um instrumento para alcançar seus interesses e satisfações. O gavião não 
está preocupado com a vida e destino do rouxinol, assim como muitos juízes 
não se interessam pela vida das partes as quais chegam até ele querendo 
resolver um conflito. Essa atitude autoritária reduz o Direito a um simples ins-
trumento, longe de sua antiga acepção divina e nobre que tanto sustentou 
Homero ao enaltecer as virtudes do herói. Salienta-se, porém, que o objetivo 
de Hesíodo é pedagógico, é demonstrar a fraqueza do Direito de seu tempo, 
ensinando aos indivíduos comuns como interagir no processo judicial, e ten-

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