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Walter Benjamin • A Filosofia e a Visão Comum do Mundo — Bento Prado e outros • O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira — Teatro — José ~abai e Mariéngela Alves de Lima Coleção Primeiros Passos • O que é Arte — Jorge Coli • O que é Teatro — Fernando Peixoto • O que é Semiótica — Lúcia Santaella Coleção Encanto Radical • Friedrich Nietzsche — Uma Filosofia a Marteladas — Scarlett Marton • Georg Buchner — A Dramaturgia do Terror — Fernando Peixoto • Roland Barthes — O Saber com Sabor — Leyla Perrone- Moisés • Sócrates — O Sorriso da Razão — Francis Wolff • Walter Benjamin — Os Cacos da História — Jeanne M. Gagnebin Coleção Primeiros Vôos • Barroco - Suzy de Mello • Introdução à Dramaturgia — Renata Pallottini Coleção Circo de Letras • Haxixe — Walter Benjamin Origem do drama barroco alemão Tradução, apresentação e notas: Sergio Paulo Rouanet COL. ILANA BLAJ NÃO CIRCULA SBD-FFLCH-USP 11 IP 1984 l f Índice _ NOTA DO TRADUTOR 9 APRESENTAÇÃO 11 QUESTÕES INTRODUTÔRIAS DE CRÍTICA DOCO- NHECIMENTO 49 Conceitodetratado,49;Conhecimentoeverdade,51;O belo filosófico,52;Divisãoedispersãonoconceito,55;Idéiacomo configuração;56;A palavracomoidéia,57;O caráternão- classificatóriodaidéia,60;O nominalismodeBurdach,62; Verismo,sincretismo,indução,64; Os gênerosde arteem Croce,65;Origem,67;A monadologia,69;A tragédiabar- roca:negligênciaeerrosdeinterpretação,70;"Valorização", 73;Barrocoeexpressionismo,76;Pro domo, 79. DRAMABARROCOETRAGÊDIA 81 I. Teoriabarrocae dramabarroco,81; Irrelevânciada in- fluênciaaristotélica,84;A históriacomoconteúdododrama barroco,86;Teoriadasoberania,88;Fontesbizantinas,91;Os dramasdeHerodes,93;Indecisão,94;O tiranocomomártir,o i mártircomotirano,95;Subestimaçãododramademartírio, i 97;Crônicacristãedramabarroco,99;Imanênciadodrama ,I, noperíodobarroco,101;Jogoereflexão,104;Osoberanocomo !~!" criatura,108;A honra,109;Destruiçãodo ethoshistórico, \111 JI" __ 'A" 8 WALTER BENJAMIN 111.O cadávercomoemblema,239; O corpodosdeusesno cristianismo,243;O lutonaorigemdaalegoria,246;Terrores epromessasdeSatã,249;Limitesdameditação,254;Ponde- raciónmisteriosa,256. ALEGORIA E DRAMA BARROCO 181 I. Símboloealegorianoclassicismo,181;Símboloe alegoria no romantismo,185; Origem da alegoriamoderna,189; Exemploseconfirmações,194;Antinomiasdoalegorês,196; A ruína,199;A mortealegórica,204;A fragmentaçãoalegó- rica,207. 11. O personagemalegórico,213;O interlúdioalegórico,215; Títulose máximas,219;Metafórica,221;Teoria barrocada linguagem,223;O alexandrino,227;A fragmentaçãodalin- guagem,229;A ópera,232; IdéiasdeRittersobrea escrita, 234. 111;A cenateatral,114;O cortesãocomosantoecomointri- gante,117;Intençãodidáticadodramabarroco,121. 11.A Estéticado Trágico, deVolkelt,123;O Nascimentoda Tragédia,deNietzsche,125;A teoriadatragédiadoidealismo alemão,127;Tragédiae saga,129;Realezae tragédia,133; Antigaenovatragédia,134;A mortetrágicacomomoldura, 136;Diálogotrágico,processualeplatônico,138;O lutoe o trágico,141;O Sturm und Drang eoclassicismo,143;Ações principaisedeEstado,teatrodefantoches,146;O intrigante comopersonagemcômico,149;Conceitodedestinonodrama dedestino,151;Culpanaturale culpatrágica,154; O ade- reço,155;Horadosespíritosemundodosespíritos,157. lU. Doutrinadajustificação,'A1Tát'!€t.a,melancolia,161;Tris- tezadoPríncipe,165;Melancoliado corpoe da alma,168; A doutrinade Saturno;171; Símbolos:cão,esfera,pedra, 174;Acedia einfidelidade,177;Hamlet,179. NOTAS . 259 Nota do tradutor A palavra Trauerspiel,lançadaemcirculaçãono século XVII. significa,simplesmente,tragédia,palavraquetambém existeem alemão:Tragõdie.Mas como toda a polêmica de Benjamin contraa interpretaçãotradicionaldo Barroco lite- rário está contida na distinção por ele estabelecidaentre Trauerspiele tragédia,é evidentequeessatraduçãoestáex- cluída. Como traduzir, então, Trauerspiel?Drama? Mas nesse casohaveriaumaconfusãocomo termoalemãoDrama,que Benjamin usa como uma categoriagenérica,aplicáveltanto ao Trauerspielquantoà tragédia. Um tanto a contragosto,opteipor dramabarroco.Essa soluçãodeixaa desejar,porqueBenjaminserefereocasional- mentea Trauerspielepós-barrocos.Mas édefensáveldoponto de vista pragmático, porque para Benjamin o Trauerspiel comogêneronasceuefetivamenteno período barroco,e é ao dramadesseperíodo, e denenhumoutro, queo livro é consa- grado. De resto,quandoo autorsereferea Trauerspielepos- teriores,eleassinalaemgeral quetaisdramastêmafinidades estruturaiscomosdoBarroco.Dessemodo, na maioriaesma- gadora dos casos,Trauerspielpode ser traduzidopor drama barroco,semfalsearasintençõesdeBenjamin. Não obstante,algumasexceçõessão inevitáveis.Drama barrocoéumaexpressãoerudita - uma expressãode crítico literário - aopassoqueTrauerspielé umapalavracorrente, ~presentação~ _ "Vou contardenovoa históriadaBelaAdormecida": assimcomeçaumprefácioirônicoqueBenjaminescreveupara aprimeiraediçãoda OrigemdoDramaBarrocoAlemão,e queeleteveaprudênciadenãopublicar.Segundoessanova versão,a Princesanãoéacordadapelobeijodoseunoivo,e simpelasonorabofetadadadapelo cozinheiroemseuaju- dante.O cozinheiroéopróprioBenjamin,abofetadaéa que elepretendedarna·ciênciaoficial,e a heroínaéa Verdade, quedormenaspáginasdoseulivro.l Comessaparábola,Benjaminestavaaludindoaodesfe- choanticlimáticodesuasambiçõesacadêmicas.Pressionado por dificuldadeseconômicas,eledecidiraconcorrera uma livre-docênciana Universidadede Frankfurt, apresentando comodissertação(Habilitationsschrift)seuensaiosobreo dra- mabarrocoalemão.SubmetidainicialmenteaoDepartamento deLiteraturaAlemã,a tesefoi recusada,e encaminhadaao DepartamentodeEstética.Osdoisprofessoresqueexamina- ramo texto,porsuavez,rejeitaramo trabalho,eBenjaminfoi aconselhadoa retirara tese.Assimterminou,antesdecome- çar,acarreirauniversitáriadeWalterBenjamin.2 Na medidadopossível,tenteifacilitara compreensãodo textopormeiodenotasdepédepágina,assinaladaspor aste- riscos.As notasdeBenjaminsãonumeradas,e asreferência respectivasseencontramnofinal dovolume.Mantivenoori- ginalostítulosdasobrascitadas,bemcomoaspassagensem grego,latimefrancês,traduzindo-asemnotasdepé depá- gma. _----------- __ ••••------------ ..••- m. 10 WALTERBENJAMIN rI usadapelosprópriosdramaturgosdaépoca,eporcríticospré- benjaminianos,quenaturalmentenãosuspeitavamde qual- querdiferençaessencialentreTrauerspieletragédia.Quando a poéticadoséculoXVII formulapreceitospara o Trauer- pieI, ou quandoSchopenhauertraçaparalelosentreo mo- dernoTrauerspieleo antigo(istoé,a tragédiagrega)apala- vranãopode,razoavelmente,ser traduzidapor dramabar- roco.Nessescasos,eemoutrossemelhantes,Trauerspielserá traduzidopor tragédia,oudrama,conformeo contexto.Ex- cepcionalmente,apalavraserámantidanooriginal,quando estiveremjogo a significaçãointrínsecadosseuselementos constitutivos. Salvo~ssasexceções,semprequenecessárioindicadas por notas,a soluçãoaquipropostaseráaplicada.Por outro lado,quandona traduçãoaparecera expressãodramabar- roco, ela corresponderá,agorasem nenhumaexceção,a Trauerspiel.Tragõdieserásempretraduzidapor tragédia,e Drama,por drama.O tradutorsepenitencia,assim,por não tersabidoencontrarumatraduçãomaisapropriadapara o conceitocentraldolivrodeBenjamin,preservando-o,aome- nos,dequalquerequívoco. (1) Walter Benjamin;Gesamme!te Schriften,vol. 1-3, Frankfurt, Suhr- kamp, 1974, pp. 901-902. (2) Para uma descrição completa das vicissitudes do livro, vide a biogra- fia de Werner Fuld, Benjamin,Munique, Hanser, 1974. 12 WALTER BENJAMIN ---'r; ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 13 ofato dequeo livrosejahojevistocomoum dosmais importantesdenossaépocasemdúvidademonstraa insensi- bilidadedosprofessoresdeFrankfurt,masnãonos impede deinvocaralgumascircunstânciasatenuantes.Benjaminnão hesitouempolemizarcontraas interpretaçõesdoBarrocoe do dramabarrocomaisem voganos círculosacadêmicos, inclusivenaprópriaUniversidadedeFrankfurt,eafinalépre-cisoreconhecerquea linguagemdaobranãoéespecialmente transparente- umdosprofessoresconfessouingenuamente nãohavercompreendidoumalinhadolivro. A perspectivadesteensaiointrodutórioseráportantoes- sencialmentedidática.Dentrodesseespírito,eparadarasis- tematicidadepossívelà exposição,proponhoordená-Iaem tornodetrêstemas:umateoriadoconhecimento,umateoria dodramabarrocoeumateoriadoalegórico. O espíritodesistemaé certamentealheioao estilode Benjamin,masessamímesis(didática)dorigoracadêmicono fundolimita-sea duplicara mímesis(irônica)comqueopró- prio Benjamincopia,emseulivrodemaisde 500citações, opedantismodoseruditos.Em todocaso,nãohaverá,cons- cientemente,outrainfidelidadea Benjamin.A "verdadeque dormenaspáginasdoseulivro" serátratadacomcuidados infinitos,poiselanãodevesermolestadanem"peloPríncipe Encantadorevestidocoma armadurabrilhanteda ciência", segundoo prefáciosarcásticodeBenjamin,nempela trucu- lênciadeumcozinheiroruidoso- o crítico.Nemciêncianem crítica:comentário.O comentadornãoquerseduzira Prin- cesa,nemassustá-Ia,mas torná-Iavisível:"não desnuda- mento,queaniquilao segredo,masrevelação,quelhefaz justiça"(p.53). TEORIA DO CONHECIMENTO Fazerjustiçaao livro de Benjaminsignifica,antesde maisnada,elucidaro queeletemdemaisenigmático:ascon- sideraçõesepistemológicasemetodológicasqueservemdepór- ticoao trabalho,e queincluem,no essencial,umareflexão sobreasidéiaseascoisas,sobreo nomee apalavra,sobrea origemeagênese,esobreafilosofiaeosistema. As dificuldadessãoreais,masnãodevemsersuperesti- madas.Elasvêmdo caráterabstratode exposição,queobs- cureceo nexoentrea introduçãoepistemológicaeo restante daobra.Tentarei,assim,resumircadatópico,eemseguida concretizá-locomexemplosextraídosdoprópriolivro,o que alcançaráo duploresultadodetornarmaisinteligíveisasabs- traçõese de mostrarcomoelasse relacionamcomo tema central. As idéiaseascoisas O caminhoda verdadeirainvestigaçãofilosófica,para Benjamin,éa representação.Representação,por umdesvio, do universal- a ordemdasidéias.Tal representaçãonão implicanenhumaindiferençaquantoaoparticular- aordem dosfenômenos.Poisessasidéiassãoemsi.mesmasopacase "permanecemobscuras,atéqueosfenômenosasreconheçam ecircundem"(p. 57). Longedosfenômenos,asidéiassãova- zias,do mesmomodoqueos fenômenos,longedasidéias, estãocondenadosà dispersãoeà morte:dispersãoporquenão podemagrupar-seemunidadessignificativas,l! morteporque estãoentregues,semdefesa,aopensamentoabstrato,queas destróiemsuaparticularidade.A tarefadofilósofoé assima deinjetarnasidéiaso sanguevigorosoda empiriae desalvar osfenômenos,guardando-osno "recintodasidéias".Mas a empirianãopodepenetrardiretamentenomundodasidéias. Dondeafunçãomediadoradoconceito.Peloconceito,ascoi- sassãodivididasemseuselementosconstitutivos,e enquanto elementos,podemingressarnaesferadasidéias,salvando-se; inversamente,pelo conceito,as idéiaspodemser represen- tadas,tornando-seconcretas,graçasà empiriadesmembrada emseuselementosmateriais.Os conceitosconseguemassim "deumgolpedoisresultados:salvarósfenômenose repre- sentarasidéias"(p. 57). Comisso,ascoisasacedemaouni- versal,semseevaporaremnapuraabstração.A meraabsor- çãodascoisaspeloconceito,aocontrário,nemlhesdariaum caráterverdadeiramenteuniversal- poissóa idéiaé univer- sal - nemteriaopoderderedimi-las,poiselasseperderiam nopseudo-universalda média.É por issoque "nãohá ne- nhumaanalogiaentrearelaçãodoparticularcomo conceitoe joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 14 WALTER BENJAMIN ---'ff ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 15 a relaçãodoparticularcoma idéia.No primeirocaso,eleé incluídosobo conceito,epermaneceo queeraantes- um particular.Nosegundo,eleéincluídosobaidéia,epassaaser oquenãoera- totalidade.NissoconsisteasuaredençãopIa-- tônica"(p. 69). Masseo universalismofraudulentodaciênciaou dosis- temaéimpotenteparasalvarascoisas,éporqueashomoge- neíza,ignorandoasdiferençasentreseuselementos.Salvaras coisasépreservaressasdiferenças,quese tornamespecial- mentevisíveisnosextremos.Subsumidasnamédia,essesex- tremosdesaparecem;épreciso,aocontrário,mantersuainte- gridade.Podemosassimreformulara relaçãoentrea empiria easidéias.O queseagrupaemtornodasidéias,atualizando- as,nãosãoquaisquerelementos,eassimoselementosextre- mos,ou os aspectosextremosdoselementos.'~s idéiass6 adquiremvidaquandoosextremossereúnemà suavolta." (p.57) A idéiaé umaconfiguraçãodessesextremos,e a esse títuloconstitui"umordenamentoobjetivovirtual"dosfenô- menos,sua"interpretaçãoobjetiva"(p. 56). ' Aplicandoà estéticasuateoriadasidéias,Benjaminob- témdoisresultados.Em primeirolugar,demonstraa auto- nomiadosgênerosartísticos- consideradoscomoidéias- e suarelaçãocomasobrasindividuais.Em segundolugar,ob- témuminstrumentoparaainvestigaçãoespecificadeumdes- sesgêneros:odramabarroco,vistocomoidéia. Enquantoidéias,osgênerosestéticossãodistintosdeto- dasassuasrealizaçõesparticulares."Poisaindaquenãoexis- tissema tragédiapuraoua comédiapura, quepudessemser nomeadasà luz dessasidéias,elaspoderiamsobreviver." (p. 66)Ao mesmotempo,essaidéiavairecebendoseuconteúdo graçasaosartistasindividuais,esuadescobertas6podedar-se pelainvestigaçãoimanentedessasobras.Dessemodo,Benja- minpretendesituar-sealémdo nominalismoe alémdo rea- lismo.Alémdonominalismo,porqueaceitaaformaestética comoum universalgenuíno,ao contráriode autorescomo Burdache Croce,quenegamessauniversalidade.Comisso, sãoobrigadosa recorreraofalsouniversaldomeroconceito, incapazdefazerjustiçaaoparticular.Esseconceitoé cons- truídosejaindutivamente,sejadedutivamente.Peloprimeiro procedimento,o pesquisadorjunta todasas obrasquesão tradicionalmenteconsideradastrágicasou líricas,ou quesão vividassubjetivamentecomotais,e tentadeterminaro que elastêmdecomum.Nessaperspectiva,o conceitoéa expres- sãodosemelhante,ecomissoo extremoe o heterogêneosão excluídos.Pelosegundoprocedimento,opesquisadorproduz, abstratamente,umaclassificaçãodegêneros,comsuasres- pectivasregras,epassaajulgarasobrasindividuaisdeacordo comassupostasleisdogênero:comisso,maisumavez,a obradeartedeixadeserconsideradaemsuaespecijicidade. Numcaso,oparticularservedepontodepartida,masdepu- radodo queeletemdeheterogêneo,e nosegundo,deponto terminal,massubmetidoa classificaçõesa priori quenão mantêmcomelenenhumarelaçãoorgânica.Nosdoiscasos, o objetoseperde.O nominalismo,cuja intençãoinicialera impedira dissoluçãodo objetono universalda idéia,acaba dissolvendoo objetono pseudo-universaldo conceito.Mas Benjaminquersituar-setambémalémdo realismo,quead- miteaobjetividadedaordemdasidéias,semnoentantocorre- lacioná-lacoma ordemdosfenômenos.É o queocorrecom autorescomoR; M. Meyer,quepretendemacederàsformas artísticasatravésdavisão(Anschauung).Ora, essavisãonão é, defato,a doobjeto,acolhidonaidéia,esima dopr6prio sujeito,quepenetranaobraatravésda empatia,meraproje- çãona obradapsicologiado investigador.Benjaminé inci- sivo:esse"métodoéo opostodoadotadonestetrabalho"(p. 64).E o épelamesmarazãoqueo levaa descartaro nomina- lismo:tambémno realismoo objetoseevapora,substituído pelosujeito.O "platonismo"deBenjaminacabarevelando- se,assim,um"objetivismo"radical.Éporfidelidadeàscoisas queeleprecisadomundodasidéias.Semelas,osfenômenos nãoteriamuma"interpretaçãoobjetiva",oqueascondenaria àmudezeàtristeza,enãopoderiamsersalvos,poissedissol- veriam,sejanoconceito,sejanuma"visão"subjetiva,naqual nãohálugarparao objeto. Comoosoutrosgêneros,o dramabarrocoéumaidéia,e valeparaeleoquevaleparaasoutrasidéias:essaidéiatemde serrepresentada,atravésda "salvação",pelo conceito,dos seuselementos,apartir dosextremos.À primeiravista,isso parecesignificar,simplesmente,umapolarizaçãoentredois teatrosnacionais,ouentreduasobras,no interiordomesmo espaçocultural.Assim,odramabarrocoalemão,o maisgros- seirodaEuropa,estarianumextremo,e o espanhol,o mais joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopennaHighlight 16 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 17 perfeito,estariaemoutroextremo,do mesmomodoqueno interiordo teatroalemão,Gryphius,o autormaisrefinado, seriacontrapostoaoqueBenjaminconsiderasseo maistosco. A formado dramabarrocoseriaconstruídaassimpelocon- frontodessesextremos,semqueessecritérioestéticoinvali- dassea importânciadasobrasmenoresparaa determinação daforma, quetransparece,pelo contrário,commaiorevi- dêncianassuasrealizaçõessecundárias. Mas a verdadeiraaplicaçãodoprocedimentodosextre- mosestána investigaçãoestruturaldo dramabarroco,que resumireimaisadiante.Bastadizeraqui quenessainvesti- gaçãoBenjaminfoi aproximadamentefiel ao seuprograma epistemológico.Eledissociouodramaemseuselementos,iso- louosaspectosextremosdecadaumdeles,recolheu-os,sem perdernenhum,e aocompletara descriçãodo dramacomo objeto,completoua representaçãodo dramacomoidéia. Tendoacedidoaomundodasidéias,asobraspassarama ter I uma"interpretaçãoobjetiva",um "ordenamentoobjetivovir-j tual". onomeeapalavra Masondeselocalizamasidéias?Elasnãoestãonomun- doempírico- reinodoparticularaindanãotrabalhadopelo conceito- nemnoconceito,simplesmediaçãoentreo parti- culareo universal.Benjamincertamentenãoasvênocéude Platãó,ondeelasseriamacessíveisa uma"visão"intuitiva, concepçãoqueeleéoprimeiroa criticar.A respostadeBen- jaminéqueelasestãona linguagem.Maisprecisamente:na dimensãonomeadoradalinguagem,emcontrastecomsuadi- mensãosignificativae comunicativa.É a linguagemadamí- tica,que"despertavaascoisas,chamando-aspor seuverda- deironome,e nãoa linguagemprofana,posterioraopecado original,quesedegradanummerosistemadesignos,eserve apenasparaa comunicação.O Nometransforma-senapala- vra,merofragmentosemântico,coisaentrecoisas,'e quepor issomesmoperdeua capacidadedenomeá-Ias.A idéiaestá inscritanaordemdoNome.A tarefadofilósofoé restaurar emsuaprimaziaessadimensãonomeadoradalinguagem,vol- tando-se,por umaespéciede anamnesis,para a condição ~," i, I I II \ t Jaradisíaca,emqueaqueladimensãoreinavasempartilha. '{essaperspectiva,adialéticaidéia-fenômenopodesertradu- idaemoutroregistro:elaé idênticaà dialéticaNome-pala- vra,pelaqualofilósofosalvaapalavra,reconduzindo-oao Nome,suapátriaoriginal. Benjaminretoma,emoutraspassagens,o mesmotema, diretaeindiretamente.Diretamente,quandodiz,nofinal do livro,queo saber,emgeral,eo saberdobeme domal,em particular,surgiramdepoisda queda,quandoa linguagem deixoudeserpuranomeaçãoadamítica,tornando-sesignifi- cativa.E indiretamente,quandodescrevea teorialingüística doBarroco,quejáconheciaessatensãoentrenomeepalavra, sobaformadeumaoposiçãoentrea linguagemoral,livreex- pressão,dacriatura,e essencialmenteonomatopaica- no- meandoassimascoisascomo nomequeverdadeiramentelhes corresponde- e a linguagemescrita,reinodassignificações, sobreasquaispesatodaatristezadohomemexilado. A compreensãocompletadessastesesexigiriaumaremis- sãoà filosofiadalinguagem,desenvolvidapor Benjaminem .outrostrabalhos,sob a influênciado misticismojudaico.3" BastadizeraquiquesegundoBenjaminasprópriaslínguas contemporâneascontêmecosdessalinguagemadamítica,o quejustificaacategoriadaanamnesis,recordação:épossível, atravésdaanálisedapalavraprofana,lembrar-sedesuadi- mensãonomeadoraoriginal,ecomissoreconduzi-la,enquanto idéia,à ordemdoNome. A traduçãodonossotemanessenovoregistronãooferece dificuldades.A palavraTrauerspiel - dramabarroco- em suaexistênciaempíricaéofenômeno,ecomoNomeéa idéia. Maisdifícilésabercomosedaria,agora,a "redençãoplatô- nica".Para queelafossecoerentecoma descriçãoanterior, seriaprecisoqueofenômeno- nocaso,apalavra- pudesse serdissociadoemseuselementosextremos,gerandocomisso umainterpretaçãoobjetiva.Ao mesmotempo,serianecessá- rioqueosextremosassimobtidosaludissema umpassadoar- caicoquepudesseserrecuperadopelaanamnesis. (3) Walter Benjamin,Über Sprache Überhaupt und über die Sprache des Menschen (Sobrea Linguagemem Geral.~sobrea LinguagemHumana) GS, vol. 11-1.VidetambémDie Aufgabe des Ubersetzers (A Tarefado Tradu- tor) GS, vol. IV-1. Resumias teoriaslingüísticasde Benjaminem meu livro Édipo e o Anjo, RiodeJaneiro, TempoBrasileiro,1981. II1 joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 18 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 19 Sugiroumcaminhopossível.Sedesmembrássemosapa- lavraem seuselementosconstitutivos,obteríamosTrauer, luto,e Spiel,jogo,espetáculo,folguedo.Osextremosdeque necessitao intérpretejá estãocontidosnaprópriapalavra. Num primeironívelde análise,podemosdizer que Spiel, comoespetáculoeilusão,designao caráterfugidioeabsurdo davida,e Trauer, a tristezaresultantedessapercepção.Te- ríamosassimumaprimeirainterpretação:o dramadesignaa tristezadeumhomemprivadoda transcendência(p,liscom elaa vidanãoseriaabsurda),numanaturezadesprovidade Graça.Comoveremosmaistarde,sãoessesoselementosque a investigaçãoestruturaldescobriráno drama,e quecoinci- demcoma concepçãobarrocada história.Para identificar- mosnesseselementososecosdeumpassadoprimordial,po- demosrecorrerà teoriabarrocadalinguagem,já mencionada. Spiel, queagorasignificajogoefolguedo,remeteaoestadode natureza,emqueossonssão"aesferadalocuçãolivreepri- mordialdacriatura". Trauer designaa tristezadoexílio,que expulsouos sons,esferada linguagemadamítica,escravi- zando"ascoisasnos'amplexos'dasignificação". (p. 224) Te- ríamosassimumasegundainterpretação,emquea palavra contémumareminiscência,quepodesercaptadapelaanam- nesis.Umcéticodiriaque,seissoé verdade,o Barroconão fezmaisqueduplicarseuprópriopresente,projetando-onum passadomítico,poisasegundainterpretaçãocontémosmes- moselementosdaprimeira:imanência,já queo jardim do Êdeneraumparaísoterrestre;einserçãodohomemnanatu- reza- naturezainocente,antesdopecadooriginal,e natu- rezaculpada,depoisda queda.Mas sequiséssemoslevara sérioo impulsoteológicodeBenjamin,poderíamosfalar na confluênciadeduascorrentes:apalavraseriaa condensação deumavivênciapresenteedeumanostalgiaaindadolorida. Sejacomofor, o segundoregistropodesermaisrico queo anterior,masnãoo contradiz.Ele repeteo itineráriodopri- meiro,eacabaalcançandoosmesmosresultados. A origemeagênese As idéiastêmumaorigem.Mas origemnadatema ver comagênese.A origem(Ursprung) é umsalto(Sprung) em li direçãoaonovo.Nessesalto,o objetooriginadoselibertado vir-a-ser."O termoorigemnãodesignao vir-a-serdaquiloque seorigina,esimalgoqueemerge(entspringt)dovir-a-sereda extinção."(p. 67)As idéias,originadasnahistória,sãopor- tantoemsimesmasintemporais,mascontêm,sobaformade "histórianatural",ouvirtual,umaremissãoà suapré epós- história.A formaoriginadaésimultaneamente"restauraçãoe reprodução"- enessesentidoaludeaopassado- e "incom- pletae inacabada"- enessesentidoseabreparao futuro. Issoseaplica,emprimeirainstância,à pré epós-históriada própriaidéia.Masseaplica,também,àpréepós-históriade todasasdemaisidéias:porquea idéiaé mônada,e emsua auto-suficiênciacontém,emminiatura,a totalidadedomun- dodasidéias."O Serquenelapenetracomsuapréepós-his- tóriatrazemsi, oculta,afigurado restantedo mundodas idéias,damesmaformaquesegundoLeibniz... emcadamô- nadaestãoindistintamentepresentestodasasdemais." (pp. 69-70) OsleitoresfamiliarizadoscomaobraposteriordeBenja- minencontrarãonessasformulaçõesobscurasvárioselementos desuafilosofiadahistória.4A idéiadeque"o termoorigem nãodesignao vir-a-serdaquiloqueseorigina,esimalgoque emergedo vir-a-sere da extinção", correspondepontopor pontoà tesedequeo historiadordialéticodevelibertaro ob- jetohistóricodofluxodahistóriacontínua,salvando-o,soba formadeumobjeto-mônada:fragmentodehistória,agorain- temporal,queo olhardeMedusado historiadormineraliza, transformando-oemnatureza,equecomotaldáacessoàpré- históriadoobjeto,eà suapós-história.Naperspectivadahis- tóriadescontínua,a únicaverdadeiramentedialética,nãosepodeportantofalaremgênese,quesupõeo vir-a-sereo enca- deamentocausal,e simemorigem,quesupõeumsaltono Ser,alémdequalquerprocesso. Masnãosetrataaquidetraçarparalelos,esimdedeter- minarcomofunciona,nointeriordoprópriolivro,acategoria daorigem.Essacircunstâncianosobrigaa deixardeladoas- pectosfundamentais,comoa relaçãoentreo conceitodeori- geme o deprotofenômeno(Urphãnomen),deGoethe,esua (4) Vide principalmente ÜberdenBegriffder Geschichte(Sobre o Con- ceito de História) GS, vol. 1-2. joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight relaçãocoma teologia.5Mesmo correndoo riscode banalizar opensamentodeBenjamin,proponho interpretara categoria deorigememsualigaçãocomo conceitodeestrutura.A idéia seorigina. ou emerge,apartir de certasconfiguraçõesobjeti- vas, comoforma dotada de uma estrutura.É por isso que Benjaminpode dizer ao mesmotempoque a origem é uma categoria"totalmentehistórica" (p. 67) e que ela é algo de a-histórico,alheioaovir-a-ser.A forma éhistóricana medida emqueseorigina, masa-históricaquandovistaemsua estru- tura. A estruturatemumaorganizaçãointerna, que cabeao investigadordescobrir,segundoo procedimentode isolar os aspectosextremosdo objeto. Concluídaessaanálise,ele terá conseguido"representaras idéias e salvar os fenômenos". Mas teráconseguido,também,descobrira origem:o solo ob- jetivoemquea idéiaemergiupara o Ser.Nessaperspectiva,a origempassaa ser o verdadeiroobjetodafilosofia, quepode serdenominadaa "ciênciadaorigem". É a conclusãodeBen- jamin. "A históriafilosófica, enquantociênciada origem,éa forma quepermite a emergência,a partir dos extremosmais distantese dos aparentesexcessosdoprocessode desenvolvi- mento,da configuraçãoda idéia,enquantotodocaracterizado pelapossibilidadedacoexistênciasignificativadessescontras- tes... (p. 69) Veremosmais tardecomopode ser realizada a análise estruturaldo dramabarroco.Antecipemos,ainda, queo crí- tico descobre,aofim da análise,comoconfiguraçãocapazde constituiruma "interpretaçãoobjetiva", a concepçãoda vida comoimanência,eda históriacomonatureza.Essa estrutura coincidecom a concepçãobarroca da história, quepode ser vistacomoaorigemdodramabarroco.O críticoseguiuopre- ceitode mergulharno seu objeto "até quesua estruturain- terna apareçacom tanta essencialidade,que se revelecomo origem" (p.68). A análiseestrutural, atravésdos extremos, desembocana origem,e revelao segredodo nascimentodo drama. Ele surgiu a partir do pensamentohistóricodo Bar- roco, do mesmomodoqueumaanáliseestruturalsemelhante feitapara a tragédiagregamostrariaqueelanasceunosolodo pensamentomítico. A mesmaanáliseestruturalpermitedecifrarapré epós- história, encravadasna estrutura como "história natural", isto é, comotendênciasquealudemao tempo,massãoem si intemporais.Uma investigaçãohistoricista,queconsiderasse apenasosencadeamentoscronológicos,sópoderia descobriro antese o depois,masnão apré epós-história.Na perspectiva estrutural,pelo contrário, não são essesencadeamentosque contam,esimasafinidadesinternas,qualquerquesejaa dis- tânciaqueseparaduasépocas.Assim, apré-históriadodrama barroconão é a tragédiarenascentista,esim o diálogosocrá- tico. Essediálogo "restaurao mistério,quese haviaseculari- zado gradualmentenasformas do drama grego: sua lingua- gem é a do novodrama, e emparticular do dramabarroco" (p. 141).E suapós-histórianãoéo teatrociassicista,e sim o dramaexpressionista,queseassemelhaao Barroco tantopela situaçãohistórica comopelas característicasde sua lingua- gem. "Comoo expressionismo,oBarrocoémenosaeradeum fazerartístico quede um inflexívelquererartístico.É o que sempreocorrenas chamadasépocasde decadência."(p. 77) Enfim, a investigaçãoestruturalpode ler a forma en- -1 quantomônada:forma autárquica,quecontéma imagemde todasasoutrasformas. A análiseestruturaldo dramabarroco levao crítico à compreensãoda tragédiagrega,do drama ro- mântico, do drama expressionista,do mesmomodo que ele teriachegadoa compreender,emsuasgrandeslinhas,aforma do drama barroco,seseuponto departida tivessesidoa aná- liseestruturaldaforma trágica,românticaou expressionista. Assim formulada, essaconcepçãoé trivial, mas vale como paradigma, emgeral, do procedimentode Benjamin: leitura monadológicadoparticular, até queelefale, e nessafala re- veleasleisdo todo. 20 WALTER BENJAMIN - .•. iI r I \1 URIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 21 :1 irlil " (5) As analogiasentreo conceitode Ursprung e o conceitogoetheano de Urphãnomen são descritaslongamentepor Rolf Tiedemann,em Studien zur Philosophie Walter Benjamins, Frankfurt,Suhrkamp,1973,pp. 77 e segs. Quanto à relaçãocom a teologia, leia-sea versãoprimitiva,depois modifi- cada,dafrasequediz quea origemé por um lado restauraçãoe reprodução, e, por outro, incompletae inacabada."Tudo que é original constitui uma restauraçãoincompletadaRevelação."WalterBenjamin,GS, vaI. 1-3. ~_\ A filosofia eosistema A partir dessaepistemologia,épossívelcompreendero métodode Benjamin. É o do tratadofilosófico, e não o da joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 22 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 23 ciênciasistemática.Estanãoestáa serviçodasidéias,já que ignora,nominalisticamente,suaexistência,nema serviçoda empiria,poisnãopretendesalvarascoisas,esimabsorvê-Ias nofalsouniversaldamédia.Em contraste,o tratado,quese propõerepresentarasidéias,esabequesópodefazê-loatra- vésdasalvaçãodosfenômenos,adereobstinadamenteà or- demdascoisas,recusandoasfalsastotalizações.Ele nãopro- cedepelajustaposiçãodeobjetose conhecimentosisolados, construindoumaunidadefictfcia,esimpelaimersão,sempre renovada,emcadaobjetosingular,nosváriosestratosdesua significação,obtendoassim"um estímulopara o recomeço perpétuo,e umajustificaçãoparaa intermitênciadoseurit- mo"(p.50).O tratadoéummergulho,incessantementerepe- tido,naimanênciadecadaobjeto,enquantoo sistema"corre o riscodeacomodar-senumsincretismoquetentacapturara verdadenumaredeestendidaentreváriostiposde conheci- mento,comoseaverdadevoassedeforaparadentro"(p. 50). O sistemase baseiana continuidade,na coerênciaininter- ruptadosseusvárioselos,aopassoquea descontinuidadeéa leidotratado.O tratadoé comparávelaomosaico:elejusta- põefragmentosdepensamento,do mesmomodoqueo mo- saicojustapõefragmentosdeimagens,e "nadamanifestacom maisforça o impactotranscendente,quer da imagemsa- grada,querdaverdade"(p. 51).Enfim,osistemavisaaapro- priação:elequerassegurar-se,pelaposse,do seuobjeto.O tratado,aocontrário,procedepelarepresentação:descrição domundodasidéias,quenãoasviolenta,já quenessades- criçãoé aprópriaverdadequeseauto-representa,e constru- çãodeconceitos,nãopara dominarascoisas,maspara re- dimi-las. As reflexõesmetodológicasde Benjamin,condensadas emsuadefesadotratadocomoparadigmado,textofilosófico, decorremdesuaepistemologia.Elucidadaesta,aquelasrefle- xõessetornamtransparentes.Cabeapenasumapalavrasobre aaplicaçãodessemétodoaocorpodolivro.Essaaplicaçãoé inequívoca.Oprimadodofragmentáriosobreosistemático,a constanteretomadadosmesmostemas,a passagembrusca, semtransição,deumtópicoparaoutro:sesãoessasascarac- terísticasdo tratado,nãorestadúvidade queo livroé um tratado.Benjaminquerserlido comoummosaico,masaté certopontoessemosaicotemdeserconstruídopeloleitor. Nemsempreaspeçasestãoordenadas.O livrotemgrandes articulações,dentrodecadacapítulo,masnãoexistempará- grafos,dentrodecadaarticulação.Cabeao leitorseparare juntarosfragmentos.O livroéummosaicotambémemoutro sentido:é, emgrandeparte,umconjuntode citações.Elas têmumafunçãoprecisa:sãoestilhaçosdeidéias,arrancadas doseucontextooriginal,e queprecisamrenascernumnovo universorelacional,contribuindoparaaformaçãodeumnovo todo.Já é,emembrião,a técnicadamontagem,quechegaria à suaplenitudenasPassagensde Paris, queacabamdesereditadas.6 Ê tudoissoquetornatãohipnóticaa leiturado livro.A excentricidadedaformaestáestreitamenteligadaà originalidadedoconteúdo,eestanãoéa menorseduçãodeste livroextraordinário. TEORIA DO DRAMA BARROCO O teatroalemãodoséculoXVII EmSeulivro,Benjaminpressupõenosleitoresumconhe- cimentopelomenosfactualdo teatrobarrocoalemão.Esse pressupostonãoerarealistanemsequerpara opúblicoale- mãodesuaépoca- essasobras,há muitoesquecidas,só recentementeestavamsendoobjetodeumnovointeresse- e o émuitomenosparaosleitoresbrasileiros.Valeapena,por- tanto,resumiresquematicamenteasprincipaiscaracterísticas desseteatro,atravésdosseusrepresentantesmaisconhecidos. Seuprecursorimediatofoi o dramajesuítico,queflores- ceuprincipalmentenaAlemanhadoSulenaÁustria.Escrito emlatim,essetÍpicoinstrumentodepropagandadaContra- Reformafoi obrigado,paraatingirseusfins,arecorreratodos osrecursoscênicos:pantomimas,coros,grandesmassashu- manas,telascompinturaperspectivísticaemáquinasteatrais quepermitiamrepresentar,por exemplo,batalhasaladas entreanjosedemônios.Haviaprofusãodepersonagensalegó- (6) Walter Benjamin,Das Passagenwerk(O TrabalhodasPãssagens) GS,V. Cf. minhainterpretaçãodesselivro em "As passagensde Paris", re- vistaTempoBrasileiro,n?s68e69. ! I I I Ilil 11 r I I" li 1I li!i 1 Illi 11· li' ',1111,1 i'i1 I);: joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 24 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 2S ricos,simbolizandovirtudese vícios,e a açãonãorecuava diantedascenasmaisbrutais,comoesquartejamentosetortu- ras.Todososmeioserammobilizadosafim decriara ilusão cênica(paraprovarqueemúltimaanálisetodaa vidaterrena é ilusória),numconstanteapeloaossentidos(paraconcluir queossentidossãodiabólicos):a vidaéhabitadapelamorte, easalvaçãosóépossívelpelamediaçãodaIgreja.Na essência eramosgrandestraçosdadramaturgiabarrocaalemã,cató- licaouprotestante. A novapoéticafoi formuladafundamentalmentepor Opitz(1597-1639),nascidonaSilésia,quedestacouentreos temasdatragédia"osincestos,parricídios,incêndios,enve- nenamentos".A enumeraçãoeratipicamentebarroca,masa poéticaseguiamoldesc!assicistas,aristotélicos,que iriam provocarequívocos,levandoo dramabarrocoaserconcebido emsuacontinuidadecoma tragédiagregae renascentista. Citemos,entreos dramaturgosmais representativos,em grandeparteinfluenciadospor Opitz,Gryphius(J 616-1664), Lohenstein(J 635-1683)eHallmann(J 640-1704). Gryphius,o mais"clássico"dostrês,visitoua França, ondeveioaconhecero teatrodeCorneilleeMoliêre,eaItália, onderecebeua influênciadacommediadell'arte.Seuprotes- tantismonãoo impediudetratardosmesmostemasqueosdo teatrodaContra-Reforma:afugacidadedavida,a exaltação domartírio- apartirdaexperiênciahistóricadaguerrados trintaanos.Assim,emCatarinadeGeórgia,como subtítulo significativodeA ConstânciaVitoriosa,narraa coragemde umaprincesaquesofreo martírio,parapreservarsuacasti- dade.Em Cardenioe Celinde(personagensnão-aristocráti- cos,prenunciandoodramaburguêsdeLessing)Gryphiusdes- creveasaçõesmaisapavorantes.Cardenio,apaixonadopor Celinde,matao ex-amantedesta.Ela sedispõea arrancaro coraçãodavítima,paraprepararumapoçãomágica.O casal criminosorecebeadvertênciassobrenaturais- Cardeniovai beijarumvultofeminino,e descobretratar-sedeum esque- leto,e Celinde,nomomentodecometerseugestosacrílego, confronta-secomo espectrodomorto- eosdoisrenunciam .a esseamorculpado,refugiando-senumavidadepureza.A princípiorelativamentecontidoemsuaretóricacênica,Gry- phiusacabacedendoaoespíritodaépoca,emostranopalco torturasedecapitações. Lohensteinlevaa extremosessastendências,edelicia-se emapresentaras cenasmaiscruéis,comoem Sophonisbe, cujaaçãotranscorrenaépocadasguerrasentreRomae Car- tago,eEpicharis,notempodeNero.Epicharisétorturadano palco,temalínguaarrancada,esuicida-se.Multiplicam-seos personagensmonstruosos,comoIbrahimSoltan,sóultrapas- sadoporNeroemsuamaldadeabissal. ComHallmann,afirma-seumanovatendência- aintro- duçãodeelementospastoraiseoperísticos.Nisso,Hallmanné influenciadopeloteatroitaliano,comoa Aminta,deTasso,e peloteatrodecorte,naFrançadeLuísXlV, assimcomopelas "festasbarrocas",emquetodasasartesparticipavam- a arquitetura,apintura,apoesiaea música:o Gesamtkunst- werk,a obradeartetotal.Em Sophie,o imperadorAdriano sedisfarçadepastor,paradeclararseuamorà cristãacorren- tada.Em Mariamne,o monteSioncantao prólogo,e a he- roínamorrecantandoumritornell0.O dramabarroco,como forma,seaproximadadissolução.7 É dessaliteraturaqueBenjaminpretendeformular a teoria. Dramabarrocoetragédia O barrocojá nãoeraumtermodepreciativo,naépõcaem queBenjamininiciouseulivro.Já tinhaperdidosuaconota- çãooriginaldeartepervertida,decadenteepatológica.Desde W6lfflin,em1888,o barrocoarquitetõnicojá eravistocomo um estilopróprio, distintoda Renascença,e comdireitos iguaisà investigaçãocrítica.Suatransposiçãoparao terreno literáriojá haviaocorrido,empartepor indicaçõesdopróprio W6lfflin,eo sentidonegativooriginalatribuídoa expressões maisantigas,comogongorismo,concettismo,marinismoe eufuísmo,já estavafrancamentesuperado.Assim, quando BenedettoCroce,em1925,defendeuareintroduçãodotermo emseusentidooriginal- obarrococomoumadasvariedades (7) Otto Mann, GeschichtedesdeutschenDramas(Históriado Drama Alemão), Stuttgart,Alfred Kroner, 1960.Em português,recomendoo exce- lentelivro de Anatol Rosenfeld, TeatroAlemão, São Paulo, Ed. Brasiliense,1968,I Parte. joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 26 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 27 do feio, uma varietàdeI brutto - essaopinião já era uma extravagânciaa contracorrente,ultrapassadapela novasen- sibilidade,e opróprio Crw:enão hesitou,mais tarde, em uti- lizar apalavracomocategoriaestéticavalorativamenteneutra. Masfoi na Alemanhaquesedeua grandevogade reabi- litaçãodo barrocoliterário.Arthur Hubscher inventouo con- ceitode "sentimentovitalantitéticodoBarroco" (1924).Her- bertCysarz(criticadopor Benjamin)publicou, nomesmoano, sua DeutscheBarockdichtung,na qualse refereà tensãobá- sica, característicado Barroco, entre a forma clássicae ~ ethoscristão.Os críticosalemãesestudaramváriasliteraturas européias,descobrindoem toda parte correntesbarrocas. Theophil Spoerri, por exemplo, desenvolveua sugestãode W6lfflin sobreo contrasteentreAriosto, cujoOrIando Furioso seriarenascentista,e Tasso,cuja GerusaIemmeLiberata teria traçosbarrocos.8 No entanto,a redescobertaatingiu sobretudoa própria literaturaalemã.Desdeo após-guerra,começarama circular inúmerasantologiassobrea lírica alemãdo séculoXVII. Esse entusiasmoresultava,nofundo, daprofundaafinidadequeos críticose leitoresalemãessentiamentreoperíodo de desola- çãoposteriorà guerrados trinta anos,eseupróprio presente, marcadopela derrotaepela miséria,assimcomoentreaslite- raturasdas respectivasépocas:a mesmadicção torturada,a mesmaviolênciaverbal, a mesmatemáticado pessimismo. Dessemodo, em sua valorizaçãodo Barroco, Benjamin estavainteiramentesintonizadocom a novasensibilidade,9e (8) SegundoWõlfflin, os traçosbarrocosde Gerusafemme Liberata es- tão "nos adjetivoselevados,na forma retumbantecom que terminamos ver- sos, nas repetiçõescompassadas...na construçãopesadadas frases, e no ritmoemgeralmaislento", emcontrastecom os versossimplese vivosde Or- fando Furioso. HeinrichWõlfflin, Renaissance and Baroque, trad. KathrinSi- monLondon:Collins,1964,p.84. (9) A revalorizaçãodo Barrocoatingiuo augecom Eugeniod'Ors, que vêno Barrocoumatendênciauniversal,estendendo-sedesdea pré-históriae a antiguidadealexandrinae romanaatéo fin de siec/e europeu.Não é provável que d'Ors e Benjaminse tivessemlido, mas é curioso que o livro do autor espanhol,Ou Baroque, publicadoem Paris,em 1935, contenhapassagenspu- ramentebenjaminianas,comoaafirmaçãode queo Barrocoé um eon (cate- goria intemporal,mas que se desenvolveno tempo), o que parece corres- pondermuitode perto à concepçãode Benjaminde que o dramabarrocoé umaidéia,cujaatualização,sedá na história.Como Benjamin,d'Ors estáinte- ressadoem estabelecera genealogiado Barroco. "Se o precursordo c1assi- ,, em seu interessepela literatura dramáticaalemã do século XVII nãoestavasendode modoalgumpioneiro. Mas Benja- min criticao descasoda crítica tradicionalpelo Barroco dra- máticocomoutrosargumentosqueosutilizadospor seusapo- logistascontemporâneos,ecomissovolta-secontraessesapo- logistas.Com efeito,nemos críticosnemos defensoreslevam em conta o drama barroco comoforma, ou idéia, concen- trando-seemaspectosacidentais,alheiosàforma. Se o preconceitoclassicistadesprezavao dramabarroco pela extravagânciadosseusenredosepelaprolixidadeda sua linguagem,eraporque consideravaas obras individuais,que no casodo dramaalemãoeramefetivamentetoscas,e não a forma dessedrama, queeramaisvisívelnaproduçãoliterária alemãquena obra de Calderón, infinitamentemaisperfeita. "A idéiade umaforma ", diz ele, "nãoé menosvivaqueuma obra literáriaconcreta.A forma do dramaé mesmodecidida- mentemais rica que as tentativasisoladasdo Barroco" (p. 71).Por ignoraro drama barrococomoidéia, a crítica classi- cistaacabouaceitandoa visãoqueoBarroco tinhadesi mes- mo, levandoa sériosuapoética, queerapseudo-aristotélica. Em conseqüência,o drama barrocopassou a ser vistopelos críticosposteriorescomo uma tragédia,e medidaspor esse padrãosuasobrasnãopodiam deixardesercpnsideracJasdis- torçi'iesgrosseirasda tragédiagrega. Mas o mesmoargumentovolta-setambémcontraos mo- dernosentusiastasdo Barroco. Alguns o justificam dizendo queodramadesseperíodoé umaverdadeiratragédia,porque evocaa "piedadee o terror". Ora, essainterpretaçãopsicolo- gistado conceitodecatarsisé irrelevantemesmopara a tragé- diagrega,eoéaindamaispara odramabarroco,quesópode serexplicadopela lei desuaforma, e nãopelosefeitosprodu- zidossobreo espectador.Essa correntelimita-sea duplicar o mal-entendidoclassicistaqueequiparavao drama barrocoà tragédia,pouco importandosesuasintençõessãoagoraposi- tivas,enãocríticas.Outros,comoCysarz,louvamessedrama por terdescobertorecursostécnicosqueseriamdepoisutiliza- dospor obrasposteriores,ou ojustificam comoum momento cismose chamaa antigüidade,o do Barrocose chamaa pré-histária."Ou Baroque, Paris,Gallimard,1983,pp.73e 116. joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 28 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 29 necessáriona evoluçãoquelevariaà tragédiaclássicaalemã. Outrostentaminocentaressasobrasdizendoqueoshorrores daguerradostrintaanosea brutalidadedoseupúblicoeram responsáveispor seus'desviosdetécnicae de temática.Em todososcasos,a incompreensãodosdefensoresé idênticaà dosdetratores,esebaseianamesmacegueiraquantoà auto- nomiadodramabarrocoenquantoidéia,epor isso "emúl- timaanáliseseutomnãoé o da salvaçãoclássicamaso da justificaçãoirrelevante"(p. 75). Benjamin,pelocontrário,estáantesdemaisnadapreo- cupadocoma identidadeeespecificidadedaformadodrama barroco,e tentafundarsua autonomiaatravésde um con- frontocomatragédia. O dramabarrocotemcomoobjetoe conteúdopróprioa história,comoa épocaa compreendia.O conteúdodatragé- diaéomito,asagapré-histórica,embora.trabalhadapor ten- dênciasatuais.Tantooprotagonistadodramabarrococomo o heróitrágicotêmumacondiçãoprincipesca,masnodrama essacondiçãosedestinaa ilustrarafragilidadedascriaturas, maisvisívelnasdealtalinhagem,enquantona tragédiaela remetea umpassadoqueefetivamentesearticulavaemtorno dacondiçãosenhorial.A mortedoheróitrágicoéumdestino individual,umsacrifíciopelo qualo heróiquebrao destino demoníaco,anunciandoa vitóriasobrea ordemmíticados deusesolímpicos.Elaéaomesmotempoumaexpiaçãodevida aosdeuses,guardiãesdeumantigodireito,e a promessade umnovoestadodecoisas,a antecipaçãodeumanovacomu- nidade,aindavirtual:umsacrifícioaodeusdesconhecido.O heróiprenuncianovosconteúdos,maselessão despropor- cionaisà vidade um só homem,epor issoele morre.No dramabarroco,a morteé apenasa provamaisextremada impotênciae do desamparoda criatura.Não é um destino individual,masda criaturahumana.Não exprimenenhum desafio,nem·anunciauma ordemnova,porque qualquer transcendênciaé alheiaaoBarroco,e suautopiaé a utopia conservadoradaContra-Reforma.Na tragédia,o tempoé li- near:o heróirompeo destinomítico,atravésda orgulhosa aceitaçãoda culpa,e comissoa maldiçãose extingue.No dramabarroco,o destinoéonipotente,ea culpaé a sujeição davidada criaturaà ordemda natureza.Movidopelodes- tino,odramabarroconãotemtempo,ouestásujeitoaotempo Ir doeternoretorno.A maldiçãoseperpetua,a morteindividual nãosignificaofim,porqueavidaseprolongadepoisdamorte, atravésdasapariçõesespectrais.O registroda tragédiaé o diurno.o dodramabarrocoé o noturno,pois à meia-noite. conformeseacreditava.o tempopára,voltandoaopontode partida.Por tudoisso,o dramabarroconãotemheróis,mas somenteconfigurações.Poisheróicoéopersonagemquedesa- fia o destino.morrendo.enãoo quemorre,submetendo-seao destino.eeternizandoa culpa.Enfim.na tragédiaopalcoé umpontofixo. decarátercósmico.emquesedesenrolaum julgamento.movidopeloshomenscontraos deuses,e em tornodoqualsereúnea comunidade,paraouviro veredicto. NoBarroco.opalcoémóvel.peregrina,comoa corte,deci- dadeemcidade,e nelesedesdobraumespetáculolutuoso, destinadoahomensenlutados,esemnenhumapeloaosdeu- ses,porquenãoexistenenhumacomunicaçãopossívelcoma transcendência. O confrontocoma tragédiapermitiuaBenjamindemar- caraespecificidadedodramabarrococomoforma.Masagora éprecisoabandonartodoconfronto,e mergulharnointerior dopróprioobjeto.Chegamosaocentrodolivro:ainvestigação estruturaldodramabarroco.cujosresultadosvãopermitira Benjaminlegitimara posterioriacomparaçãofeitaentreessa formaeadatragédia. Análiseestruturaldodramabarroco Essaanálisenãofoi feitaexplicitamentepor Benjamin. O própriotermoestrutura,comovimos,nãoé usadopor ele, nosentidoqueaquilheatribuí:organizaçãointernadaidéia, emoposiçãoà suadimensãohistórica,contidanacategoriade origem.EstaabrangeparaBenjaminasduasdimensões.Mas umavezaceitoo conceitodeestrutura,queemminhaopinião nãodeformaa çategoriadeorigem,estamosemterrenose- guroparareconstruirsistematicamentea investigaçãoestru- turalassistemáticafeitapelopróprioBenjamin,segundoseu procedimentobásico:isolarosfenômenosemseuselementos, edestacardoselementosos seusaspectosextremos. A análiseempíricadeumavariedadededramaspermite distinguirentreseuselementoso Príncipe,comoprotagonista joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight principal,o cortesão,comoseuconselheiro,e a corte,como lugaremquesedáaação. OpersonagemcentraléoPríncipe.Suamissãoéimplan- tar um reinoestável,livreda rebeliãoe da anarquia,exer- cendopara issopoderesditatoriais.Ao mesmotempo,como criatura- o maisaltodosserescriados- eleestámaissu- jeitoquequalqueroutroàsleisdacriatura:o sofrimentoe a morte.Por isso,eleéaomesmotempotiranoemártir.Sãoas facesdeJanus do monarca,os doisextremosda condição principesca.Comotirano,eleencarnaemsuaplenitudeafun- çãosoberanadeprotegero Estadocontraa desordem,por todososmeiosa seudispor.Comomártirelelevaàsúltimas conseqüênciasa virtude,eencarnaplenamentea lei dacria- tura,esuasujeiçãoàmorte,aceitandovoluntariamenteo su- plício.Masessespapéissãoalternáveis.Em todotiranoexiste ummártir,e emtodomártir,um tirano.O tiranoé muitas vezesapresentadosobseuaspectomaisdegenerado,comoum loucohomicida,ecomoumAnticristo- éo casodosdramas consagradosa Herodes.Nessemomento,eledeixaderepre- sentara antinatureza,epassaa despertarcompaixão,como vítimapor excelênciado destinonaturalda criatura.Ele é símboloda Criaçãopervertida,massimboliza,de qualquer modo,a Cria,ção,no queelatemdemaissofridoe demais cruel.É.umavítimadadesproporçãoentreadignidadedes- medidadesuacondiçãohierárquicaeamisériadesuacondi- çãohumana.Inversamente,o mártirpodeservistocomoum tirano,na medidaemquesecomportacomoum estóico,e exercesobreaspaixõesumaditaduracomparávelà queo so- beranoexercesobreossúditos.A essetítulo,eledeixadesim- bolizara natureza,epassaa significara antinatureza.Por isso,a condiçãoprópriadoPríncipeé o luto. Comotirano, estáexpostoà conspiração,ao atentado,ao veneno.Como mártir,estácondenadoaoascetismoeaosofrimento.A me- lancoliadeHamletnãoé assimumtraçoisolado.Ela épró- priadacondiçãodoPríncipe.As hesitaçõesdeHamletsãotí- picas,emgeral,do comportamentodoPríncipe.Ele hesita, porqueestánafronteiradedoismundos,porquesuacondição éemsiambivalente.Eleécriatura,sujeitoànatureza,esobe- rano,cujatarefaésubjugara natureza.O verdadeironome dessahesitaçãoéacedia,asombriaindolênciadaalma,traço maisgeraldasintomatologiamelancólica. O cortesãoéo outrograndetipodagaleriabarroca.Ele aparececomointrigantee comosanto.Comointrigante,ele temosaberantropológicodeMaquiavel,conheceoshomense suaspaixõese sabemanipulá-Iascomoquemmanipulaas peçasdeumrelógio.Graçasaessesaber,eleassessorao Prín- cipeemsuamissãodegovernaroEstadoedeafastarasamea- çasinternase externas.O mesmosaberinescrupulosopode sertambémmobilizadocontrao Príncipe.Conspirando,ele mudadeladoesetornaaliadodaanarquianatural,a mesma contraa qualo Príncipetemo deverdeprotegero Estado. Comoconselheiroleal,eleajudavaa combatera catástrofe. Ao trair,eleencarnaa catástrofe:a rebeliãoeamorte.Mas o ativismodointrigantetemcomocontrapartidaumarigorosa disciplinainterna.Parabemmanejaraspaixõeshumanas,ele nãopodedar-seaoluxodeterpaixões.Maisradicalmenteque o Príncipe,elesecomportacomoum estóico,e, no limite, comoumsanto.O amargosaber,queo impededeterqual- querilusãosobreoshomens,ea renúnciaàspaixões,quelhe dãotraçosdesantidadeespúria,alimentano cortesãouma grandesensaçãodeluto.ISeusaberéo saberdomelancólico, e,comotodomelancólico,eleestásobainfluênciadeSaturno, planetaquepredispõeparaa inconstância.É por issoqueele trai.Masseofaz, éporfidelidadeaosseresecoisascriadas,à condiçãodecriatura,à leidodestino,eem,nomedessafideli- dadetraio Príncipe,queemseuvoluntarismoarrogantequer instaurarumEstadoimutável,alémdasvicissitudesdo des- tinoedanatureza."\ Enfim,acort~~éo espaçoemquesedáasalvaçãosecular, pelaqualo Príncipequerlivrarossúditosdasdevastaçõesda natureza-destino.Comoideal,essaantinaturezaapontapara a imagemdeumaintemporalidadeperdida- oparaíso.Ao mesmotempo,a corteestámaissujeitaquequalqueroutro lugaràsinvestidasdanatureza.Nisso,elaéo lugardovícioe docrime:o espaçodeatuaçãodo conspiradore dorebelde, queprovocama guerracivil. Sobesseaspecto,a corteé o inferno,"o lugardaeternatristeza"(p.168). A análisedesseselementos,apartirdosextremos,mostra queemcadaumdelesexisteumatensãoentredoispólos.Um representaos sofrimentosimpostospelodestino,eoutro,um refúgiocontraessessofrimentos.Uméo tempo,quedestróio homem,outroéumoásisdeestabilidade,fora dotempo.Um 30 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 31 li li! lil I" 11'" I' i,: 11 I II 11 I joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 32 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 33 éo calvárioda criatura,outrosua bem-aventurançaprofana Em suma,eessaéa verdadeiradicotomia:umpólo represent a história,vistacomonaturezacega,eoutrorepresentaa anl história, vista como história naturalizada. Do lado da hl üiria-Ilatureza estãoo mártir, que sofre a história, o int'r gante, como aRenteda catástrofe,o santo, Comovítima do luto, a corte, comoinfernoepalco dasperversidadesda his- tória.Do ladodaanti-históriaestãoo tirano, quenaturalizaa história,o intriRante,comoconselheirodo Príncipe, ea corte, comoparaíso e teatroda anti-história.Ao mesmotempo,a análisemostra que essesdois pólos somentesão concebíveis comoderivaçiiesdeumprincípio comumaos dois: a imanên- cia. Pois só naperspectivade um mundosecularizado,alheio a qualquertranscendência,pode a históriaserpensadacomo naturezacega,desprovidadefins, epode a salvaçãoser con- cebidaem termosexclusivamenteprofanos. A análiserevela assim,comocategoriasestruturaisdo dramabarroco,a visão da vida como imanê.nciaabsoluta, e, como desdobràmentos dessavisão,a concepçãodahistóriacomonatureza,eda anti- história, ou história naturalizada. Obtidas essascategorias, podemosexaminarseufuncionamentona estruturado drama barroco. A imanênciaé a lei absolutadessedrama. "No drama barroco,nemo monarcanemos mártiresescapamà imanên- cia."(p. 91)Para ele,a históriaéum meroespetáculo,e um espetáculotriste: Trauerspiel. Ele é Spiel, mero espetáculo, porque a vida, privada de qualquer sentido último, perdeu sua seriedade.É ilusão, éjogo, aparência:theatrummundi. E é Trauer, espetáculolutuoso,porque exprimea tristezade um mundosemteleologia,eporqueseuenredo,por maisilu- sórioqueseja,éumtecidodecrimese calamidades.O espetá- culoéa ilusãolúdicaquerefleteomundoilusório, esuaestru- turalutuosaestáaserviçodosenlutados:um teatropara enlu- tados.Não existeuma instância transfiguradoraquefizesse da vidamaisqueumespetáculo,equeconsolasseohomemdo seu luto. A transcendência,quando aparece, é como num jogo, ecomissoseconfirmacomoilusória. Assim, o artifício tipicamentebarrocodoespetáculodentrodo espetáculointro- duznacenaumainstânciaqueàprimeira vistaremetea outra realidade,não-ilusória,masessasegundarealidadeéapenas umacenaatrásda cena,eportantoéumaduplicaçãoilusória daprimeira ilusão.Em certosdramas,.comoosdeCalderón,a ilusãopareceromper-seatravésda reflexão,pela qual certos personagenscomentam,conscientemente,o jogo da ilusão e darealidade,acedendo,aparentemente,a outroplano. Mas a reflexãoéparte integranteda peça, e não se destaca,verda- deiramente,da imanência.A própria temáticado dramabar- rocOé influenciadapela lei da imanência.Assim, eletendea excluir os temas que serviriampara ilustrar a história do mundocomohistóriada salvação.Por isso,o teatrose afasta cadavezmaisdostemasvinculadosà Paixão de Cristo, carac- terísticosdo teatromedieval,e dá preferência, nos dramas religiosos,aosepisódiosdo VelhoTestamento. O teatrobarrocoestáprofundamenteinscrito na ordem da história-natureza.Seuspersonagenssofremporqueo sofri- mentofaz partedacondiçãonaturalda criatura. O soberanoé o rei dosserescriados,maséelepróprio criatura.No Príncipe Constante,deCalderón,o autorestendea realezaà totalidade da Criação - o leão,rei dasferas,odelfim, rei dospeixes- e com isso dissolvena naturezaa figura do Príncipe. Alguns personagenssãorepresentadoscomoferas: é o casodeNabu- codonosorlouco. A demênciado Príncipe éuma reversãoao estadode natureza. Os personagensvirtuosossão movidos pela maisanti-históricadasfilosofias - o estoicismo.O mar- tírio ésempreo martírio da criatura:nuncao sofrimentomo- ral, masa dorfísica. O personagemé conduzidoà mortepelo destino,forma natural da necessidadehistórica, e não por suas ações.Tambémas coisasinanimadassubmetemo ho- memaseudomínio,enquantoinstrumentosdo destino.Daí a importância,nosdramasde destino,da ordemdascoisas- o adereçocênico.Cetro, espada,copode venenosãoagentes dafatalidade. As próprias paixõessão tratadascomocoisas. O punhal é veículodo destino,e apaixão é afiada comoum punhal. É o destinoquemanejaa lâmina,para comela con- firmar asujeiçâodavítimaàs leisnaturaisda criatura. O des- tinoé a ordemdo eternoretorno.Daí as apariçõesespectrais, típicasdo dramabarroco.A mortenãosignificarepouso,além do tempo cíclico, mas recomeçoperpétuo, dentro do ciclo. Dada essasujeiçãoà natureza,a motivaçãopsicológicados personagensénula.Eles nãosãomovidospor fatoreséticos,e sim por forças naturais.É por issoquea linguagemmetafó- rica do Barroco é um elencointerminávelde topoi do mundo joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopennaHighlight 34 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 35 natural, queservempara designaras açõesdospersonagens. OsPríncipes caemcomoas árvorescaem:fulminadospor um raio, enãoabatidospela história,ouemconseqüênciadesuas próprias ações.Donde a inutilidade de inotivar o comporta- mentodospersonagens.Osafetosnãopertencemaospersona- gens,enãopodem ser utilizadospara explicarsuasatitudes: elessãomerosinstrumentosdo destino.Não épor ciúmeque Herodesmatasuamulher: é atravésdo ciúme, transformado em coisa, em arma, em adereçocênico. Mariamne, como Hamlet, queremmorrerpor acaso,vítimasde umafaca ou de uma espadaenvenenada,sem nenhumamotivaçãointerna. Em conseqüência,ospersonagenstêmo aspectodefantoches -- de resto,o espetáculodefantochesé uma das variedades maistípicasdo teatrobarroco- porquesãoefetivamentefan- toches,manipuladospela história-natureza. A outrahistória - não a história concebidacomonatu- rezademoníaca,masa concebidacomonaturezahospitaleira - estápresentesobretudono dramapastoral.Sobessaforma, a naturezaé refúgio,e acenacom a miragemde uma intem- poralidadeparadisíaca,protegendoo homemcontra o fluxo do tempo.Assim metamorfoseada,a história é privada dos seushorrores, e pode ser acolhida no palco semprovocar o luto. "O espetáculopastoraldispe!tLa história, comoumpu- nhado de sementes,no solo materno."(p. 115) Como natu- rezapastoral, a históriase miniaturiza, se espacializa,epe- netranopalco. Concluída a investigaçãoestrutural, chegamosa resul- tadosque integramos extremose ordenamas configurações parciais numa configuraçãototal. Descobrimosa estrutura, cujosprincípios maisgeraisdeorganizaçãosãoa imanênciae a visãoda históriacomonatureza.E tendoalcançadoa estru- tura, alcançamostambéma origem - a concepçãobarroca dahistória,cujoconteúdocoincidecoma estruturainternado drama: "aprópria vidahistórica,comoaquelaépocaa conce- bia" (p. 86). A concepçãobarrocadahistória Podemospartir dos dois vetoresreveladospela análise estrutural:imanênciaevisãodahistóriacomonatureza. A Idade Média concebiaa história como um processo inscrito na históriada salvação,e cujo telasera a dissolução escatológicada cidadeterrestrena cidade de Deus. No Bar- roco, ao contrário, a restauraçãoreligiosado séculoXVII, abrangendotantoospaísesprotestantescomooscatólicos,sob a influência da Contra-Reforma,implicou, paradoxalmente, ./i umasecularização,no sentidodeexcluira transcendênciada . históriaemdireçãoà meta-história.A religiãoconsolidou-se, masaopreçodeabrir mãoda transcendência.Em conseqüên- cia, tantoa vidado homemcomosuasalvaçãopassarama ser concebidosemtermosprofanos.Ele estásujeitoa uma histó- ria cegae semfins, e portanto ameaçadora- uma história natural;esópodetera esperançadesalvar-senumaesferade intemporalidadesecular- umahistórianaturalizada. ... O Barrocoéhabitadopelaantecipaçãodacatástrofe,que destruiráo homemeo mundo,masnãoé umacatástrofemes- siânica, que consumaa história, e sim a do destino, que o aniquila. "Se o homemreligiosodo Barroco aderetanto ao mundo,éporquesesentearrastadocomeleemdireçãoa uma catarata.\OBarroconão conhecenenhumaescatologia;o que existe,por isso mesmo,é uma dinâmica quejunta e exalta todasascoisasterrenas", e quevaium dia "aniquilar a terra, numacatástrofefinal" (p. 90) Esvaziadade sua intenciona- lidade messiânica,a história é com efeito uma sucessãode catástrofes,que acabará culminando na catástrofederra- deira..Não é a história humana, e sim história da natureza: destino.Sujeitaao destino,a vidahumanaé efêmera,porque éa vidadohomemcriado,dohomemcomocriatura,comoser natural.A IdadeMédia tambémtinhaumaagudaconsciência dafragilidadedosserese dascoisas,maselesse inscreviamna perspectivada redenção,escapandoao destino.Ao contrário, "o destinosósetornainteligível,comocategoriahistórico-na- tural, no espírito da teologia restauradorada Contra-Re- forma. É aforça elementardanaturezanoprocessohistórico" (p. 152).Mas asujeiçãodo homema essa'força elementarda naturezano processohistórico" tambémderiva da própria Reforma.Pois o Barroco alemãoestádominadopela influên- cia de Lutem, que com sua doutrina da salvaçãoexclusiva pelafé, incapazdeserpostaà prova boasobras,privava o hornemde qualquercertezana submetendo··ona a decretosdivinos em tudo semelhantes joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 36 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 37 aosdo destino.Protestanteou católico,o homembarrocoestá imersona histórianatural:a ordemdodestino. Comocorretivopara a história-destino,oBarrocopropõe o ideal da estabilizaçãoda história. Ele derivada teoriamo- dernadasoberania,quelegitimaopoderabsolutodo Príncipe coma tesede que eleprecisa governar "em estadode exce- ção", afim deafastarasameaçasdarebeliãoedaguerracivil. É função dosgovernantescriar condiçõespara uma idadede ouro das artes e das letras, garantidaspela autoridade do Príncipe e da Igreja. Essa concepçãoadvogauma "estabili- zaçãocompleta,umarestauraçãotantoeclesiásticacomoes- tatal,comtodasassuasconseqüências.Uma delasé a exigên- cia de umprincipado cujo estatutoconstitucionalseja a ga- rantia de uma comunidadepróspera, florescente tanto do ponto de vista militar como científico, artístico e eclesiásti- co... "(p. 89). Essa utopiafora do tempoignora "qualquer dimensãoapocalíptica"(p. 103).Benjamintira as conclusões dessaanálise:apolítica absolutistaé umapolítica de natura- lização da história. "A função do tirano é a restauraçãoda ordem,duranteo estadodeexceção:umaditaduracuja voca- çãoutópicaserásemprea desubstituiras incertezasda históc riapelasleisdeferro danatureza."(p. 97) Em suma,o imanentismobarrocolevoua umaconcepção da história comodestino,e uma concepçãodapolítica como estabilizaçãoprofana. Sãoos dois ladosda concepçãoda his- tóriacomonatureza.Se apolítica barrocasubstituia história pela natureza,éporque percebea históriacomonatureza.O idealabsolutista,queimplicanaturalizara história,épor isso o meroreversode umavisãoda históriacomoprocessonatu- ral. Ele selimita a opor umahistória natural instauradapela vontadedoPríncipe a umahistórianaturalselvagem. Essa concepçãoda históriafoi o solo em quese originou o drama barroco, comoforma dotada de uma estrutura. O crítico inverteua seqüência,e depoisde ter investigadoa es- trutura,chegouaosoloondeseoriginouaforma. Restasabercomosedá a mediaçãoentreorigeme estru- tura.É opapel da alegoria. TEORIA DO ALEGÓRICO A alegoriacomolinguagem Etimologicamente,alegoriaderivade aBos,outro, e ago- reuein,falar na ágora, usar uma linguagempública. Falar alegoricamentesignifica,pelo usode uma linguagemliteral, acessívela todos,remetera outro nível de significação:dizer umacoisapara sigmficaroutra. Essa recapitulaçãoetimológicanão tem um sentidoaca- dêmico.Minha intenção,aqui, é simplesmentesugerir que essesentidooriginalsejatomadocomoponto departida para a interpretaçãodo conceitobenjaminianode alegoria,o que teriaa duplavantagemdeevitaruma.longadiscussãosobreas sigmficaçõesalternativasqueapalavrarecebeu,na retóricae na hermenêutica,desdesua introduçãopor Demetrius, Cí- cero,Quintilianoeoutros,e decondensarnum só termofigu- rasconexas,dedifícil delimitação,comometáfora,sinédoque e metonímia.De resto, a retóricagreco-latina tambémnão separavacomprecisãoa alegoriadessasoutrasfiguras, e não há dúvidade queemseu uso do termoa exatidãoterminoló- gica era o menor dos cuidadosde Benjamin. Mas a adoção desseponto departida equivaletambéma umaopçãoteórica. Ela implicanegarautilidade,para nossosfins, dafamosadis- tinçãodeGoethe,pela qualosímboloseriaoprocedimentode "vernoparticularo universal... sempensarno universalou a elealudir", e a alegoria,o de "procuraroparticular a partir do universal", e no qual "oparticular só valecomoexemplo do universal"(p. 183).Essa distinção,pela qual a alegoriaé vistacomoumaforma essencialmenteantiartística,comouma simplestécnicadeilustrar, visualmente,uma idéia abstrata, deuorigema todaumasériedeequívocos,efoi rejeitada,com razão,por Benjamin. O usodapalavraemseusentidoetimológiconospermite, de saída,formular com clarezaumapergunta central.Se a alegoriaéafigura pela qual,falando de umacoisa,queremos sigmficaroutra, qual a outra coisasigniji:cadapela alegoria barroca? Se nos concentrarmosna "forma fenomênica" da alegoria,tal comoelafunciona no Barroco, a perguntaé ir- respondível.Pois épróprio doBarrocoque "cadapessoa,cada joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 38 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 39 coisa,cadarelaçãopodesignificarqualqueroutra"(p. 196~ 197).Mas emsuaessência,a alegoriabarrocaremetea uma coisaúltima,referenteunitárioqueenglobatodasassignifica- çõesparciais:a história,comoo Barroco a concebia.Através desualinguagem(nasmetáforasdo texto,nospersonagens queencarnamqualidadesabstratas,naorganizaçãodacena) a alegoriadizumacoisa,esignifica,incansavelmente,outra, sempreamesma:a concepçãobarrocadahistória.Nessesen- tido,a alegoriacompletae sintetizaas reflexõesanteriores. ComodizBenjamin,"todososresultados... queconseguimos obteratéagora... unificam-senaperspectivaalegórica." Só ela "permitiuaodramabarrocoassimilarcomoconteúdosos materiaisquelheeramoferecidospelascondiçõesdaépoca" (p.239). Vimosqueo pensamentohistóricodo Barrococontém umaconcepçãodahistóriacomonaturezaselvagem,edapolí- ticacomoumapráticadenaturalizaçãodahistória.Vejamos comoa linguagemalegóricaserelacionacomessasduasver- tentes. Alegoriaehistória-destino A concepçãoda história-destinoordena-seemtornoda figuradamorte.Ela éa verdadeúltimadavida,o pontoex- tremoemqueo homemsucumbeà suacondiçãodecriatura. Ora, a alegoriasignificaa morte,e seorganizaatravésda morte. A morteéo conteúdomaisgeraldaalegoriabarroca.É próprioda "mãodeMidas" do alegoristatransformartudo emtudo,maso esquemabásicodaalegoriaéa metamorfose do vivono morto.Esse"esquematismo"da morteestápre- sente,sobretudo,nametafóricabarroca.Assim,na epígrafe deMannling(p. 181) todasasfigurasremetemà morte.O mundoéum"postoaduaneirodamorte",emqueo homemé amercadoria,amorteéa "extraordinárianegociante"ease- pulturaé "umarmarinhoearmazémcredenciado".Nodrama barroco,a salado tronosetransformaemcárcere,a alcova emsepultura,a coroadosreisemgrinaldade espinhos,a harpaemmachadodecarrasco.Numadesuasobras,como títulocaracterísticode Oração Fúnebre, Hallmannserefere I ,., I I aosinúmeroscadáveresproduzidosnaAlemanhapelapestee pelaguerracivil, e acrescentaque "nossasrosastêmsido transformadasemespinhos,nossoslíriosemurtigas,nossos paraísosemcemitérios,emsuma,todanossavidanumaima- gemdamorte"(p.254).Mas,alémdisso,personagensalegó- ricoscomoa luxúriasãoapresentadossobaformadeesque- letos,o espíritodosmortosrondaopalco,e oscadáveressão expostosnacena,comoadereços,epartesdodécor.O alego- ristafala emparaíso,e quersignificarcemitério,fala emar- mazém,e quersignificara sepultura,fala emharpa,e quer significaro machadodocarrasco,domf!smomodoquemos- traumabelamulher,equersignificarumesqueleto,emostra umvelho,equersignificaro tempoquetudodestrói.A morte emergecomosignificaçãocomumde todasessasalegorias, quesecondensamnaalegoriadáhistória.O alegoristadiz a morte,e quersignificara história,como o Barroco a con- cebia. Pois ao contráriodo símbolo,quevê a históriana perspectivatransfiguradoradaredenção,"a alegoriamostra aoobservadora fades hippocraticada históriacomoproto- paisagempetrificada.A históriaemtudoo quenela,desdeo início, éprematuro,sofridoe malogrado,se exprimenum rosto- nãonumacaveira.E porquenãoexiste,nela,ne- nhumaliberdadesimbólicadeexpressão,nenhumaharmonia clássicadaforma,emsuma,nadadehumano,essafigura,de todasa maissujeitaà natureza,exprime,nãosomenteaexis- tênciahumanaemgeral,mas,demodoaltamenteexpressivo, esobaformadeumenigma,a históriabiográficadeumindi- víduo.Nissoconsisteo ceme davisãoalegórica:a exposição barroca,mundana,dahistóriacomohistóriamundialdoso- frimento"(p. 188). É a históriacomonatureza,onderei- na o destino.Daí a importância,no teatrobarroco,da ca- veiraedaruína.Naperspectivadahistória-natureza,omundo é um campoderuínas,comoalegoriasda históriacoletiva, e umdepósitodeassadas,comoalegoriasda históriaindivi- dual.A caveiraé "detodasasfigurasa maissujeitaà natu- reza".E a ruínaéo fragmentomorto,o querestoudavida, depoisquea história-naturezaexerceusobreelaosseusdi- reitos."A palavrahistóriaestágravada,comoscaracteresda transitoriedade,norostodanatureza.A fisionomiaalegórica danatureza-história,postanopalcopelodrama,sóestáver- dadeiramentepresentecomoruína... Sobessaforma,a histó- joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 40 WALTER BENJAMIN instrumentodeestabilização.dahistória.É por issoqueo ale- goristapode ser comparadoao monarca,e ao intrigante,en- quantoconselheirodo monarca.Quantoao intrigante,a assi- milação é explfcita. "O intriganteé o senhor das significa- "(p. 231)- éa descriçãodo alegorista.A assimilaçãoao Príncipepodeserdeduzidaapartir deváriaspassagens.Numa, Benjamin diz que "o arbitrio é a manifestaçãosupremado poder do conhecimento"(p. 206).Noutra, afirma que "a sig- nificaçãoreina comoum negrosultão no harém das coisas" (p. 206). Noutra, enfim, escreveque "o gestoqueprocura... apropriar-seda significaçãoé idênticoao queprocura distor- cer violentamentea história" (p. 232). Distorcer a história, pelo arbftrioepela violência,comoum sultão - éa descrição doPríncipe. Pela significação,o alegoristaquer conheceras coisas criadas,e, atravésdo conhecimento,salvá-Iasdasvicissitudes da história-destino.O alegorista lacraas coisascomo seloda significaçãoeasprotegecontraa mudança,por todaa eterni- dade.Pois só a significaçãoé estável.Por issoo protótipo da alegoriaocidentaléo hieroglifoegípcio,quea épocaconcebia comoemanaçãoda sabedoriadivina,e no qual a mesmaima- gemrepresenta,para sempre,a mesmaidéia -'- Deusé repre- sentadopor um olho, a naturezapor um abutre,o tempopor um circulo. A linguagemescritados temposmodernospre- servaalgo dessaimutabilidadeprimordial. Toda escritacon- solida-seem complexosverbais que em última análisesão inalteráveis,ou aspirama sê-lo. A violênciaalegórica,pela qual as coisassão arrancadasdo seu contextoeprivadas de suairradiação,éagoradotadadeumsentidopositivo.Comoo Príncipe, o alegoristaquer redimir as coisas,ainda que seja contrasuaprópria vontade.É por amor que ele humilha as coisas, obrigando-asa significar: pois só nessasignificação elasestãoseguraspara sempre.Épor amorqueeleopõea lin- guagemescrituraldas significações,imutável, à linguagem oral dosmerossons,esferada liberdade,epor issomesmoda ameaçaabsolutae da vulnerabilidademais extremaao mais extremodosriscos:a morte. Em suma,assimcomooPríncipesubjugaa criaturapara salvá-Iada história atravésdo poder, o alegoristasubjugaa criaturapara salvá-Iada históriaatravésda significação.De novo, confirma-sea homologiaentrea ale/!oriabarroca e a ria nãoconstituiumprocessodevidaeterna,masde inevitável declinio."(p.199-200). Mas a mortenãoéapenaso conteúdoda alegoria,e cons- titui tambémoseuprincipio estruturador.Para queumobjeto setransformeemsignificaçãoalegórica,eletemdeserprivado de sua vida. A harpa morre comoparte orgânica do mundo humano,para quepossasignificar o machado. O alegorista arrancao objetodo seucontexto.Mata-o. E o obriga a signi- ficar. Esvaziado de todo brilho próprio, incapaz de irradiar qualquersentido,eleestápronto para funcionar comoalego- ria. Nas mãos do alegorista,a coisase converteem algo de diferente,transformando-seem chavepara um saberoculto. Para construira alegoria,o mundo temde ser esquartejado. As ruinasefragmentosservempara criar a alegoria.É o que explicacertostextosbarrocos,emqueaspalavrase assilabas, extraidasde qualquercontextofuncional,se oferecem'livre- menteà intençãoalegórica.De certomodo,as cenasde mar- tirio do teatrobarrocoestãoa serviçodessaintenção. O ho- memtemdeser despedaçado,para tornar-seobjetodealego- ria. O martirio, quedesmembrao corpo,prepara osfragmen- tospara a significaçãoalegórica. Os personagensmorrem, nãopara poderem entrar na eternidade,maspara poderem entrarna alegoria. A morteé, assim,o que é representadona alegoria,e o quepermite construi-Ia.Para poder construir a alegoriada morte,o alegoristausaa morte,do mesmomodoqueHerodes usao massacre,para poder significar a sujeiçãoextremada criatura às leis do destino.Como conteúdoe como meio, a morteestáno cerneda alegoriae no cerneda história. Ela pode assimmediatizarentreos doisplanos, comotermoque lhesécomum,o quejustifica opapel centralda alegoriacomo linguagemcapazdeexprimir,no dramabarroco,a concepçãodahistória-destino. Alegoriaeestabilizaçãodahistória Assim como a alegoriase relacionacom a história-des- tino atravésda morte,elase relacionacom a utopia absolu- tistaatravésda significação.A significaçãoéno reino da ale- goriao queéopodernasalvaçãoprofanavisadapeloPrincipe: '" Ij I ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 41 joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 42 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 43 históriabarroca, agoravistaem sua segundavertente,como anti-história,ou histórianaturalizada. Sabemosagorapor que a alegoria "permitiu ao drama barrocoassimilarcomoconteúdosos materiaisque lhe eram oferecidospelascondiçõesda época''.Se minha interpretação dopensamentodeBenjaminé exata,a concepçãobarrocada ,históriapôdepenetrarna forma do drama barroco, determi- nandosua estrutura,porque a linguagemdessedrama,a ale- goria, estavaemrelaçãocomo pensamentohistóricodo Bar- roco. Através da figura da morte, a alegoriase relacionava coma história-destino,e atravésda significação,com a anti- história.Entre a origem- a concepçãobarrocada história _ e a estrutura, interpôs-se,como instânciamediadora,a lin- guagemalegórica,quepermitiu converterconteúdosexternos emelementosestruturais. A salvaçãoalegórica osaberdo alegoristaéumsaberculpado.Ele quersalvar a criatura,emborasaibaqueela é culpada,por causadope- cado original. Com isso, ele tambémse torna culpado. E é culpadopor quererconhecera matéria,emborasaiba queela é o reino de Satã. Mas persisteem sua investigação,porque sabequesóneleascoisaspodemsalvar-se.Ele mergulhacada vezmaisfundo no abismodassignificações,tentadopelo de- mônio, que lhe acenacom a miragemdo saber absoluto, e portanto da espiritualidadeabsoluta:pois a matériapura e o espíritopuro sãoasduasprovínciasdo impériodeSatã. No maisfundo dessaimersão,o alegoristadescobreque foi vítimade uma ilusão.Ele foi enganadopelo demônio.Jul- gandoacederàscoisas,atravésdasalegorias,eledescobreque sãojustamenteas alegoriasque bloqueiamo conhecimento das coisas.Todo o seusaberse desfaznumfeixe de simples alegorias.O mal emsi só existepelo alegorista,só a seuolhar devea existência.Extinto o olhar, os víciosabsolutos,encar- nadosno tiranoe no intrigante,serevelamcomoinexistentes, comoalegoriasilusórias.A espiritualidadeabsolutarevelaseu verdadeirorosto: subjetividadeabsoluta.Foi ela que criou o mal, que não temvidaprópria..As alegoriassãojustamente isso:alegorias,e nadamais.As coisasestãolivrespara sesal- 11 ,I .. I varemverdadeiramente- na transcendência- desprezando a salvaçãoprofana que lhesera oferecidapelo alegorista.As coisastraem o alegorista,e se refugiam no reino de Deus. Comisso,oBarrocopareceexplodirseuslimites.Na sal- vaçãotranscendente,é o próprio Barroco queparece trans- cender-se.Pois sabemosqueeleéo reino da imanênciaabso- luta. Mas atenção:seascoisassesalvamemDeus, é ainda no registroda alegoria. "A confusãodesesperadada cidadedas caveiras... comoesquemadasfiguras alegóricas... não é ape- nas significada, representadaalegoricamente,mas também significante,oferecendo-secomomaterial a ser alegorizado: a alegoriadaressurreição."(p. 255)Sea caveiraé alegoriada morte, mas tambémda ressurreição,tambémestaé apenas alegoria.Tambémeladevesuaexistênciaunicamenteà subje- tividadedo alegorista.O Barroco estátão conscientedisso, queinscreveasubjetividadeemsuaarquitetura,comoquando "ospilaresdeumbalcãobarrocodeBambergestãoordenados do modoqueseapresentariamvistosde baixo, numaconstru- çãoregular" (p. 257),ou emseumisticismo,emque "a subje- tividademanifestae visívelrepresentaa garantiaformal do milagre,porque anuncia a própria ação de Deus" (p. 257). Tambéma salvaçãoé aprojeçãodaprópria subjetividadeem Deus, e, portanto, continuasujeitaà imanência.O Barroco apontaalémdosseuslimites, e ao fazê-loconfirma-se como mundofechado. Essafalsa transcendênciatemum equivalentehistórico. Assim comoa salvaçãoimanente,pelo alegorista,parecede- sembocarnumasalvaçãotranscendente,podemosdizerquea salvaçãoimanente,pelo Príncipe, de algum modo remeteà transcendência.O Príncipe é o Deus terreno, que como tal apontapara o Deus transcendente.Seu reino é a Jerusalém terrestre,quecomotal apontapara a cidadedivina.Mas tam- bémnesseplano a transcendênciareve/a-seilusória.A relação entreDeuseoPríncipe, e o céue a terra, éunicamentealegó- rica. A salvaçãotranscendenteé uma simples alegoria:uma ilusãobarroca,umafantasmagoria,um sonho,meraprojeção subjetivadeumimpossíveldesejodetranscendência. Somente,épreciso.ir mais ao fundo dessadialética. O fato de queapesarde tudo o Barroco "apontaalémdosseus limites"precisaserinterpretado.SeoBarrocoestácondenado à imanência,éporqueexcluia históriamessiânica.A história- joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight joaocamillopenna Highlight 44 WALTER BENJAMIN T ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 4S destinoéo tempocircular da natureza,e a história naturali- zada é o tempopontual da estabilidadeprofana. Ambos ex- cluema perspectivamessiânica.Mas nãopoderíamosver na tentativa,mesmofracassada,de acederao transcendente,um esforçoin extremisde ingressarnum novouniversotemporal? Esse novo tempo certamentenão é o do século seguinte,o tempoIluminista doprogressolinear:nemcírculo nemponto, masflecha. Tambémessetempo,para Benjamin, é antimes- siânico,porque é o tempocontínuodo evolucionismovazio,e nãoo tempotenso,imprevisível,em quea qualquermomento pode irromper o Messias, explodindoo continuum da histó- ria. É esseúltimoconceitodetempoqueoBarrocoacabaatin- gindo, nessalonga viagem"além dos seuslimites": o gesto barrocode extrair,pela violência,umfragmentode intempo- ralidadedofluxo da história-destinoésemelhanteao do histo- riador dialético,no sentidodeBenjamin, queextraido conti- nuumda histórialinearumpassadooprimido. oBARROCO REDIMIDO No fundo, ultrapassandoseus limites, talvezo Barroco estivessepedindosocorroaofuturo. "Pois não somostocados por um sopro do ar quefoi respiradonopassado?Não exis- tem, nas vozesque escutamos,ecosde vozesque emudece- ram? .. Se assimé, existeum encontromarcadoentreasge- raçõesprecedentese a nossa... Pois a nós, comoa cadagera- ção,foi concedidaumafrágil força messiânica,para a qual o passadodirige um apelo... Irrecuperávelé cada imagemdo passadoquese dirige ao presente,sem que essepresentese sintavisadopor ele."10 O livro de Benjamin é uma respostaa esseapelo. Em parte, nossaapresentaçãopode ter contribuídopara esclare- ceressaresposta.Ela mostraa unidadedoplano, muitasvezes difícil deperéeber,atrásdo caráterassistemáticoefragmen- tário da execução,e com isso revelaa unidadeda intenção: salvaro dramabarrocopara nossopresente.As grandesarti- culaçõesdo livrosãoagoravisíveis: (10) Walter Benjamin,Über den Begriff... , op. cit., vaI. 1-2, pp. 704 esegs. I ( •I ---- 1) asidéiaseosfenômenosexistememrelaçãodialética. Para queelaspossamseatualizar,osfenômenos,dissociados
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