Buscar

A ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO - VALTER BENJAMIN

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 3, do total de 139 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 6, do total de 139 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você viu 9, do total de 139 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Prévia do material em texto

Walter Benjamin
• A Filosofia e a Visão Comum do Mundo — Bento Prado e
outros
• O Nacional e o Popular na Cultura Brasileira — Teatro — José
~abai e Mariéngela Alves de Lima
Coleção Primeiros Passos
• O que é Arte — Jorge Coli
• O que é Teatro — Fernando Peixoto
• O que é Semiótica — Lúcia Santaella
Coleção Encanto Radical
• Friedrich Nietzsche — Uma Filosofia a Marteladas — Scarlett
Marton
• Georg Buchner — A Dramaturgia do Terror — Fernando
Peixoto
• Roland Barthes — O Saber com Sabor — Leyla Perrone-
Moisés
• Sócrates — O Sorriso da Razão — Francis Wolff
• Walter Benjamin — Os Cacos da História — Jeanne M.
Gagnebin
Coleção Primeiros Vôos
• Barroco - Suzy de Mello
• Introdução à Dramaturgia — Renata Pallottini
Coleção Circo de Letras
• Haxixe — Walter Benjamin
Origem do drama
barroco alemão
Tradução, apresentação e notas:
Sergio Paulo Rouanet
COL. ILANA BLAJ
NÃO CIRCULA
SBD-FFLCH-USP
11
IP
1984
l
f
Índice _
NOTA DO TRADUTOR 9
APRESENTAÇÃO 11
QUESTÕES INTRODUTÔRIAS DE CRÍTICA DOCO-
NHECIMENTO 49
Conceitodetratado,49;Conhecimentoeverdade,51;O belo
filosófico,52;Divisãoedispersãonoconceito,55;Idéiacomo
configuração;56;A palavracomoidéia,57;O caráternão-
classificatóriodaidéia,60;O nominalismodeBurdach,62;
Verismo,sincretismo,indução,64; Os gênerosde arteem
Croce,65;Origem,67;A monadologia,69;A tragédiabar-
roca:negligênciaeerrosdeinterpretação,70;"Valorização",
73;Barrocoeexpressionismo,76;Pro domo, 79.
DRAMABARROCOETRAGÊDIA 81
I. Teoriabarrocae dramabarroco,81; Irrelevânciada in-
fluênciaaristotélica,84;A históriacomoconteúdododrama
barroco,86;Teoriadasoberania,88;Fontesbizantinas,91;Os
dramasdeHerodes,93;Indecisão,94;O tiranocomomártir,o
i mártircomotirano,95;Subestimaçãododramademartírio,
i 97;Crônicacristãedramabarroco,99;Imanênciadodrama
,I, noperíodobarroco,101;Jogoereflexão,104;Osoberanocomo
!~!" criatura,108;A honra,109;Destruiçãodo ethoshistórico,
\111
JI"
__ 'A"
8 WALTER BENJAMIN
111.O cadávercomoemblema,239; O corpodosdeusesno
cristianismo,243;O lutonaorigemdaalegoria,246;Terrores
epromessasdeSatã,249;Limitesdameditação,254;Ponde-
raciónmisteriosa,256.
ALEGORIA E DRAMA BARROCO 181
I. Símboloealegorianoclassicismo,181;Símboloe alegoria
no romantismo,185; Origem da alegoriamoderna,189;
Exemploseconfirmações,194;Antinomiasdoalegorês,196;
A ruína,199;A mortealegórica,204;A fragmentaçãoalegó-
rica,207.
11. O personagemalegórico,213;O interlúdioalegórico,215;
Títulose máximas,219;Metafórica,221;Teoria barrocada
linguagem,223;O alexandrino,227;A fragmentaçãodalin-
guagem,229;A ópera,232; IdéiasdeRittersobrea escrita,
234.
111;A cenateatral,114;O cortesãocomosantoecomointri-
gante,117;Intençãodidáticadodramabarroco,121.
11.A Estéticado Trágico, deVolkelt,123;O Nascimentoda
Tragédia,deNietzsche,125;A teoriadatragédiadoidealismo
alemão,127;Tragédiae saga,129;Realezae tragédia,133;
Antigaenovatragédia,134;A mortetrágicacomomoldura,
136;Diálogotrágico,processualeplatônico,138;O lutoe o
trágico,141;O Sturm und Drang eoclassicismo,143;Ações
principaisedeEstado,teatrodefantoches,146;O intrigante
comopersonagemcômico,149;Conceitodedestinonodrama
dedestino,151;Culpanaturale culpatrágica,154; O ade-
reço,155;Horadosespíritosemundodosespíritos,157.
lU. Doutrinadajustificação,'A1Tát'!€t.a,melancolia,161;Tris-
tezadoPríncipe,165;Melancoliado corpoe da alma,168;
A doutrinade Saturno;171; Símbolos:cão,esfera,pedra,
174;Acedia einfidelidade,177;Hamlet,179.
NOTAS . 259
Nota do tradutor
A palavra Trauerspiel,lançadaemcirculaçãono século
XVII. significa,simplesmente,tragédia,palavraquetambém
existeem alemão:Tragõdie.Mas como toda a polêmica de
Benjamin contraa interpretaçãotradicionaldo Barroco lite-
rário está contida na distinção por ele estabelecidaentre
Trauerspiele tragédia,é evidentequeessatraduçãoestáex-
cluída.
Como traduzir, então, Trauerspiel?Drama? Mas nesse
casohaveriaumaconfusãocomo termoalemãoDrama,que
Benjamin usa como uma categoriagenérica,aplicáveltanto
ao Trauerspielquantoà tragédia.
Um tanto a contragosto,opteipor dramabarroco.Essa
soluçãodeixaa desejar,porqueBenjaminserefereocasional-
mentea Trauerspielepós-barrocos.Mas édefensáveldoponto
de vista pragmático, porque para Benjamin o Trauerspiel
comogêneronasceuefetivamenteno período barroco,e é ao
dramadesseperíodo, e denenhumoutro, queo livro é consa-
grado. De resto,quandoo autorsereferea Trauerspielepos-
teriores,eleassinalaemgeral quetaisdramastêmafinidades
estruturaiscomosdoBarroco.Dessemodo, na maioriaesma-
gadora dos casos,Trauerspielpode ser traduzidopor drama
barroco,semfalsearasintençõesdeBenjamin.
Não obstante,algumasexceçõessão inevitáveis.Drama
barrocoéumaexpressãoerudita - uma expressãode crítico
literário - aopassoqueTrauerspielé umapalavracorrente,
~presentação~ _
"Vou contardenovoa históriadaBelaAdormecida":
assimcomeçaumprefácioirônicoqueBenjaminescreveupara
aprimeiraediçãoda OrigemdoDramaBarrocoAlemão,e
queeleteveaprudênciadenãopublicar.Segundoessanova
versão,a Princesanãoéacordadapelobeijodoseunoivo,e
simpelasonorabofetadadadapelo cozinheiroemseuaju-
dante.O cozinheiroéopróprioBenjamin,abofetadaéa que
elepretendedarna·ciênciaoficial,e a heroínaéa Verdade,
quedormenaspáginasdoseulivro.l
Comessaparábola,Benjaminestavaaludindoaodesfe-
choanticlimáticodesuasambiçõesacadêmicas.Pressionado
por dificuldadeseconômicas,eledecidiraconcorrera uma
livre-docênciana Universidadede Frankfurt, apresentando
comodissertação(Habilitationsschrift)seuensaiosobreo dra-
mabarrocoalemão.SubmetidainicialmenteaoDepartamento
deLiteraturaAlemã,a tesefoi recusada,e encaminhadaao
DepartamentodeEstética.Osdoisprofessoresqueexamina-
ramo texto,porsuavez,rejeitaramo trabalho,eBenjaminfoi
aconselhadoa retirara tese.Assimterminou,antesdecome-
çar,acarreirauniversitáriadeWalterBenjamin.2
Na medidadopossível,tenteifacilitara compreensãodo
textopormeiodenotasdepédepágina,assinaladaspor aste-
riscos.As notasdeBenjaminsãonumeradas,e asreferência
respectivasseencontramnofinal dovolume.Mantivenoori-
ginalostítulosdasobrascitadas,bemcomoaspassagensem
grego,latimefrancês,traduzindo-asemnotasdepé depá-
gma.
_----------- __ ••••------------ ..••- m.
10 WALTERBENJAMIN rI
usadapelosprópriosdramaturgosdaépoca,eporcríticospré-
benjaminianos,quenaturalmentenãosuspeitavamde qual-
querdiferençaessencialentreTrauerspieletragédia.Quando
a poéticadoséculoXVII formulapreceitospara o Trauer-
pieI, ou quandoSchopenhauertraçaparalelosentreo mo-
dernoTrauerspieleo antigo(istoé,a tragédiagrega)apala-
vranãopode,razoavelmente,ser traduzidapor dramabar-
roco.Nessescasos,eemoutrossemelhantes,Trauerspielserá
traduzidopor tragédia,oudrama,conformeo contexto.Ex-
cepcionalmente,apalavraserámantidanooriginal,quando
estiveremjogo a significaçãointrínsecadosseuselementos
constitutivos.
Salvo~ssasexceções,semprequenecessárioindicadas
por notas,a soluçãoaquipropostaseráaplicada.Por outro
lado,quandona traduçãoaparecera expressãodramabar-
roco, ela corresponderá,agorasem nenhumaexceção,a
Trauerspiel.Tragõdieserásempretraduzidapor tragédia,e
Drama,por drama.O tradutorsepenitencia,assim,por não
tersabidoencontrarumatraduçãomaisapropriadapara o
conceitocentraldolivrodeBenjamin,preservando-o,aome-
nos,dequalquerequívoco.
(1) Walter Benjamin;Gesamme!te Schriften,vol. 1-3, Frankfurt, Suhr-
kamp, 1974, pp. 901-902.
(2) Para uma descrição completa das vicissitudes do livro, vide a biogra-
fia de Werner Fuld, Benjamin,Munique, Hanser, 1974.
12 WALTER BENJAMIN
---'r;
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 13
ofato dequeo livrosejahojevistocomoum dosmais
importantesdenossaépocasemdúvidademonstraa insensi-
bilidadedosprofessoresdeFrankfurt,masnãonos impede
deinvocaralgumascircunstânciasatenuantes.Benjaminnão
hesitouempolemizarcontraas interpretaçõesdoBarrocoe
do dramabarrocomaisem voganos círculosacadêmicos,
inclusivenaprópriaUniversidadedeFrankfurt,eafinalépre-cisoreconhecerquea linguagemdaobranãoéespecialmente
transparente- umdosprofessoresconfessouingenuamente
nãohavercompreendidoumalinhadolivro.
A perspectivadesteensaiointrodutórioseráportantoes-
sencialmentedidática.Dentrodesseespírito,eparadarasis-
tematicidadepossívelà exposição,proponhoordená-Iaem
tornodetrêstemas:umateoriadoconhecimento,umateoria
dodramabarrocoeumateoriadoalegórico.
O espíritodesistemaé certamentealheioao estilode
Benjamin,masessamímesis(didática)dorigoracadêmicono
fundolimita-sea duplicara mímesis(irônica)comqueopró-
prio Benjamincopia,emseulivrodemaisde 500citações,
opedantismodoseruditos.Em todocaso,nãohaverá,cons-
cientemente,outrainfidelidadea Benjamin.A "verdadeque
dormenaspáginasdoseulivro" serátratadacomcuidados
infinitos,poiselanãodevesermolestadanem"peloPríncipe
Encantadorevestidocoma armadurabrilhanteda ciência",
segundoo prefáciosarcásticodeBenjamin,nempela trucu-
lênciadeumcozinheiroruidoso- o crítico.Nemciêncianem
crítica:comentário.O comentadornãoquerseduzira Prin-
cesa,nemassustá-Ia,mas torná-Iavisível:"não desnuda-
mento,queaniquilao segredo,masrevelação,quelhefaz
justiça"(p.53).
TEORIA DO CONHECIMENTO
Fazerjustiçaao livro de Benjaminsignifica,antesde
maisnada,elucidaro queeletemdemaisenigmático:ascon-
sideraçõesepistemológicasemetodológicasqueservemdepór-
ticoao trabalho,e queincluem,no essencial,umareflexão
sobreasidéiaseascoisas,sobreo nomee apalavra,sobrea
origemeagênese,esobreafilosofiaeosistema.
As dificuldadessãoreais,masnãodevemsersuperesti-
madas.Elasvêmdo caráterabstratode exposição,queobs-
cureceo nexoentrea introduçãoepistemológicaeo restante
daobra.Tentarei,assim,resumircadatópico,eemseguida
concretizá-locomexemplosextraídosdoprópriolivro,o que
alcançaráo duploresultadodetornarmaisinteligíveisasabs-
traçõese de mostrarcomoelasse relacionamcomo tema
central.
As idéiaseascoisas
O caminhoda verdadeirainvestigaçãofilosófica,para
Benjamin,éa representação.Representação,por umdesvio,
do universal- a ordemdasidéias.Tal representaçãonão
implicanenhumaindiferençaquantoaoparticular- aordem
dosfenômenos.Poisessasidéiassãoemsi.mesmasopacase
"permanecemobscuras,atéqueosfenômenosasreconheçam
ecircundem"(p. 57). Longedosfenômenos,asidéiassãova-
zias,do mesmomodoqueos fenômenos,longedasidéias,
estãocondenadosà dispersãoeà morte:dispersãoporquenão
podemagrupar-seemunidadessignificativas,l! morteporque
estãoentregues,semdefesa,aopensamentoabstrato,queas
destróiemsuaparticularidade.A tarefadofilósofoé assima
deinjetarnasidéiaso sanguevigorosoda empiriae desalvar
osfenômenos,guardando-osno "recintodasidéias".Mas a
empirianãopodepenetrardiretamentenomundodasidéias.
Dondeafunçãomediadoradoconceito.Peloconceito,ascoi-
sassãodivididasemseuselementosconstitutivos,e enquanto
elementos,podemingressarnaesferadasidéias,salvando-se;
inversamente,pelo conceito,as idéiaspodemser represen-
tadas,tornando-seconcretas,graçasà empiriadesmembrada
emseuselementosmateriais.Os conceitosconseguemassim
"deumgolpedoisresultados:salvarósfenômenose repre-
sentarasidéias"(p. 57). Comisso,ascoisasacedemaouni-
versal,semseevaporaremnapuraabstração.A meraabsor-
çãodascoisaspeloconceito,aocontrário,nemlhesdariaum
caráterverdadeiramenteuniversal- poissóa idéiaé univer-
sal - nemteriaopoderderedimi-las,poiselasseperderiam
nopseudo-universalda média.É por issoque "nãohá ne-
nhumaanalogiaentrearelaçãodoparticularcomo conceitoe
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
14 WALTER BENJAMIN
---'ff
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 15
a relaçãodoparticularcoma idéia.No primeirocaso,eleé
incluídosobo conceito,epermaneceo queeraantes- um
particular.Nosegundo,eleéincluídosobaidéia,epassaaser
oquenãoera- totalidade.NissoconsisteasuaredençãopIa--
tônica"(p. 69).
Masseo universalismofraudulentodaciênciaou dosis-
temaéimpotenteparasalvarascoisas,éporqueashomoge-
neíza,ignorandoasdiferençasentreseuselementos.Salvaras
coisasépreservaressasdiferenças,quese tornamespecial-
mentevisíveisnosextremos.Subsumidasnamédia,essesex-
tremosdesaparecem;épreciso,aocontrário,mantersuainte-
gridade.Podemosassimreformulara relaçãoentrea empiria
easidéias.O queseagrupaemtornodasidéias,atualizando-
as,nãosãoquaisquerelementos,eassimoselementosextre-
mos,ou os aspectosextremosdoselementos.'~s idéiass6
adquiremvidaquandoosextremossereúnemà suavolta."
(p.57) A idéiaé umaconfiguraçãodessesextremos,e a esse
títuloconstitui"umordenamentoobjetivovirtual"dosfenô-
menos,sua"interpretaçãoobjetiva"(p. 56). '
Aplicandoà estéticasuateoriadasidéias,Benjaminob-
témdoisresultados.Em primeirolugar,demonstraa auto-
nomiadosgênerosartísticos- consideradoscomoidéias- e
suarelaçãocomasobrasindividuais.Em segundolugar,ob-
témuminstrumentoparaainvestigaçãoespecificadeumdes-
sesgêneros:odramabarroco,vistocomoidéia.
Enquantoidéias,osgênerosestéticossãodistintosdeto-
dasassuasrealizaçõesparticulares."Poisaindaquenãoexis-
tissema tragédiapuraoua comédiapura, quepudessemser
nomeadasà luz dessasidéias,elaspoderiamsobreviver." (p.
66)Ao mesmotempo,essaidéiavairecebendoseuconteúdo
graçasaosartistasindividuais,esuadescobertas6podedar-se
pelainvestigaçãoimanentedessasobras.Dessemodo,Benja-
minpretendesituar-sealémdo nominalismoe alémdo rea-
lismo.Alémdonominalismo,porqueaceitaaformaestética
comoum universalgenuíno,ao contráriode autorescomo
Burdache Croce,quenegamessauniversalidade.Comisso,
sãoobrigadosa recorreraofalsouniversaldomeroconceito,
incapazdefazerjustiçaaoparticular.Esseconceitoé cons-
truídosejaindutivamente,sejadedutivamente.Peloprimeiro
procedimento,o pesquisadorjunta todasas obrasquesão
tradicionalmenteconsideradastrágicasou líricas,ou quesão
vividassubjetivamentecomotais,e tentadeterminaro que
elastêmdecomum.Nessaperspectiva,o conceitoéa expres-
sãodosemelhante,ecomissoo extremoe o heterogêneosão
excluídos.Pelosegundoprocedimento,opesquisadorproduz,
abstratamente,umaclassificaçãodegêneros,comsuasres-
pectivasregras,epassaajulgarasobrasindividuaisdeacordo
comassupostasleisdogênero:comisso,maisumavez,a
obradeartedeixadeserconsideradaemsuaespecijicidade.
Numcaso,oparticularservedepontodepartida,masdepu-
radodo queeletemdeheterogêneo,e nosegundo,deponto
terminal,massubmetidoa classificaçõesa priori quenão
mantêmcomelenenhumarelaçãoorgânica.Nosdoiscasos,
o objetoseperde.O nominalismo,cuja intençãoinicialera
impedira dissoluçãodo objetono universalda idéia,acaba
dissolvendoo objetono pseudo-universaldo conceito.Mas
Benjaminquersituar-setambémalémdo realismo,quead-
miteaobjetividadedaordemdasidéias,semnoentantocorre-
lacioná-lacoma ordemdosfenômenos.É o queocorrecom
autorescomoR; M. Meyer,quepretendemacederàsformas
artísticasatravésdavisão(Anschauung).Ora, essavisãonão
é, defato,a doobjeto,acolhidonaidéia,esima dopr6prio
sujeito,quepenetranaobraatravésda empatia,meraproje-
çãona obradapsicologiado investigador.Benjaminé inci-
sivo:esse"métodoéo opostodoadotadonestetrabalho"(p.
64).E o épelamesmarazãoqueo levaa descartaro nomina-
lismo:tambémno realismoo objetoseevapora,substituído
pelosujeito.O "platonismo"deBenjaminacabarevelando-
se,assim,um"objetivismo"radical.Éporfidelidadeàscoisas
queeleprecisadomundodasidéias.Semelas,osfenômenos
nãoteriamuma"interpretaçãoobjetiva",oqueascondenaria
àmudezeàtristeza,enãopoderiamsersalvos,poissedissol-
veriam,sejanoconceito,sejanuma"visão"subjetiva,naqual
nãohálugarparao objeto.
Comoosoutrosgêneros,o dramabarrocoéumaidéia,e
valeparaeleoquevaleparaasoutrasidéias:essaidéiatemde
serrepresentada,atravésda "salvação",pelo conceito,dos
seuselementos,apartir dosextremos.À primeiravista,isso
parecesignificar,simplesmente,umapolarizaçãoentredois
teatrosnacionais,ouentreduasobras,no interiordomesmo
espaçocultural.Assim,odramabarrocoalemão,o maisgros-
seirodaEuropa,estarianumextremo,e o espanhol,o mais
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopennaHighlight
16 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 17
perfeito,estariaemoutroextremo,do mesmomodoqueno
interiordo teatroalemão,Gryphius,o autormaisrefinado,
seriacontrapostoaoqueBenjaminconsiderasseo maistosco.
A formado dramabarrocoseriaconstruídaassimpelocon-
frontodessesextremos,semqueessecritérioestéticoinvali-
dassea importânciadasobrasmenoresparaa determinação
daforma, quetransparece,pelo contrário,commaiorevi-
dêncianassuasrealizaçõessecundárias.
Mas a verdadeiraaplicaçãodoprocedimentodosextre-
mosestána investigaçãoestruturaldo dramabarroco,que
resumireimaisadiante.Bastadizeraqui quenessainvesti-
gaçãoBenjaminfoi aproximadamentefiel ao seuprograma
epistemológico.Eledissociouodramaemseuselementos,iso-
louosaspectosextremosdecadaumdeles,recolheu-os,sem
perdernenhum,e aocompletara descriçãodo dramacomo
objeto,completoua representaçãodo dramacomoidéia.
Tendoacedidoaomundodasidéias,asobraspassarama ter I
uma"interpretaçãoobjetiva",um "ordenamentoobjetivovir-j
tual".
onomeeapalavra
Masondeselocalizamasidéias?Elasnãoestãonomun-
doempírico- reinodoparticularaindanãotrabalhadopelo
conceito- nemnoconceito,simplesmediaçãoentreo parti-
culareo universal.Benjamincertamentenãoasvênocéude
Platãó,ondeelasseriamacessíveisa uma"visão"intuitiva,
concepçãoqueeleéoprimeiroa criticar.A respostadeBen-
jaminéqueelasestãona linguagem.Maisprecisamente:na
dimensãonomeadoradalinguagem,emcontrastecomsuadi-
mensãosignificativae comunicativa.É a linguagemadamí-
tica,que"despertavaascoisas,chamando-aspor seuverda-
deironome,e nãoa linguagemprofana,posterioraopecado
original,quesedegradanummerosistemadesignos,eserve
apenasparaa comunicação.O Nometransforma-senapala-
vra,merofragmentosemântico,coisaentrecoisas,'e quepor
issomesmoperdeua capacidadedenomeá-Ias.A idéiaestá
inscritanaordemdoNome.A tarefadofilósofoé restaurar
emsuaprimaziaessadimensãonomeadoradalinguagem,vol-
tando-se,por umaespéciede anamnesis,para a condição
~,"
i,
I
I
II
\
t
Jaradisíaca,emqueaqueladimensãoreinavasempartilha.
'{essaperspectiva,adialéticaidéia-fenômenopodesertradu-
idaemoutroregistro:elaé idênticaà dialéticaNome-pala-
vra,pelaqualofilósofosalvaapalavra,reconduzindo-oao
Nome,suapátriaoriginal.
Benjaminretoma,emoutraspassagens,o mesmotema,
diretaeindiretamente.Diretamente,quandodiz,nofinal do
livro,queo saber,emgeral,eo saberdobeme domal,em
particular,surgiramdepoisda queda,quandoa linguagem
deixoudeserpuranomeaçãoadamítica,tornando-sesignifi-
cativa.E indiretamente,quandodescrevea teorialingüística
doBarroco,quejáconheciaessatensãoentrenomeepalavra,
sobaformadeumaoposiçãoentrea linguagemoral,livreex-
pressão,dacriatura,e essencialmenteonomatopaica- no-
meandoassimascoisascomo nomequeverdadeiramentelhes
corresponde- e a linguagemescrita,reinodassignificações,
sobreasquaispesatodaatristezadohomemexilado.
A compreensãocompletadessastesesexigiriaumaremis-
sãoà filosofiadalinguagem,desenvolvidapor Benjaminem
.outrostrabalhos,sob a influênciado misticismojudaico.3"
BastadizeraquiquesegundoBenjaminasprópriaslínguas
contemporâneascontêmecosdessalinguagemadamítica,o
quejustificaacategoriadaanamnesis,recordação:épossível,
atravésdaanálisedapalavraprofana,lembrar-sedesuadi-
mensãonomeadoraoriginal,ecomissoreconduzi-la,enquanto
idéia,à ordemdoNome.
A traduçãodonossotemanessenovoregistronãooferece
dificuldades.A palavraTrauerspiel - dramabarroco- em
suaexistênciaempíricaéofenômeno,ecomoNomeéa idéia.
Maisdifícilésabercomosedaria,agora,a "redençãoplatô-
nica".Para queelafossecoerentecoma descriçãoanterior,
seriaprecisoqueofenômeno- nocaso,apalavra- pudesse
serdissociadoemseuselementosextremos,gerandocomisso
umainterpretaçãoobjetiva.Ao mesmotempo,serianecessá-
rioqueosextremosassimobtidosaludissema umpassadoar-
caicoquepudesseserrecuperadopelaanamnesis.
(3) Walter Benjamin,Über Sprache Überhaupt und über die Sprache
des Menschen (Sobrea Linguagemem Geral.~sobrea LinguagemHumana)
GS, vol. 11-1.VidetambémDie Aufgabe des Ubersetzers (A Tarefado Tradu-
tor) GS, vol. IV-1. Resumias teoriaslingüísticasde Benjaminem meu livro
Édipo e o Anjo, RiodeJaneiro, TempoBrasileiro,1981.
II1
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
18 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 19
Sugiroumcaminhopossível.Sedesmembrássemosapa-
lavraem seuselementosconstitutivos,obteríamosTrauer,
luto,e Spiel,jogo,espetáculo,folguedo.Osextremosdeque
necessitao intérpretejá estãocontidosnaprópriapalavra.
Num primeironívelde análise,podemosdizer que Spiel,
comoespetáculoeilusão,designao caráterfugidioeabsurdo
davida,e Trauer, a tristezaresultantedessapercepção.Te-
ríamosassimumaprimeirainterpretação:o dramadesignaa
tristezadeumhomemprivadoda transcendência(p,liscom
elaa vidanãoseriaabsurda),numanaturezadesprovidade
Graça.Comoveremosmaistarde,sãoessesoselementosque
a investigaçãoestruturaldescobriráno drama,e quecoinci-
demcoma concepçãobarrocada história.Para identificar-
mosnesseselementososecosdeumpassadoprimordial,po-
demosrecorrerà teoriabarrocadalinguagem,já mencionada.
Spiel, queagorasignificajogoefolguedo,remeteaoestadode
natureza,emqueossonssão"aesferadalocuçãolivreepri-
mordialdacriatura". Trauer designaa tristezadoexílio,que
expulsouos sons,esferada linguagemadamítica,escravi-
zando"ascoisasnos'amplexos'dasignificação". (p. 224) Te-
ríamosassimumasegundainterpretação,emquea palavra
contémumareminiscência,quepodesercaptadapelaanam-
nesis.Umcéticodiriaque,seissoé verdade,o Barroconão
fezmaisqueduplicarseuprópriopresente,projetando-onum
passadomítico,poisasegundainterpretaçãocontémosmes-
moselementosdaprimeira:imanência,já queo jardim do
Êdeneraumparaísoterrestre;einserçãodohomemnanatu-
reza- naturezainocente,antesdopecadooriginal,e natu-
rezaculpada,depoisda queda.Mas sequiséssemoslevara
sérioo impulsoteológicodeBenjamin,poderíamosfalar na
confluênciadeduascorrentes:apalavraseriaa condensação
deumavivênciapresenteedeumanostalgiaaindadolorida.
Sejacomofor, o segundoregistropodesermaisrico queo
anterior,masnãoo contradiz.Ele repeteo itineráriodopri-
meiro,eacabaalcançandoosmesmosresultados.
A origemeagênese
As idéiastêmumaorigem.Mas origemnadatema ver
comagênese.A origem(Ursprung) é umsalto(Sprung) em
li
direçãoaonovo.Nessesalto,o objetooriginadoselibertado
vir-a-ser."O termoorigemnãodesignao vir-a-serdaquiloque
seorigina,esimalgoqueemerge(entspringt)dovir-a-sereda
extinção."(p. 67)As idéias,originadasnahistória,sãopor-
tantoemsimesmasintemporais,mascontêm,sobaformade
"histórianatural",ouvirtual,umaremissãoà suapré epós-
história.A formaoriginadaésimultaneamente"restauraçãoe
reprodução"- enessesentidoaludeaopassado- e "incom-
pletae inacabada"- enessesentidoseabreparao futuro.
Issoseaplica,emprimeirainstância,à pré epós-históriada
própriaidéia.Masseaplica,também,àpréepós-históriade
todasasdemaisidéias:porquea idéiaé mônada,e emsua
auto-suficiênciacontém,emminiatura,a totalidadedomun-
dodasidéias."O Serquenelapenetracomsuapréepós-his-
tóriatrazemsi, oculta,afigurado restantedo mundodas
idéias,damesmaformaquesegundoLeibniz... emcadamô-
nadaestãoindistintamentepresentestodasasdemais." (pp.
69-70)
OsleitoresfamiliarizadoscomaobraposteriordeBenja-
minencontrarãonessasformulaçõesobscurasvárioselementos
desuafilosofiadahistória.4A idéiadeque"o termoorigem
nãodesignao vir-a-serdaquiloqueseorigina,esimalgoque
emergedo vir-a-sere da extinção", correspondepontopor
pontoà tesedequeo historiadordialéticodevelibertaro ob-
jetohistóricodofluxodahistóriacontínua,salvando-o,soba
formadeumobjeto-mônada:fragmentodehistória,agorain-
temporal,queo olhardeMedusado historiadormineraliza,
transformando-oemnatureza,equecomotaldáacessoàpré-
históriadoobjeto,eà suapós-história.Naperspectivadahis-
tóriadescontínua,a únicaverdadeiramentedialética,nãosepodeportantofalaremgênese,quesupõeo vir-a-sereo enca-
deamentocausal,e simemorigem,quesupõeumsaltono
Ser,alémdequalquerprocesso.
Masnãosetrataaquidetraçarparalelos,esimdedeter-
minarcomofunciona,nointeriordoprópriolivro,acategoria
daorigem.Essacircunstâncianosobrigaa deixardeladoas-
pectosfundamentais,comoa relaçãoentreo conceitodeori-
geme o deprotofenômeno(Urphãnomen),deGoethe,esua
(4) Vide principalmente ÜberdenBegriffder Geschichte(Sobre o Con-
ceito de História) GS, vol. 1-2.
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
relaçãocoma teologia.5Mesmo correndoo riscode banalizar
opensamentodeBenjamin,proponho interpretara categoria
deorigememsualigaçãocomo conceitodeestrutura.A idéia
seorigina. ou emerge,apartir de certasconfiguraçõesobjeti-
vas, comoforma dotada de uma estrutura.É por isso que
Benjaminpode dizer ao mesmotempoque a origem é uma
categoria"totalmentehistórica" (p. 67) e que ela é algo de
a-histórico,alheioaovir-a-ser.A forma éhistóricana medida
emqueseorigina, masa-históricaquandovistaemsua estru-
tura. A estruturatemumaorganizaçãointerna, que cabeao
investigadordescobrir,segundoo procedimentode isolar os
aspectosextremosdo objeto. Concluídaessaanálise,ele terá
conseguido"representaras idéias e salvar os fenômenos".
Mas teráconseguido,também,descobrira origem:o solo ob-
jetivoemquea idéiaemergiupara o Ser.Nessaperspectiva,a
origempassaa ser o verdadeiroobjetodafilosofia, quepode
serdenominadaa "ciênciadaorigem". É a conclusãodeBen-
jamin. "A históriafilosófica, enquantociênciada origem,éa
forma quepermite a emergência,a partir dos extremosmais
distantese dos aparentesexcessosdoprocessode desenvolvi-
mento,da configuraçãoda idéia,enquantotodocaracterizado
pelapossibilidadedacoexistênciasignificativadessescontras-
tes... (p. 69)
Veremosmais tardecomopode ser realizada a análise
estruturaldo dramabarroco.Antecipemos,ainda, queo crí-
tico descobre,aofim da análise,comoconfiguraçãocapazde
constituiruma "interpretaçãoobjetiva", a concepçãoda vida
comoimanência,eda históriacomonatureza.Essa estrutura
coincidecom a concepçãobarroca da história, quepode ser
vistacomoaorigemdodramabarroco.O críticoseguiuopre-
ceitode mergulharno seu objeto "até quesua estruturain-
terna apareçacom tanta essencialidade,que se revelecomo
origem" (p.68). A análiseestrutural, atravésdos extremos,
desembocana origem,e revelao segredodo nascimentodo
drama. Ele surgiu a partir do pensamentohistóricodo Bar-
roco, do mesmomodoqueumaanáliseestruturalsemelhante
feitapara a tragédiagregamostrariaqueelanasceunosolodo
pensamentomítico.
A mesmaanáliseestruturalpermitedecifrarapré epós-
história, encravadasna estrutura como "história natural",
isto é, comotendênciasquealudemao tempo,massãoem si
intemporais.Uma investigaçãohistoricista,queconsiderasse
apenasosencadeamentoscronológicos,sópoderia descobriro
antese o depois,masnão apré epós-história.Na perspectiva
estrutural,pelo contrário, não são essesencadeamentosque
contam,esimasafinidadesinternas,qualquerquesejaa dis-
tânciaqueseparaduasépocas.Assim, apré-históriadodrama
barroconão é a tragédiarenascentista,esim o diálogosocrá-
tico. Essediálogo "restaurao mistério,quese haviaseculari-
zado gradualmentenasformas do drama grego: sua lingua-
gem é a do novodrama, e emparticular do dramabarroco"
(p. 141).E suapós-histórianãoéo teatrociassicista,e sim o
dramaexpressionista,queseassemelhaao Barroco tantopela
situaçãohistórica comopelas característicasde sua lingua-
gem. "Comoo expressionismo,oBarrocoémenosaeradeum
fazerartístico quede um inflexívelquererartístico.É o que
sempreocorrenas chamadasépocasde decadência."(p. 77)
Enfim, a investigaçãoestruturalpode ler a forma en- -1
quantomônada:forma autárquica,quecontéma imagemde
todasasoutrasformas. A análiseestruturaldo dramabarroco
levao crítico à compreensãoda tragédiagrega,do drama ro-
mântico, do drama expressionista,do mesmomodo que ele
teriachegadoa compreender,emsuasgrandeslinhas,aforma
do drama barroco,seseuponto departida tivessesidoa aná-
liseestruturaldaforma trágica,românticaou expressionista.
Assim formulada, essaconcepçãoé trivial, mas vale como
paradigma, emgeral, do procedimentode Benjamin: leitura
monadológicadoparticular, até queelefale, e nessafala re-
veleasleisdo todo.
20 WALTER BENJAMIN
- .•.
iI
r
I
\1
URIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 21
:1
irlil
"
(5) As analogiasentreo conceitode Ursprung e o conceitogoetheano
de Urphãnomen são descritaslongamentepor Rolf Tiedemann,em Studien
zur Philosophie Walter Benjamins, Frankfurt,Suhrkamp,1973,pp. 77 e segs.
Quanto à relaçãocom a teologia, leia-sea versãoprimitiva,depois modifi-
cada,dafrasequediz quea origemé por um lado restauraçãoe reprodução,
e, por outro, incompletae inacabada."Tudo que é original constitui uma
restauraçãoincompletadaRevelação."WalterBenjamin,GS, vaI. 1-3.
~_\
A filosofia eosistema
A partir dessaepistemologia,épossívelcompreendero
métodode Benjamin. É o do tratadofilosófico, e não o da
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
22 WALTER BENJAMIN
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 23
ciênciasistemática.Estanãoestáa serviçodasidéias,já que
ignora,nominalisticamente,suaexistência,nema serviçoda
empiria,poisnãopretendesalvarascoisas,esimabsorvê-Ias
nofalsouniversaldamédia.Em contraste,o tratado,quese
propõerepresentarasidéias,esabequesópodefazê-loatra-
vésdasalvaçãodosfenômenos,adereobstinadamenteà or-
demdascoisas,recusandoasfalsastotalizações.Ele nãopro-
cedepelajustaposiçãodeobjetose conhecimentosisolados,
construindoumaunidadefictfcia,esimpelaimersão,sempre
renovada,emcadaobjetosingular,nosváriosestratosdesua
significação,obtendoassim"um estímulopara o recomeço
perpétuo,e umajustificaçãoparaa intermitênciadoseurit-
mo"(p.50).O tratadoéummergulho,incessantementerepe-
tido,naimanênciadecadaobjeto,enquantoo sistema"corre
o riscodeacomodar-senumsincretismoquetentacapturara
verdadenumaredeestendidaentreváriostiposde conheci-
mento,comoseaverdadevoassedeforaparadentro"(p. 50).
O sistemase baseiana continuidade,na coerênciaininter-
ruptadosseusvárioselos,aopassoquea descontinuidadeéa
leidotratado.O tratadoé comparávelaomosaico:elejusta-
põefragmentosdepensamento,do mesmomodoqueo mo-
saicojustapõefragmentosdeimagens,e "nadamanifestacom
maisforça o impactotranscendente,quer da imagemsa-
grada,querdaverdade"(p. 51).Enfim,osistemavisaaapro-
priação:elequerassegurar-se,pelaposse,do seuobjeto.O
tratado,aocontrário,procedepelarepresentação:descrição
domundodasidéias,quenãoasviolenta,já quenessades-
criçãoé aprópriaverdadequeseauto-representa,e constru-
çãodeconceitos,nãopara dominarascoisas,maspara re-
dimi-las.
As reflexõesmetodológicasde Benjamin,condensadas
emsuadefesadotratadocomoparadigmado,textofilosófico,
decorremdesuaepistemologia.Elucidadaesta,aquelasrefle-
xõessetornamtransparentes.Cabeapenasumapalavrasobre
aaplicaçãodessemétodoaocorpodolivro.Essaaplicaçãoé
inequívoca.Oprimadodofragmentáriosobreosistemático,a
constanteretomadadosmesmostemas,a passagembrusca,
semtransição,deumtópicoparaoutro:sesãoessasascarac-
terísticasdo tratado,nãorestadúvidade queo livroé um
tratado.Benjaminquerserlido comoummosaico,masaté
certopontoessemosaicotemdeserconstruídopeloleitor.
Nemsempreaspeçasestãoordenadas.O livrotemgrandes
articulações,dentrodecadacapítulo,masnãoexistempará-
grafos,dentrodecadaarticulação.Cabeao leitorseparare
juntarosfragmentos.O livroéummosaicotambémemoutro
sentido:é, emgrandeparte,umconjuntode citações.Elas
têmumafunçãoprecisa:sãoestilhaçosdeidéias,arrancadas
doseucontextooriginal,e queprecisamrenascernumnovo
universorelacional,contribuindoparaaformaçãodeumnovo
todo.Já é,emembrião,a técnicadamontagem,quechegaria
à suaplenitudenasPassagensde Paris, queacabamdesereditadas.6 Ê tudoissoquetornatãohipnóticaa leiturado
livro.A excentricidadedaformaestáestreitamenteligadaà
originalidadedoconteúdo,eestanãoéa menorseduçãodeste
livroextraordinário.
TEORIA DO DRAMA BARROCO
O teatroalemãodoséculoXVII
EmSeulivro,Benjaminpressupõenosleitoresumconhe-
cimentopelomenosfactualdo teatrobarrocoalemão.Esse
pressupostonãoerarealistanemsequerpara opúblicoale-
mãodesuaépoca- essasobras,há muitoesquecidas,só
recentementeestavamsendoobjetodeumnovointeresse- e
o émuitomenosparaosleitoresbrasileiros.Valeapena,por-
tanto,resumiresquematicamenteasprincipaiscaracterísticas
desseteatro,atravésdosseusrepresentantesmaisconhecidos.
Seuprecursorimediatofoi o dramajesuítico,queflores-
ceuprincipalmentenaAlemanhadoSulenaÁustria.Escrito
emlatim,essetÍpicoinstrumentodepropagandadaContra-
Reformafoi obrigado,paraatingirseusfins,arecorreratodos
osrecursoscênicos:pantomimas,coros,grandesmassashu-
manas,telascompinturaperspectivísticaemáquinasteatrais
quepermitiamrepresentar,por exemplo,batalhasaladas
entreanjosedemônios.Haviaprofusãodepersonagensalegó-
(6) Walter Benjamin,Das Passagenwerk(O TrabalhodasPãssagens)
GS,V. Cf. minhainterpretaçãodesselivro em "As passagensde Paris", re-
vistaTempoBrasileiro,n?s68e69.
!
I
I
I
Ilil
11
r
I
I"
li
1I
li!i
1
Illi
11·
li'
',1111,1
i'i1
I);:
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
24 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 2S
ricos,simbolizandovirtudese vícios,e a açãonãorecuava
diantedascenasmaisbrutais,comoesquartejamentosetortu-
ras.Todososmeioserammobilizadosafim decriara ilusão
cênica(paraprovarqueemúltimaanálisetodaa vidaterrena
é ilusória),numconstanteapeloaossentidos(paraconcluir
queossentidossãodiabólicos):a vidaéhabitadapelamorte,
easalvaçãosóépossívelpelamediaçãodaIgreja.Na essência
eramosgrandestraçosdadramaturgiabarrocaalemã,cató-
licaouprotestante.
A novapoéticafoi formuladafundamentalmentepor
Opitz(1597-1639),nascidonaSilésia,quedestacouentreos
temasdatragédia"osincestos,parricídios,incêndios,enve-
nenamentos".A enumeraçãoeratipicamentebarroca,masa
poéticaseguiamoldesc!assicistas,aristotélicos,que iriam
provocarequívocos,levandoo dramabarrocoaserconcebido
emsuacontinuidadecoma tragédiagregae renascentista.
Citemos,entreos dramaturgosmais representativos,em
grandeparteinfluenciadospor Opitz,Gryphius(J 616-1664),
Lohenstein(J 635-1683)eHallmann(J 640-1704).
Gryphius,o mais"clássico"dostrês,visitoua França,
ondeveioaconhecero teatrodeCorneilleeMoliêre,eaItália,
onderecebeua influênciadacommediadell'arte.Seuprotes-
tantismonãoo impediudetratardosmesmostemasqueosdo
teatrodaContra-Reforma:afugacidadedavida,a exaltação
domartírio- apartirdaexperiênciahistóricadaguerrados
trintaanos.Assim,emCatarinadeGeórgia,como subtítulo
significativodeA ConstânciaVitoriosa,narraa coragemde
umaprincesaquesofreo martírio,parapreservarsuacasti-
dade.Em Cardenioe Celinde(personagensnão-aristocráti-
cos,prenunciandoodramaburguêsdeLessing)Gryphiusdes-
creveasaçõesmaisapavorantes.Cardenio,apaixonadopor
Celinde,matao ex-amantedesta.Ela sedispõea arrancaro
coraçãodavítima,paraprepararumapoçãomágica.O casal
criminosorecebeadvertênciassobrenaturais- Cardeniovai
beijarumvultofeminino,e descobretratar-sedeum esque-
leto,e Celinde,nomomentodecometerseugestosacrílego,
confronta-secomo espectrodomorto- eosdoisrenunciam
.a esseamorculpado,refugiando-senumavidadepureza.A
princípiorelativamentecontidoemsuaretóricacênica,Gry-
phiusacabacedendoaoespíritodaépoca,emostranopalco
torturasedecapitações.
Lohensteinlevaa extremosessastendências,edelicia-se
emapresentaras cenasmaiscruéis,comoem Sophonisbe,
cujaaçãotranscorrenaépocadasguerrasentreRomae Car-
tago,eEpicharis,notempodeNero.Epicharisétorturadano
palco,temalínguaarrancada,esuicida-se.Multiplicam-seos
personagensmonstruosos,comoIbrahimSoltan,sóultrapas-
sadoporNeroemsuamaldadeabissal.
ComHallmann,afirma-seumanovatendência- aintro-
duçãodeelementospastoraiseoperísticos.Nisso,Hallmanné
influenciadopeloteatroitaliano,comoa Aminta,deTasso,e
peloteatrodecorte,naFrançadeLuísXlV, assimcomopelas
"festasbarrocas",emquetodasasartesparticipavam- a
arquitetura,apintura,apoesiaea música:o Gesamtkunst-
werk,a obradeartetotal.Em Sophie,o imperadorAdriano
sedisfarçadepastor,paradeclararseuamorà cristãacorren-
tada.Em Mariamne,o monteSioncantao prólogo,e a he-
roínamorrecantandoumritornell0.O dramabarroco,como
forma,seaproximadadissolução.7
É dessaliteraturaqueBenjaminpretendeformular a
teoria.
Dramabarrocoetragédia
O barrocojá nãoeraumtermodepreciativo,naépõcaem
queBenjamininiciouseulivro.Já tinhaperdidosuaconota-
çãooriginaldeartepervertida,decadenteepatológica.Desde
W6lfflin,em1888,o barrocoarquitetõnicojá eravistocomo
um estilopróprio, distintoda Renascença,e comdireitos
iguaisà investigaçãocrítica.Suatransposiçãoparao terreno
literáriojá haviaocorrido,empartepor indicaçõesdopróprio
W6lfflin,eo sentidonegativooriginalatribuídoa expressões
maisantigas,comogongorismo,concettismo,marinismoe
eufuísmo,já estavafrancamentesuperado.Assim, quando
BenedettoCroce,em1925,defendeuareintroduçãodotermo
emseusentidooriginal- obarrococomoumadasvariedades
(7) Otto Mann, GeschichtedesdeutschenDramas(Históriado Drama
Alemão), Stuttgart,Alfred Kroner, 1960.Em português,recomendoo exce-
lentelivro de Anatol Rosenfeld, TeatroAlemão, São Paulo, Ed. Brasiliense,1968,I Parte.
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
26 WALTER BENJAMIN
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 27
do feio, uma varietàdeI brutto - essaopinião já era uma
extravagânciaa contracorrente,ultrapassadapela novasen-
sibilidade,e opróprio Crw:enão hesitou,mais tarde, em uti-
lizar apalavracomocategoriaestéticavalorativamenteneutra.
Masfoi na Alemanhaquesedeua grandevogade reabi-
litaçãodo barrocoliterário.Arthur Hubscher inventouo con-
ceitode "sentimentovitalantitéticodoBarroco" (1924).Her-
bertCysarz(criticadopor Benjamin)publicou, nomesmoano,
sua DeutscheBarockdichtung,na qualse refereà tensãobá-
sica, característicado Barroco, entre a forma clássicae ~
ethoscristão.Os críticosalemãesestudaramváriasliteraturas
européias,descobrindoem toda parte correntesbarrocas.
Theophil Spoerri, por exemplo, desenvolveua sugestãode
W6lfflin sobreo contrasteentreAriosto, cujoOrIando Furioso
seriarenascentista,e Tasso,cuja GerusaIemmeLiberata teria
traçosbarrocos.8
No entanto,a redescobertaatingiu sobretudoa própria
literaturaalemã.Desdeo após-guerra,começarama circular
inúmerasantologiassobrea lírica alemãdo séculoXVII. Esse
entusiasmoresultava,nofundo, daprofundaafinidadequeos
críticose leitoresalemãessentiamentreoperíodo de desola-
çãoposteriorà guerrados trinta anos,eseupróprio presente,
marcadopela derrotaepela miséria,assimcomoentreaslite-
raturasdas respectivasépocas:a mesmadicção torturada,a
mesmaviolênciaverbal, a mesmatemáticado pessimismo.
Dessemodo, em sua valorizaçãodo Barroco, Benjamin
estavainteiramentesintonizadocom a novasensibilidade,9e
(8) SegundoWõlfflin, os traçosbarrocosde Gerusafemme Liberata es-
tão "nos adjetivoselevados,na forma retumbantecom que terminamos ver-
sos, nas repetiçõescompassadas...na construçãopesadadas frases, e no
ritmoemgeralmaislento", emcontrastecom os versossimplese vivosde Or-
fando Furioso. HeinrichWõlfflin, Renaissance and Baroque, trad. KathrinSi-
monLondon:Collins,1964,p.84.
(9) A revalorizaçãodo Barrocoatingiuo augecom Eugeniod'Ors, que
vêno Barrocoumatendênciauniversal,estendendo-sedesdea pré-históriae a
antiguidadealexandrinae romanaatéo fin de siec/e europeu.Não é provável
que d'Ors e Benjaminse tivessemlido, mas é curioso que o livro do autor
espanhol,Ou Baroque, publicadoem Paris,em 1935, contenhapassagenspu-
ramentebenjaminianas,comoaafirmaçãode queo Barrocoé um eon (cate-
goria intemporal,mas que se desenvolveno tempo), o que parece corres-
pondermuitode perto à concepçãode Benjaminde que o dramabarrocoé
umaidéia,cujaatualização,sedá na história.Como Benjamin,d'Ors estáinte-
ressadoem estabelecera genealogiado Barroco. "Se o precursordo c1assi-
,,
em seu interessepela literatura dramáticaalemã do século
XVII nãoestavasendode modoalgumpioneiro. Mas Benja-
min criticao descasoda crítica tradicionalpelo Barroco dra-
máticocomoutrosargumentosqueosutilizadospor seusapo-
logistascontemporâneos,ecomissovolta-secontraessesapo-
logistas.Com efeito,nemos críticosnemos defensoreslevam
em conta o drama barroco comoforma, ou idéia, concen-
trando-seemaspectosacidentais,alheiosàforma.
Se o preconceitoclassicistadesprezavao dramabarroco
pela extravagânciadosseusenredosepelaprolixidadeda sua
linguagem,eraporque consideravaas obras individuais,que
no casodo dramaalemãoeramefetivamentetoscas,e não a
forma dessedrama, queeramaisvisívelnaproduçãoliterária
alemãquena obra de Calderón, infinitamentemaisperfeita.
"A idéiade umaforma ", diz ele, "nãoé menosvivaqueuma
obra literáriaconcreta.A forma do dramaé mesmodecidida-
mentemais rica que as tentativasisoladasdo Barroco" (p.
71).Por ignoraro drama barrococomoidéia, a crítica classi-
cistaacabouaceitandoa visãoqueoBarroco tinhadesi mes-
mo, levandoa sériosuapoética, queerapseudo-aristotélica.
Em conseqüência,o drama barrocopassou a ser vistopelos
críticosposteriorescomo uma tragédia,e medidaspor esse
padrãosuasobrasnãopodiam deixardesercpnsideracJasdis-
torçi'iesgrosseirasda tragédiagrega.
Mas o mesmoargumentovolta-setambémcontraos mo-
dernosentusiastasdo Barroco. Alguns o justificam dizendo
queodramadesseperíodoé umaverdadeiratragédia,porque
evocaa "piedadee o terror". Ora, essainterpretaçãopsicolo-
gistado conceitodecatarsisé irrelevantemesmopara a tragé-
diagrega,eoéaindamaispara odramabarroco,quesópode
serexplicadopela lei desuaforma, e nãopelosefeitosprodu-
zidossobreo espectador.Essa correntelimita-sea duplicar o
mal-entendidoclassicistaqueequiparavao drama barrocoà
tragédia,pouco importandosesuasintençõessãoagoraposi-
tivas,enãocríticas.Outros,comoCysarz,louvamessedrama
por terdescobertorecursostécnicosqueseriamdepoisutiliza-
dospor obrasposteriores,ou ojustificam comoum momento
cismose chamaa antigüidade,o do Barrocose chamaa pré-histária."Ou
Baroque, Paris,Gallimard,1983,pp.73e 116.
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
28 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 29
necessáriona evoluçãoquelevariaà tragédiaclássicaalemã.
Outrostentaminocentaressasobrasdizendoqueoshorrores
daguerradostrintaanosea brutalidadedoseupúblicoeram
responsáveispor seus'desviosdetécnicae de temática.Em
todososcasos,a incompreensãodosdefensoresé idênticaà
dosdetratores,esebaseianamesmacegueiraquantoà auto-
nomiadodramabarrocoenquantoidéia,epor isso "emúl-
timaanáliseseutomnãoé o da salvaçãoclássicamaso da
justificaçãoirrelevante"(p. 75).
Benjamin,pelocontrário,estáantesdemaisnadapreo-
cupadocoma identidadeeespecificidadedaformadodrama
barroco,e tentafundarsua autonomiaatravésde um con-
frontocomatragédia.
O dramabarrocotemcomoobjetoe conteúdopróprioa
história,comoa épocaa compreendia.O conteúdodatragé-
diaéomito,asagapré-histórica,embora.trabalhadapor ten-
dênciasatuais.Tantooprotagonistadodramabarrococomo
o heróitrágicotêmumacondiçãoprincipesca,masnodrama
essacondiçãosedestinaa ilustrarafragilidadedascriaturas,
maisvisívelnasdealtalinhagem,enquantona tragédiaela
remetea umpassadoqueefetivamentesearticulavaemtorno
dacondiçãosenhorial.A mortedoheróitrágicoéumdestino
individual,umsacrifíciopelo qualo heróiquebrao destino
demoníaco,anunciandoa vitóriasobrea ordemmíticados
deusesolímpicos.Elaéaomesmotempoumaexpiaçãodevida
aosdeuses,guardiãesdeumantigodireito,e a promessade
umnovoestadodecoisas,a antecipaçãodeumanovacomu-
nidade,aindavirtual:umsacrifícioaodeusdesconhecido.O
heróiprenuncianovosconteúdos,maselessão despropor-
cionaisà vidade um só homem,epor issoele morre.No
dramabarroco,a morteé apenasa provamaisextremada
impotênciae do desamparoda criatura.Não é um destino
individual,masda criaturahumana.Não exprimenenhum
desafio,nem·anunciauma ordemnova,porque qualquer
transcendênciaé alheiaaoBarroco,e suautopiaé a utopia
conservadoradaContra-Reforma.Na tragédia,o tempoé li-
near:o heróirompeo destinomítico,atravésda orgulhosa
aceitaçãoda culpa,e comissoa maldiçãose extingue.No
dramabarroco,o destinoéonipotente,ea culpaé a sujeição
davidada criaturaà ordemda natureza.Movidopelodes-
tino,odramabarroconãotemtempo,ouestásujeitoaotempo
Ir
doeternoretorno.A maldiçãoseperpetua,a morteindividual
nãosignificaofim,porqueavidaseprolongadepoisdamorte,
atravésdasapariçõesespectrais.O registroda tragédiaé o
diurno.o dodramabarrocoé o noturno,pois à meia-noite.
conformeseacreditava.o tempopára,voltandoaopontode
partida.Por tudoisso,o dramabarroconãotemheróis,mas
somenteconfigurações.Poisheróicoéopersonagemquedesa-
fia o destino.morrendo.enãoo quemorre,submetendo-seao
destino.eeternizandoa culpa.Enfim.na tragédiaopalcoé
umpontofixo. decarátercósmico.emquesedesenrolaum
julgamento.movidopeloshomenscontraos deuses,e em
tornodoqualsereúnea comunidade,paraouviro veredicto.
NoBarroco.opalcoémóvel.peregrina,comoa corte,deci-
dadeemcidade,e nelesedesdobraumespetáculolutuoso,
destinadoahomensenlutados,esemnenhumapeloaosdeu-
ses,porquenãoexistenenhumacomunicaçãopossívelcoma
transcendência.
O confrontocoma tragédiapermitiuaBenjamindemar-
caraespecificidadedodramabarrococomoforma.Masagora
éprecisoabandonartodoconfronto,e mergulharnointerior
dopróprioobjeto.Chegamosaocentrodolivro:ainvestigação
estruturaldodramabarroco.cujosresultadosvãopermitira
Benjaminlegitimara posterioriacomparaçãofeitaentreessa
formaeadatragédia.
Análiseestruturaldodramabarroco
Essaanálisenãofoi feitaexplicitamentepor Benjamin.
O própriotermoestrutura,comovimos,nãoé usadopor ele,
nosentidoqueaquilheatribuí:organizaçãointernadaidéia,
emoposiçãoà suadimensãohistórica,contidanacategoriade
origem.EstaabrangeparaBenjaminasduasdimensões.Mas
umavezaceitoo conceitodeestrutura,queemminhaopinião
nãodeformaa çategoriadeorigem,estamosemterrenose-
guroparareconstruirsistematicamentea investigaçãoestru-
turalassistemáticafeitapelopróprioBenjamin,segundoseu
procedimentobásico:isolarosfenômenosemseuselementos,
edestacardoselementosos seusaspectosextremos.
A análiseempíricadeumavariedadededramaspermite
distinguirentreseuselementoso Príncipe,comoprotagonista
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
principal,o cortesão,comoseuconselheiro,e a corte,como
lugaremquesedáaação.
OpersonagemcentraléoPríncipe.Suamissãoéimplan-
tar um reinoestável,livreda rebeliãoe da anarquia,exer-
cendopara issopoderesditatoriais.Ao mesmotempo,como
criatura- o maisaltodosserescriados- eleestámaissu-
jeitoquequalqueroutroàsleisdacriatura:o sofrimentoe a
morte.Por isso,eleéaomesmotempotiranoemártir.Sãoas
facesdeJanus do monarca,os doisextremosda condição
principesca.Comotirano,eleencarnaemsuaplenitudeafun-
çãosoberanadeprotegero Estadocontraa desordem,por
todososmeiosa seudispor.Comomártirelelevaàsúltimas
conseqüênciasa virtude,eencarnaplenamentea lei dacria-
tura,esuasujeiçãoàmorte,aceitandovoluntariamenteo su-
plício.Masessespapéissãoalternáveis.Em todotiranoexiste
ummártir,e emtodomártir,um tirano.O tiranoé muitas
vezesapresentadosobseuaspectomaisdegenerado,comoum
loucohomicida,ecomoumAnticristo- éo casodosdramas
consagradosa Herodes.Nessemomento,eledeixaderepre-
sentara antinatureza,epassaa despertarcompaixão,como
vítimapor excelênciado destinonaturalda criatura.Ele é
símboloda Criaçãopervertida,massimboliza,de qualquer
modo,a Cria,ção,no queelatemdemaissofridoe demais
cruel.É.umavítimadadesproporçãoentreadignidadedes-
medidadesuacondiçãohierárquicaeamisériadesuacondi-
çãohumana.Inversamente,o mártirpodeservistocomoum
tirano,na medidaemquesecomportacomoum estóico,e
exercesobreaspaixõesumaditaduracomparávelà queo so-
beranoexercesobreossúditos.A essetítulo,eledeixadesim-
bolizara natureza,epassaa significara antinatureza.Por
isso,a condiçãoprópriadoPríncipeé o luto. Comotirano,
estáexpostoà conspiração,ao atentado,ao veneno.Como
mártir,estácondenadoaoascetismoeaosofrimento.A me-
lancoliadeHamletnãoé assimumtraçoisolado.Ela épró-
priadacondiçãodoPríncipe.As hesitaçõesdeHamletsãotí-
picas,emgeral,do comportamentodoPríncipe.Ele hesita,
porqueestánafronteiradedoismundos,porquesuacondição
éemsiambivalente.Eleécriatura,sujeitoànatureza,esobe-
rano,cujatarefaésubjugara natureza.O verdadeironome
dessahesitaçãoéacedia,asombriaindolênciadaalma,traço
maisgeraldasintomatologiamelancólica.
O cortesãoéo outrograndetipodagaleriabarroca.Ele
aparececomointrigantee comosanto.Comointrigante,ele
temosaberantropológicodeMaquiavel,conheceoshomense
suaspaixõese sabemanipulá-Iascomoquemmanipulaas
peçasdeumrelógio.Graçasaessesaber,eleassessorao Prín-
cipeemsuamissãodegovernaroEstadoedeafastarasamea-
çasinternase externas.O mesmosaberinescrupulosopode
sertambémmobilizadocontrao Príncipe.Conspirando,ele
mudadeladoesetornaaliadodaanarquianatural,a mesma
contraa qualo Príncipetemo deverdeprotegero Estado.
Comoconselheiroleal,eleajudavaa combatera catástrofe.
Ao trair,eleencarnaa catástrofe:a rebeliãoeamorte.Mas o
ativismodointrigantetemcomocontrapartidaumarigorosa
disciplinainterna.Parabemmanejaraspaixõeshumanas,ele
nãopodedar-seaoluxodeterpaixões.Maisradicalmenteque
o Príncipe,elesecomportacomoum estóico,e, no limite,
comoumsanto.O amargosaber,queo impededeterqual-
querilusãosobreoshomens,ea renúnciaàspaixões,quelhe
dãotraçosdesantidadeespúria,alimentano cortesãouma
grandesensaçãodeluto.ISeusaberéo saberdomelancólico,
e,comotodomelancólico,eleestásobainfluênciadeSaturno,
planetaquepredispõeparaa inconstância.É por issoqueele
trai.Masseofaz, éporfidelidadeaosseresecoisascriadas,à
condiçãodecriatura,à leidodestino,eem,nomedessafideli-
dadetraio Príncipe,queemseuvoluntarismoarrogantequer
instaurarumEstadoimutável,alémdasvicissitudesdo des-
tinoedanatureza."\
Enfim,acort~~éo espaçoemquesedáasalvaçãosecular,
pelaqualo Príncipequerlivrarossúditosdasdevastaçõesda
natureza-destino.Comoideal,essaantinaturezaapontapara
a imagemdeumaintemporalidadeperdida- oparaíso.Ao
mesmotempo,a corteestámaissujeitaquequalqueroutro
lugaràsinvestidasdanatureza.Nisso,elaéo lugardovícioe
docrime:o espaçodeatuaçãodo conspiradore dorebelde,
queprovocama guerracivil. Sobesseaspecto,a corteé o
inferno,"o lugardaeternatristeza"(p.168).
A análisedesseselementos,apartirdosextremos,mostra
queemcadaumdelesexisteumatensãoentredoispólos.Um
representaos sofrimentosimpostospelodestino,eoutro,um
refúgiocontraessessofrimentos.Uméo tempo,quedestróio
homem,outroéumoásisdeestabilidade,fora dotempo.Um
30 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 31
li
li!
lil
I"
11'"
I'
i,:
11
I
II
11
I
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
32 WALTER BENJAMIN
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 33
éo calvárioda criatura,outrosua bem-aventurançaprofana
Em suma,eessaéa verdadeiradicotomia:umpólo represent
a história,vistacomonaturezacega,eoutrorepresentaa anl
história, vista como história naturalizada. Do lado da hl
üiria-Ilatureza estãoo mártir, que sofre a história, o int'r
gante, como aRenteda catástrofe,o santo, Comovítima do
luto, a corte, comoinfernoepalco dasperversidadesda his-
tória.Do ladodaanti-históriaestãoo tirano, quenaturalizaa
história,o intriRante,comoconselheirodo Príncipe, ea corte,
comoparaíso e teatroda anti-história.Ao mesmotempo,a
análisemostra que essesdois pólos somentesão concebíveis
comoderivaçiiesdeumprincípio comumaos dois: a imanên-
cia. Pois só naperspectivade um mundosecularizado,alheio
a qualquertranscendência,pode a históriaserpensadacomo
naturezacega,desprovidadefins, epode a salvaçãoser con-
cebidaem termosexclusivamenteprofanos. A análiserevela
assim,comocategoriasestruturaisdo dramabarroco,a visão
da vida como imanê.nciaabsoluta, e, como desdobràmentos
dessavisão,a concepçãodahistóriacomonatureza,eda anti-
história, ou história naturalizada. Obtidas essascategorias,
podemosexaminarseufuncionamentona estruturado drama
barroco.
A imanênciaé a lei absolutadessedrama. "No drama
barroco,nemo monarcanemos mártiresescapamà imanên-
cia."(p. 91)Para ele,a históriaéum meroespetáculo,e um
espetáculotriste: Trauerspiel. Ele é Spiel, mero espetáculo,
porque a vida, privada de qualquer sentido último, perdeu
sua seriedade.É ilusão, éjogo, aparência:theatrummundi.
E é Trauer, espetáculolutuoso,porque exprimea tristezade
um mundosemteleologia,eporqueseuenredo,por maisilu-
sórioqueseja,éumtecidodecrimese calamidades.O espetá-
culoéa ilusãolúdicaquerefleteomundoilusório, esuaestru-
turalutuosaestáaserviçodosenlutados:um teatropara enlu-
tados.Não existeuma instância transfiguradoraquefizesse
da vidamaisqueumespetáculo,equeconsolasseohomemdo
seu luto. A transcendência,quando aparece, é como num
jogo, ecomissoseconfirmacomoilusória. Assim, o artifício
tipicamentebarrocodoespetáculodentrodo espetáculointro-
duznacenaumainstânciaqueàprimeira vistaremetea outra
realidade,não-ilusória,masessasegundarealidadeéapenas
umacenaatrásda cena,eportantoéumaduplicaçãoilusória
daprimeira ilusão.Em certosdramas,.comoosdeCalderón,a
ilusãopareceromper-seatravésda reflexão,pela qual certos
personagenscomentam,conscientemente,o jogo da ilusão e
darealidade,acedendo,aparentemente,a outroplano. Mas a
reflexãoéparte integranteda peça, e não se destaca,verda-
deiramente,da imanência.A própria temáticado dramabar-
rocOé influenciadapela lei da imanência.Assim, eletendea
excluir os temas que serviriampara ilustrar a história do
mundocomohistóriada salvação.Por isso,o teatrose afasta
cadavezmaisdostemasvinculadosà Paixão de Cristo, carac-
terísticosdo teatromedieval,e dá preferência, nos dramas
religiosos,aosepisódiosdo VelhoTestamento.
O teatrobarrocoestáprofundamenteinscrito na ordem
da história-natureza.Seuspersonagenssofremporqueo sofri-
mentofaz partedacondiçãonaturalda criatura. O soberanoé
o rei dosserescriados,maséelepróprio criatura.No Príncipe
Constante,deCalderón,o autorestendea realezaà totalidade
da Criação - o leão,rei dasferas,odelfim, rei dospeixes- e
com isso dissolvena naturezaa figura do Príncipe. Alguns
personagenssãorepresentadoscomoferas: é o casodeNabu-
codonosorlouco. A demênciado Príncipe éuma reversãoao
estadode natureza. Os personagensvirtuosossão movidos
pela maisanti-históricadasfilosofias - o estoicismo.O mar-
tírio ésempreo martírio da criatura:nuncao sofrimentomo-
ral, masa dorfísica. O personagemé conduzidoà mortepelo
destino,forma natural da necessidadehistórica, e não por
suas ações.Tambémas coisasinanimadassubmetemo ho-
memaseudomínio,enquantoinstrumentosdo destino.Daí a
importância,nosdramasde destino,da ordemdascoisas-
o adereçocênico.Cetro, espada,copode venenosãoagentes
dafatalidade. As próprias paixõessão tratadascomocoisas.
O punhal é veículodo destino,e apaixão é afiada comoum
punhal. É o destinoquemanejaa lâmina,para comela con-
firmar asujeiçâodavítimaàs leisnaturaisda criatura. O des-
tinoé a ordemdo eternoretorno.Daí as apariçõesespectrais,
típicasdo dramabarroco.A mortenãosignificarepouso,além
do tempo cíclico, mas recomeçoperpétuo, dentro do ciclo.
Dada essasujeiçãoà natureza,a motivaçãopsicológicados
personagensénula.Eles nãosãomovidospor fatoreséticos,e
sim por forças naturais.É por issoquea linguagemmetafó-
rica do Barroco é um elencointerminávelde topoi do mundo
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopennaHighlight
34
WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 35
natural, queservempara designaras açõesdospersonagens.
OsPríncipes caemcomoas árvorescaem:fulminadospor um
raio, enãoabatidospela história,ouemconseqüênciadesuas
próprias ações.Donde a inutilidade de inotivar o comporta-
mentodospersonagens.Osafetosnãopertencemaospersona-
gens,enãopodem ser utilizadospara explicarsuasatitudes:
elessãomerosinstrumentosdo destino.Não épor ciúmeque
Herodesmatasuamulher: é atravésdo ciúme, transformado
em coisa, em arma, em adereçocênico. Mariamne, como
Hamlet, queremmorrerpor acaso,vítimasde umafaca ou de
uma espadaenvenenada,sem nenhumamotivaçãointerna.
Em conseqüência,ospersonagenstêmo aspectodefantoches
-- de resto,o espetáculodefantochesé uma das variedades
maistípicasdo teatrobarroco- porquesãoefetivamentefan-
toches,manipuladospela história-natureza.
A outrahistória - não a história concebidacomonatu-
rezademoníaca,masa concebidacomonaturezahospitaleira
- estápresentesobretudono dramapastoral.Sobessaforma,
a naturezaé refúgio,e acenacom a miragemde uma intem-
poralidadeparadisíaca,protegendoo homemcontra o fluxo
do tempo.Assim metamorfoseada,a história é privada dos
seushorrores, e pode ser acolhida no palco semprovocar o
luto. "O espetáculopastoraldispe!tLa história, comoumpu-
nhado de sementes,no solo materno."(p. 115) Como natu-
rezapastoral, a históriase miniaturiza, se espacializa,epe-
netranopalco.
Concluída a investigaçãoestrutural, chegamosa resul-
tadosque integramos extremose ordenamas configurações
parciais numa configuraçãototal. Descobrimosa estrutura,
cujosprincípios maisgeraisdeorganizaçãosãoa imanênciae
a visãoda históriacomonatureza.E tendoalcançadoa estru-
tura, alcançamostambéma origem - a concepçãobarroca
dahistória,cujoconteúdocoincidecoma estruturainternado
drama: "aprópria vidahistórica,comoaquelaépocaa conce-
bia" (p. 86).
A concepçãobarrocadahistória
Podemospartir dos dois vetoresreveladospela análise
estrutural:imanênciaevisãodahistóriacomonatureza.
A Idade Média concebiaa história como um processo
inscrito na históriada salvação,e cujo telasera a dissolução
escatológicada cidadeterrestrena cidade de Deus. No Bar-
roco, ao contrário, a restauraçãoreligiosado séculoXVII,
abrangendotantoospaísesprotestantescomooscatólicos,sob
a influência da Contra-Reforma,implicou, paradoxalmente,
./i umasecularização,no sentidodeexcluira transcendênciada
. históriaemdireçãoà meta-história.A religiãoconsolidou-se,
masaopreçodeabrir mãoda transcendência.Em conseqüên-
cia, tantoa vidado homemcomosuasalvaçãopassarama ser
concebidosemtermosprofanos.Ele estásujeitoa uma histó-
ria cegae semfins, e portanto ameaçadora- uma história
natural;esópodetera esperançadesalvar-senumaesferade
intemporalidadesecular- umahistórianaturalizada.
... O Barrocoéhabitadopelaantecipaçãodacatástrofe,que
destruiráo homemeo mundo,masnãoé umacatástrofemes-
siânica, que consumaa história, e sim a do destino, que o
aniquila. "Se o homemreligiosodo Barroco aderetanto ao
mundo,éporquesesentearrastadocomeleemdireçãoa uma
catarata.\OBarroconão conhecenenhumaescatologia;o que
existe,por isso mesmo,é uma dinâmica quejunta e exalta
todasascoisasterrenas", e quevaium dia "aniquilar a terra,
numacatástrofefinal" (p. 90) Esvaziadade sua intenciona-
lidade messiânica,a história é com efeito uma sucessãode
catástrofes,que acabará culminando na catástrofederra-
deira..Não é a história humana, e sim história da natureza:
destino.Sujeitaao destino,a vidahumanaé efêmera,porque
éa vidadohomemcriado,dohomemcomocriatura,comoser
natural.A IdadeMédia tambémtinhaumaagudaconsciência
dafragilidadedosserese dascoisas,maselesse inscreviamna
perspectivada redenção,escapandoao destino.Ao contrário,
"o destinosósetornainteligível,comocategoriahistórico-na-
tural, no espírito da teologia restauradorada Contra-Re-
forma. É aforça elementardanaturezanoprocessohistórico"
(p. 152).Mas asujeiçãodo homema essa'força elementarda
naturezano processohistórico" tambémderiva da própria
Reforma.Pois o Barroco alemãoestádominadopela influên-
cia de Lutem, que com sua doutrina da salvaçãoexclusiva
pelafé, incapazdeserpostaà prova boasobras,privava
o hornemde qualquercertezana submetendo··ona
a decretosdivinos em tudo semelhantes
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
36 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 37
aosdo destino.Protestanteou católico,o homembarrocoestá
imersona histórianatural:a ordemdodestino.
Comocorretivopara a história-destino,oBarrocopropõe
o ideal da estabilizaçãoda história. Ele derivada teoriamo-
dernadasoberania,quelegitimaopoderabsolutodo Príncipe
coma tesede que eleprecisa governar "em estadode exce-
ção", afim deafastarasameaçasdarebeliãoedaguerracivil.
É função dosgovernantescriar condiçõespara uma idadede
ouro das artes e das letras, garantidaspela autoridade do
Príncipe e da Igreja. Essa concepçãoadvogauma "estabili-
zaçãocompleta,umarestauraçãotantoeclesiásticacomoes-
tatal,comtodasassuasconseqüências.Uma delasé a exigên-
cia de umprincipado cujo estatutoconstitucionalseja a ga-
rantia de uma comunidadepróspera, florescente tanto do
ponto de vista militar como científico, artístico e eclesiásti-
co... "(p. 89). Essa utopiafora do tempoignora "qualquer
dimensãoapocalíptica"(p. 103).Benjamintira as conclusões
dessaanálise:apolítica absolutistaé umapolítica de natura-
lização da história. "A função do tirano é a restauraçãoda
ordem,duranteo estadodeexceção:umaditaduracuja voca-
çãoutópicaserásemprea desubstituiras incertezasda históc
riapelasleisdeferro danatureza."(p. 97)
Em suma,o imanentismobarrocolevoua umaconcepção
da história comodestino,e uma concepçãodapolítica como
estabilizaçãoprofana. Sãoos dois ladosda concepçãoda his-
tóriacomonatureza.Se apolítica barrocasubstituia história
pela natureza,éporque percebea históriacomonatureza.O
idealabsolutista,queimplicanaturalizara história,épor isso
o meroreversode umavisãoda históriacomoprocessonatu-
ral. Ele selimita a opor umahistória natural instauradapela
vontadedoPríncipe a umahistórianaturalselvagem.
Essa concepçãoda históriafoi o solo em quese originou
o drama barroco, comoforma dotada de uma estrutura. O
crítico inverteua seqüência,e depoisde ter investigadoa es-
trutura,chegouaosoloondeseoriginouaforma.
Restasabercomosedá a mediaçãoentreorigeme estru-
tura.É opapel da alegoria.
TEORIA DO ALEGÓRICO
A alegoriacomolinguagem
Etimologicamente,alegoriaderivade aBos,outro, e ago-
reuein,falar na ágora, usar uma linguagempública. Falar
alegoricamentesignifica,pelo usode uma linguagemliteral,
acessívela todos,remetera outro nível de significação:dizer
umacoisapara sigmficaroutra.
Essa recapitulaçãoetimológicanão tem um sentidoaca-
dêmico.Minha intenção,aqui, é simplesmentesugerir que
essesentidooriginalsejatomadocomoponto departida para
a interpretaçãodo conceitobenjaminianode alegoria,o que
teriaa duplavantagemdeevitaruma.longadiscussãosobreas
sigmficaçõesalternativasqueapalavrarecebeu,na retóricae
na hermenêutica,desdesua introduçãopor Demetrius, Cí-
cero,Quintilianoeoutros,e decondensarnum só termofigu-
rasconexas,dedifícil delimitação,comometáfora,sinédoque
e metonímia.De resto, a retóricagreco-latina tambémnão
separavacomprecisãoa alegoriadessasoutrasfiguras, e não
há dúvidade queemseu uso do termoa exatidãoterminoló-
gica era o menor dos cuidadosde Benjamin. Mas a adoção
desseponto departida equivaletambéma umaopçãoteórica.
Ela implicanegarautilidade,para nossosfins, dafamosadis-
tinçãodeGoethe,pela qualosímboloseriaoprocedimentode
"vernoparticularo universal... sempensarno universalou a
elealudir", e a alegoria,o de "procuraroparticular a partir
do universal", e no qual "oparticular só valecomoexemplo
do universal"(p. 183).Essa distinção,pela qual a alegoriaé
vistacomoumaforma essencialmenteantiartística,comouma
simplestécnicadeilustrar, visualmente,uma idéia abstrata,
deuorigema todaumasériedeequívocos,efoi rejeitada,com
razão,por Benjamin.
O usodapalavraemseusentidoetimológiconospermite,
de saída,formular com clarezaumapergunta central.Se a
alegoriaéafigura pela qual,falando de umacoisa,queremos
sigmficaroutra, qual a outra coisasigniji:cadapela alegoria
barroca? Se nos concentrarmosna "forma fenomênica" da
alegoria,tal comoelafunciona no Barroco, a perguntaé ir-
respondível.Pois épróprio doBarrocoque "cadapessoa,cada
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
38 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 39
coisa,cadarelaçãopodesignificarqualqueroutra"(p. 196~
197).Mas emsuaessência,a alegoriabarrocaremetea uma
coisaúltima,referenteunitárioqueenglobatodasassignifica-
çõesparciais:a história,comoo Barroco a concebia.Através
desualinguagem(nasmetáforasdo texto,nospersonagens
queencarnamqualidadesabstratas,naorganizaçãodacena)
a alegoriadizumacoisa,esignifica,incansavelmente,outra,
sempreamesma:a concepçãobarrocadahistória.Nessesen-
tido,a alegoriacompletae sintetizaas reflexõesanteriores.
ComodizBenjamin,"todososresultados... queconseguimos
obteratéagora... unificam-senaperspectivaalegórica." Só
ela "permitiuaodramabarrocoassimilarcomoconteúdosos
materiaisquelheeramoferecidospelascondiçõesdaépoca"
(p.239).
Vimosqueo pensamentohistóricodo Barrococontém
umaconcepçãodahistóriacomonaturezaselvagem,edapolí-
ticacomoumapráticadenaturalizaçãodahistória.Vejamos
comoa linguagemalegóricaserelacionacomessasduasver-
tentes.
Alegoriaehistória-destino
A concepçãoda história-destinoordena-seemtornoda
figuradamorte.Ela éa verdadeúltimadavida,o pontoex-
tremoemqueo homemsucumbeà suacondiçãodecriatura.
Ora, a alegoriasignificaa morte,e seorganizaatravésda
morte.
A morteéo conteúdomaisgeraldaalegoriabarroca.É
próprioda "mãodeMidas" do alegoristatransformartudo
emtudo,maso esquemabásicodaalegoriaéa metamorfose
do vivono morto.Esse"esquematismo"da morteestápre-
sente,sobretudo,nametafóricabarroca.Assim,na epígrafe
deMannling(p. 181) todasasfigurasremetemà morte.O
mundoéum"postoaduaneirodamorte",emqueo homemé
amercadoria,amorteéa "extraordinárianegociante"ease-
pulturaé "umarmarinhoearmazémcredenciado".Nodrama
barroco,a salado tronosetransformaemcárcere,a alcova
emsepultura,a coroadosreisemgrinaldade espinhos,a
harpaemmachadodecarrasco.Numadesuasobras,como
títulocaracterísticode Oração Fúnebre, Hallmannserefere
I
,.,
I
I
aosinúmeroscadáveresproduzidosnaAlemanhapelapestee
pelaguerracivil, e acrescentaque "nossasrosastêmsido
transformadasemespinhos,nossoslíriosemurtigas,nossos
paraísosemcemitérios,emsuma,todanossavidanumaima-
gemdamorte"(p.254).Mas,alémdisso,personagensalegó-
ricoscomoa luxúriasãoapresentadossobaformadeesque-
letos,o espíritodosmortosrondaopalco,e oscadáveressão
expostosnacena,comoadereços,epartesdodécor.O alego-
ristafala emparaíso,e quersignificarcemitério,fala emar-
mazém,e quersignificara sepultura,fala emharpa,e quer
significaro machadodocarrasco,domf!smomodoquemos-
traumabelamulher,equersignificarumesqueleto,emostra
umvelho,equersignificaro tempoquetudodestrói.A morte
emergecomosignificaçãocomumde todasessasalegorias,
quesecondensamnaalegoriadáhistória.O alegoristadiz a
morte,e quersignificara história,como o Barroco a con-
cebia. Pois ao contráriodo símbolo,quevê a históriana
perspectivatransfiguradoradaredenção,"a alegoriamostra
aoobservadora fades hippocraticada históriacomoproto-
paisagempetrificada.A históriaemtudoo quenela,desdeo
início, éprematuro,sofridoe malogrado,se exprimenum
rosto- nãonumacaveira.E porquenãoexiste,nela,ne-
nhumaliberdadesimbólicadeexpressão,nenhumaharmonia
clássicadaforma,emsuma,nadadehumano,essafigura,de
todasa maissujeitaà natureza,exprime,nãosomenteaexis-
tênciahumanaemgeral,mas,demodoaltamenteexpressivo,
esobaformadeumenigma,a históriabiográficadeumindi-
víduo.Nissoconsisteo ceme davisãoalegórica:a exposição
barroca,mundana,dahistóriacomohistóriamundialdoso-
frimento"(p. 188). É a históriacomonatureza,onderei-
na o destino.Daí a importância,no teatrobarroco,da ca-
veiraedaruína.Naperspectivadahistória-natureza,omundo
é um campoderuínas,comoalegoriasda históriacoletiva,
e umdepósitodeassadas,comoalegoriasda históriaindivi-
dual.A caveiraé "detodasasfigurasa maissujeitaà natu-
reza".E a ruínaéo fragmentomorto,o querestoudavida,
depoisquea história-naturezaexerceusobreelaosseusdi-
reitos."A palavrahistóriaestágravada,comoscaracteresda
transitoriedade,norostodanatureza.A fisionomiaalegórica
danatureza-história,postanopalcopelodrama,sóestáver-
dadeiramentepresentecomoruína... Sobessaforma,a histó-
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
40 WALTER BENJAMIN
instrumentodeestabilização.dahistória.É por issoqueo ale-
goristapode ser comparadoao monarca,e ao intrigante,en-
quantoconselheirodo monarca.Quantoao intrigante,a assi-
milação é explfcita. "O intriganteé o senhor das significa-
"(p. 231)- éa descriçãodo alegorista.A assimilaçãoao
Príncipepodeserdeduzidaapartir deváriaspassagens.Numa,
Benjamin diz que "o arbitrio é a manifestaçãosupremado
poder do conhecimento"(p. 206).Noutra, afirma que "a sig-
nificaçãoreina comoum negrosultão no harém das coisas"
(p. 206). Noutra, enfim, escreveque "o gestoqueprocura...
apropriar-seda significaçãoé idênticoao queprocura distor-
cer violentamentea história" (p. 232). Distorcer a história,
pelo arbftrioepela violência,comoum sultão - éa descrição
doPríncipe.
Pela significação,o alegoristaquer conheceras coisas
criadas,e, atravésdo conhecimento,salvá-Iasdasvicissitudes
da história-destino.O alegorista lacraas coisascomo seloda
significaçãoeasprotegecontraa mudança,por todaa eterni-
dade.Pois só a significaçãoé estável.Por issoo protótipo da
alegoriaocidentaléo hieroglifoegípcio,quea épocaconcebia
comoemanaçãoda sabedoriadivina,e no qual a mesmaima-
gemrepresenta,para sempre,a mesmaidéia -'- Deusé repre-
sentadopor um olho, a naturezapor um abutre,o tempopor
um circulo. A linguagemescritados temposmodernospre-
servaalgo dessaimutabilidadeprimordial. Toda escritacon-
solida-seem complexosverbais que em última análisesão
inalteráveis,ou aspirama sê-lo. A violênciaalegórica,pela
qual as coisassão arrancadasdo seu contextoeprivadas de
suairradiação,éagoradotadadeumsentidopositivo.Comoo
Príncipe, o alegoristaquer redimir as coisas,ainda que seja
contrasuaprópria vontade.É por amor que ele humilha as
coisas, obrigando-asa significar: pois só nessasignificação
elasestãoseguraspara sempre.Épor amorqueeleopõea lin-
guagemescrituraldas significações,imutável, à linguagem
oral dosmerossons,esferada liberdade,epor issomesmoda
ameaçaabsolutae da vulnerabilidademais extremaao mais
extremodosriscos:a morte.
Em suma,assimcomooPríncipesubjugaa criaturapara
salvá-Iada história atravésdo poder, o alegoristasubjugaa
criaturapara salvá-Iada históriaatravésda significação.De
novo, confirma-sea homologiaentrea ale/!oriabarroca e a
ria nãoconstituiumprocessodevidaeterna,masde inevitável
declinio."(p.199-200).
Mas a mortenãoéapenaso conteúdoda alegoria,e cons-
titui tambémoseuprincipio estruturador.Para queumobjeto
setransformeemsignificaçãoalegórica,eletemdeserprivado
de sua vida. A harpa morre comoparte orgânica do mundo
humano,para quepossasignificar o machado. O alegorista
arrancao objetodo seucontexto.Mata-o. E o obriga a signi-
ficar. Esvaziado de todo brilho próprio, incapaz de irradiar
qualquersentido,eleestápronto para funcionar comoalego-
ria. Nas mãos do alegorista,a coisase converteem algo de
diferente,transformando-seem chavepara um saberoculto.
Para construira alegoria,o mundo temde ser esquartejado.
As ruinasefragmentosservempara criar a alegoria.É o que
explicacertostextosbarrocos,emqueaspalavrase assilabas,
extraidasde qualquercontextofuncional,se oferecem'livre-
menteà intençãoalegórica.De certomodo,as cenasde mar-
tirio do teatrobarrocoestãoa serviçodessaintenção. O ho-
memtemdeser despedaçado,para tornar-seobjetodealego-
ria. O martirio, quedesmembrao corpo,prepara osfragmen-
tospara a significaçãoalegórica. Os personagensmorrem,
nãopara poderem entrar na eternidade,maspara poderem
entrarna alegoria.
A morteé, assim,o que é representadona alegoria,e o
quepermite construi-Ia.Para poder construir a alegoriada
morte,o alegoristausaa morte,do mesmomodoqueHerodes
usao massacre,para poder significar a sujeiçãoextremada
criatura às leis do destino.Como conteúdoe como meio, a
morteestáno cerneda alegoriae no cerneda história. Ela
pode assimmediatizarentreos doisplanos, comotermoque
lhesécomum,o quejustifica opapel centralda alegoriacomo
linguagemcapazdeexprimir,no dramabarroco,a concepçãodahistória-destino.
Alegoriaeestabilizaçãodahistória
Assim como a alegoriase relacionacom a história-des-
tino atravésda morte,elase relacionacom a utopia absolu-
tistaatravésda significação.A significaçãoéno reino da ale-
goriao queéopodernasalvaçãoprofanavisadapeloPrincipe:
'"
Ij
I
ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 41
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
42 WALTER BENJAMIN ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 43
históriabarroca, agoravistaem sua segundavertente,como
anti-história,ou histórianaturalizada.
Sabemosagorapor que a alegoria "permitiu ao drama
barrocoassimilarcomoconteúdosos materiaisque lhe eram
oferecidospelascondiçõesda época''.Se minha interpretação
dopensamentodeBenjaminé exata,a concepçãobarrocada
,históriapôdepenetrarna forma do drama barroco, determi-
nandosua estrutura,porque a linguagemdessedrama,a ale-
goria, estavaemrelaçãocomo pensamentohistóricodo Bar-
roco. Através da figura da morte, a alegoriase relacionava
coma história-destino,e atravésda significação,com a anti-
história.Entre a origem- a concepçãobarrocada história _
e a estrutura, interpôs-se,como instânciamediadora,a lin-
guagemalegórica,quepermitiu converterconteúdosexternos
emelementosestruturais.
A salvaçãoalegórica
osaberdo alegoristaéumsaberculpado.Ele quersalvar
a criatura,emborasaibaqueela é culpada,por causadope-
cado original. Com isso, ele tambémse torna culpado. E é
culpadopor quererconhecera matéria,emborasaiba queela
é o reino de Satã. Mas persisteem sua investigação,porque
sabequesóneleascoisaspodemsalvar-se.Ele mergulhacada
vezmaisfundo no abismodassignificações,tentadopelo de-
mônio, que lhe acenacom a miragemdo saber absoluto, e
portanto da espiritualidadeabsoluta:pois a matériapura e o
espíritopuro sãoasduasprovínciasdo impériodeSatã.
No maisfundo dessaimersão,o alegoristadescobreque
foi vítimade uma ilusão.Ele foi enganadopelo demônio.Jul-
gandoacederàscoisas,atravésdasalegorias,eledescobreque
sãojustamenteas alegoriasque bloqueiamo conhecimento
das coisas.Todo o seusaberse desfaznumfeixe de simples
alegorias.O mal emsi só existepelo alegorista,só a seuolhar
devea existência.Extinto o olhar, os víciosabsolutos,encar-
nadosno tiranoe no intrigante,serevelamcomoinexistentes,
comoalegoriasilusórias.A espiritualidadeabsolutarevelaseu
verdadeirorosto: subjetividadeabsoluta.Foi ela que criou o
mal, que não temvidaprópria..As alegoriassãojustamente
isso:alegorias,e nadamais.As coisasestãolivrespara sesal-
11
,I
..
I
varemverdadeiramente- na transcendência- desprezando
a salvaçãoprofana que lhesera oferecidapelo alegorista.As
coisastraem o alegorista,e se refugiam no reino de Deus.
Comisso,oBarrocopareceexplodirseuslimites.Na sal-
vaçãotranscendente,é o próprio Barroco queparece trans-
cender-se.Pois sabemosqueeleéo reino da imanênciaabso-
luta. Mas atenção:seascoisassesalvamemDeus, é ainda no
registroda alegoria. "A confusãodesesperadada cidadedas
caveiras... comoesquemadasfiguras alegóricas... não é ape-
nas significada, representadaalegoricamente,mas também
significante,oferecendo-secomomaterial a ser alegorizado:
a alegoriadaressurreição."(p. 255)Sea caveiraé alegoriada
morte, mas tambémda ressurreição,tambémestaé apenas
alegoria.Tambémeladevesuaexistênciaunicamenteà subje-
tividadedo alegorista.O Barroco estátão conscientedisso,
queinscreveasubjetividadeemsuaarquitetura,comoquando
"ospilaresdeumbalcãobarrocodeBambergestãoordenados
do modoqueseapresentariamvistosde baixo, numaconstru-
çãoregular" (p. 257),ou emseumisticismo,emque "a subje-
tividademanifestae visívelrepresentaa garantiaformal do
milagre,porque anuncia a própria ação de Deus" (p. 257).
Tambéma salvaçãoé aprojeçãodaprópria subjetividadeem
Deus, e, portanto, continuasujeitaà imanência.O Barroco
apontaalémdosseuslimites, e ao fazê-loconfirma-se como
mundofechado.
Essafalsa transcendênciatemum equivalentehistórico.
Assim comoa salvaçãoimanente,pelo alegorista,parecede-
sembocarnumasalvaçãotranscendente,podemosdizerquea
salvaçãoimanente,pelo Príncipe, de algum modo remeteà
transcendência.O Príncipe é o Deus terreno, que como tal
apontapara o Deus transcendente.Seu reino é a Jerusalém
terrestre,quecomotal apontapara a cidadedivina.Mas tam-
bémnesseplano a transcendênciareve/a-seilusória.A relação
entreDeuseoPríncipe, e o céue a terra, éunicamentealegó-
rica. A salvaçãotranscendenteé uma simples alegoria:uma
ilusãobarroca,umafantasmagoria,um sonho,meraprojeção
subjetivadeumimpossíveldesejodetranscendência.
Somente,épreciso.ir mais ao fundo dessadialética. O
fato de queapesarde tudo o Barroco "apontaalémdosseus
limites"precisaserinterpretado.SeoBarrocoestácondenado
à imanência,éporqueexcluia históriamessiânica.A história-
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
joaocamillopenna
Highlight
44 WALTER BENJAMIN T ORIGEM DO DRAMA BARROCO ALEMÃO 4S
destinoéo tempocircular da natureza,e a história naturali-
zada é o tempopontual da estabilidadeprofana. Ambos ex-
cluema perspectivamessiânica.Mas nãopoderíamosver na
tentativa,mesmofracassada,de acederao transcendente,um
esforçoin extremisde ingressarnum novouniversotemporal?
Esse novo tempo certamentenão é o do século seguinte,o
tempoIluminista doprogressolinear:nemcírculo nemponto,
masflecha. Tambémessetempo,para Benjamin, é antimes-
siânico,porque é o tempocontínuodo evolucionismovazio,e
nãoo tempotenso,imprevisível,em quea qualquermomento
pode irromper o Messias, explodindoo continuum da histó-
ria. É esseúltimoconceitodetempoqueoBarrocoacabaatin-
gindo, nessalonga viagem"além dos seuslimites": o gesto
barrocode extrair,pela violência,umfragmentode intempo-
ralidadedofluxo da história-destinoésemelhanteao do histo-
riador dialético,no sentidodeBenjamin, queextraido conti-
nuumda histórialinearumpassadooprimido.
oBARROCO REDIMIDO
No fundo, ultrapassandoseus limites, talvezo Barroco
estivessepedindosocorroaofuturo. "Pois não somostocados
por um sopro do ar quefoi respiradonopassado?Não exis-
tem, nas vozesque escutamos,ecosde vozesque emudece-
ram? .. Se assimé, existeum encontromarcadoentreasge-
raçõesprecedentese a nossa... Pois a nós, comoa cadagera-
ção,foi concedidaumafrágil força messiânica,para a qual o
passadodirige um apelo... Irrecuperávelé cada imagemdo
passadoquese dirige ao presente,sem que essepresentese
sintavisadopor ele."10
O livro de Benjamin é uma respostaa esseapelo. Em
parte, nossaapresentaçãopode ter contribuídopara esclare-
ceressaresposta.Ela mostraa unidadedoplano, muitasvezes
difícil deperéeber,atrásdo caráterassistemáticoefragmen-
tário da execução,e com isso revelaa unidadeda intenção:
salvaro dramabarrocopara nossopresente.As grandesarti-
culaçõesdo livrosãoagoravisíveis:
(10) Walter Benjamin,Über den Begriff... , op. cit., vaI. 1-2, pp. 704
esegs.
I
(
•I
----
1) asidéiaseosfenômenosexistememrelaçãodialética.
Para queelaspossamseatualizar,osfenômenos,dissociados

Outros materiais