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Teoria geral do processo - Aula 1 - Fundamentos do Direito Processual Contemporâneo

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Teoria geral do processo
Aula 1: Fundamentos do Direito Processual Contemporâneo
 
Ferramentas para a resolução dos conflitos e teorias unitárias e dualistas
Antes de falarmos em teoria do processo, precisamos identificar algumas palavras que terão significado muito importante para nós. Inicialmente, vamos introduzir o conceito de “interesse”.
São os interesses que nos movem em todas as atividades do dia a dia. Estes se projetam em diversos planos: Pessoal, familiar, patrimonial, social, cultural etc. Numa vida em sociedade, e sobretudo no atual momento de nossa civilização, quando ficamos grande parte do nosso tempo conectados, ainda que virtualmente, é razoavelmente comum que, vez por outra, esses interesses entrem em conflito.
Dessa forma, o conflito de interesses é o ponto inicial do estudo do Direito Processual, pois a partir do momento em que dois ou mais interesses entram em rota de colisão precisamos organizar as possíveis soluções para essa questão.
A primeira solução que podemos dar a esse conflito é chamada de absorção. Isso se dá quando uma ou ambas as partes resolvem não levar adiante aquela disputa. Isso pode acontecer por vários motivos: Falta de recursos materiais ou de tempo, exame do custo benefício (aquela “batalha” não vale a pena) etc. Nessas hipóteses, temos o que o nosso Código de Processo Civil chama de renúncia (art. 487, III do CPC).
A segunda hipótese, que é a mais comum hoje em dia, é a instauração de um processo perante o poder judiciário. Nessa situação temos a configuração da lide, ou seja, o conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, que ao ser levado ao exame do Poder Judiciário se transforma em uma demanda.
E aqui, vamos fazer uma pausa para consolidar esses conceitos:
Lide: É um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida (ou seja, nenhuma das partes está disposta a desistir daquele conflito).
Demanda: É a lide levada ao exame do Poder Judiciário a fim de se obter uma solução para o caso concreto (sentença judicial).
Finalmente, a terceira hipótese é utilizar ferramentas extrajudiciais para a resolução desse conflito, como por exemplo a arbitragem e a mediação. Falaremos mais sobre esses institutos logo abaixo.
Soluções judiciais e extrajudiciais
Resumidamente, podemos dizer que para um conflito resistido temos soluções judiciais ou extrajudiciais. Os meios extrajudiciais podem ser prévios, incidentais ou posteriores, se considerados em relação ao processo judicial. Dessa forma, podem ser antecedentes, incidentais ou sucessivos ao processo judicial.
O ideal é utilizar os meios extrajudiciais ANTES do processo, de forma a evitar a movimentação da máquina judiciaria. Contudo, nada impede que a tentativa de acordo ocorra durante o processo, nas dependências do Poder Judiciário. 
Nesse caso, o juiz deverá designar uma audiência para a tentativa do acordo (art. 334 do CPC) sem prejuízo de voltar a tentar a obtenção do consenso posteriormente, mesmo que essa audiência não seja bem-sucedida.
Principais ferramentas Extrajudiciais de resolução de conflito
Negociação - Este é o procedimento por meio do qual as partes envolvidas no litígio, diretamente e sem a interveniência de uma terceira pessoa, buscam chegar a uma solução consensual. É o modelo mais simples e antigo de resolução de conflitos.
A negociação tem como principais vantagens evitar as incertezas e os custos de um processo judicial, privilegiando uma resolução pessoal, discreta, rápida e, dentro do possível, preservando o relacionamento entre as partes envolvidas, o que é extremamente útil, sobretudo em se tratando de negociação comercial.
Quanto ao momento, a negociação pode ser prévia ou incidental, tendo por referencial o surgimento do litígio; quanto à postura dos negociadores, pode ser adversarial (competitiva) ou solucionadora (pacificadora).
Contudo, muitas vezes os interessados não conseguem, sem o auxílio de um terceiro, chegar ao acordo. É aí que entram outras duas figuras: Conciliação e mediação.
Conciliação - A conciliação está prevista no art. 165, § 2º do CPC e é utilizada para resolver questões meramente patrimoniais quando não há um vínculo prévio entre as partes.
A conciliação ocorre, portanto, quando o intermediador adota uma postura mais ativa: Ele vai não apenas facilitar o entendimento entre as partes, mas, principalmente, interagir com elas, apresentar soluções, buscar caminhos não pensados antes por elas, fazer propostas; enfim, ele vai ter uma postura verdadeiramente influenciadora no resultado daquele litígio a fim de obter a sua composição.
Mediação - Já na mediação, prevista no art. 165, § 3º do CPC, combinado com art. 1º, parágrafo único da Lei nº 13.140/2015 , o terceiro vai apenas ouvir as versões das partes e funcionar como um agente facilitador, procurando aparar as arestas sem, entretanto, em hipótese alguma, introduzir o seu ponto de vista, apresentar as suas soluções ou, ainda, fazer propostas, contrapropostas, ou mesmo juízo de valor sobre o que está em discussão.
Na mediação, sempre existe um vínculo prévio entre as partes. Este pode ser de natureza social, pessoal, familiar, afetiva, emocional etc. O mediador estará sempre focado em restaurar esse vínculo, uma vez que aquelas pessoas precisam se relacionar por uma razão específica (moram no mesmo prédio, têm filhos em comum, são empregados da mesma empresa, estudam na mesma escola, são irmãos e disputam os bens deixados em inventário por seu pai etc.).
Importante
o ponto de vista normativo, o primeiro marco para o fortalecimento da mediação e da conciliação foi a Resolução nº 125/2010 do CNJ , que adotou as seguintes premissas:
01 - O direito de acesso à Justiça, previsto no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal, além da vertente formal perante os órgãos judiciários, implica acesso à ordem jurídica justa.
02 - Nesse passo, cabe ao Judiciário estabelecer política pública de tratamento adequado dos problemas jurídicos e dos conflitos de interesses, que ocorrem em larga e crescente escala na sociedade, de forma a organizar, em âmbito nacional, não somente os serviços prestados nos processos judiciais, como também os que possam sê-lo mediante outros mecanismos de solução de conflitos, em especial dos consensuais, como a mediação e a conciliação.
03 - A necessidade de se consolidar uma política pública permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos consensuais de solução de litígios.
04 - A conciliação e a mediação são instrumentos efetivos de pacificação social, solução e prevenção de litígios, e a sua apropriada disciplina em programas já implementados no país tem reduzido a excessiva judicialização dos conflitos de interesses, a quantidade de recursos e de execução de sentenças.
05 - É imprescindível estimular, apoiar e difundir a sistematização e o aprimoramento das práticas já adotadas pelos tribunais.
06 - A necessidade de organizar e uniformizar os serviços de conciliação, mediação e outros métodos consensuais de solução de conflitos, para evitar disparidades de orientação e práticas, bem como para assegurar a boa execução da política pública, respeitadas as especificidades de cada segmento da Justiça.
Ferramentas adjudicatórias 
Arbitragem - A arbitragem, numa definição bem simples, é a forma de resolução de conflitos envolvendo direitos patrimoniais disponíveis, em que é proferida uma sentença por um julgador privado escolhido pelas partes (árbitro), caso não haja acordo entre os sujeitos.
Processo judicial - A segunda ferramenta adjudicatória é o processo judicial, que, aliás, desde o século XIV vem se tornando a forma predominante de resolução de conflitos, sob o comando do Estado-Juiz.
Acesso à justiça no processo contemporâneo 
O princípio do acesso à justiça, previsto na Constituição Federal, no art. 5°, XXXV e no CPC, no art. 3°, é absolutamente essencial ao funcionamento do Estado de direito.
Vamos falar, primeiro, desse princípio no plano constitucional. Como já mencionamos, o art. 5º, inciso XXXV, da Carta de 1988  dispõe que nenhuma lesão ou ameaça
a direito será subtraída da apreciação do Poder Judiciário. Já o art. 3° do Código de Processo Civil diz que nenhuma lesão ou ameaça a direito será subtraída a apreciação jurisdicional.
Nesse sentido, é importante observar que o termo jurisdição, como já falamos acima, é utilizado pelo Código de Processo Civil em sentido amplo, ou seja, compreendendo não apenas o processo judicial, mas também as demais ferramentas de solução adequada dos conflitos como a mediação e a arbitragem, por exemplo.
Assim sendo, a ideia do acesso à justiça prevista na Constituição de 1988 precisa ser atualizada e ressignificada de forma a contemplar as demais figuras previstas em 2015.
Atenção: Feita essa primeira observação, é preciso complementar a informação para dizer que o real significado do princípio do acesso à justiça, também chamado de princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, significa que aquele que sofreu uma lesão ou está na iminência ou na ameaça de sofrer uma lesão pode, a qualquer momento, recorrer ao Poder Judiciário.
Isso não significa, contudo, que a via judicial seja a primeira ou única capaz de resolver aquele conflito. O fato é que se o cidadão necessitar da proteção do Estado-Juiz nada e nem ninguém pode impedir.
Reconhecimento da importância desse principio 
Em 1971, na cidade de Florença, Itália, com a Conferência Internacional relativa às garantias fundamentais das partes no processo civil, teve início um movimento internacional de valorização da qualidade do acesso do cidadão ao Poder Judiciário.
No decorrer daquela década, o estudo teve continuidade, tratando dos temas da assistência judiciária aos hipossuficientes, da proteção aos interesses difusos e, finalmente, da necessidade de implementação de novas soluções processuais. Esse movimento foi, então, difundido internacionalmente por Mauro Cappelletti.
Elementos do direito ao acesso à justiça 
Sem dúvida, o acesso à Justiça é direito social básico dos indivíduos. Contudo esse direito não está restrito ao mero acesso aos órgãos judiciais e ao aparelho judiciário estatal. Muito além disso, deve representar um efetivo acesso à ordem jurídica justa.
Na verdade, o direito ao acesso à justiça é composto pelos seguintes elementos:
01 - O direito à informação e perfeito conhecimento do direito substancial e à organização de pesquisa permanente, a cargo de especialistas, orientada à aferição constante da adequação entre a ordem jurídica e a realidade socioeconômica do país
02 - Direito de acesso à Justiça adequadamente organizada e formada por juízes inseridos na realidade social e comprometidos com o objetivo de realização da ordem jurídica justa.
03 - Direito à pré-ordenação dos instrumentos processuais capazes de promover a efetiva tutela de direitos.
04 - Direito à remoção de todos os obstáculos que se anteponham ao acesso efetivo à Justiça com tais características.
Barreiras
Por outro lado, as barreiras que impedem ou atrapalham a garantia plena do acesso a justiça são de várias ordens. O primeiro deles é a questão econômica, nela incluindo os custos e o tempo gasto durante o procedimento. Os honorários contratuais do advogado e as taxas jurídicas também podem impedir os mais necessitados de ver a sua questão apreciada pelo magistrado.
A demora na prestação jurisdicional também onera economicamente o processo, seja por pressionar as partes hipossuficientes a abandonar suas pretensões ou por forçá-las a acabar aceitando acordo em patamar muito inferior ao dano experimentado. A excessiva delonga das demandas também perpetua os conflitos sociais em vez de contribuir para sua pacificação.
Outra barreira ao acesso à Justiça é a questão geográfica. Configura-se pela dificuldade de um indivíduo, sozinho, postular direitos da coletividade e pela dispersão das pessoas afetadas, impedindo a formulação de estratégia jurídica comum.
Um terceiro óbice a ser enfrentado é o de ordem burocrática. Trata-se da dificuldade de o indivíduo, muitas vezes, tendo um único processo em toda vida, estar em juízo contra litigantes habituais. Dentro desse óbice, encontram-se também as barreiras institucionais, representadas pela percepção da autoridade judiciária como única capaz de resolver as controvérsias e pelo desconhecimento quanto aos ritos processuais.
Nessa configuração, ainda, esses embaraços acabam por atingir, de forma extremamente mais gravosa, os litigantes individuais, em especial os mais pobres, e as causas de conteúdo econômico menor.
Princípios para garantir o acesso 
Tentando contribuir para melhorar a qualidade da garantia constitucional do acesso à justiça, os autores vêm afirmando que o desenvolvimento desejado passa, necessariamente, por quatro grandes princípios. Passemos, então, a uma breve análise desses princípios.
Acessibilidade - O primeiro deles é a acessibilidade. Esse princípio visa assegurar que os sujeitos de direito, com capacidade de estar em juízo, tenham meios para arcar com os custos financeiros do processo, bem como procedam ao correto manejo dos instrumentos legais judiciais ou extrajudiciais, para efetivar direitos individuais e coletivos.
 
Esse princípio se expressa em três elementos, quais sejam:
· O direito à informação – para o cidadão ter consciência de seus direitos e da forma de exercê-los;
· A adequação do legitimado escolhido – para propor as demandas cabíveis, além de seu desempenho satisfatório em juízo;
· A estipulação dos custos financeiros do processo – em patamar que não dificulte ou iniba o acesso à Justiça.
 
O direito à informação deve garantir que os cidadãos conheçam os direitos que detêm e como podem fazer valê-los em caso de violação. Isso porque a ignorância jurídica gera as “não partes”, completamente marginalizadas no que tange ao acesso à Justiça.
O desempenho também se insere na acessibilidade. Esse preceito consiste no poder-dever das autoridades envolvidas no processo, magistrados e promotores, em assegurar a isonomia substancial entre as partes.
Operosidade - O próximo princípio é o da operosidade, que se consubstancia no dever de atuar do modo mais eficiente possível para assegurar o acesso à Justiça pelas pessoas que participam da atividade judicial ou extrajudicial.
 
Há duas vertentes de aplicação: Objetiva e subjetiva. No plano subjetivo, é concretizada por meio de uma atuação ética de todos os sujeitos envolvidos no processo, que devem atuar colaborativamente entre si para a democratização do processo, além de se abster de praticar atos processuais procrastinatórios.
Por sua vez, no campo objetivo, significa a necessidade de utilização dos instrumentos mais eficazes pelas partes, pautando eticamente a escolha de meios, voltando-se a otimizar a produtividade. Em última análise, o que se pretende é a conjugação ideal do binômio celeridade-eficiência, auxiliando-se a constante busca pela verdade real e pela conciliação.
O magistrado deve superar a ideia de que o cidadão é um mero destinatário da tutela, dando atenção à sua condição concreta como ser humano, com todos os elementos que o cercam.
Importante também, ainda no ponto da operosidade, destacarmos os mecanismos adequados de soluções de controvérsia. É o investimento nos ditos equivalentes jurisdicionais, em especial a conciliação e a mediação, permitindo-se que se solucionem os litígios mais rapidamente e, acima de tudo, alcançando o escopo de promover a participação social.
Utilidade - O terceiro princípio é o da utilidade. Por ele, deve-se assegurar que o processo garanta ao vencedor tudo aquilo que lhe é de direito, do modo mais rápido e proveitoso possível e com o menor sacrifício para a parte vencida.
Para se alcançar a utilidade do processo, devem ser considerados os seguintes fatores:
· A tentativa de harmonizar, no caso concreto, a segurança e a celeridade;
· A importância da tutela antecipada para proteção de direito líquido e certo violado ou ameaçado e, desse modo, não se apresenta razoável aguardar o fim do processo;
· A priorização permanente da execução específica como única forma de promover a plena satisfação
com a prestação jurisdicional;
· A observância da fungibilidade da execução. Isso porque, sendo o processo instrumental em relação ao direito material, ele não pode ser o óbice ao atingimento de resultados práticos consentâneos com a finalidade pretendida, seja por uma rigorosidade excessiva de seus institutos seja por uma congruência absoluta e inflexível entre o pedido, a sentença e a execução;
· O alargamento do alcance subjetivo da coisa, para que ela atinja um maior número de pessoas e, ainda, com maior limite objetivo prático;
· A imposição de limites para a incidência das nulidades processuais, tendo-se em vista o caráter instrumental do processo e a necessária busca por sua efetividade. Não se pode permitir que as matérias processuais, encaradas em rigidez extremada, façam o rito retroceder desnecessariamente, obstando que a atividade jurisdicional alcance seu objetivo maior de justa composição do direito material.
Apenas a correta combinação desses aspectos pode efetivar o princípio constitucional de razoável duração do processo, que, aliás, é um dos alicerces do processo justo, como veremos nas próximas aulas.
Essa garantia é agora constante também dos arts. 4º, 6º, 113, § 1º, 139, II, e 685, parágrafo único do CPC.
Proporcionalidade - Esse princípio impõe que o julgador escolha, diante de todas as soluções possíveis, a que mais esteja de acordo com os princípios informadores do direito e com os fins que determinado conjunto de regras visa alcançar, privilegiando, no caso concreto, o interesse que se mostre mais valioso.
Alguns, indo um pouco além, advogam, inclusive, que os provimentos judiciais tenham como referência o consequencialíssimo. A tese seria de que se priorizassem as consequências e os resultados práticos dos comandos judiciais. Nesse sentido, a produção concreta de efeitos no particular e no sistema geral deveria ser levada em conta pelos magistrados.
Deve-se, ainda, compreender que o movimento em prol do efetivo acesso à ordem jurídica justa visa garantir nada menos do que um direito verdadeiramente fundamental de todos os jurisdicionados, e se compatibiliza com os demais princípios constitucionais que serão examinados nas próximas aulas.

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