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-��������=�=���=�==-·--- -9-=== -- --- J Cultura, Saúde e Doença Segunda edição \ 1 • - e J. e e. , ......, .( ,. CECIL G. HELMAN MB, ChB, Dip. Soe. Anthrop., MRCGP Lecturer, Department of Primary Health Care, University College and Middlesex Medical School; Research Fellow, Department of Anthropology, University College, London UFMG - Biblioteca Universitária 1 111111 11111 11111 11111 11111 11111 IIIII IIIII IIIII IIIII IIII IIII 0001299510 Não danifique esta etiqueta · Cultura,. Saúde e Doença Segunda edição Tradução: Eliane Mussr Consultoria, Coordenação e Supervisão de Tradução: Ceres Víctora Mestre em Antropologia Social pela UFRGS. Doutoranda em Antropologia Médica pela Brunel University, Londres. :3nO �,�,.. LIVRARIA ,L., �,INTERMINA.S LTOA. ARE• Of .. �, FONES: Jg1-0584 PORTO ALEGRE / 1994 Av F . 4-9049 €em frMt:roFf.A,rredo Bato AX. 217-7199 8 DCl,/d.Jdo de na, l8J .81-j . Medicina ·UFMQ/ Obra originalmente publicada sob o título Culture, Health and lllness por Butterworth & Co. (publishers) Ltd, 1990. Capa: Joaquim da Fonseca Supervisão editorial: Letícia Bispo de Lima Composição e arte-final: PENA - Composição e Arte Ltda. Fone: 223-3044 ·;:.• I 'Oj T ;·y,·�;:·c·•/\ ! ll'd .,. \ .l!-i--,;•, ·1· ....... , , ... ·r , • ... , !:..,f ..... ... '····· l 'r--\ .. ,tM•i L.is-,1 .r. -._.: t:::.r·t .. ::J �� 1 f· .. ?1··� J. r� ..... l..� .. / CiJ ..... l ..93. H4 78c Helman, Ceei! G. Cultura, saúde e doença - Ceei! G. Helman; trad. Eliane Mussmich. 2 ed. - Porto Alegre : Artes Médicas, 1994. 1. Medicina - Antropologia. I. Título CDU 611./619:572.5 Catalogação na publicação: Mônica Ballejo Canto CRB 10/1023 Reservados todos os direitos de publicação em língua portuguesa à EDITORA ARTES MÉDICAS SUL LTDA. Av. Jerônimo de Omellas, 670 - Fones: 330-3444 e 331-8244 Fax (055) 330-2378 - 90040-340 Porto Alegre, RS, Brasil LOJA CENTRO Rua General Vitorino, 277 - Fone 225-8143 90020-171 Porto Alegre, RS, Brasil IMPRESSO NO BRASIL PRINTED IN BRAZIL 1. ' CAPÍTUL06 GÊNERO E REPRODUÇÃO Todas as sociedades humanas dividem suas populações em duas categorias sociais: "masculina" e "feminina". Cada uma delas baseia-se numa série de pressupostos - retirados da cultura em que ocorrem - sobre os diferentes atributos, crenças e comportamentos característicos dos indivíduos incluídos dentro daquela categoria. Embora universal, a divisão binária da humanidade em dois gêneros revela-se, se examinada atentamente, um fenômeno mais complexo, com muitas variações, relatadas segundo a maneira com que o comportamento "masculino" e "feminino" é definido nos diferentes grupos culturais Para ilustrar esta questão, examinarei, neste capítulo, dois tópicos isolados - mas inter-relacionados: a pesquisa antro pológica sobre gênero e sua relação com a assistência à saúde, e a gravidez e o parto em uma perspectiva transcultural. Gênero A controvérsia "nature" versus "nurture" A controvérsia na tu re versus nu rtu re constitui um� das principais discussões do pensamento social, especialmente no deste século/Na Antropologia, a polêmica gira em torno dos cqnceitos de "natureza'� e "cultura". Em suma, a discussão riature/nurture questiona, fundamentalmente, se o comportamento e a mente humanos (incluindo inteligência e personalidade) devem-se à natur_e_QU à nurture, bem como as diferenças percebidas entre os grupos humanos (tais como grupos étnicos e religiosos, classe sociais e gêneros. A nature.ÍQLdefinida_co.rrL.bas.e_na blolo_gia_- çomo algo fixo, universal e imutável; eng_1.1ªnto gue a nurture_seria a Cultura, Saúde e Doença / 137 \ influência do meio ambiente (social e cultural e ortanto mais su·�ita_a mudan�as\ __g mais de endentg_de contextos locais_._ Esta divisão conceituai possuía todos ostipos de implicações políticas e sociais. Seguir exclusivamente a linha nature, por \ exemplo, poderia significar que determinado grupo de pessoas (ou um gênero) era considerado biologicamente inferior a outro, condição que jamais poderia ser alterada, não importando as modificações ambientais relacionadas à mesma. No ... século passado, esta abordagem era freqüentemente utilizada para justificar a perseguição, colonização e exploração de vários grupos humanos em diversas partes do mundo. Hoje, esta polêmica retrocedeu amplamente, pelo menos nos meios acadêmi cos; a maioria dos antropólogos rejeita tanto o determinismo biológico extremo quanto o determinismo ambiental extremo. Para explicar o comportamento humano, eles observam a interação complexa entre cultura, ecologia e estrutura social, em um determinado meio ambiente, além da natureza psicobiológica dos seres humanos. (1) Os ecos da polêmica natun/nurture ainda persistem nas discussões contem porâneas sobre gênero. Nelas, gênero é freqüentemente descrito como se fosse o resultado da natureza ou da "cultura" (isto é, da nurture). Os antropólogos feministas (2) ressaltam que, particularmente no pensamento ocidental, as mulhe res e a sexualidade feminina são geralmente vistas como "menos culturais" do que os homens, equiparadas à "natureza" (descontrolada, perigosa, poluidora) e não à "cultura" (controlada, criativa, organizada) do mundo masculino. Os feministas argumentam que a divisão conceituai entre "natureza" e "cultura" (e a resultante oposição entre ambas) é artificial em si mesma, uma dicotomia falsa que representa uma visão especificamente ocidental do comportamento humano, delimitada culturalmente. Além disso, esta linha de pensamento e a dívisão conceituai do mundo em duas categorias plenas de valores não são encontradas em outras partes do mundo. Eles ressaltam também as implicações sociais dessa divisão, uma vez que, no pensamento ocidental, a "cultura" é normalmente considerada superior, "mais humana" do que a "natureza". No seu extremo máximo, especialmente no século /' XIX, este modelo servia como justificativa para a superioridade dos homens, pois, segundo ele, a "natureza" feminina representava algo a ser conquistado, transfor mado, e então tornado produtivo através das influências da "cultura" masculina. Entretanto, ao considerarmos a identidade sexual, é razoável afirmar que tanto as influências biológica.s quanto as ambientais participam da definição de gênero de qualquer indivíduo. çm tqdas as sociedades homens e mulheres ossuem formas co orais e ciclos fisioló icos distintos. As mulheres menstruam, dão à luz e amamentam; os homens, não. Contudo,___Q princip_aUoteresse_ do_antrop_ólog_o moderno está nos _$ignjficados culturais Que são d_a_d_o_s_aQ_s_ev_eoi_Qs_iisLoló.gi_c_o_s,_e_ como estes, Q_or sua ve�, influ�nciam o com ortamento das essoas ou mesmo o sistema social, político e econômico da sociedade. 138 / Ceei! G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Os componentes do gênero O gênero de um indivíduo em particular pode ser melhor compreendido como \... Q resultado da_ç_ombinação compl�xa entre uma série de elementos. Dentre eles, estão: 1. O gênero genético J _ baseado no _ enótipo e nas combinações dos cromossomas de ambos os sexos - X e Y {XX= feminino e XY = masculino). 2. Q__gênero somático, baseado no fenótipo, especialmente na aparência física, e no desenvolvimento de característicassexuais secundárias {genitália externa, seios, voz, distribuição de gordura e pêlos no corpo). 3. _O_gênero psicológico, baseac!o na autopercepção e comportamento próprios da pessoa. 4. Qg?riero �Q_çia 1, baseado em categorias culturais mais amplas de masculino e feminino, que definem como a sociedade percebe o indivíduo, qual deve ser sua aparência, pensamento, sentimento, vestuário, ações e como deve perceber o mundo em que vive. Entretanto, cada um desses níveis possui zonas de anomaliae ambigüidade para a divisão binária bem organizada da humanidade. No nível genético, por exemplo, a divisão da população em XX e XY pode sofrer alterações quando ocorrem certas anormalidades nos cromossomas sexuais, tais como a síndrome de Turner (XO), a síndrome de Klinelfelter (XXY), a polissomia Y (XYY) ou até o hermafroditismo verdadeiro (XX/XY). (3) No nível somático, as anormalidades no desenvolvimento hormonal podem implicar em características sexuais secundárias, que variam segundo o gênero genético. Exemplos disso são o pseudo herma froditismo, no qual o indivíduo possui constituição genética e gônadas de um sexo e genitália externa de outro. (3) Um indivíduo pode também ter genótipo e fenótipo biologicamente masculinos e ser definido como masculino pela socieda de mas, no entanto, comportar-se, vestir-se e perceber a si mesmo como essencialmente feminino - caso de alguns travestis. De tqdos os aspedo_s__d_a ·ctentidade sexual o ênero social é o mais flexível. � o mais influenciado pelos meios s9cial_.e cultural. Os anirop6l.ogos, ao estudar as _duas_cate.g_orias_- mas.c_ulin_a_e femi ina - nas diversas sociedades d_Q_mundo, descobriram um_grande número de variações na extensão e no conteúdo de cada Cl�tegoria. Ou seja, constataram que um comportamento que é considerado tipicamente masculino (ou feminino) em determinado grupo humano pode ser considerado mais feminino (ou masculino) em outro. As culturas de gênero Até uma época relativamente recente, a maior parte da pesquisa de campo desenvolvida por antropólogos do sexo masculino havia abordado muito pouco os "mundos das mulheres" nas sociedades estudadas. (4) Onde os mundos masculino e feminino eram muito separados, os homens realmente não tinham nenhum Cultura, S,aúde e Doença/ 139 Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar acesso aos segredos do mundo feminino, principalmente no que se referia a suas crenças e práticas relacionadas à sexualidade, gravidez, parto e menstruação. Nos últimos anos, contudo, os antropólogos-principalmente do sexo feminino-vêm realizando muitas etnografias, que equilibraram esta desigualdade inicial. Uma das características desta nova corrente de pesquisas é a valorização do papel da nu rtu re, ou as influências sociais e culturais nas definições de gênero nas sociedades humanas. Em todas as sociedades, a divisão d_9_mundo sociª1_em categorias masculina e feminina significa que meninos e meninas são socializados de maneiras muito diferentes. Eles são educados para ter expectativas diferentes com relação à vida, para desenvolver a emoção e o intelecto de formas distintas, além de estarem sujeitos a diferentes normas de vestuário e comportamento na vida diária. Seja qual for a contribuição da Biologia para o comportamento humano, é evidente que a cultura também contribui com um conjunto de diretrizes - explícitas e implícitas - que são adquiridas a partir da primeira infância. Estas diretrizes ditam ao indivíduo sua maneira de perceber, pensar, sentir e agir como membro masculino ou feminino daquela sociedade. É possível descrever estes dois conjuntos de diretrizes COIDO-ª..S ç_µ/turas de_ ggnero de uma determinada sociedade. E_p1 algumas regiões do mundo, especial mente nos Qaíses menos industrializados, as culturas de gênfil"o p_odem diferir tanto uma da 9utra que seria possível afirmar que os homens e as mulher�s d�stas sociedades vivem como "duas naçõe�sob_a mesma bandeira". Como exemplo disso, podemos citar as várias sociedades da Nova Guiné, nas qg_ais os mundos masculino e feminino são tão polarizados, que seus membros vivem verdadeiramente separados, em casas separadas, em zonas diferentes do mesmo vilarejo e, nas palavras de Keesing (5), "têm relações sexuais com pouca freqüência, num clima de tensão e perigo." Em algumas destas sociedades, o homossexualismo é institucionalizado, o que contribui ainda mais para a polariza ção dos dois sexos. Em outro exemplo, Goddard (6) descreve os diferentes mundos masculino e feminino na cidade de Nápoles, Itália, especialmente no que se refere ao comportamento sexual e aos v�lores culturais de "honra" e "vergonha". Lá, os sexos são regidos por princípios muito distintos e um duplo padrão moral. Por exemplo: espera-se que os homens "saudáveis" e "normais" tenham muitos romances e extraconjugais, como prova de "masculinidade"; às mulheres, os dois tipos de experiência são proibidos. Os homens devem defender ativamente sua honra e a de sua família; a honra das mulheres está associada à conservação da pureza e da castidade. A honra dos homens pode ser maculada (e substituída pela vergonha) se a honra das mulheres relacionadas a eles estiver comprometida de alguma forma. Mas, como ocorre em outras culturas, as atitudes masculinas com relação às mulheres são ambivalentes. Nesta comunidade mediterrânea, as mulheres são consideradas perigosamente vulneráveis ou eminentemente disponí veis e seduzíveis. Dunk (7) relatou um quadro semelhante entre aldeões gregos residentes em Montreal. Sem considerar as variações locais, é senso comum na 140 / Ceei/ G. Helman \ Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar l Grécia rural que o papel dos homens é o de proteger_ a honra da família através da imposição de respeito a si próprio ou do senso de honra (philotimo), enquanto que a modéstia ou o pudor sexual (dropi) das mulheres devem ser protegidos através do controle cauteloso, por parte dos homens, de seus comportamentos. Para proteger suas dropi, as mulheres devem exercer um autocontrole considerável na vida pública e privada. A honra familiar e o valor social são particularmente importantes, e estão sob o escrutínio constante das outras famílias. Shepherd (8) descreve uma divisão sexual semelhante entre os swahílis muçulmanos em Mombasa, no Quênia. Lá, os homens julgam as mulheres como ''sexualmente entusiásticas e irresponsáveis, basta dar-lhes oportunidade". Espera-se que elas sejam dependentes dos homens; estes, ao mesmo tempo, temem o poder poluidor do sangue menstrual. Por outro lado, dos homens espera se que sustentem e, assim, controlem as mulheres e os filhos. Este controle é considerado mais eficaz quando exercido sobre a virgindade de suas filhas solteiras, mas menos eficaz com relação à fidelidade das esposas. Para uma jovem desta comunidade, o casamento e sua consumação são "o único caminho para a idade adulta da mulher." Em cada caso citado acima - e em outras partes do mundo - a divisão da sociedade humana em duas culturas de gênero constitui um dos elementos básicos da estrutura social, e uma parte importante do sistema simbólico de qualquer sociedade. Entretanto, parte dessa estrutura binária manifesta a ambivalência com que alguns homens percebem as mulheres de sua comunidade: às vezes, são vistas como mães nurturant ou curandeiras (ver Capítulo 4); outras, como bruxas maléficas (ver Capítulo 5) ou fontes perigosas de poluição menstrual (ver Capítulo 2). Variações entre culturas de gênero Os papéis de gênero, contudo, não são, absolutamente, fixos; podem, freqüentemente, mudar e desenvolver, em especial soo a influência da urbanização g, da industrialização. Ember e Ember (9) afirmam que, quando, nas sociedades industriais, "as máquinas substituem a força humana, e as mulheres entregamseus filhos aos cuidados de outras pessoas, a divisão rigorosa do trabalho segundo os sexos começa a desaparecer." Embora haja determinadas uniformidades entre as culturas nas divisões do ( trabalho por gênero (4, 9), a pesquisa antropológica constatou, também, evidência consideráveis de grandes variações entre as culturas de gênero de diferentes partes do mundo. Isto é, o que pode ser considerado típico do comportamento de um _gênero em uma sociedade particular, pode não ser em outra. Por exemplo, em algumas sociedades as mulheres têm apenas uma função doméstica; são restritas ao lar e nunca permitidas de trabalhar fora dele (como o sistema purdah de muitas sociedades islâmicas). (9) Cultura, Saúde e Doença/ 141 Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Em outras, as mulheres desempenham um papel importante no sistema econômico. Em algumas sociedades industrializadas, elas são, principalmente, assalariadas - nos Estados Unidos, por exemplo, mais de 50% das mulheres casadas, hoje, trabalham fora de casa. (9) Em grande parte das sociedades camponesas, as mulheres, além de manter a função doméstica, estão envolvidas também na criação do gado; no plantio, cultivo e colheita de safras; na fabricação de roupas, cerâmicas e diversos artesanatos destinados ao comércio. _Al_guns antro12ólog9�sl}.geriram que a sub<2_rdif!.é!ção feminina (especialmente a sua relegação à esfera "doméstica" e não "pública" da vida) é um fenômeno universal, çomum a todas as socied2-des_h�manas. (l 0)._Çont!:!do,outros antro]'.)Ó logos argumentam contra este pressuposto e ressaltam_gue a situação é muito mais complexa e que cada caso deve ser avaliado distintamente. Em primeiro lugar, ?m todas as sociedades, os homens invejam os poderes biológicos das mulheres de criar e trazer a vida ao mundo, além de sustentá-la com o leite de seu seio (4)-sobretudo porque este poder é reforçado através de ritos e religiões. Em segundo lugar, as mulheres de muitas sociedades tradicionais -_m-inci almente a� mais idosas, casadas e com filhos - exercem grande poder pessoal, simbólico e econômico __ além de terem considerável autonomia. Algumas vezes, exercem um contraponto chave nas relações de poder naquela sociedade. Segundo ressalta Keesing ( 4) "os_ poderes exercidos pelas mulheres por trás dos pano_S__ Q__odem., de certa forma ser _ mais genuínos do gue Q.S poderes exercidos 12elos homens no centro do palco"; estes .1_alveL signifiquem meras "posturas e pompas inúteis". Mais adiante, neste capítulo, descrevo algumas relações entre as várias culturas de gênero e a saúde. Excluídas as diferenças fisiológicas entre os sexos, é possível observar como cada cultura de gênero pode ser tanto protetora da saúde quanto patogênica, dependendo do contexto. Ou seja, as crenças e os comportamentos característicos de determinada cultura de gênero pode contribuir para a causa, apresentação e reconhecimento de vários tipos de problemas de saúde. As culturas de gênero e o comportamento sexual Embora as culturas de gênero estabeleçam normas de comportamento sexual para cada categoria, estas variam muito através dos costumes. Por exemplo, estudos etnográficos indicam que há grande variação do nível de atividade heterossexual permitido antes do casamento, fora e até dentro do próprio casamento. Como exemplo, Ember e Ember (9) citam estudos que indicam a ocorrência de sexo extraconjugal em muitas sociedades. Em estimados 69% das sociedades do mundo, é comum os homens praticarem sexo extraconjugal; em cerca de 5 7%, as mulheres geralmente também o fazem. Significativamente, embora 54% das sociedades permitam, declaradamente, o sexo extraconjugal para os homens, apenas 11 o/o declaram permiti-lo para as mulheres. 142 / Cecil G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar a mulher é o PESCOÇO Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Os padrões de comportamento sexual são important�s_na transmissão de diversas patologias. uando a romiscuidade e o sexo extraconjugal são comuns, - há maior - robabiliçlage de disseminação qg_doen_ as sexualmente transmissíveis_ (tais como gonorréia, sífilis e herpes genital), assim como de hepatite B e, possivelmente, de câncer cervical (ver Capítulo 12). O rigor do "duplo padrão" de comportamento sexual extraconjugal, especialmente com o recurso freqüente das prostitutas, pode também contribuir para a persistência e a disseminação dessas doenças. Neste caso, as prostitutas atuam como depositárias da infecção dentro da comunidade. A epidemia recente da Síndrome de Imunodeficiência Adquirida (AIDS) levou as autoridades responsáveis pela educação da saúde a enfatizar cada vez mais a importância da limitação do comportamento sexual promíscuo, tanto entre heterossexuais quanto entre homossexuais. A_participação em determinada cultura de gênero nem sempre coincide com Q com ortam�nto sexual. Por exemplo, há_grandes variações, nas sociedades de todo o mundo, sobre_a tolerância de determinadas formas de comportamento sexual - como a homossexualidade (masculina e feminina) - que transgridem as normas habituajs de uma cultura de gênero. Em algumas sociedades,_o homQssexualis mo é completamente proibido; em outras, é aceito ou limitado a determinadas �pocas do ano ou a determinados indivíduos. Entre o povo Etoro da Nova Guiné, por exemplo, a heterossexualidade é proibida 260 dias por ano, enquanto que a homossexualidade "nunca é proibida, e acredita-se que ajude o crescimento das plantações e o fortalecimento dos meninos". (9) Shepherd (8) encontrou homos sexualidade masculina e feminina entre os swahili de Mombasa, Quênia, onde os limites rígidos entre os gênero eram freqüentemente transgredidos pelas instituição do homossexualismo e travestismo. Tanto a homossexualidade masculina quanto a feminina eram comuns e toleradas tacitamente. Especialmente comum era a homossexualidade em garotos adolescentes, embora a maioria deles tivesse relações heterossexuais mais tarde, e em algum momento casasse. A autora ressalta que este comportamento homossexual não fragiliza as divisões conceituais entre _homens e mulheres, pois, sejam quais forem suas práticas sexua�, o�eu se�o biológico im arta muito mais do que o seu comportamento como determinantes do gênero. Ela compara este fenômeno com o que ocorre, hoje, nos Estado_s Unidos e_rra Grã-Bretanha,_Q_nde o comportamento é mais ·mportante na definiç}Lo dQ. _gfu}�ro de alguém, _g__p compQrtamento masculino que_transgride_os princípios de gênero é, freqüentemente, denominado de "feminino" ou "efeminado". Caplan (11) argumenta que, onde a importância da fertilidade e da concepção é grande, a sexualidade e a fertilidade raramente estão separadas,_ conceitualmenJe, uma da outra. Então, é o sexo biológico dos indivíduos que é mais importante para definir o seu gênero seja qual for o seu comportamento sexual - conf arme foi relatado acima.�Dnde o desejo de ter muitos filhos é menor (como no mundo ocidental urbano moderno) e a contracepção é mais disponí\l.el, o sexo está çad9 cez mais dissociado da fertilidade. As QLáticas__sexuais que não conduzem à gestação (por exem lo o homossexualismo) são_mais tolerados. O " ênero" nestas sociedades modernas é, ortanto definido mais pelo comportamento social e Cultura, Saúde e Doença / 143 Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo DestacarLenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar sexual do que por critérios biológicos. Também foi sugerido (9) que as sociedades mais tolerantes à homossexualkfâcie -são aquelas com problemas d�ressão p_Qpulacional - isto é, número de pessoas excendente aos recursos disponíveis.: Nelas, o aumento da população por sexo heterossexual é, por conseguinte, menos desejado. As culturas de gênero e o tratamento de saúde Conforme descrito anteriormente neste livro, �m quase todas as culturas a_ maior parte da atenção primária à saúde ocorre dentro da famíli9 e, no setor informat os principais responsáveis pela assistência à saúde são, em geral_,_ rriulheres - mãe� e avós. Também na alternativa informal, as mulheres normal mente se organizam em cultos, círculos ou igrejas de cura, que atuam como grupos de auto-ajuda (como o Dertlesmek ou grupos "partilha do sofrimento", descritos entre imigrantes turcos na Bélgica) (12) ou como grupos que combinam auto-ajuda com o tratamento de indivíduos de fora - como os cultos de possessão zar na África, descritos por Lewis (13), ou as igrejas e cultos praticantes de cura ritual na classe média suburbana dos Estados Unidos. (14) Dentro da alternativa popular, as mulher�s sempre desempenham um_papel centrª-1, gue varia qeste_?s "sábias" das aldeias e os diversos tipos de médiuns do sexo feminino e curandeiras �s irituais da Grã-Bretanha, qté as várias curandeiras populares do mundo não-industrializado � as assistentes tradicionais do parto, que ainda fornecem a maioria do atendimento obstétrico daqueles países. Na alternativa profissional da Medicina moderna, contudo, embora a maioria ggs profissionais de assistência de saúde ainda seja do sexo feminino (enfermeiras e parteiras), os empregos de remuneração e prestígio mais elevados estão, geralmente, nas mãos de médicos do sexo masculino. Como foi descrito no Capítulo 4, a profissão médica é, de certa forma, uma expressão da ideologia social e o sistema econômico dominantes, incluindo as divisões em estratos sociais e divisão sexual do trabalho. Portanto, a Medicina, até muito recentemente, era uma profissão predominantemente masculina, eID_grande Qarte dos aíses ocidentais. P,or exemplo, no Reino Unido, em 1901, havia apenas 212 médicas em um total de 36.000 médicos profissionais registrados. (15) A predominância masculina persistiu até os anos 7 O, quando aumentou o número de mulheres admitidas nas escolas de Medicina. Até 1985, cerca de 23% de todos os médicos profissionais britânicos registrados eram mulheres. (16) Dentro do Serviço Nacional de Saúde (SNS), cerca de 75% do pessoal são mulheres, embora elas sejam encontradas, normalmente, em escalões mais baixos - enfermeiras, auxiliares, funcionárias da cozinha e da limpeza. (16) A maior parte dos administradores e dos médicos é do sexo masculino. Por exemplo, os números da Inglaterra em 1981 revelaram que 83% dos profissionais generalistas eram homens e 1 7%, mulheres, enquanto que 144 / Ceei/ G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar ! 89% dos consultores de hospital (especialistas) e 75% dos médicos residentes de hospital eram homens.(17) A profissão de enfermeira A profissão de enfermeira (incluindo as parteiras) constitui o maior grupo de profissionais da saúde dentro do SNS britânico, perfazendo 43% do total do pessoal. (17) A maioria das enfermeiras trabalha no setor hospitalar, _onde são reproduzidas as divisões de gênero básicas da cultura maior - como ocorre em grande parte das outras instituições da sociedade ocidental. Gamarnikow (18) argumenta que as relações entre médicos e enfermeiras ainda refletem as divisões de gênero da família vitoriana na época em que Florence Nightingale desenvolveu seu modelo de enfermagem. Isto significa que, na estrutura hospitalar, a equação ainda é médico=pai, enfermeira=mãe e paciente=filho. Em termos de relações de poder na provisão de assistência à sat1de,_ç1 esfera de ação_da enfermeira está se12arada, mais ainda subordinada à esfera de ação do médico. Esta visão é sustentada pela imagem familiar ainda utilizada na estrutura hospitalar no Reino Unido, onde as diversas categorias da profissão de enfermeira são denominadas de "enfermeiras", ou "irmãs", ou "matronas".* Ainda, a função de enfermeira - como a da mãe de um bebê - ainda envolve o contato íntimo com o corpo do paciente (particularmente com a parte externa}, e com suas secreções e excrementos. Os médicos, por seu lado, dispendem relativamente pouco tempo na companhia do paciente,_ além de não terem p_Iaticamente contato nenhum com suas excreções orgânicas. Ademais, seu conhecimento restringe-se principalmente aos segredos e funcionamentos biológicos interiores do corpo dos pacientes. Apesar das mudanças sociais deste século, a divisão QQ_trabalho por gêneros ainda persiste na profissão médica. Ainda assim, dois tipos "anômalos" de profissionais de saúde estão se tornando cada vez mais comuns: as funções ambíguas de "enfermeiro" (do sexo masculino) e da "médica" (do sexo feminino). Stacey (15) descreve como a profissão de enfermeiro se desenvolveu a partir de ordens religiosas no Reino Unido, e que, quando os hospitais foram instalados -nos séculos XVIII e XIX-, as enfermeiras eram admitidas, em grande parte, para o trabalho doméstico e para cuidar os doentes. A partir do século XIX, a enfermagem evolui como profissão, com direitos próprios, embora ainda subordinada à profissão médica. A Escola de Enfermagem foi fundada em 1916; o Registro da profissão de enfermeiro foi instaurado em 1918, e o Ato das Enfermeiras, em 1943, estabeleceu um regulamento além do Registro. Deste então, o treinamento profissional de enfermeiros vem se especializando cada vez mais; tanto na Europa • O termo significa "inspetora" ou "supervisora''. A tradução literal é "matrona", mais adequada ao contexto, pela intenção do autor. (N.T.) Cultura, Saúde e Doença/ 145 _ .. quanto nos Estados Unldos, muitos enfermeiros, hoje, são pós-graduados em várias áreas de especialização e subespecialização. Atualmente, a enfermagem está definida como profissão independente na área da saúde, com seus direitos próprios. Relato de caso: A publicidade em revistas de Medicina e Enfermagem nos Estados Unidos Krantzler (19) analisou a publicidade em revistas de Medicina e enfermagem dos Estados Unidos. Observou que, nos últimos anos, a publicidade foi reduzindo gradualmente o uso de símbolos médicos tradicionais (tais como o jaleco branco e o estetoscópio). Ao contrário, a ostentação simbólica da ciência em ação é hoje mais freqüente nas revistas de enfermagem. Hoje, os símbolos antes associados exclusivamente aos médicos, são utilizados com maior freqüência pelos enfermeiros. Embora os últimos ainda estejam geralmente associados aos principais símbolos mais antigos da enfermagem - o uniforme e quepe brancos - a publicidade atual sugere que os símbolos e comportamentos dos enfermeiros surgiram para imitar aqueles dos médicos. Krantzler observa que isto pode "refletir o desejo não só de respeitabilidade mas também de status profissional". Na publicidade da enfermagem, os médicos aparecem, geralmente, em posições periféricas; os "enfermeiros aparecem sozinhos, com outros enfermeiros ou com pacientes. "A autora observa que, nos Estados Unidos, "o relacionamento direto com o paciente, complementado por uma terceira pessoa, é um símbolo importante de profissionalização." Littlewood (20) sugere que, embora a formação de enfermeiros ainda aconteça _dentro "da estru.tura_de tra_balho biomédica, os enfermeiros estão melhor situadosdo que os médicos para compreender - e lidar com - a problemática das �'doenças" (illnesses) e das enfermidades (disease) (ver Capítulo 5). Ela ressalta o papel crucial do enfermeiro na avallação e no manejo das doenças crônicas, deficiências, gravidez, e problemas de saúde dos idosos. Em cada caso desses, o "atendimento rápido" próprio do modelo médico é inapropriado ou de pouco valor. No caso de deficientes, ou dos doentes crônicos - que, nesta sociedade, são marginalizados, "com identidades sociais desacreditadas" - o enfermeiro pode produzir um impacto maior sobre a quaÍidade de suas vidas, e na compreensão dos significados dados por eles à vida e aos seus sofrimentos. A autora, portanto, vê o enfermeiro como o profissional de saúde -�elhQLSituado para a "negociação dos qbjetivos do médico ... com os objetivos do paciente." 146 / Cecil G. Helman A medicallzação Nos últimos anos, o conceito de medica/ização tem sido proposto tanto por críticos da Medicina moderna, como Illich qÚanto por sociólogos médicos. Gabe e Calnan (22) definem a medicaUzaç_ã<Lcoma "a maneira_pela.quaLa jui:isdição-da 1 Medicina moderna vem se expandindo nos últimos anos e abrange, hoje, muitos problemas que, inicialmente, não eram definidos como entidades médicas. "Dentre eles estão diversos fenômenos, como as várias etapas normais do ciclo vital feminino (menstruação, gravidez, parto e menopausa), bem como a velhice, infelicidade, solidão, isolamento social, além das conseqüências de problemas sociais maiores - pobreza ou desemprego. Existem muitas explicações_para a medicaUzação. Muitos sociólogos médicos argumentam que a Medicina moderna atua cada vez mais como um agente do contrgle social (especialmente sobre as vidas das mulheres) (24) - o_çiue torna as pessoas dependentes da profissão médica e do vínculo com a indústria farmacêutica e outras. (21) Além disso, também tem sido visto como uma forma de controle do çomp_ortamento social desviante, denominado de "loucos" ou "doentes" - e não de "maus" ou "perversos" - aqueles indivíduos que não se adaptam às normas sociais. Talvez o mais importante_s_eja que_o dedínio_da_visão-de-mundo_religiosa� e a substituição gradual da "saúde:__ como_modelo de moralidade do_universo determinaram a difusão das ex lica ões médicas ara certos as ectos da vida - e infortúnios - com -os quais a Medicina não havia se preparado para Tidãr. tf oje, a idéia de que "um estilo de vida pouco saudável"' por exemplo, pode causar problemas de saúde substitui Qs _antigos_ conceitos religiosos de que "um comportamento pecaminoso" levava ao castigo divino. q;.!e processo foi, Rrovavelmente Javoreciclo pelas con uistas indubitáveis da tecnologia e da ciência (inclusive da ciência médica) com rel�ão à melhoria da expectativa e da qualidade de vida de várias maneiras. A medicalização ocorre com maior freqüência no caso em que o corpo é entendido como uma máquina, e no caso em que ele é considerado à parte de seu contexto social e cultural (ver Capítulo 2). Finalmente, outra razão' ossível ara o aumento da medicaliza ão, e que já foi sugerida anteriormente na discussão da controvérsia nature/nurture é a de que, se alguns h..9mens ainda vêem as mulheres e sua fisiologia feminina como representantes da "_Datureza" (nature) a qual é sem controle, imprevisível e perigosamente poluidora - - então os rituais médicos e a tecnologia médica representam uma forma__de "domesticar" o incontrolável (principalmente na era do feminismo) e de torná-lo _mais "cultural" no processo. Na discussão de casos descritos por alguns sociólogos e antropólogos como exemplos de medicalização, esta seção dispensa atenção especial para: -» 1. Os aspectos estressantes da vida da mulher, e a relação destes com a - �prescrição de drogas psicotrópicas. � 2. Os aspectos da fisiologia e do ciclo vital femininos, como a menstruação e a menopausa e, mais adiante,_neste capítulo, o parto. Cultura, Saúde e Doença/ 147 A mulher e a prescrição de drogas psicotrópicas O uso muito difundido de drogas psicotrópicas no mundo industrializado como solução para problemas pessoais e sociais será debatido no Capítulo 8. Contudo, todos os estudo� realizados em diversos países ocidentais indicaram que a prescrição de psicotrópicos ocorre numa freqüência aproximadamente duas vezes maior para as mulheres do que para os homens. (24) As razões pelas quais os _ médicos prescrevem estas drogas mais para as mulheres do que para os homens são complexas; dentre elas, está a influência da propaganda da indústria farmacêutica, .Q!!_e promove as drogas como soluções para os estresses e conflitos próprios do papel da mulher. Em contraste, o álcool, não as drogas psicotrópicas parece ser o principal "consolo químico" usado pelos homens em diversas sociedades. Relato de caso: A publicidade das drogas psicotrópicas no Reino Unido Stimson (25) estudou a publicidade das drogas psicotrópicas nas revistas médicas inglesas. Constatou que as imagens utilizadas eram predominantemente de mulheres, superando os homens numa proporção de 15 para 1. Nos anúncios publicitários, o lugar da mulher na sociedade aparecia como aquele gerador de estresse, ansiedade e problemas emocionais. Era comum a imagem da "mulher entediada", cansada e lacrimosa numa cozinha em desordem, rodeada de crianças chorosas. De acordo com Stimson, este tipo de publicidade revela que os problemas . e conflitos próprios do papel da mulher são cada vez mais definidos em termos exclusivamente médicos. A mensagem embutida é de que "certos acontecimentos da vida colocam as pessoas em uma situação, em que a prescrição de uma droga pode ser apropriada. "Além disso, as descrições da droga sempre incluem a adaptação de um indivíduo a determinada situação com o auxílio médico, e não através da mudança da situação propriamente dita." Esta medicalização do estresse das ansiedades da vida da mulher faz parte de um processo maior de medicalização de problemas sociais e pessoais, ,tais como luto, solidão, divórcio, transtornos políticos, pobreza e desemprego. E também parte da tendência crescente da "abordagem química", e da busca da eliminação do estresse da dor como um moderno estilo de vida. Ao analisarmos o conceito de medicalização proposto por muitos críticos da Medicina moderna, devemos sempre lembrar que muitas mulheres não vêem este processo como algo necessariamente ruim. (22) Ao contrário, receberam muito bem o desenvolvimento do tratamento médico para a síndrome pré-menstrual, a dismenorréia, os sintomas da menopausa, bem como para algumas dores e dificuldades do parto. 148 / Ceei/ G. Helman 1 l· ! t Menstruação A menstruação é um processo normal da fisiologia feminina, da menarca até a menopausa. Contudo, é muitas vezes um processo cercado de vários tabus e condutas especiais, criados, simbolicamente, para proteger a mulher menstruada durante este período vulnerável, e, também, o homem, do perigoso poder poluidor do sangue menstrual. Nos países ocidentais industrializados - especialmente nas zonas urbanas - as mulheres experimentam a menstruação de maneira muito diferente das mulheres de vários países em desenvolvimento. Nestes últimos, e principalmente nas zonas rurais, o período menstrual é relativamente incomum, por uma série de razões - como ocorria, no século passado, no mundo ocidental. Este fato se deve a uma série de mudanças importantes ocorridas na vida da mulher nos países industrializados ao longo do século, dentre elas: queda na taxa de natalidade, redução do número médio de gestações por mulher, diminuição da idade da menarca, declínio na mortalidade infantil e materna, elevação da expectativa de vida e, conseqüentemente, aumento na proporção de mulheres que atingem a idade da menopausa. (26) Nos anos 1890, a média das operárias britânicas dispendia 15 anos em gravidez e cuidados de bebês de até 1 ano de idade, enquanto que o tempo atual correspondente é de 4 anos (26),havendo, portanto, a possibilidade de todos estes anos a mais de menstruação. No mundo em desenvolvimento, dois fatores adicionais podem contribuir para a amenorréia ou para menstruações irregulares: em primeiro lugar, a amamentação prolongada do bebê - que é comum em muitos destes países, e que pode causar a amenorréia - e, em segundo lugar, a alimentação inadequada, que pode produzir o mesmo efeito. Nos últimos anos,--1Lm_aspecto da menstrua ão - a síndrome pré-menstrual (SPM) - tem sido interpretado como \IID. problema _patológico de deficiêIIcia hormonal, e não como um fenômeno fisiológico. Dalton (27), por exemplo, descreve ª sínçrrome pré-menstrual c0mo "o distúrbio endócrinQ mais c_om_µm" causado pela deficiência de progesterona. É o contrário da menopausa, que também é definida por alguns médicos como uma doença de deficiência JTias, neste_ caso, de estrógeno (ver a seguir). Gottlieb (28) descreve a natureza simbólica da SPM na cultura americana contemporânea. A autora vê os humo__res_[lega.íivos característicos da síndrome (tais como irritabilidade e hostilidade) como-o oposto daquilo que é normalmente esperado clas_JJ1 ulhe.res nos Estados Unidos - uma forma de inversão simbólica do comportamento idealizado que elas devem a_presentar no restante do mês , ou seja, um comportamento sempre "agradável", :calmo", gentil, generoso e solidário com relação a terceiros.-É_permitido - e até estimulado - que as mulheres oscilem entre esse..s doLs_extremos dB personalidade durante determinadas épocas do mês. Segundo Gottlieb, muitas mulheres americanas internalizaram este modelo divido de com ortamento feminino. No entanto, o "ritual mensal de inversão" de valores produz um efeito predominantemente Cultura, Saúde e Doença / 149 conservador, fazendo com que a experiência da mulher deponha contra ela mesma, pois ela, de fato, opta, embora inconscientemente, por manifestar suas queixas num momento em que sabe que as mesmas serão rejeitadas, como ilegítimas Menopausa Assim como os períodos menstruais regulares e freqüentes, a menopausa é mais um aspecto da vida moderna das sociedades industrializadas mais contemporâneas, onde a expectativa de vida das mulheres é mais alta, e a maioria delas atinge a idade da menopausa. Lock observou mudanças significativas na forma como a menopausa é definida, ao longo deste século, e pela Medicina ocidental. No século, XIX, por exel})Q}o _a menopausa era considerada causadora de doenças, mas, a partir da metade .90 século XX passou a ser definida, ela própria, como uma "doença". Assim, um aspecto normal do ciclo vital feminino torna-se cada vez mais medicalizado; há, contudo, diferenças importantes entre os modelos leigos e médicos da menopausa. Kaufert e Gilbert (30) observam que q definição biomédica de menopausa fQ_mo, principalmente, um distúrbio endócrino (deficiência de estrógeno) freqüentemente implica no fato de que os sintomas relacionados à menopausa serão exclusivamente aqueles que possam ser atribuídos à deficiência de estrógeno (sepsa_çQeS de caio� SLiores noturnos, osteoporose e vaginite atrO ica . sto é, aqueles sintomas que não são facilmente tratados pela terapia de reposição hormonal (TRH) - principalmente os psicológicos e os sociais - serão ignorados. Outro problema da interpretação da menopausa como, basicamente, uma condição médica, reside no fato de ue sua definição como doença de deficiência hormonal implica que a mesma seja diagnosticada exclusivamente por um médico ou atravé_s_--.__ de exames laboratoriais; o tratamento só pode ser prescrito pelo meâfcÓ e, portanto, a menopausa passa a ser "uma condição permanente, que deve ser manejada" pelo sistema médico. No entanto, segundo ressalta Lock (29), o modelo médico propriamente dito não é uniforme. Há grande polêmica na literatura sobre a definição de sintomas e de tratamento adequado para a menopausa, assim como sobre a relação da deficiência de estrógeno com os sintomas e as alterações patológicas (osteoporose, por exemplo). Há também divergências sobre outros sintomas mais vagos - irritabilidade, depressão, cansaço, dores de cabeça, tontura e a perda do libido - e a relação destes com a deficiência hormonal. Evidentemente, existe uma mudança fisiológica - o fim da menstruação e da fertilidade - ocorrendo neste período. Esta mudança também coincide com uma série de acontecimentos socioculturais na vida da ulber,. freqüentemente associados a outras transi ões sociais - aposentadoria, saída dos filhos de_fasª-(a "síndrome do ninho vazio") ou Pr9blemas de saúde - possiv�lme_nte responsáveis por alguns dos sintomas -ªssociados à 1!1enopausa 2 daí �denominação de "mudança de vida". 150 / Ceei! G. Helman Em seu estudo realizado em Montreal, no Canadá, Lock (29) constatou que o manejo médico dos sintomas da menopausa varia muito. Enquanto alguns médicos sempre prescrevem a terapia de reposição hormonal, outros raramente o fazem. Em alguns casos, a decisão de prescrever TRH pode ser determinada pelo contexto no qual a consulta ocorre, bem como pela personalidade, qualificação, idade, sexo e experiência profissional do clínico, além dos atributos culturais e sociais da própria paciente. Outras observações semelhantes - também no Canadá - são descritas no relato de caso a seguir. Relato de caso: A medicalização da menopausa em Manitoba, Canadá Kaufert e Gilbert (30) estudaram 2500 mulheres em Manitoba, Canadá, entre 40 e 59 anos de idade. 37%delas eram pré-menopáusicas; 14%, perimenopáusicas e 30% eram pós-menopáusicas. 19% haviam se submetido a histerectomia. Os autores constataram que, nesta amostra, a menopausa era muito menos medicalizada do que eles haviam antecipado. No geral, apenas menos da metade das mulheres afirmou "nunca ter discutido seu estado de menopausa com um médico". Os autores concluíram que, neste grupo, "a experiência da menopausa não era um processo predominantemente medicalizado, e sim um período no qual algumas mulheres não sentiam a necessidade de envolver os médicos. Este fenômeno é bem diferente no que se refere ao nascimento de filhos, que é altamente medicalizado no Canadá: é um processo publicamente visível, oferecendo poucas possibilidade de ocultação - ao contrário da menopausa. No Canadá, a "cultura da gravidez" geralmente envolve a visita ao médico e, a exemplo dos Estados Unidos, aproximadamente todos os nascimentos implicam em alguma espécie de intervenção médica. Contudo, a sociedade norte-americana dá, relativamente, menos importância à menopausa do que aos nascimentos de filhos, o que explica que a primeira não seja totalmente medicalizada. Tanto no caso da síndrome pré-menstrual quanto no caso da meno ausa � pessível afirmar que a medicina redefiniu estes dois acontecimentos fisiológicos naturais como "deficiências endócrinas" ou enfermidades ( d iseases). A medicalização, neste caso, significa que algumas mulheres passaram a ser mais dependentes da profissão médica e seus tratamentos do que suas mães o foram. No entanto, como foi mencionado anteriorment� muitas mulheres receberam bem o desenvolvimento d_9s tratamentos médicos para o alívio dos sintomas desagradáveis da menstruação e da menopausa. Cultura, Saúde e Doença / 151 As culturas de gênero e a saúde Os papéis de gênero determinados pela cultura de gênero podem atuar tanto como protetores da saúde quanto como patogênicos, dependendo do contexto - como ocorre com outras crenças e comportamentos culturais. Nesta seção, descreverei brevemente como ser alocado, ao nascer, à cate o ria social "masculina" QU "feminina" podg_, sob determinadas circunstâncias, prodl!Zir um efeito negativo sobre a saúde do indivíduo. Quanto as crenças, expectafvas e comportamentos inerentes a_determinada cultura de gênero são considerados_ç_omo concorrentes para algumas condições, denominadas doenças de gênero $Ocial. Doenças do gênero Há diversos aspectos da cultura do gênero masculino que podem ser consideradosconcorrentes para os problemas de saúde dos homens ou para o aumento dos riscos d_g_ evolu_ção de tais problemas. Por exemplo, em comparação com as mulheres, os h9mens são estimulados a ingerir mais bebidas alcoólicas, fumar mais cigarros, competir mais e correr mais riscos na vida diária. Em quase todas as culturas, as guerras e as caçadas são atividades exclusivamente masculinas; a §aúde dos homens - em particular dos mais jovens - é amiúde posta em risco através da prática de es ortes erigosos e competitivos, mutilações corporais, rituais de iniciação e provações públicas de virilidade e machismo, características de muitas cu turas. Diante do sofrimento e da dor, espera-se que os home� normalmente manifestem_uma "linguagem do sofrim _ _.smto'� sem_e�_Q_Ções ou queixas, sejam estóicos e não se queixem, e ue ort�m um limite mais tQle_rnnte até procurarem uma consulta com um médico ou outro profissional dª saúde es �__c_ialmente se estes também são homens). Em muitos casos, o estoicismo uode ser contra reducente à saúde ois ode levar al uns homens a i norar os sintomas iniciais de uma doença grave, ou levar o próprjo médico a subestim9r a gravidade da mesma. Outro exemplo da relação entre as culturas de gênero do sexo masculino e os problemas de saúde é o padrão de comportamento tipo A, descrito _mais detalhadamente no Capítulo 11. E um tipo de com ortamento competitivo, ambicioso e obcecado elo tempo, Q_que, segundo pesquisas, aumenta o risco de doenças coronarianas em_ determinadosj_ndivíduos. Waldron (31) explica que o fato de Q_Índice de mortalidade por doença coronariana ser duas vezes mais aLlo_e.mlLom.ens_do_que em_rnulb.eres nos Estados Unidos se dBve,_em parte, a fatores culturai$ - principalmente às diferentes práticas americanas de educação infantil. _t. competitividade, ª ambição e outros aspectos do _adrão de comportamento _tj o A são estimulados e gratificados com mais assiduidade_nos homens do que nas mulheres. Espera-se c!o homem gue ele sej_ç1_bem-sucedido_prqf_iss.Lon_almente, enqu.ant_o_que, da mulher, 152 / Ceei! G. Helman espera-se que ela tenha sucesso na esfera doméstica. Cada esfera requer diferentes aaaptações de comportamento, para que haja êxito. Mais tarde, na vida, este tipo de socialização pode proteger as mulheres, mas não os homens, dos riscos de desenvolvimento da doença coronariana. Doenças do gênero social feminino Algumas já foram discutidas no Capítulo 2, 110 contexto das várias alterações da imagem do corpo g__ue ocorrem es ecialmente e tre as__rmtl_b_eJes_d_e_í_Qd_o o mundo. No Ocidente, são elas: a mamoplastia, a rinoplastia e outros tipos de cirurgia plástica. Estão associados às mesmas os riscos inerentes à cirurgia e à anestesia, assim como a possibilidade de infecção pós-operatória. Outras alterações mais exóticas na superfície e na aparência do corpo humano-tais como o costume de amarrar os pés, escarificações, tatuagens e perfuração dos lábios -implicam em riscos evidentes à saúde. Modismos mais recentes de vestuário e adornos para o corpo podem, também, causar danos -por exemplo, o uso de sapatos de salto alto e de plataforma, que pode causar problemas ortopédicos; o uso de cosméticos, sais de banho, desodorantes e tinturas para o cabelo, causadores de dermatites de contato e urticária. Além disso, o desejo de alterar radicalmente as formas do corpo, de forma a que ele se adapte à imagem cultural de beleza feminina do momento, pode resultar em determinados hábitos alimentares (ou manias de dieta) nocivos à nutrição e à saúde. Em alguns indivíduos, a ênfase cultural sobre a magreza feminina pode até contribuir o desenvolvimento de uma anorexia nervosa. Além disso, pode levar à depressão e à depreciação da auto-imagem em mulheres obesas ou em mulheres cujas formas corporais não se enquadram nas imagens culturais de beleza . .Ao contrád_o dos homens, as mulheres são educadas socialmente para apresentar um limite baixo de tolerância ue leva a uma consulta médica, e expressar uma "linguagem do sofrimento" mais emocional - como l por exemplo, _as..Y..áriasíormas de "doenças dos nervos", descritas por antropólogos em arferentes partes do mundo. (32) çste comportamento pode conduzir os médicos homens a Q!ªgnósticos errados de '�histeria " ou "hi ocondria" 33c, como também à medicalização de eventos de suas vidas e das mudanças fisiológicas, e ao uso d�necessári9 de terapia à base de dro a (es ecialmente com drogas p_sicotrópicasL_ Por outro lado as visitas re ulares ao médico adem auxiliar o reconhecimentq _precoce de determinadas dQen � Finalmente, em sociedades industriais modernas, a maior parte das mulheres é, cada vez mais, objeto das influências contraditórias da sua cultura de gênero. Enfatiza-se o papel doméstico -elas devem ficar em casa com a família; ao mesmo t�mRO a sociedade lhes cobra uma atividade rofissional ue contribua com a economia como um todo. _Estes conflitos de papéis aumentaram consideravelmente os estre�es�yida damulher_m-0derna.... Cultura, Saúde e Doença / 153 Reprodução e parto Os antropólogos relatam diferenças evidentes nas percepções sobre concepção, gravidez e parto entre grupos culturais distintos. Hahn e Muecke (34) chamam este sistema de crenças herdadas de cultura do nascimento. Segundo eles, esta "cultura" "informa os membros da sociedade sobre a natureza da conc�pção, as condições apropriadas para a procriação e a gestação, o funcionamento da gravidez e parto, e as regras e fundamentos lógicos do comportamento pré e pós natal." Os antropólogos descreveram muitas destas culturas do nascimento, encontradas nos mundos industrializado e não-industrializado. Na moderna classe média européia e americana, por exemplo, a gravidez e o parto - assim como a menopausa e a menstruação - são vistas, cada vez mais como condi ões médicas e ortanto indicadas a@ Q!é!gnóstico e tratªmento médico. A cultura do nascimento ocidental Em todas as culturas. as mulheres são assistidas_,_durant��trabalho de parto, por uma ou mais pessoas. Estas podem ser parentes ou ami as do sexo femin!!!o, parteiras ou assistentes tradicionais_de parto� ou - no ambiente hos italar- um obstetra de formação médicq. Stacey (35) relata que, no Reino Unido, o trabalho de parteira era uma atividade exclusivamente feminina até o século XVII, quando surgiram os primeiros (e poucos) "parteiros" ou accoucheurs. Grand�Q_arte çl.o co_!1hecimento das parteiras tradicionais era adguirido_aJra\l.és_da__própria_experjência_de_gr:avidez e _earto. Embora muitos médicos se o usessem à idéia duranteª �ltimé!.._metade do século XIX as parteir�foram radualmente incor oradas pelo sistema médicq. Contudo, lhes era _permitido atender exclusivamente os artas "normais". Sua posição como profissional, com direitos próprios, foi finalmente formalizada no Ato das Parteiras de 1902, embora continuassem subordinadas aos obstetras de . formação médica. De acordo com Leavitt (36), um processo semelhante ocorreu nos Estados Unidos. Até 1880, as mulheres recebiam auxílio no parto principalmente de familiares do sexo feminino e assistentes tradicionais de parto. Qs_mé_dLcn.s_e_ram chamados ª-penas ocasionalmente, em casos de partos difíceis- mas, ainda assim, o oder de decisão continuava com a mulher, sua família e seus amigos. Entretanto, de 1880 a 1920, embora a maioria dos partos ainda ocorresse em casa, a profissão médica foi, gradualmente, adquirindo autoridade sobre o processo e o manejo aos nascimentos de crianças. Nos anos 30, ela prímeira veTo-mdice de partos hospitalares foi maior do que o de partos domiciliares. Neste novo ambiente, o rnane·o do -rocesso de nascimento passou quase queexclusivamente ao controle do médico. - - -- -- 154 / Cecil G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar O crescimento da obstetrícia hospitalar Em 1959, um entre três nascimentos, no Reino Unido, ocorriam em casa ou em maternidades caseiras, enquantoque, hoje, 99% dos partos são realizados num dos hospitais do Serviço Nacional de Saúde. (17) Também nos Estados Unidos, aproximadamente 98% dos nascimentos ocorrem no ambiente hospitalar. (36) O declínio dos partos domiciliares no Reino Unido e sua transferência gradual para o meio hospitalar são demonstrados através das mudanças nos índices de parteiras hospitalares e daquelas que ainda atendem a domicílio: entre 1974 e 1980, o número de parteiras hospitalares cresceu de 15.002 para 17.163, enquanto que o número de parteiras domiciliares caiu de 4.237 para 2. 773. (17) Nos últimos 50 anos aQroximadamente, a obstetrícia moderna atingiu_resultados importantes na redução da mortalidade maternal e neonatal e da morbidade, na reserva ão da vida de bebês rematuras no dia nóstico de anormalidades congênitas in ytero e no tratam.ente bem-suc,e_dido_d_aJoJ,enilLdade cornJertiliz_ação in vitro e outras técnicas. No entanto, devido a todos estes êxitos técnicos a cultura - - -- d.9 nascimento ocidental - a exemplo de outros aspectos da Medicina moderna - tem sido Criticada QOr muitªS mulheres porvarias razões, a saber: 1. A ênfas_e exé;!gerªga2_obre_os aspectos fisiológicos _em detrimento_ dos as ectos sicossociais da gravidez e do parto. 2. A tendência de medicalizar um eventq biqló ico normal, transformando-o em um roblema médico. A mulher grávida, portanto, passa a ser vista como um "paciente" passivo e dependente. Assim como ocorre na distinção entre enfermidade (disease) doença (i/lness) descrita no capítulo anterior. A Medicina é criticada, principalmente, por ignorar os significados que as mulheres dão às experiências de gravidez e nascimento. A supervalorização do nascimento como problema técnico freqüentemente implica na interpretação do corpo da mulher como um "encanamento'', segundo foi descrito no Capítulo 2. No pensamento de alguns obstetras, o parto é reduzido a um mero problema técnico de retirada de um objeto vivo (o bebê) de dentro de um tubo (o útero) por intermédio de outro tubo (o canal vaginal) para as mãos do médico. As origens da cultura do nascimento ocidental Quais serão as origens da cultura do nascimento na obstetrícia ocidental moderna? Davis Floyd (17) remonta suas origens à imagem do século XVII, desenvolvida por Descartes, Bacon e Hobbes, que de um universo mecanicista, regida por leis previsíveis, as quais podiam ser descobertas pela ciência e controladas pela tecnologia. Q modelo cartesiano do dualismo mente-corpo evoluiu parag_modelo do corpo como uma máquina, e a divisão çonceitual entre o corpo e a alma retirou o corpo do jugo da religião e o depositou, firmemente, nas mãos da c�ncia. A autora argumenta também que a teologia cristã sustentava que as Cultura, Saúde e Doença / 155 Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar mulheres eram inferiores aos homens, e mais prox1mas da natureza. Conseçiµ_g_ntemente, os homens, criadoresda idéia do corpo como uma máquina, �stabeleceram, rigidamente, que o corpo masculino era o protótipo es a maquma. Portanto, o corpo feminino nada mais era do que �!!l d�svio do pagrãQ masc ino� considerado hereditariamente anormal, defeituoso, perigosamente imprevisível, regido ela natureza e carente do controle constante por parte dos homens. A �xtin ão do trabalho de p_arteira e a evolução da.Jn ... �táfota_do_c_o.rp_o_f..eminino_c __ Qmo uma má uina defeituosa formaram a base filosófica sobre a ual se fundamentou agbstetríçia rnodemª-, Outra característica ,... Qrincipãlmente da obstetrícia americana, é a visão _go ho_?pital como uma indústria de alta tecnologia, destinada à produção _de beb_ês perfeitos: "o Qroduto_ final mais_®sej_�do do trabalho e Q_arto e o novo membro social, o bebê· a nova_mãe é um produto derivado secundário." Ademais, a distinção conceituai entre mãe e bebê é fundamental para o moâelo tecnológico do parto. O bebê é retirado da mãe e entregue a uma enfermeira que o inspeciona, testa, limpa, coloca-lhe fraldas e o enrola, além de, depois, administrar uma injeção de vitamina K e um colírio antibiótico. O bebê, então, já "endoculturado" e "batizado" apropriadamente no mundo da tecnologia, é devolvido à sua mãe por um curto período de tempo, após o que é colocado num berço de plástico para quatro horas de observação, antes de ser devolvido à mãe. Para Davis--Floyd, "o útero materno, ao invés de ser substituído pelo colo da mãe, é substituído pelo útero plástico da cultura". A divisão conceituai é ainda mais acentuada com a designação de um médico específico - pediatra ou neonatologista - para o bebê recém-nascido. A autora descreve como, d_urante o parto proprLamente dito, a mãe é cercada de aparatos da tecnologia médi:f9: monitores fetais externos e internos, soros intravenosos, gráficos e instrumentos. Para a mulher, todo seu campo visual lhe transmite mensagens sobre as mais profundas crenças e valores da nossa cultura: "A tecnologia é suprema e você cieRende completamente dela e das instituições responsáveis por __ seu controle e distribuição." Esta impressão toma maior consistência pela utilização, cada vez mais freqüente, dê episiofomias, que transfõrma até-o mais natural dos_partos em um procedimento cirúr ico. 1 '· A medicallzação do nascimento Segundo Davis Floyd (37), a Medicina (inclusive a obstetrícia) passou a definir a saúde e os seus problemas sobretudo em termos de disfunção fisiológica {ver Capítulo 5). Isto parece ter aumentado consideravelmente a distância entre as culturas do nascimento leiga e obstétrica. Por conseguinte, a possibilidade de conflito entre ambas parece maior do que antes. Isto ocorre especialmente na maior parte das re iões do mundo industrializado, onde algumas mulheres vêm manifestando considerável descontentamento com alguns aspectos do manejo medico do nascimento. 156 / Ceei/ G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar 1 - - Por exemplo, Graham e Oakley (38) descreveram algumas diferenças fundamentais entre as perspectivas dos médicos e das mães sobre a gestação, em particular a interpretação do mesmo como um processo "natural" ou "médico". Este conflito é parte de um conjunto de diferenças mais abrangentes entre as perspectivas inerentes a todas as interações médico-paciente. A visão médica da gravidez abstrai a mesma do restante da experiência de vida da mulhM, .tratando ª como um eRisódio médico i�olado. A paciente inicia a receber atenção-médica no início da gravidez, e deixa de só recebê-la após o parto. Para a mãe, por outro lado, a gravidez está integrada a outros aspectos de sua vida, p.9rque ela adquire, (com o primeiro parto), um novo papel social, além de passar por profundas transformações em sua situação financeira, status, moradia e relações pessoais. Há também diferenças no modo como ela e o obstetra avaliam a qualidade da experiência da gestação, seu êxito e a decisão sobre quem deve controlar o método e o ritmo do parto propriamente dito. Por isso existe_ um conflito inerentg entre os obstetras (em geral médicos do sexo masculino, com formação especializada em nascimentos)� as mães, cu·a sabedoria "p_rovém,_princjpalmente,_não_da_ciência médica, mas de sua capacidade feminina de perceber e responder às sensações do corpo". Alémde ter um efeito técnico, grande parte dos procedimentos da obstetrícia moderna pode também ser denominada de "rituais de transição social" ou rites de passage, descritos no Capítulo 9. Para os objetivos desta seção, é importante observar que, em todas as sociedades humanas, a gravide?'. e o nascimento significam mais do que simples eventos biológicos. São integrantes também da importante transição do status social de "mulher" para o de "mãe". Como ocorre em todas as transições sociais, o indivíduo, durante o perigoso trajeto de um estado para outro, deve ser protegido de qualquer dano através da observância de determinados rituais e comportamentos. Em muitas situações como essa, a pessoa em questão passa por um período temporário de isolamento da vida comum, até "renascer" para o novo status social. Segundo observa Kitzinger (39), o iniciante "freqüentemente passa por uma infantilização, na qual ele se reduz à condição de criança pequena, dependente e submissa." "Parece que o renascimento só pode acontecer se houver este retorno ao princípio da vida." Contudo, como Davis-Floyd (37) argumentou anteriormente, grande parte dos rituais da ob_stetrícia são_ também, f Órmas de transmitir os valores mais básicos da sociedade para a mulher que dá à luz. Dentre eles, estão: a impotência feminina em face do sistema patriarcal, a "deficiência" de seu corpo feminino, a necessidade da Medicina para controlar seus processos naturais, a sua dependência da ciência e da tecnologia, e a superiorid?de das instituições e das máquinas sobre as crenças e os significados individuais. E mais provável que este tipo de "mensagem" cultural seja transmitido à jovem mãe na atmosfera impessoal de uma unidade obstétrica de hospital do que quando o nascimento ocorre no ambiente familiar doméstico. Segundo Kitzinger (39), "nas grandes instituições centralizadas e hierárquicas externas e alheias à instituição familiar, há uma predisposição especial para estes rituais, de modo a reafirmar o sistema vigent� e manter a estrutura de poder." Cultura, Saúde e Doença/ 157 -- Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Culturas de nascimento não-ocidentais Hahn e Muecke (34) relataram as discrepâncias entre a cultura de nascimento de classe média nos Est:°ados Unidos e as culturas de nascimento de determinados grupos sociais e étnicos naquele país - negros de classe operária, americanos mexicanos, chineses e os Hmong (de Laos). Em cada caso, alguns pressupostos básicos sustentados por obstetras brancos de classe média não são considerados pelos membros desses grupos -por exemplo, a opinião de que o marido deve estar presente no parto. Alguns grupos chineses tradicionais, por exemplo, consideram as mulheres e os seus excessos corporais perigosos e poluidores para os homens, os quais, por sua vez, evitam presenciar o parto ou ter qualquer contato com a mulher no primeiro mês pós-parto. A exemplo de outros grupos tradicionais, _os obstetras e assistentes de parto do sexo feminino podem ser preferidas aos do sexo masculino. Em muitas culturas do_mundo não-industrializado, a posição de costas ou de litotomia favorecidas_pela_obstetrícia ocidental na hor_a_do_parto sãoJncomuns. Na sua revisão da literatura sobre o assunto, MacCormack (40) afirma que "em diversas partes do mundo -na América Latina, Norte da Tailândia, Índia, Sri Lanka e Africa Ocidental-as mulheres ficª-.m de pt de cócçr_as ou sen_tadas e_apoiadas.em algum objeto ou em alguém nos últimos estágios do trabalh9 de p�rto". No segundo _estágio_do tr_abªlbo de parto, a parteira geralIILe_nte_s_enia::s_e_no_cbão emfr_ente_à _parturiente. No caso de uma apresen..!_açªo transversa ou anômolé!_, as assistentes de parto_ tradicionais são muitas vez�s capqÇjtada� a colocar o bebê na osição cefálica, através de versão externa. , Numa revisão da literatura abrangendo o Vietnam, Tailândia, Burma, Índia, Africa Oriental e Ocidental, Jamaica, Guatemala e Brasil, MacCormack (40) ressalta ...9!:le, ao contrário da prática obstétrica ocid�ntal, o cordão umbilical é geralmente cortado após a expulsão da placenta, e não antesJ:m...algumas_re.giões, é costume esfregar estrume no umbigo do nenê para interromper o sangramento. Este hábito aumenta o risco de tétano neonatal. (40) Na maior parte das culturas, as mulheres observam um _período de repouso pós-p_ar.to, durante o qual devem obedecer a determinada dieta � a_outr9s tabus. Neste período, são atendidas principalmente por mulheres. O repouso e a reclusão duram, normalmente, de 20 a 40 dias. Entre os Tamils, no Sri Lanka, por exemplo, o período de "poluição do parto" é de 31 dias, seguido de rituais especiais para purificar a casa, e de banhos especiais na mãe e raspagem da cabeça do nenê. ( 41) Pillsbury (42) descreve que, em comunidades rurais na República Popular da China e no Taiwan, o "cumprir do mês" significa um mês inteiro de convalescença pós parto, durante a qual a mulher fica confinada em casa, aos cuidados de familiares, seguindo uma dieta especial e observando determinados tabus. A autora ressalta que, por outro lado, o "período de repouso" deu lugar, na cultura de parto ocidental, ao "puerpério", que não tem a mesma importância simbólica que o "cumprir do mês", nem "a conotação do comportamento específico que o caracteriza". Outro aspecto importante do período pós-parto é a proibição das relações sexuqis eritre 158 / Ceei/ G. Helman -- Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar marici_o_g_mulh_?r durante dete_rmir!_ado períodq_de tempo, muito comum em várias culturas. Em alguns casos, o tempo pode ser de muitos meses. Entre grande parte dos chineses tradicionais nos Estados Unidos, por exemplo, o contato sexual é, algumas vezes, interditado por, até, 100 dias após o parto. (34) As assistentes tradicionais de parto Em contraste com o modelo de nascimento tecnológico moderno, grande parte dos partos em todo o ·mundo - especialmente nas zonas rurais dos países em desenvolvimento - é realizada de maneira muito distinta, normalmente por assistentes de parto do sexo femininol tais como as parteras no México, as comadronas em Porto Rico, ou as nanas na Jamaica. Segundo relatório de 1978, a _Organiz_ação MundiaLde_Saúde_(43) apoiou treinamento extra para a�siste_ntes_ge parto, responsáveis pelo nascimento de dois tgrços dos bebês do mundo. As assistentes de parto são encontradas em quase todos os vilarejos e zonas urbanas da África, Ásia e América Latina. O objetivo da OMS é aumentar o número de assistentes de parto e de cursos de treinamento avançado, bem como o númer_o_d_e_consultas às__mesmas�lém disso_,_pretende integrá-las na totalidade dos programas de saúde dos países em desenvolvimento, mas garantindo, ao mesmo tempo, a "continuidade da arte tradicional" e o respeito a suas raízes nas culturas tradicionais. Nos países em que as assistentes tradicionais de parto são reconhecidas pelas autoridades - dentre eles, Ghana, Indonésia, Malásia, Paquistão, Filipinas, Sudão e Tailândia - um número considerável delas foi treinado e integrado a programas de saúde básicos nosúltimos 30 anos. Na África e na Índia rural, estimativas revelaram que 80% das mulheres são atendidas no parto por estas profissionais. A OMS estima que, aproximadamente, de 60 a 80% das mulheres do mundo inteiro são atendidas por assistentes tradicionais de parto. (44) Apesar de não serem çliplomadas formalm�nte, as assistentes de parto oferecem a possibilidade de um atendimento de parto não-tecnológico em muitas regiões do mundo não-industrializado. Relato de caso: As nanas na Jamaica Kitzinger (39) descreveu um exemplo de assistente tradicional de parto, a nana (ou parteira popular) da Jamaica. A autora estima que cerca de 25% dos bebês jamaicanos nascem pelas mãos das nanas, especialmente nas zonas rurais. Por não serem legalmente reconhecidas pelo Estado, a maioria dos partos, é registrada como "sem atendimento" ou "realizado pela mãe" (ou por uma amiga ou parente). Cultura, Saúde e Doença / 159 Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Nos vilarejos, a nana é uma pessoa de alta reputação e grande autoridade, "uma figura-chave na união das mulheres nas comunidades rurais jamaicanas." Juntamente com a professora e a agente do correio, ela forma o núcleo ou "centro político" das redes sociais que mantêm a comunidade unida. As nanas são figuras familiares, profundamente ligadas à comunidade. São freqüentemente requisitadas para auxiliar em diversas crises familiares. Os conhecimentos técnicos do trabalho de parteira são transmitidos dentro da família, de mãe para filha. Todas as nanas são mães: "ser uma nana é, na verdade, uma extensão do papel de mãe, por isso, todas as nanas são mães, e consideradas bem sucedidas neste papel". Segundo elas, sua função é orientar as mulheres com segurança deste a concepção até o parto, facilitando seus processos naturais, para assim auxiliar no espetáculo do "renascimento da mulher como mãe." Geralmente, as nanas prestam assistência também depois da gravidez, até o nono dia pós-parto. Além disso, ela coordena todos os rituais e tabus da gravidez e do nascimento (ver Capítulo 9) que marcam a transição da gravidez para a maternidade, e que contribuem para dar significado a sua experiência, por integrá-la no contexto dos valores culturais mais abrangentes da sua religião e comunidade. Kitzinger compara esta abordagem intimista e culturalmente familiar com o estilo ocidental dos procedimentos tecnológicos de nascimento utilizados em muitos hospitais jamaicanos. Neles, enfermeiras e parteiras valorizam "a eficiência, a rapidez do parto da paciente, as rotinas hospitalares relativas à higiene e à organização, e a supressão dos fatores emocionais no nascimento, para assim trabalharem de maneira organizada, atendendo o maior número de pacientes no menor tempo possível." Segundo Kitzinger, as nanas jamaicanas, com seu estilo "à moda antiga," são freqüentemente ridicularizadas pelos profissionais da área médica e pela classe média escolarizada. Estes as consideram ineficientes, causadoras de danos à saúde, e representantes de um passado de escravidão e submissão. Contudo, a autora ressalta que as nanas possuem grande experiência técnica do trabalho de parteira, e desejam aprender mais com a obstetrícia médica. Se algo acontece de errado, recorrem rapidamente a uma parteira especializada ou mandam a paciente diretamente para o hospital. Atualmente, muitas mulheres rurais usam as nanas durante a gestação e o primeiro estágio do trabalho de parto; depois solicitam o atendimento de uma parteira especializada para o parto propriamente dito. Fertilidade e infertilidade A fertilidade é uma preocupação universal, assim como é a angústia ante inf ertilidade, seja qual for a causa. A maiorla_das culturas inclui uma série de rituais, pr_eces_o_u cuidados especiais para "ajudar" a mulher a conceber com sucesso e para acompanhá-la até um parto seguro. Geralmente existe, nas diversas culturas, uma rande variedade de ex licq_çÕe§_p-ªra a infertilidade de determinaçl� mulher quando �sta não cons�ue conceb_er, além_de várlas_formas de lidar com o problema. Segundo foi descrito no capítulo anterior, estas explicações leigas para os 160 / Cecil G. Helman Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar Lenovo Destacar infortúnios geralmente colocam a res onsabilidade no comRortamento da pessoa, no mundo natural, na maldade g_e_ terceiros, ou em_ Qoderes sobrenaturais -ou divinos. Os conceitos de fertilidade e infertilidade também dependem, em parte, de como as pessoas definem o funcionamento interno de seu corpo e os processos de concepção e de parto. Cosminsky (45) relata, por exemplo, que num vilarejo da Guatemala, algumas parteiras tradicionais acreditavam que a infertilidade era causada por um "útero frio", que não era suficientemente quente para receber o sêmen. Uma das formas de tratamento era a administração de chás "quentes" de ervas, e o "aquecimento do útero" com banhos especiais. Se, contudo, a comunidade atribuísse a esterilidade a uma intervenção divina, não se esperaria que a parteira a curasse. Particularmente em sociedade menores, a "mulher estéril" é freqüentemente marginalizada, vista como uma pessoa frustrada e socialmente incompleta. Na maior parte das sociedades tradicionais, a culpa da infertilidade recai, normalmente, sobre a mulher. Por exemplo, de acordo com Mcyilvray (41), a infertilidade, entre os tamils no Sri Lanka e na maior parte do Sul da Asia é considerada, inicialmente, um problema da mulher, e não do homem. Em alguns casos, a infertilidade é atribuída a forças sobrenaturais; ª ROtência do marido r _aramente_é questionada. Na cidade em que McGilvray realizou seu estudo, a maioria dos homens nunca admitiria a possibilidade de sua esterilidade. No entanto, estas definições sobre quem é o responsável pela infertilidade não são estáticas. São influenciadas significativamente por processos tais como ocidentalização, migração, urbanização e outras mudanças sociais importantes. Contracepção, aborto e infanticídio As diferenças atitudes com relação à contracepção, aborto e infanticídio, as quais podem ser interpretadas como formas de controle da população, parecem variar amplamente entre culturas. Em arte a rática do inianticídio, por exemplo, pode _ser explicada pelo tamanho da população de determ.inada sociedade, seu suprimento alimentar, assim_ como o nicho ecológico que ela ocupa. Em alguns casos, pode ocorrer o assassinato de bebês de um gênero, mas não do_outro como no caso dos T enetehara, tribo indígena brasileira, que acreditavam que uma mulher deveria ter três filhos, mas não todos do mesmo sexo. Por exemplo, se ela já tivesse duas filhas ou dois filhos, e desse à luz a uma terceira (o), esta (e) seria morta(o) (ver· Capítulo 12). Segundo observa Keesing (46), há poucas dúvidas de que, no passado, "os povos de diversas partes do mundo, com espaço e recursos limitados, praticassem o infanticídio de ambos os sexos ou do sexo feminino para reduzir os índices populacionais." A política populacional de uma cultura em particular pode incluir a ampla tolerância do aborto, ou a aceitação do mesmo em determinadas _ situa ões-limite; _ou, ainda, tabus rígidos contra o procedimento em qualquer estágio de gravidez, seja qual for a razão. No mundo ocidental, o debate sobre o Cultura, Saúde e Doença/ 161 J aborto enfoca principalmente a capacidade da mulher de controlar seu próprio __f9rpo e sua fertilidade, como também a cQnsideração
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