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e-Tec Brasil Aula 1 – A importância da organização dos agricultores Objetivos Compreender a realidade do mundo do trabalho e a importância da organização dos agricultores para o enfrentamento dessa rea- lidade. Reconhecer o processo organizativo como uma importante ferra- menta de desenvolvimento rural, identificando as potencialidades e os problemas inerentes às organizações. 1.1 A realidade do mundo do trabalho: por que cooperar? A cooperação não é algo novo ou da contemporaneidade. Sempre existiu na história da humanidade. Desde que há agrupamento humano, há cooperação. Imagina construir um vilarejo, um acampamento, sair em busca de alimentos sem cooperação? A cooperação nas famílias antigas era exercida em todas as atividades do agrupamento, inclusive nas comunidades nômades. Os homens mais fortes saiam para caçar, outros ficavam de guarda no acampamento. Tinha o grupo das mulheres que cuidava das crianças, outro grupo coletava frutos e sementes nos arredores para alimentação. Ainda, havia os que fabricavam os utensílios. Enfim, as atividades eram divididas conforme as características de cada grupo e a capacidade física destes em executá-las, sendo exercidas coletivamente. As mulheres, nestes agrupamentos nômades, eram responsáveis pelo cuidado das crianças, idosos e doentes, além disso, coletavam alimentos na volta do acampamento. Com o tempo começaram a perceber que as sementes que coletavam para alimentação, quando jogadas no chão, com o auxílio da umidade, germinavam, e delas surgia uma nova planta igual àquela em que coletaram as mesmas. A mulher foi a grande responsável pela “invenção da agricultura”. Essa descoberta, aliada à domesticação dos animais, possibilitou aos agru- pamentos trocar a vida nômade, baseada na caça, pesca e coleta, por uma e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 15 vida sedentária. A vida sedentária trouxe a possibilidade dos seres humanos aprimorarem as moradias, além dos utensílios, das ferramentas e das artes de guerra e de defesa do grupo. O desenvolvimento da agricultura e a domes- ticação dos animais é um marco fundamental para a evolução das grandes civilizações humanas. Isso porque era possível trazer para perto do agrupamento os alimentos, não sendo mais necessário andar quilômetros e quilômetros em busca de comida. Assim, as cidades e vilarejos eram construídos em locais de terras férteis e com possibilidade de se fazer agricultura. Podemos afirmar que a cooperação permitiu o surgimento das grandes civilizações. No entanto, com a Revolução Industrial, a forma de como o trabalho passou a ser visto mudou. Surge a especialização produtiva, a fragmentação do processo produtivo e a separação do trabalho mental e do trabalho físico. A Revolução Industrial aconteceu na Europa nos séculos XVIII e XIX, com essa mudança no processo produtivo, o trabalho artesanal foi substituído pelo trabalho realizado por operários com o auxílio de máquinas em fábricas. Figura 1.1: Linha de montagem, principal mudança do trabalho na Revolução Industrial Fonte: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/2/29/Ford_assembly_line_-_1913.jpg Vamos pegar o exemplo da fabricação de um sapato. Antes da Revolução Industrial, os sapatos eram fabricados pelos artesãos. O artesão dominava o conhecimento de todo o processo produtivo, desde a seleção dos materiais, o desenho do sapato e todas as etapas de fabricação. O conhecimento do processo produtivo e do produto não podiam ser separados, pois era de domínio do artesão e imprescindível para que o mesmo chegasse ao produto final. Com a Revolução Industrial, o conhecimento relacionado à concepção do produto foi separado do processo produtivo. Mais tarde, com o Fordismo, o processo produtivo foi organizado em linhas de montagem. Tem o designer, que faz o projeto do sapato, o especialista que faz a compra dos materiais e O vídeo que se encontra na URL abaixo é um vídeo educativo que mostra as contribuições do Fordismo e do Taylorismo para a administração. Produzido pela coordenação de vídeo de Unitins. https://www.youtube.com/ watch?v=3H-f9brwABQ Os outros endereços que seguem contêm uma série de vídeos, para quem quer se aprofundar mais sobre as noções que determinaram a divisão e a especialização do trabalho. Taylorismo: https://www.youtube.com/ watch?v=nSnbZc3ng8Y Fordismo: https://www.youtube.com/ watch?v=noIo3tYkHq4 https://www.youtube.com/ watch?v=shlYNvuGcuc Toyotismo: https://www.youtube.com/ watch?v=OjUGjjGZcaw Pós-fordismo: https://www.youtube.com/ watch?v=sMB-D3yA_as Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 16 os operários que fabricam o sapato, sendo que cada etapa do processo de fabricação é realizada por uma pessoa diferente. É importante lembrar que a Revolução Industrial aconteceu porque houve uma grande mudança na concentração de pessoas residentes nas cidades. Até o final do Século XVII, a maioria da população vivia no campo e os moradores rurais fabricavam a maior parte dos utensílios, roupas e calçados que necessitavam. No entanto, a população urbana começou a aumentar e houve uma maior necessidade de oferta de bens de consumo, assim as oficinas de artesãos deram lugar às fábricas. Um fator que foi preponderante para a migração dos moradores do meio rural para o meio urbano, principalmente no Reino Unido, o berço da Revolução Industrial, foi o “cercamento das terras”, ou seja, os antigos Feudos deram origem a propriedades privadas e os camponeses que antes viviam atrelados aos feudos foram expulsos do meio rural e obrigados a se mudarem para as cidades. O que gerou um contingente de mão de obra para as indústrias e, ao mesmo tempo, criou-se uma massa de consumidores. Os conceitos de Taylorismo, Fordismo e Toyotismo são importantes para enten- dermos as transformações no mundo do trabalho. Estas transformações romperam o modo de organização do trabalho com base na cooperação das sociedades antigas. Além disso, transformaram o trabalho em individual e fragmentado. 1.1.1 Taylorismo Frederick Taylor, engenheiro mecânico, no final do século XIX, publicou um livro chamado “Princípios de Administração Científica”. Este livro era um conjunto de ideias defendidas por Taylor para melhorar a produção industrial. “De acordo com Taylor, o funcionário deveria apenas exercer sua função/tarefa em um menor tempo possível durante o processo produtivo, não havendo necessidade de conhecimento da forma como se chegava ao resultado final” (FRANCISCO, [2015]). O Taylorismo considera o processo de divisão técnica do trabalho como fun- damental para aumentar o rendimento e a lucratividade. Assim, os operários não necessitam conhecer o processo produtivo, apenas executar tarefas mecânicas e sempre iguais. O conhecimento é de responsabilidade apenas do responsável pela gerência. Institui-se, assim, o empregado chamado gerente da seção produtiva, que detém a informação, coordena e fiscaliza o trabalho. Sendo que, da fiscalização, faz parte monitorar o tempo despendido pelos operários em cada etapa de produção. Outra característica do Taylorismo foi e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 17 a padronização e a repetição, assim diferentes fábricas poderiam executar o mesmo processo produtivo. A ideia é que o operário, ao executar uma única tarefa, várias vezes ao dia, venha apresentar um maior rendimento do trabalho, pois se torna especialista naquela tarefa e não tem distrações, pois fica sempre no mesmo lugar. 1.1.2 Fordismo As mudanças introduzidas por Ford na sua fábrica, para a fabricação do carro Ford modelo T foram baseadas no Taylorismo e visavam a produção em série para o consumo em massa. A fabricação em série e em massa do Ford modelo T, inaugurou o consumo em massa na sociedade moderna, a era do consumismo (TOMAZI, 2010). O Fordismo inspirou a mudança produtivana fabricação de todos os bens manufaturados, não se restringiu apenas aos automóveis. A principal característica introduzida pelo Fordismo foram as linhas de montagem. Nessas máquinas, eram determinados o ritmo de trabalho dos operários e cada um ficava em um local realizando uma única tarefa, e, assim, repetia a mesma atividade durante todo o período da jornada de trabalho. Quem se movimentava era o automóvel em uma esteira. Para Tomazi (2010, p. 49), as expressões do Taylorismo e Fordismo representam um aumento da produtividade, com o uso mais adequado possível das horas trabalhadas por meio de: (a) controle das atividades dos trabalhadores; (b) divisão e parcelamento das tarefas; (c) mecanização de parte das ativida- des com a introdução da linha de montagem; (d) introdução do sistema de recompensas e punições no interior da fábrica em função do desempenho e comportamento dos operários. Em razão dessas medidas, se criou um setor nas fábricas somente para o planejamento, aprimoramento e controle das atividades dos operários, o setor de administração da fábrica. Este seria o setor mais importante e, consequentemente, responsável pelo treinamento dos operários. O Taylorismo e o Fordismo representaram o coroamento das ideias já discu- tidas na Inglaterra no final do século XVIII e XIX. Ou seja, transferir para a gerência todo o controle e conhecimento do processo produtivo. Este processo resultou ao que chamamos de alienação do trabalhador, ou seja, este, apenas executa tarefas. O filme Tempos Modernos é um filme de 1936, cujo cineasta, Charles Chaplin, faz uma crítica ao capitalismo, ao Fordismo e ao Imperialismo. Denuncia, também, os maus tratos aos operários instituídos a partir da Revolução Industrial e a máquina tomando lugar do homem. produção em série É um modelo produtivo onde são fabricados bens de consumo padronizados em elevadas quantidades e em curto espaço de tempo. Nesse modelo de produção cada operário produz sempre a mesma etapa do produto. Assim padroniza-se o trabalho e o produto. consumo em massa Os consumidores são induzidos a consumir os mesmos produtos. Ocorre uma padronização do consumo, para que seja possível a produção em série. A inciativa para a escolha do produto está nas mãos do fabricante e não do consumidor. Assista a um vídeo sobre Tempos Modernos em: https://www.youtube.com/ watch?v=LFZnunT28X4 alienação do trabalhador A alienação é a diminuição da capacidade dos indivíduos em pensar ou agir por si próprios. Os indivíduos alienados não têm interesse em ouvir opiniões alheias, e apenas se preocupam com o que lhe interessa, por isso são pessoas alienadas (Significados, 2015). Dessa forma a alienação do trabalhador significa que esses passam a executar tarefas mecânicas e são privados do conhecimento que gerou o produto e muitas vezes do próprio produto. Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 18 1.1.3 O que Taylorismo e Fordismo têm a ver com a agricultura? Vocês devem estar se perguntando: Por que é importante saber da evolução das relações de trabalho para compreender cooperativismo e associativismo? Vocês conhecem o velho ditado “cada um por si e Deus por todos”? Este ditado serve bem para exemplificar as relações de trabalho instituídas na Revolução Industrial, sendo que o cooperativismo e o associativismo buscam exatamente o contrário. Buscam o envolvimento, a cooperação e a ajuda mútua dos trabalhadores para alcançar benefícios comuns. Na agricultura, também ocorreu o processo de especialização produtiva, não aos moldes da indústria, já que a agricultura depende de processos naturais e ecológicos para acontecer. Mas, o processo que chamamos de modernização da agricultura transformou a forma de produzir, comercializar e armazenar os produtos agrícolas. A modernização da agricultura esteve alicerçada em um processo chamado de Revolução Verde, implantado no Brasil a partir das décadas de 1960 e 1970. Os pilares de sustentação da Revolução Verde são: mecanização agrícola, melhoramento genético, adubação química e uso de agrotóxicos para controle de pragas, doenças e plantas invasoras. Assim, como na indústria, essas mudanças aumentaram a produtividade e a especialização do processo produtivo. A Figura 1.2 demonstra a evolução da área plantada, produção e produtividade no Brasil. Figura 1.2: Gráfico da evolução da produtividade de cereais, leguminosas e oleagi- nosas no Brasil de 1980 a 2012 Fonte: www.ibge.gov.br/home/estatistica/indicadores/agropecuaria/lspa/lspa_201107comentarios.pdf apud Branco; Mendonça; Lucci, 2014 No entanto, esse aumento de produtividade ocorreu somente em alguns cultivos, que eram considerados os mais visados pela modernização, ao que e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 19 convencionamos de chamar de commodities. Commodities é uma palavra em inglês que foi naturalizada no Brasil e significa produtos de baixo valor agre- gado, comerciável e padronizado. São produtos considerados matérias-primas que serão transformados em outros produtos agroindustrializados e podem ser comercializadas sem processamento algum, ou podem ser minimamente processados. Normalmente, são produtos voltados para exportação. As prin- cipais commodities agrícolas no Brasil são: soja, cana de açúcar, café, tabaco, milho, laranja, carne suína, bovina e aves. Esses produtos são demandados pelo mercado global ou internacional, assim os preços são definidos nas chamadas bolsas de mercadorias. É comum ouvirmos a expressão “cotação” do produto tal, ou seja, é o preço que este produto tem em função da variação do mercado internacional. O preço é definido em função do balanço da oferta e da procura, assim como de estimativas futuras de demanda. A mecanização foi importantíssima para que fosse possível o cultivo de grandes áreas, por outro lado, foi determinante para a seletividade dos cultivos e homo- geneização do meio rural. Onde antes se praticava agriculturas diversificadas, entrecortada de vegetação, hoje se pratica um único cultivo. A devastação de paisagens naturais para o plantio da soja é um exemplo disso. A Revolução Verde aumentou, consideravelmente, a produção e a produtividade dos principais cultivos agrícolas brasileiros, mas este aumento não veio sozinho. Aumentaram os problemas ambientais, a contaminação do ambiente pelo excesso de uso de agroquímicos, o êxodo rural e a concentração fundiária. Os agricultores familiares foram os mais prejudicados e muitos não conseguiram sobreviver no campo e migraram para os grandes centros urbanos. Os que ficaram no campo, precisaram se adaptar ao processo modernizador, caso contrário seriam excluídos também, assim ao invés de agricultores que produziam alimentos, transformaram-se em produtores de mercadorias, especialistas em uma única atividade. Vejamos, por exemplo, os agricultores que produzem fumo, possuem aviário, tambo de leite ou estão atuando na suinocultura. Transformaram-se em agricultores especialistas e, aos poucos, foram abandonando a produção de alimentos. Outra questão fundamental de se abordar é que algumas commo- dities, normalmente, têm uma rentabilidade baixa por hectare, como é o caso da soja, e os agricultores que possuem pouca área, acabam não tendo renda o suficiente para a produção da família, ocorrendo o êxodo dos mais jovens. Por outro lado, atividades que possuem um valor agregado maior, como os exemplos do fumo e do leite, são altamente demandantes de mão de obra, o que também acaba sendo um motivo para o êxodo rural. Para saber mais sobre como funcionam os mercados internacionais e as bolsas de mercadorias, acesse: http://wiki.advfn.com/pt/ Bolsa_de_Mercadorias http://www.coladaweb.com/ economia/bmf-bolsa-de- mercadorias-e-futuros Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 20 Se a agricultura moderna é excludente por natureza, é necessáriocriar estratégias que possibilitem menor custo de produção e uma inserção diferenciada nos mercados, nesse sentido, a cooperação é fundamental. Muitos agricultores se organizam em cooperativas agropecuárias, de crédito, de trabalho, associações de máquinas, associações de produção. Vejamos o caso de agroindústrias de pequeno porte, onde a organização foi fundamental para que a atividade prosperasse. A Cooperagrepa (Cooperativa de Agricultura Ecológica do Portal da Amazônia), uma cooperativa de agricultores do Mato Grosso é um exemplo interessante de organização que proporcionou novos mercados e novas atividades para os associados. Essa experiência agrupou a agroindustrialização, a busca por mercados e a produção agroecológica para valorizar a produção dos agricul- tores. A Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana também é um exemplo interessante de organização de agricultores familiares de mais de um muni- cípio, com o intuito de diversificar a produção e agregar valor ao produto. A organização, a união e o trabalho em conjunto para melhor enfrentar os desafios impostos pela realidade atual da agricultura tem demonstrado, com essas experiências, ser um caminho promissor. Não existe modelo certo para a organização, o melhor modelo é aquele que se adapta aos interesses do grupo. Pode ser uma cooperativa, uma associação ou um grupo informal. Por outro lado, o grupo pode se organizar para realizar várias atividades coletivamente ou uma apenas. 1.2 Por que é importante a organização dos agricultores? Como vocês puderam observar, as transformações no mundo do trabalho e a modernização seletiva da agricultura trouxeram uma série de problemas para os agricultores de pequena escala, aqui denominados de agricultores familiares. Mas o que significa modernização seletiva? Significa que a modernização não atingiu de igual forma todo o meio rural. Os recursos de pesquisa, políticas agrícolas e de infraestrutura produtiva foram direcionados: • Apenas algumas culturas foram impactadas com as pesquisas e os pacotes tecnológicos. Aquelas que não eram alvo de exportação não receberam a mesma atenção. • As regiões com maior potencial de mecanização foram as mais visadas, sendo assim, muitas regiões marginalizaram-se. Para saber mais sobre a trajetória e as atividades da Coperagrepa e a experiência da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana, acesse: http://tv.sebrae.com.br/ media/w2uN2/ https://www.youtube. com/watch?v=Kp5-1ZB_ QKsAgroindústria Para saber mais sobre Censo 2006: Agricultura familiar em números, acesse: http://www.ibge.gov.br/ home/estatistica/economia/ agropecuaria/censoagro/ agri_familiar_2006/familia_ censoagro2006.pdf Para saber mais sobre a agricultura familiar no Brasil e o censo agropecuário 2006, acesse: http://migre.me/qvMbW e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 21 • Apenas alguns agricultores foram alvo da modernização, os que não tinham capital e estavam nas regiões de menor potencial para mecanização foram aos poucos sendo excluídos do modelo de desenvolvimento. Nesse cenário, a agricultura familiar foi a que mais sentiu os efeitos perversos da modernização. E aqueles agricultores que se modernizaram acabaram se especializando em uma única atividade. É comum chamarmos os agricultores de produtores, pois viram meros produtores de mercadorias e não mais uma categoria social. O saber fazer dos agricultores evoluiu ao longo da história numa relação íntima com a natureza. Os agricultores de antigamente sabiam a melhor época de plantar, observavam as fases da lua para o plantio e manejo de culturas, detinham o saber fazer do processamento de alimentos e eram agricultores na sua essência. A agricultura produzia alimentos e modos de vida. Hoje a agricultura empresarial produz matéria-prima. A agricultura familiar ainda detém o saber fazer, que foi repassado de geração a geração, embora esse saber fazer já esteja bastante impactado. Mas apesar da ênfase em poucas culturas e na agricultura empresarial do processo de modernização, é a agricultura familiar (AF) que produz a maior parte dos alimentos que compõem a cesta básica brasileira. De acordo com o MDA (Ministério do Desenvolvimento Agrário) (2009), apesar de deter somente 24,3 % da área agrícola do Brasil a AF possui 84,4 % dos estabelecimentos agropecuários e 70,4 % do pessoal do meio rural ocupado. Abaixo, é possível visualizar a porcentagem de produção da AF de algumas culturas. Figura 1.3: Participação da agricultura familiar na produção agrícola Fonte: MDA, 2009 A organização social dos agricultores familiares é uma forma destes supera- rem os problemas do processo modernizador seletivo e buscar novas saídas, reforçando o ser agricultor enquanto categoria social. Hoje, um dos maiores problemas da AF é a renda da família, ou seja, o que a família obtém traba- lhando na propriedade não é suficiente para garantir vida digna para todos categoria social O termo categoria social, para sesignar a agricultura familiar, é utilizado por entendermos que esse grupo, embora formado por disitintos indivíduos e distintas culturas, engloba um grupo social que compartilha de muitos fatores em comum, a escasses de recursos como terra, capital, a ocupação de regiões periféricas ao desenvolvimento ou de áreas menos propensas à modernização, e a relação com a terra e otrabalho, são alguns desses fatores. Embora toda a forma de agrupar possa desconsiderar a pluridade dos indivíduos, ela se faz necessária para pensarmos ações que beneficiam o coletivo, tais como políticas públicas, ações de extensão e de desenvolvimento. Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 22 os membros, assim ocorre que os jovens acabam abandonando o meio rural em busca de melhores oportunidades. Atualmente, no Rio Grande do Sul estima-se que aproximadamente 30 % das propriedades não tenham um sucessor (FETAG-RS, 2014). Outro gargalo é o poder de reivindicação dos AF, que quando organizada em grupos maiores aumenta consideravelmente. Um grupo tem maior poder de barganha junto às entidades do município, por exemplo. Na maioria dos casos a cooperação é uma forma de enfrentamento da realidade, que não é favorável aos agricultores familiares. A cooperação tem sido maior em duas grandes áreas: produção e construção de mercado. Vejamos o exemplo da cadeia produtiva de frutas: se uma família sozinha resolver implantar a fruticultura na sua propriedade em uma região onde não há muitos fruticultores, enfrentará sérias dificuldades. O fruticultor da região de Caxias do Sul já encontra uma infraestrutura produtiva insta- lada, desde casas comerciais que vendem insumos e equipamentos, viveiros reconhecidos pela qualidade das mudas, locais perto para comprar adubo orgânico e um mercado já organizado. Isso não significa que os fruticultores dessa região não tenham benefícios com a organização, mas que os problemas poderão ser enfrentados individualmente e o fruticultor prosperar. Mesmo nessa região, muitos agricultores se organizaram para alcançar melhores resultados na fruticultura, vejam o exemplo da Vinícola Aurora e da Ecocitrus. Figura 1.4: Organização dos agricultores Fonte: CTISM Agora, vamos pensar em fruticultores da região de Santa Maria, da Campa- nha, da região Missioneira, que cenário eles encontram para desenvolver a fruticultura? Vão encontrar uma estrutura produtiva, de mercado e logística, totalmente diferente daquela que a fruticultura necessita. Para esses agricultores, Para saber mais sobre a Vinícola Aurora, acesse: http://www.vinicolaaurora. com.br/ Sobre a Ecocitrus, acesse: http://www.ecocitrus.com.br/ e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 23 a cooperação se faz ainda mais necessária para enfrentar questões como compra de insumos, construção de mercados, etc. O Quadro 1.1, traz asprincipais questões que podem ser alcançadas pela organização em regiões onde a fruticultura não é desenvolvida. Quadro 1.1: Como os fruticultores podem se beneficiar com a organização Compra de insumos A maioria das casas comerciais agropecuárias tem insumos voltados à grandes culturas e criações, são poucas as opções de insumos para fruticultura. Aquisição de mudas de qualidade Nessas regiões não há viveiros de qualidade, assim os fruticultores terão que acessar viveiros localizados em outras regiões. Adubação Normalmente nas regiões onde há predominância de produção de grãos ou sistemas pastoris há pouca oferta de adubos orgânicos ou de formulações químicas específicas para a fruticultura. Mercado O mercado dessas regiões se abastece de frutas de outras regiões provenientes da CEASA, principalmente. Como o agricultor individual vai competir com essa organização já pactuada? Assistência técnica Nas regiões onde a fruticultura não é referência produtiva existem poucos técnicos com formação e experiência dessa atividade, os agricultores organizados poderão contratar um técnico em fruticultura para lhes dar assistência. Ou poderão reivindicar junto à prefeitura ou à Emater uma assistência técnica voltada a toda a cadeia produtiva da fruticultura, já que são um grupo de várias famílias e tem poder de reivindicação. Logística A fruticultura exige uma infraestrutura de transporte e armazenamento cara. Os agricultores organizados poderão ter câmaras frias e caminhões coletivos. Processamento O investimento em infraestruturas de processamento é elevado e muitos agricultores familiares não tem capacidade de investimento e quando o tem, acabam imobilizando uma quantidade de recursos muito grande o que torna um investimento de risco. Com a organização os agricultores podem processar as frutas de forma coletiva ou utilizar a estrutura de processamento de forma coletiva, mas cada um fazendo o seu produto. Acesso a políticas públicas Na atualidade, há muitas políticas direcionadas a grupos formais devidamente legalizados, inclusive políticas com recursos a fundo perdido, que poderão ser captadas pelos fruticultores organizados em associações e cooperativas. Fonte: Autor Em Antônio Prado, há uma experiência de organização de agricultores bem interessante, a COOPRADO. Essa cooperativa foi fundada em 1974 e hoje possui 1456 associados. A COOPRADO iniciou com a construção de um secador e um silo de cereais, mais tarde foi construída a cantina de vinhos, o posto de recebimento e resfriamento de leite e as câmaras de armazenamento de frutas. “Assim, com um passo de cada vez, a cooperativa deu melhores condições aos agricultores para trabalharem, vendo seus esforços protegidos e valorizados. O empenho de todos oportunizou a mecanização da agricultura e a implantação da agricultura ecológica” (COOPRADO, [201-]). Hoje a COO- PRADO fomenta duas áreas produtivas em seus associados, a fruticultura e a produção de leite e possui um corpo técnico próprio para o atendimento dos Para saber mais sobre COOPRADO, acesse: http://www.cooperativa pradense.com.br/ Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 24 agricultores. A COOPRADO está localizada em uma região com forte tradição no cultivo de espécies frutíferas, mas, quando foi fundada, esta região ainda não tinha esse desenvolvimento e os agricultores se organizaram para poder competir e se inserir no mercado, ou seja, para superar suas dificuldades. Hoje, a cooperativa fortalece as atividades produtivas dos associados e possibilita que seus produtos alcancem mercados distantes. Os setores de atuação da COOPRADO podem ser visualizados no Quadro 1.2. Quadro 1.2: Setores de atuação da COOPRADO junto aos seus associados Setor O que faz? Fruticultura O setor de fruticultura da COOPRADO recebe variedades de pêssego, ameixa, caqui e maçãs. As frutas recebidas são identificadas, higienizadas, classificadas e vendidas para o mercado consumidor gaúcho e outros estados, como SC, PR, RJ, SP e BA. Praticamente 90 % das frutas são comercializadas com a marca COOPRADO e uma pequena parte dos pêssegos e maçãs vão para a indústria de sucos. Com 9 câmaras frias, a cooperativa tem capacidade para armazenagem de 3 mil toneladas de frutas, além das 2 câmaras com atmosfera controlada, que armazenam até 40 toneladas. Possui equipamento para absorção de etileno, que prolonga o tempo de conservação, bem como túnel de resfriamento rápido e uma máquina classificadora que permite que sejam embaladas até 30 toneladas de fruta por dia. Adega A COOPRADO tem percebido que o setor de vitivinicultura é um dos setores que merecem mais atenção, pela possibilidade de retorno aos associados. A cooperativa recebe ,aproximadamente, oito milhões e meio de quilos de uva por ano, que são destinados à elaboração de vinhos finos, espumantes, vinhos de mesa e sucos. Os investimentos são direcionados para o aperfeiçoamento dos processos de elaboração de produtos, manejo dos vinhedos, seleção das leveduras e no desenvolvimento de produtos e embalagens de acordo com mercados consumidores já mapeados como, por exemplo, os sucos integrais e concentrados em embalagens de vinho, especialmente desenvolvida para os hábitos de consumo no Norte e Nordeste do Brasil. Ração e grãos A cooperativa recebe milho de cerca de 100 agricultores dos associados, seca e armazena nos silos-secadores. Este milho é transformado em ração que recebe a marca COOPRADO por uma empresa parceira. Leite Cerca de 60 % dos cooperados têm no leite uma das fontes de sua renda, sendo que, para alguns, é a única. A cooperativa possui o posto de resfriamento de leite e, através dessa ação, recebe e negocia em conjunto a produção, aumentando as possibilidades de obtenção de melhores preços. Os associados produtores de leite recebem assistência técnica na propriedade. Loja A cooperativa possui uma loja agropecuária para que os associados possam adquirir insumos, máquinas e equipamentos. O objetivo dessa ação e possibilitar o fácil acesso aos insumos de produção necessários ao associado, com preços acessíveis e condições de pagamento. Assistência técnica Corpo técnico próprio que presta assistência nas áreas de fruticultura e leite. Fonte: COOPRADO, [201-] Essa experiência da COOPRADO é interessante, pois é uma grande cooperativa que atende duas áreas produtivas bem distintas, a fruticultura e a atividade leiteira. E, mesmo com o passar do tempo, a cooperativa continuou fazendo aquelas atividades que foram consideradas essenciais na sua formação, por e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 25 entender que deve atender as necessidades de todos os associados. Essas grandes cooperativas, apesar de possuir uma lógica empresarial no seu funcionamento, pois cooperativas são empresas, mas com foco nos sócios, são importantes para os agricultores, ainda mais quando conseguem manter um corpo técnico atuando continuamente. Outra experiência interessante, mas de uma cooperativa de menor porte, é a Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana fundada em 2011 e possui 38 associados. Esta cooperativa foi organizada em torno de uma agroin- dústria de suco de uva no município de Sertão Santana. Uma das atividades mais praticadas neste município é o cultivo de fumo e os parreirais tem sido fomentados como alternativa produtiva pelos agricultores. A cooperativa foi organizada para a construção de uma agroindústria regional, para que assim fosse possível transformar a produção dos agricultores em suco de uva integral. A primeira organização dos agricultores foi a “Associação de Produtores de Uva de Sertão Santana”, em 2008, que visava à diversificação da propriedade rural, sendo que mais tarde esta veio a se transformar em uma cooperativa. A cooperativa comercializa os sucos de uva para o Programa de Alimentação Escolar de vários municípios da região, além de acessar outros mercados varejistaslocais. Para a construção da agroindústria, a cooperativa recebeu recursos do Ministério do Desenvolvimento Agrário e uma contrapartida da Prefeitura Municipal de Sertão Santana. Este recurso só foi possível ser acessado porque os agricultores estavam organizados, pois é destinado para experiências coletivas. Atualmente, a cooperativa está buscando diversificar os produtos e está desenvolvendo o beneficiamento e embalagem de arroz, mas este produto ainda não está no mercado. A cooperativa não possui empregados contratados e todo processo de fabricação, comercial e gerencial, é realizado pelos associados. A Figura 1.5 mostra alguns sócios da cooperativa mostrando o rótulo e as embalagens de suco de uva. Para saber mais sobre a Cooperativa Agropecuária Sertão Santana, acesse: https://www.youtube.com/ watch?v=Kp5-1ZB_QKs https://www.facebook. com/pages/Cooperativa- Agropecu%C3%A1ria- de-Sert%C3%A3o- Santana/304247296401005 http://www.emater.tche.br/site/ arquivos_pdf/teses/Maria%20 Ines%20Fonseca.pdf Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 26 Figura 1.5: Rótulo e embalagens de suco de uva da Cooperativa Agropecuária Sertão Santana Fonte: https://www.facebook.com/pages/Cooperativa-Agropecu%C3%A1ria-de-Sert%C3%A3o-Santana/304247296401005 Esta cooperativa é um exemplo de pequenos grupos cooperativados. Ao conhecer essas experiências, podemos perceber que a organização muda a vida dos agricultores. Pois, além da questão da renda, no caso da Coopera- tiva Agropecuária de Sertão Santana, está a possibilidade dos agricultores desenvolverem e agregarem valor em uma alternativa à fumicultura. Além disso, os agricultores tornam-se protagonistas da produção, processamento e comercialização, o que não acontecia com o cultivo do fumo. Mas então, essa história de organização é só festa? Figura 1.6: Organização não é só festa, exige trabalho e diálogo Fonte: CTISM e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 27 Na próxima seção, vamos discutir as questões que podem se apresentar como problemas na organização dos agricultores. Pois, organizar uma associação, uma cooperativa ou um grupo informal não é tarefa fácil e isenta de problemas. Se não considerarmos os problemas, a organização pode resultar em algo negativo ao invés de positivo, o fato é que muitas histórias organizativas não resistiram muito tempo. 1.3 Cooperativa, associação e grupo informal O associativismo e o cooperativismo, embora guardem semelhanças, são termos que explicam organizações sociais diferentes. O associativismo visa à adoção de formas de agir em conjunto, estimulando a confiança, a ajuda mútua, o fortale- cimento e o empoderamento das pessoas. O cooperativismo é utilizado quando um grupo de pessoas se une e forma uma cooperativa, que é uma empresa de sociedade coletiva. “A cooperação é um processo social fundamentado em relações associativas, pelo qual as pessoas buscam encontrar soluções para os seus problemas comuns de forma cooperada” (THESING, 2015, p. 35). Tanto o associativismo como o cooperativismo são uma forma de organização que tem por finalidade ações que beneficiem todo o grupo, de forma igualitária. No entanto, essas duas organizações guardam diferenças importantes entre si: A diferença essencial está na natureza dos dois processos. Enquanto as associações são organizações que tem por finalidade a promoção de as- sistência social, educacional, cultural, representação política, defesa de interesses de classe, filantrópicas; as cooperativas têm finalidade essen- cialmente econômica. Seu principal objetivo é o de viabilizar o negócio produtivo de seus associados junto ao mercado (CREFITO8, 2015). Quando vai ser discutido, junto aos agricultores, o melhor modelo de orga- nização, é importante deixar claro que: “Enquanto a associação é adequada para levar adiante uma atividade social, a cooperativa é mais adequada para desenvolver uma atividade comercial, em média ou grande escala de forma coletiva, e retirar dela o próprio sustento” (CREFITO8, 2015). Outra diferença crucial entre as duas organizações é a relação entre o associado e o patri- mônio, pois na cooperativa “os associados são os donos do patrimônio e os beneficiários dos ganhos que o processo por eles organizados propiciará” (Ibidem). As sobras resultantes das transações comerciais da cooperativa, quando decididas em assembleia, podem ser distribuídas entre os associados. O patrimônio acumulado da cooperativa é de propriedade dos sócios e, no caso de dissolução, pode ser repartido entre estes. Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 28 Já na associação, o patrimônio acumulado, em caso da sua dissolução, deverá ser des- tinado à outra instituição semelhante, conforme determina a lei, e os ganhos eventualmente auferidos pertencem à sociedade e não aos associados que dela não podem dispor, pois os mesmos, também de acordo com a lei, deverão ser destinados à atividade fim da associação. Na maioria das vezes, os associados não são nem mesmo os beneficiá- rios da ação do trabalho da associação (CREFITO8, 2015). A maior desvantagem da associação, em relação à cooperativa, é o enges- samento do capital e do patrimônio, no entanto, tem algumas vantagens, como por exemplo, o gerenciamento mais simples e o custo de registro menor (Ibidem). Mas, é importante saber se o objetivo maior é a atividade econômica a organização mais adequada é a cooperativa. O grupo informal é apenas um agrupamento voluntário de pessoas sem a constituição de uma figura jurídica. Os grupos informais, normalmente, são constituídos quando um determinado número de pessoas se reúne, por objetivos comuns, para se ajudar e crescer mutuamente. É comum os grupos informais, no decorrer do tempo, se constituírem como associações ou coo- perativas. Importante ressaltar que as três formas são associativas, mas você não pode chamar um grupo informal ou uma associação de cooperativa. Os grupos informais, normalmente, tem um número menor de participantes e se constituem para questões que não exigem formalidade ou são anteriores a uma organização formal. Alguns exemplos de finalidades dos grupos informais: a) Para facilitar o trabalho de ATER (Assistência Técnica e Extensão Rural) – é mais fácil para os extensionistas trabalharem com grupos de agricultores do que atender cada família individualmente. O trabalho de ATER rende mais em grupo, proporciona troca de experiências entre os agricultores, aumenta o aprendizado de todos, inclusive do extensionista. Além disso, o extensionista pode atender um número maior de agricultores. Há orientações e forma- ções para os agricultores que não precisam ser realizados individualmente, o extensionista pode reunir o grupo de fruticultores uma vez ao mês e realizar várias atividades tais como: práticas de poda; ensinar a coletar amostras de solo para análise; a fazer biofertilizantes, caldas e preparados biodinâmicos; controle de pragas; manejo de adubação verde. Enfim, são diversas as pos- sibilidades do trabalho em grupo. Importante salientar, que as atividades de ATER grupais devem ser realizadas, a cada vez, na propriedade de um agricultor. A propriedade de cada um por si só é um aprendizado diferente. e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 29 b) Para dividir máquinas e equipamentos – é comum entre vizinhos ou fami- liares a compra de máquinas em conjunto, principalmente máquinas que não exigem uso contínuo, como por exemplo: pulverizador atomizador, rolo faca, perfuratriz para abrir as covas para implantação dos pomares. c) Para comprar insumos em conjunto – quando é necessária a compra de insumos de longas distâncias, os agricultores se organizam para comprar conjuntamente, pois assim viabilizam o frete e reduzem o custo. d) Quando o grupo ainda não tem intenção ou condições para se organizar em uma associação ou cooperativa– os agricultores podem se organizar em um grupo informal até conseguirem definir o que querem e alcançar maior identidade de grupo. Nesse período, podem usufruir da ATER em grupo, dividir máquinas e comprar insumos coletivamente. As associações e cooperativas podem ser compostas por grupos grandes ou grupos menores. O tamanho do grupo vai depender dos interesses dos associados e dos objetivos da organização. Quando se tem o objetivo de construir estruturas de armazenagem para frutas por exemplo (câmaras frias), adquirir estruturas de transporte (caminhões apropriados), contratar pessoal especializado para construção de mercados, acessar mercados de longa dis- tância nacionais e internacionais, é necessário um investimento maior e uma imobilização grande de capital. Nesses casos, cooperativas com maior número de associados se faz mais interessante que pequenas organizações. O associativismo e o cooperativismo, quando baseado em um grande número de pessoas, tem como principais dificuldades o estabelecimento de objetivos comuns, o que acaba dificultando as ações e a eleição da representatividade do grupo. É comum, nesses casos, eleger uma diretoria que aglutina um número significativo de sócios apoiadores e esta se perpetuar ao longo do tempo. Outro problema de grupos grandes é a dificuldade de socializar as informações, que muitas vezes acaba ficando restrita à diretoria. No entanto, isso não é regra, pois a gestão pode ser democrática e descentralizada, onde pequenos conselhos operaram e participam ativamente na vida da coopera- tiva. As organizações menores tem mais facilidade de estabelecer objetivos, pactuar planos de trabalho em conjunto e estabelecer a rotatividade necessária da diretoria. No entanto, também em pequenas organizações, é comum observarmos aqueles sócios considerados mais aptos para serem os líderes e também centralizarem as informações. Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 30 Os objetivos do grupo poderão determinar se a associação é o melhor caminho, pois se os agricultores visam a comercialização, por exemplo, a cooperativa é a mais indicada, por sua estrutura jurídica ser mais adequada a esse fim. A responsabilidade do processo organizativo é de todos os associados e não somente da diretoria. A associação cooperativa, ou grupo informal, existe para que haja ajuda mútua, do contrário, o grupo tende a não alcançar os objetivos. 1.3.1 A construção do estatuto A constituição do grupo exige a participação de todos, desde o início e não somente nos momentos de votação. Uma organização constituída de forma participativa tende a buscar o consenso e não a votação, no momento das decisões. Um erro frequente na constituição de uma organização é um ou dois participantes, ou o motivador, que no caso poderá ser o extensionista rural, chamar o grupo para a uma reunião, lançar a proposta e, num segundo momento, apresentar um estatuto já pré-concebido, apenas para a apreciação do grupo. Isso é um equívoco, pois os associados devem participar ativamente da elaboração o estatuto, pois este não é um mero documento, é a identidade do grupo e deve ser construída coletivamente. A construção coletiva de cada uma das partes do estatuto é a construção da unidade e da identidade do grupo. Para isso, é necessário que alguém assuma o papel de coordenador do processo, que poderá ser um ou dois sócios ou os agentes de extensão rural que estão prestando apoio e fomentando o grupo. Para que ocorra uma verdadeira construção coletiva, o uso de técnicas que proporcionem a participação é fundamental, caso contrário sempre os mesmos falarão. Ou pior, o coordenado conduz a discussão para o lado que julga ser o mais certo, o que nem sempre representa os interesses de todos os associados. A construção coletiva prescinde do entendimento de que os agricultores, por mais que tenham objetivos comuns ao se organizarem, são diferentes, tem trajetórias de vida diversas e tem formas de ação e compreensão distintas. As metodologias participativas buscam fomentar a participação de todos, mas respeitando as diferenças. Em uma reunião do grupo de agricultores, que irá constituir a associação, terá aqueles que falam bastante, os tímidos, os distraídos, os que fazem piada de tudo, os que não têm coragem de falar para o grupo e ficam cochichando com o vizinho, os céticos. O moderador precisa proporcionar a participação de todos. Mas, quais são as técnicas que devem ser utilizadas para proporcionar a participação? Na aula quatro, dessa apostila, vamos apresentar a técnica de moderação móvel, como um método participativo para a condução de estatuto É um conjunto normas jurídicas, acordada pelos sócios ou fundadores, que regulamenta o funcionamento de uma pessoa jurídica, quer seja uma sociedade, uma associação ou uma fundação. Em geral, é comum a todo o tipo de órgãos colegiados, incluindo entidades sem personalidade jurídica. Para saber mais sobre as técnicas e ferramentas para conduzir as reuniões de construção do estatuto e outras reuniões das organizações consulte o material didático de Extensão e Desenvolvimento Rural. e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 31 reuniões. A Figura 1.7 ilustra um pouco das diversas personalidades que o moderador poderá encontrar em uma reunião. Figura 1.7: Diferentes personalidades que poderão estar em uma reunião Fonte: CTISM Quando o moderador utiliza técnicas de moderação móvel, tais como chuva de ideias, grupos pequenos de discussão, matrizes FOFA, desenhos e diagramas, possibilita que os problemas relativos às personalidades individuais de cada um não se sobressaiam à construção coletiva. Outra questão é a atuação das lideranças no grupo, pois é comum existir pessoas que exercem mais a liderança, isso é bom para o grupo desde que todos os associados tenham igualdade de oportunidade de participação na organização. A liderança tem o papel de estimular, fomentar a discussão, motivar a participação e não de tomar decisões a revelia dos interesses do grupo. A Figura 1.8 representa o líder exercendo o seu papel em situação de igualdade com o grupo. E o líder que comanda, ao invés de construir coletivamente. Figura 1.8: Diferença entre líder e chefe Fonte: CTISM Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 32 Nem sempre o líder faz parte da diretoria e quando o faz deve ter consciência que é por um tempo determinando, assim deve criar possibilidades para que outros sócios se empoderem e tomem coragem de serem líderes também. Parece ser estranho falar de coragem, mas, às vezes, é isso que falta para que sócios assumam cargos de diretoria. A inclusão de todos no processo possibilita conhecimento e sentimento de pertencimento, afinal esse é um dos objetivos dos grupos associativos. 1.3.2 Questões que podem se tornar problemas nas organizações de agricultores As organizações, sejam formais ou informais, são compostas por pessoas que possuem afinidades. Vejamos o exemplo dos agricultores associados da Cooperativa Agropecuária Sertão Santana. Eles se reuniram, formaram a associação e mais tarde a cooperativa, porque se identificavam entre si, o que não significa que são iguais, que pensam de forma igual ou que não possuam conflitos internos. A matriz FOFA abaixo demonstra as potencialidades e os limites desse grupo de agricultores. Quadro 1.3: Matriz FOFA da Cooperativa Agropecuária de Sertão Santana Forças Fraquezas • União do grupo de associados. • Trabalho coletivo. • Cooperativa é formada na sua maioria por agricultores familiares. • Controle financeiro. • Planejamento anual. • Dificuldade na gestão. • Falta de experiência no sistema cooperativo. • Sazonalidade da produção da uva. • Dificuldade de mão de obra para o período de produção do suco de uva. • Produção de uva do associado está direcionada para a produção de vinho caseiro. • Ociosidadedos equipamentos da agroindústria. • Falta de um auxiliar administrativo contratado. • Pouca divulgação do produto. • Dificuldade na distribuição do suco de uva. • Marca pouco conhecida. • Perda dos produtores. Oportunidades Ameaças • Atuação no mercado institucional de alimentos. • Parcerias fortes com entidades educacionais. • Intercooperação. • Demanda crescente do mercado consumidor. • Preocupação do público-alvo, do mercado aberto, com uma vida saudável. • Programas do governo direcionados à diversificação da produção, principalmente em áreas de plantio de tabaco. • Concorrência com o suco de laranja na alimentação escolar. • Concorrência com os produtos substitutos de baixo custo (refrigerantes, sucos desidratados). • Possibilidade de restrição governamental no mercado institucional. • Perda da safra por motivos climáticos. • Pouca informação disponível sobre os benefícios do consumo do suco de uva. • Pouca informação sobre a região de Sertão Santana como produtora de uva Bordô. Fonte: Fonseca; Pagnussatt, 2013 e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 33 Qual o caminho para estes agricultores resolverem os problemas detectados e os próximos que surgirão? Segundo Sperry e Mercoiret (2003), a comunicação constante e a transparência são essenciais para resolver problemas das organi- zações. É necessário que todos os associados saibam o que os outros pensam e que os interesses de todos sejam colocados à mesa de discussão para que os caminhos possam ser tomados coletivamente. O problema é que a maioria das pessoas pensam que não pode falar o que pensam e nem exteriorizar os sentimentos. Por isso, os momentos coletivos e o uso de metodologias para discutir os problemas são importantes. Os extensionistas podem ajudar os agricultores no início do processo, até que eles se sintam empoderados e possam fazer eles mesmos. As metodologias devem sempre ser usadas para discutir os problemas e achar os caminhos para a solução desses. Uma coisa é colocar todos os associados em uma sala e tentar fazer com que manifestem seus sentimentos e angústias, ou suas opiniões controversas. Outra coisa é dividir em grupos menores e desenvolver uma metodologia. Vamos pensar em uma árvore de problemas, os agricultores vão desenhar a árvore, conversar, se descontrair e na hora de escrever os problemas já estarão mais a vontade. A metodologia, também, leva-os a pensar nas causas e nas consequências do problema, o que aumenta a discussão. Os pequenos grupos são sempre ideais para discutir problemas e buscar soluções. Discutir problemas no grande grupo só gera um problema maior. Uma questão que deve ficar clara é que problemas sempre existirão, o diferencial dos grupos de sucesso é a forma como resolvem os problemas. “Quando os agricultores se estruturam em torno de uma organização do tipo associação, não sabem muito bem quem são, nem qual é a sua posição no interior do grupo, ou o que seus companheiros pretendem” (SPERRY; MERCOIRET, 2003). Essas questões geram insegurança e desconfiança para assumir e realizar tarefas que beneficiam o coletivo. Por isso, é necessário estar bem claro para todos os associados: • Quais os objetivos da associação, grupo ou cooperativa? Ou seja, o que se pretende alcançar com a organização? • Quais os benefícios que os associados terão? • Quais as responsabilidades de cada um? • Quais as atividades coletivas que serão realizadas? Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 34 • Quais as ações individuais que cada associada(o) deverá fazer? • Quais os recursos estão sendo mobilizados? Para isso, é necessário a construção de documentos de forma coletiva e parti- cipativa, onde todos tenham acesso à construção e à informação. É necessário um cronograma de atividades onde aparece de forma clara. Figura 1.9: Cronograma de atividades com as principais questões Fonte: CTISM Do contrário, vai acontecer como na história onde participavam quatro pessoas: Todo mundo, alguém, qualquer um e ninguém. Esta é uma história de quatro pessoas: todo mundo, alguém, qualquer um e ninguém. Havia um trabalho importante a ser feito e todo mundo tinha certeza de que alguém o faria. Qualquer um poderia tê-lo feito, mas ninguém o fez. Alguém se zangou porque era um trabalho de todo mundo. Todo mundo pensou que qualquer um poderia fazê-lo, mas ninguém imaginou que todo mundo deixasse de fazê-lo. Ao final, todo mundo culpou alguém quando ninguém fez o que qualquer um poderia ter feito. Outra questão fundamental e a elaboração de relatórios mensais, tanto de atividades como financeiros. Os relatórios, além de compor a história da organização, são importantes formas de comunicar a todos, os resultados das atividades planejadas e executadas. Quando os grupos são maiores, estas atividades tendem a ser mais realizadas pela diretoria e pelos empregados da organização. No entanto, muitas cooperativas utilizam mini assembleias, reuniões de núcleos para envolver menores grupos e intensificar os canais de comunicação. Um método utilizado para democratizar os trabalhos das e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 35 cooperativas que possuem um maior número de associado é o chamado OQS (Organização do Quadro Social). O método OQS emerge como uma prática institucional de participação e controle democrá- tico nas organizações cooperativas, caracterizado pela formação de uma nova instância de exercício do poder, além das instâncias mais comumente encontradas nas cooperativas como a assembleia geral, o conselho de administração, o conselho fiscal, dentre outras. Dessa ma- neira, trata-se de estruturar uma nova forma de expressão e integração entre os membros do grupo cooperado, realizando, assim, a verdadeira cooperação e a viabilização das atividades individuais e coletivas, pos- sibilitando que vivenciem de fato o princípio cooperativista da gestão democrática (BLOG DO COOPERATIVISMO). O tamanho da organização vai definir a dinâmica do planejamento das ações e a forma de relato das mesmas. Para Sperry e Mercoiret (2003), os grupos associativos sempre terão conflitos, o que difere é a forma como os confli- tos são administrados. Para os autores, em muitas organizações é comum os associados encararem o conflito como um jogo, onde alguns poderão terminar como “ganhadores” e outros como “perdedores”. Isso não é bom para o grupo, pois os “perdedores” tendem a se desmotivar e, muitas vezes, abandonar a organização. O conflito não pode ser conduzido e encarado como um jogo, mas como uma possibilidade da organização resolver os seus problemas internos e se consolidar ainda mais. Para resolver as situações de conflito é necessário negociar, sentar à mesa e discutir de forma igualitária, por isso as metodologias participativas são interessantes e devem sempre ser utilizadas. Nesses momentos, a mediação realizada pelo agente de extensão rural pode ser interessante, pois o extensionista não é um associado e tenderá a atuar como mediador e não como árbitro da situação. 1.3.3 As principais situações problemas Todo o grupo é composto por pessoas e as pessoas são diferentes. Isso implica em situações onde essas diferenças irão parecer. Abaixo vamos explicar algumas situações que poderão ser encontradas em organizações. a) Habilidades insuficientes para administrar os trabalhos – os agricul- tores quando se organizam em associação ou cooperativa quase sempre se desafiam a inovar. Isso é uma coisa boa, vejam o exemplo da Cooperativa Agropecuária Sertão Santana, os agricultores fundaram uma cooperativa para poder agroindustrializar a uva em suco integral. Esses agricultores não sabiam quase nada de agroindústria, do processo de fabricação, de Para saber mais sobre o método OQS, acesse: http://cooperativismoweb. blogspot.com.br/p/organizacao- de-quadro-social-oqs.html http://www.apgs.ufv.br/index.php/apgs/article/view/26/ 27#.VenuFJerH3A Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 36 embalagem, de rotulagem, de mercado. Os agricultores envolvidos em um processo associativo precisam ter habilidades que não tinham nas ati- vidades anteriores e isso deve ser sanada com cursos, assistência técnica de qualidade, visitas técnicas a outras agroindústrias, estudos... E agora José? Figura 1.10: Expressão de dúvidas dos agricultores que poderão surgir na organização Fonte: CTISM É necessário os sócios estarem suficientemente conscientes de que é necessário organização, participação em cursos, treinamentos e que o primeiro ano é sempre aquele onde a aprendizagem é maior. É comum os agricultores envolvidos em associações e cooperativas lembrarem-se do primeiro ano de forma nostálgica, pois marca a história organizativa deles. É onde eles vão sentir as maiores dificuldades e onde a união vai mostrar suas forças. É preciso que os agricultores estejam cientes da sua disponibilidade de tempo antes de fazer o planejamento das atividades coletivas, para que não sejam planejadas atividades para além da capacidade dos sócios. Isso vai gerar uma demanda de trabalho maior que a disponibilidade de mão de obra, o que causa rupturas em associações e cooperativas. b) Falta de regras e de planejamento – Sperry e Carvalho Jr. e Mercoiret (2003) afirmam que os agricultores não costumam registrar os resultados que alcançam, nem os passos que seguiram para fazer determinada tarefa, guardam tudo na memória. Isso funciona na unidade de produção familiar, mas no grupo associativo é necessário uma organização maior e um pla- nejamento. Dependendo da atividade, o planejamento deve se semanal. É bom ter um mural na sede onde o planejamento possa ser exposto. e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 37 Outro aspecto fundamental é o controle do fluxo de caixa, os recursos do grupo devem ser minuciosamente registrados, acompanhados e de conhecimento de todos. No início, os agricultores necessitam de assessoria para fazer o registro dos dados necessários para a contabilidade da organização, mas com o tempo aprendem e podem fazer sozinhos. No entanto, a contabilidade é obrigatória para toda cooperativa e tem que ser feita por contador. Os agricultores aprendem e se apropriam da gestão da organização. É importante os agricultores organizarem os documentos constantemente, não dá para jogar todas as notas em uma caixa e no fim do ano olhar, pois aí já estarão todos perdidos com relação às finanças da organização. Figura 1.11: Importância da organização dos documentos da organização Fonte: CTISM O registro contábil exige ações simples, um caderno onde os agricultores anotam as entradas e saídas de dinheiro, e um arquivo com as notas devida- mente organizadas em ordem cronológica, já resolve o problema. Porém, o ideal seria uma planilha ou um programa de computador, para um trabalho mais organizado e definitivo. Existem programas contábeis gratuitos que são simples e fáceis de operar. Envolver um jovem, filho de um agricultor ou um associado mais jovem é interessante para manusear planilhas de computador, pois esses tem mais habilidade para utilizar esses recursos, por outro lado, acabam se comprometendo com a organização. Os jovens tem que fazer parte do processo, não podem ser sempre “filhos dos agricultores”, devem ser “filhos de agricultores, agricultores”. a) Se for definido que haverá reunião mensal, a mesma deverá acontecer e os responsáveis deverão cumprir com as obrigações assumidas no plane- jamento. As reuniões servem para avaliar o planejamento, apresentar o Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 38 relatório financeiro e planejar novamente. Essas ações são essenciais, do contrário vira uma bagunça que ninguém mais entende. A clareza, prin- cipalmente do destino dos recursos, das entradas de dinheiro, do lucro do período é fundamental. Questões obscuras que envolvem recursos provocam desentendimentos nas organizações, falta de comprometimento daqueles que não tem acesso à informação e na pior das hipóteses desis- tências, por falta de confiança. b) A visão dos associados com relação à organização – se o processo asso- ciativo não foi conduzido de forma participativa, os associados tendem a não se sentir parte do mesmo. E acabam não assumindo suas responsa- bilidades. Esse é um problema comum de associações e cooperativas. As atividades acabam ficando mais restritas a um grupo, que se sobrecarrega de trabalho, principalmente a direção. E os associados tendem a reclamar quando as coisas não saem como gostariam. Os associados, nesses casos, tendem a pensar assim: “A culpa é sempre da diretoria que não informou, que não fez, que não foi clara”. Esse tipo de situação não é favorável e quando acontece é necessário sentar todos juntos e resolver os problemas, do contrário poderá acontecer rupturas no grupo. São necessários um maior comprometimento e participação por parte dos associados e uma abertura por parte da direção. c) Cooperativa × empresa – as grandes cooperativas tendem a se comportar como uma empresa, como o número de associados é grande dificulta reu- niões com todos. Assim, é eleita uma diretoria e contratados empregados para realizar as atividades. Os associados se beneficiam da cooperativa através da garantia de compra de seus produtos, da loja, da assistência técnica, ou seja, dos serviços oferecidos. Muitas grandes cooperativas se distanciam tanto dos associados que eles não se sentem mais parte do processo e acabam não participando mais das assembleias e dos espaços abertos à participação. No entanto, existem boas experiências de grandes cooperativas que cumprem um papel importante para os agricultores e constroem espaços coesos de participação e empoderamento de todos os associados. O grande desafio de cooperativas que crescem é manter a coesão social, comprometimento e participação. A maioria das coo- perativas quer crescer e oferecer mais e melhores serviços aos sócios, mas é necessário equilibrar o crescimento com continuidade e ampliação da participação. Espaços descentralizados, miniassembleias, núcleos de discussão por setores, grupos de trabalhos, são exemplos de ações que garantem uma maior participação dos associados. e-Tec BrasilAula 1 - A importância da organização dos agricultores 39 d) Individualismo × solidariedade – vivemos em uma sociedade individualista, onde cada um resolve a sua vida, na maioria das vezes. E os agricultores com a modernização da agricultura foram aos poucos perdendo as prá- ticas coletivas. Antigamente, era comum os mutirões de trabalho, hoje esses praticamente não existem. Isso foi moldando a ação dos agriculto- res, as decisões e as atividades são tomadas e realizadas com a família e circunscritas aos limites da propriedade. Com a organização, é necessário começar a trabalhar no coletivo, administrar ideias divergentes, trabalhar em conjunto, abrir mão em determinados momentos da atividade indivi- dual na propriedade pela atividade coletiva. Mudar a ação individual para uma ação coletiva não é tarefa fácil e durante todo o processo, por mais unido que seja o grupo, sempre aparecerão conflitos com relação a isso. Os conflitos deverão ser administrados da melhor forma possível, que é sempre o diálogo. e) Associado × presidente – o presidente da associação ou da cooperativa é um associado como outro. Ele está ocupando o cargo por determi- nado momento. Os cargos de presidência e da diretoria não podem ser vitalícios. Todos devem ter o direito de serem coordenadores do grupo, para que todos possam se apropriar de todo o processo. É comum nos grupos ter aqueles que falam mais, que tem mais anos de escola, que são os considerados mais “espertos” por todos. Também é comum estes mais “espertos” se perpetuarem nos cargos de direção e os outros nas atividadesmais braçais. Esse cenário não é interessante para o grupo, pois gera discórdia, problemas de comunicação, descontentamento. A situação ideal é oportunizar a todos os participantes do grupo à participação nos cargos de direção. No entanto, as particularidades de cada um devem ser respeitadas. Há grupos onde alguns não se habilitam para os cargos de direção e não deixam de ser ativos na organização em todas as etapas, desde o trabalho até as decisões. Resumo Nessa aula, podemos verificar de que a cooperação não é algo novo ou da contemporaneidade, pois sempre existiu na história da humanidade. No entanto às transformações ocorreram no mundo do trabalho a partir da Revolução Industrial e no meio rural com a modernização da agricultura, foram determinantes para uma nova fase da cooperação. No cenário da moderniza- ção da agricultura e da ênfase em commodities, os agricultores com menos recursos, ao se organizarem, tornam-se mais hábeis para enfrentar situações Associativismo e Cooperativismoe-Tec Brasil 40