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Sociologia do Direito

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[SOCIOLOGIA DO DIREITO]
	
AULA 01 
INTRODUÇÃO
A sociologia é a ciência que estuda o comportamento de homens e mulheres na sociedade. Ela percebe a criatividade humana diante de constrangimentos de várias naturezas, ex. morais, econômicos, ideológicos, políticos, jurídicos etc. Dentro dessa esteira, quando o CNJ determina que cada Tribunal realize determinada atividade, cada um deles o exerce de uma forma. 
Durkheim e Weber são os responsáveis pela construção desta disciplina e pela fundação da primeira escola de sociologia do mundo. 
Karl marx
	É o pai do socialismo científico. Para ele, o proletariado deveria tomar o Estado e instaurar a ditadura do proletariado. No controle do Estado, usaria a máquina estatal para oprimir a burguesia, invertendo a lógica existente até então. Quando esse processo – denominado socialismo – se concluísse, o mundo passaria a ser governado por comunas gentílicas.
	Marx foi fortemente mobilizado pela ideia de que, se ele não compreendesse os fenômenos que o circunscreviam, isso seria insuficiente. Por isso, migra da filosofia clássica alemã para a teoria política francesa. Passou a estudar os relatórios do Império britânico e se torna um economista inglês, pois eram os ingleses que queriam criar uma teoria social da realidade baseada em fatos (ex. êxodo rural, desenvolvimento do capitalismo, revolução industrial etc.). Marx vê uma Europa sucumbir a tiranias imperiais após movimentos revolucionários.
	Ao fundar o socialismo científico e o materialismo histórico, ele vai defender que existe uma postulação de sentido dos fenômenos históricos. Marx assistiu a transição da Idade Média para a Idade Moderna. Compreendeu revoluções burguesas que visavam tirar o poder da aristocracia nos séculos XVIII e XIX e que tiveram contornos distintos conforme os países. Marx quer entender essa dinâmica dos diversos pontos de vista.
	Todas essas circunstâncias impulsionaram Marx para determinadas empreitadas intelectuais. Ele se debruçou sobre a ideia de que não é possível transformar o mundo sem conhecê-lo. 
Modo de produção global
	Marx se vale de metáforas para explicar a sociedade. Ele chama a sociedade de “modo de produção global”, porque esse modelo teórico pode ser aplicado a diversas realidades, adaptando-se (não existe na prática). Esse modelo advém de uma observação da realidade. O modo de produção global é o modo de produção dos fenômenos da vida; não só mercadorias, mas ideias, sentimentos religiosos, conformações familiares etc. Tudo isso, para a ciência, não vêm da natureza, mas se traduzem em artefatos humanos. Os fenômenos da vida social não são dados anteriormente, mas construídos pelos indivíduos. Dentre eles, temos a ideologia, a religião, a política, a economia e o direito. A forma como esses fatores se organizam dentro do modo de produção global compõe o estudo de Marx.
	A metáfora de Karl Marx vem da construção civil. Ele vê a realidade social como um prédio que contém uma infra-estrutura – o que não é visível – e uma super-estrutura – que é visível. A infra-estrutura da realidade social não é sentida pelos indivíduos no cotidiano e não é experimentável pelos sentidos, contudo, ela é extremamente importante, é o fator determinante do resto da construção. É a fundação de um prédio. 
 Ideologia: é a organização da matéria que produz a ideia. Portanto, a ideia é produto de outras relações, um determinado e não fator de determinação. A definição de ideologia para Marx é falso conhecimento (é aquilo que o indivíduo acha e que, geralmente, não tem a ver com a realidade material).
 Política: se enquadra na super-estrutura; é um determinado. Os movimentos revolucionários burgueses denotam essa ideia. A burguesia passou a dominar a economia, mas ainda não detinha a hegemonia política. Por isso, deu azo aos movimentos revolucionários para que pudesse se enquadrar na política e obter direitos políticos, como o sufrágio universal. É nesse contexto que surge o Iluminismo.
 Economia: é um determinante, se enquadra na infra-estrutura. Marx baseia sua teoria em uma luta de classes, divididas a partir de critérios econômicos, e é essa luta de classes que é considerada fator de determinação.
 Religião: é um determinado, se enquadra na super-estrutura. É claro que os países que tiveram mais desenvolvimento capitalista foram os que realizaram reformas protestantes. A distribuição do poder religioso na sociedade é determinada por fenômenos econômicos.
	 Direito: de início, tinha seu fundamento nas chamadas glosas, isto é, comentários de determinados textos visando interpretá-los, realizados pelos glosadores. O texto mais glosado à época era o chamado Corpus Juris Civilis, com o fito de ser um direito absolutamente conservador que mantivesse no poder as aristocracias tradicionais. A burguesia vê então a necessidade de um direito que lhe tutelasse. É nesse espectro que nasce a ideia do jusnaturalismo como uma ideologia jurídica revolucionária de combate. É argumento suficiente para que se questionasse a ordem jurídica então vigente o fato de existirem direitos inerentes ao homem, à sua natureza racional, e que não podem ser contrariados por convenções humanas, dentre as quais a manutenção de uma aristocracia no poder. Para Marx, a ideia desse novo direito não é acertada, na medida em que, quando a burguesia toma o poder, o direito deixa de ser advindo do jusnaturalismo para dar lugar ao juspositivismo, isto é, o direito volta a nascer do Estado. A relação do direito com a sociedade, portanto, é uma relação de determinação econômica.
	Marx vê a transição de uma sociedade feudal para uma sociedade semi-feudal e posteriormente capitalista. Para ele, o capitalismo, isto é, o domínio pela burguesia, era bem melhor do que o feudalismo, mas ainda se baseava em uma relação de exploração do homem pelo homem e, portanto, não era suficiente. Para produzir uma mercadoria, são necessárias três forças produtivas: natureza, força de trabalho e meios de produção. O burguês tem meios de produção e precisa comprar a força de trabalho alheia. Ocorre que ele não paga para o trabalhador o valor que seria devido, mas se apossa da chamada “mais-valia”, o que lhe permite manter-se no domínio econômico. Marx luta por uma sociedade sem classes e entende que sem violência não há transição real de poder. Para Marx, não adianta mudar a ideologia, o direito ou a religião. Tem que mudar a economia para que seja possível entregar os meios de produção e dividir as riquezas.
	Atualmente, há exemplos da teoria da determinação econômica dos fatos jurídicos: corrupção política (ex. mensalão), superpopulação carcerária, declarar uma guerra. O capitalismo destruiu a estrutura responsável pela manutenção dos grandes empreendimentos da civilização através das gerações. Ex. A família heteroafetiva que até então era responsável por gerar a prole, sendo o primeiro sucessor detentor do direito de primogenitura, deixa de ser alvo de proteção exclusiva, para proteger também outras entidades familiares, como a homoafetiva. 
Em resumo: A teoria de Marx defende a determinação econômica dos demais fenômenos, dentre os quais se incluem os fenômenos jurídicos. Então, para tudo que ocorre, há de haver uma razão econômica.
tocqueville	
	Para Tocqueville, como a efetividade das leis depende de um conserto, de um arranjo entre as cadeias sancionatórias do direito, ou seja, de atores concretos que tornem a lei uma realidade, que a apliquem no caso concreto. Ex. Lei Maria da Penha – mesmo antes dessa lei, já era proibido homem bater em mulher, mas os delegados, promotores e etc. arquivavam os inquéritos, ou seja, não davam efetividade concreta à lei. Para Tocqueville, a força moral da mulher surge justamente quando ela passa a ocupar esses papeis na sociedade (ex. delegada, juíza), momento a partir do qual passa a ser protegida.
	Tocqueville é contemporâneo ao Marx e, portanto, o contexto que o circunscrevia era o mesmo. Ele questionava o fato de que, mesmo após a Revolução Francesa, manteve-se a aristocracia no poder através de um Imperador.
Ela sobreviveu aos movimentos revolucionários e nada mudou.
	Poucos anos antes da Revolução Francesa, está acontecendo outro movimento no ocidente – a Independência dos Estados Unidos. Tocqueville viaja para os EUA e escreve uma obra denominada “A Democracia na América”. 
	O que mais impressionou Tocqueville foi que várias colônias americanas se uniram e expulsaram os ingleses em uma luta violenta. Posteriormente, perceberam que em determinadas matérias deveria haver uma união (ex. moeda, economia, exército etc.). Era necessário definir como seria o sistema representativo. Os estados do Sul criam que o Parlamento tinha que representar a porcentagem da população distribuída pelo país. Os estados do Norte criam que o Parlamento tinha que representar os estados. Não havia espaço para dominação aristocrática. No entanto, existia uma classe de pessoas que, na sua maneira de falar, de se vestir, de se pensar e de se comportar, se parecia com a aristocracia europeia, qual seja a dos juristas. 
O desenho institucional da magistratura americana era igual ao desenho da magistratura francesa do século XIX. O Poder Judiciário dos EUA se baseava em uma tríade:
· Inércia: para Tocqueville, o objetivo era diminuir o poder do juiz na sociedade, controlando a magistratura.
· Limites objetivos da coisa julgada: a decisão de um juiz se limita ao caso julgado. Ele não pode estender suas decisões para fatos que não lhe foram submetidos. 
· Árbitro: ao Judiciário é dada a função de atuar como árbitros de conflitos. Ele não pode nem executar as leis nem fazer as leis, mas deve a elas se submeter. É a submissão política do Judiciário.
Para Tocqueville, nos EUA, o Poder Judiciário poderia ser considerado a maior força política sem partido, embora houvesse submissão política. Isto porque a presença do Judiciário na vida política americana era intensa. O juiz americano podia deixar de aplicar a lei caso entendesse inconstitucional. O juiz só consegue esse poder político porque não mexe na prerrogativa dos demais Poderes. Quando a Suprema Corte americana diz que uma lei é inconstitucional, não está ofendendo a função legislativa, mas apenas retirando-lhe a força moral em determinado caso. Se demais pessoas, inspiradas com tal solução, também buscam o Judiciário e este retira a força moral da lei em vários outros casos, há o que se chama de perda da força moral da lei. Embora ela exista e esteja vigente, não é mais aplicada à maioria dos casos. Para analisar o Direito, deve-se o lhar para a prática. 
A cidadania judicial nos EUA era exercida porque havia uma cultura de buscar a realização de interesses subjetivos através do Judiciário com base na lei. Essa cultura dá poder político ao Judiciário. Ele só se submete na política por acaso, mas é um acaso recorrente, que acontece periodicamente, mediante a confluência da prática de vários atores sociais. 
A força moral da lei é a força que ela tem no meio da sociedade, na práxis social, nas ações humanas (ex. o que fez as pessoas pararem de beber e dirigir não foi a Lei Seca, mas as blitz. Já houve tentativa de retirar a força moral dessa lei com o twitter da Lei Seca). O direito só é possível mediante a confluência de práticas de indivíduos concretamente. 
Aula 02
Weber e Durkheim são dois clássicos da Sociologia, considerados fundadores da referida disciplina. 
DURKHEIM
Introdução
	Ele funda a Sociologia e começa a pensá-la como ciência. Viveu em um período de estabilidade social. Embora identificasse uma “crise” na sociedade, porque era tempo de transformação. A Revolução Industrial estava começando e a sociedade encontrava novas maneiras de se organizar. Houve uma urbanização, a aglomeração de pessoas em várias cidades, explosão do mercado de trabalho etc. É o período também em que se iniciam as chamadas colonizações e chegam ao conhecimento de Durkheim relatos sobre essas sociedades. Durkheim, ao olhar para essas sociedades ditas primitivas, ele compreende que, apesar de todos serem humanos, se organizavam de maneira distinta. O Direito é a maneira como as pessoas se organizam e, por isso, também varia conforme a sociedade.
	No tempo de Durkheim, considerava-se ciência somente aquelas que podiam ser experimentadas (empirismo), como as ciências exatas (Física, Matemática, Química etc.). Durkheim buscava que as ciências humanas, assim como a Sociologia, fossem reconhecidas como ciência, na medida em que também são pensadas a partir de um método.
Grandes Obras
	Existem algumas grandes obras do Durkheim: 
· “As regras do método sociológico” (1895): explica porque a Sociologia, assim como as ciências exatas, deve ser considerada ciência, e quais são as regras do método utilizado para estudar esta disciplina.
· “Da divisão do trabalho social” (1893): Durkheim percebe a diferença das sociedades primitivas para a sociedade parisiense de sua época e as explica através da divisão do trabalho social. Nos primórdios, a divisão do trabalho social era insipiente, mas restrita a uma circunscrição menor (poucas pessoas realizando toda a etapa produtiva com laços próximos). Já nas sociedades mais desenvolvidas, a divisão do trabalho social é extremamente especializada e cada um realiza parte da etapa produtiva, afastando os laços entre as pessoas. Durkheim conclui que as mudanças na sociedade (ex. aumento de índice de delitos, de suicídio etc.) decorrem da divisão social do trabalho e do rompimento dos antigos laços existentes.
· “O suicídio” (1897): fala sobre as causas do suicídio na França.
· “As formas elementares da vida religiosa” (1912): compara as religiões primitivas com a religião católica/protestante.
Método sociológico
Método é um caminho para se desenvolver uma pesquisa. A partir da observância da realidade, busca-se analisar as regras que estão por trás de determinado fenômeno sociológico, a fim de identificar o porquê da repetição do fenômeno. Para Durkheim, deve-se olhar para o fenômeno social como se fosse uma “coisa” e entender como ele funciona por ele mesmo. É uma análise externa, com certo distanciamento, objetividade (visão positivista de ciência). Durkheim busca dar uma explicação propriamente sociológica do fenômeno estudado. 
O método sociológico de Durkheim para pesquisar é a utilização de uma rigorosa postura empírica, ou seja uma rigorosa postura de coleta e análise de dados. Postura empírica é olhar com regra e organização para um fenômeno que efetivamente está acontecendo na prática. A postura empírica trabalha tanto com métodos quantitativos como com métodos qualitativos. 
De acordo com o método de coleta, uma pesquisa qualitativa é aquela cujas perguntas são abertas, ou seja, não estão padronizadas, enquanto uma pesquisa quantitativa se baseia em perguntas padronizadas que não dão margem de liberdade ao pesquisado.
Durkheim olha para as sociedades mais e menos evoluídas e levanta as diferenças e semelhanças existentes entre elas. Isso também fez em relação às formas de religião mais ou menos evoluídas.
Fato social
	Para Durkheim, os fatos sociais devem ser vistos como coisas. Os fatos sociais possuem algumas características:
	1. Coerção social: força que os fatos sociais exercem sobre os indivíduos.
	2. São exteriores aos indivíduos: atuam sobre os indivíduos independentemente de sua vontade, direito, instituições. Existem antes dos indivíduos nascerem.
	3. Generalidade: é geral, repete-se na maioria dos indivíduos.
	O Direito é um fato social, pois contém todas as características acima.
fato moral
	O Direito, para Durkheim, não é apenas um fato social, mas também um fato moral, pois ele carrega os valores morais que são importantes para uma sociedade e tenta conduzi-la, distinguindo o certo e o errado. As condutas tipificadas como infrações penais são nada mais do que condutas socialmente reprováveis. O Direito consolida o que é moral para determinada sociedade em determinada época. 
	O fato moral é a própria regra, que constrange a ação do indivíduo e é uma fonte para a ação desse indivíduo. 
A divisão do trabalho social
	Durkheim entende que a divisão do
trabalho social e a consequente especialização dela decorrente afetou as relações sociais e o próprio direito. Olhando para as sociedades primitivas e a sociedade parisiense à época, Durkheim cria uma classificação entre as sociedades organizadas por solidariedade mecânica e as sociedades organizadas por solidariedade orgânica.
	Questão: Como podem os indivíduos constituir uma sociedade?
	Solidariedade mecânica
	Solidariedade orgânica
	Laços fortes – pouca diferença entre os indivíduos
	Laços fracos – cada um exercer sua função
Diferenciação social
	Valores comuns
	Valores privados
	Sociedades primitivas
	Sociedades complexas
	Indivíduo não vem em primeiro lugar (sentimentos coletivos)
	Indivíduo em primeiro lugar
	Direito Penal (repressivo)
	Direito Civil (restitutivo – contratualismo é consequência da diferenciação social)
CONSCIÊNCIA COLETIVA
	 A consciência coletiva, para Durkheim, é um conjunto de regras fortes e estabelecidas que atribuem valor e delimitam os atos individuais das pessoas. É a forma moral vigente na sociedade em determinada época que define o que é imoral, reprovável ou criminoso. A consciência individual continua existindo, só tem uma força menor do que a representação da sociedade. A representação da sociedade é maior do que a representação do indivíduo.
CRIME, SANÇÃO E DIREITO
	Para Durkheim, crime é tudo aquilo que viola a consciência coletiva, isto é, tudo aquilo que é considero certo e moral pela sociedade. A relação do crime vai muito além daquilo que é definido pelo Estado. 
	A sanção não tem a função de reprimir, a pena não tem uma função retributiva/preventiva, no sentido de que, a partir da existência da pena, o indivíduo não volte a cometer delitos. O objetivo da sanção é satisfazer a consciência comum. O efeito que se busca é o fortalecimento de uma consciência coletiva do que é certo e do que é errado. 
O Direito é uma expressão da moral (método), da própria consciência coletiva.
SUICÍDIO
	Esta obra de Durkheim busca explicar um fenômeno social a partir de um problema individual. Embora o suicídio seja um problema individual, se ocorrido em quantidade, gera um fenômeno social cuja causa é essencialmente social. Durkheim chama tais fenômenos de “correntes suicidógenas”. Elas surgem na sociedade e são causa real e determinante do indivíduo.
	Ao fazer o levantamento quantitativo dos índices de suicídio, Durkheim chega à conclusão de que há vários tipos de suicídio, mas um deles é um fenômeno social amplo e que se repete – o chamado suicídio anômico. É quando aquele que se suicida não se reconhece mais como parte de uma sociedade. Anomia é a ausência ou a desintegração das normas sociais.
	Como em uma sociedade complexa há uma proliferação de valores e grupos sociais heterogêneos, o indivíduo fica perdido, se desintegra de todos esses núcleos e não consegue se enxergar nos valores da sociedade em que vive. Ele não sabe quais regras deve seguir ou respeitar.
	Durkheim classifica os suicídios em três tipos:
a) Egoísta: é aquele gerado por uma causa estritamente individual (ex. morte de um filho), por um momento pessoal do indivíduo, que nada se relaciona com as relações sociais por ele travadas.
b) Altruísta: é aquele suicídio movido por uma causa coletiva (ex. homem-bomba islâmico). Aqui, há uma perfeita integração do suicida com as normas sociais que visa ser reforçada ainda mais por ele.
c) Anômico: não é um suicídio psicológico, mas parte de uma corrente suicidógena, de um fenômeno social de desintegração das normas sociais que faz com que as pessoas não se enxerguem como parte da sociedade. Esse é o único tipo de suicídio que é considerado fenômeno social, pois possui a característica da generalidade (repetição). 
MAX WEBER
INTRODUÇÃO
Max Weber, diferentemente de Durkheim, entende que não dá para querer transportar o método das ciências exatas para as ciências sociais, pois não funciona. Não dá para trabalhar com uma visão estritamente objetiva e empírica nas ciências sociais. Tem que haver um método, mas distinto.
	Os estudos de Weber tratam do espírito, do objeto e método das ciências humanas, história e sociologia (inclusive da religião). Sua obra prima é o tratado de sociologia “Economia e sociedade” e também “Ética protestante e o espírito do capitalismo”.
SOCIOLOGIA COMPREENSIVA
	Para Weber, a sociologia também tem que ter um método, mas diferente daquele aplicado às ciências biológicas. Tem que ser um método próprio. As ciências da história e da sociedade diferem das ciências da natureza, embora tenham a mesma inspiração racional. Ocorre que, diferentemente das ciências biológicas, as ciências sociais não apenas explicam a realidade social, mas também a interpreta. Como o pesquisador encontra-se inserido na realidade social, não há como se fazer uma pesquisa cuja objetividade seja a mesma das ciências biológicas, pois busca compreender a partir da interpretação o curso da ação das pessoas. Por isso, o nome sociologia compreensiva, sociologia da ação. Há objetividade, pois fazer ciência não é necessariamente estar externo ao fenômeno estudado.
TEORIA DA AÇÃO
	Para o autor, a sociologia é uma ciência que busca compreender a ação social. Essa compreensão implica a percepção do sentido que o autor atribui à sua conduta. A ação social é uma ação com sentido. Todos nós estamos interligados em sociedade e as condutas praticadas afetam necessariamente uns aos outros. Isso é ação social. Essa justificativa para o sentido de nossas ações é subjetivamente elaborada. Para o Durkheim, a representação da sociedade está acima da representação individual e constrange o indivíduo de certa maneira. Já para o Weber, não há oposição entre o indivíduo e a sociedade. As normas sociais só se tornam concretas quando manifestadas em cada indivíduo, sob a forma de motivação. A norma social se manifesta no fazer, no modo como a ação social de um indivíduo repercute nos demais (ex. uma pessoa levanta para uma velhinha sentar no metrô, pois ela é idosa – sentido. Isso faz com que outras pessoas passem também a levantar, pois é uma ação social que repercute e gera norma social). 
tipos de ação
· Ação racional com relação a um objetivo (engenheiro) – um engenheiro tem uma ação orientada para um fim, que pode ser, por exemplo, a construção de um prédio. Ele traça metas, planos racionais para atingir um objetivo final.
· Ação racional com relação a um valor (comandante do navio) – é quando a pessoa age racionalmente em prol de um valor, ex. em um náufrago de um navio, o comandante é o último a sair, pois ajuda todas as pessoas que estão lá dentro, em prol de um valor. Outro exemplo poderia ser a forma como os protestantes e católicos se comportam em relação ao dinheiro com base nos valores de sua religião.
· Ação afetiva (reação emocional) – é a ação dirigida com base em uma emoção e não com base na razão. O indivíduo age sem pensar. 
· Ação tradicional (hábito, costumes, crenças) – é a ação dirigida com base em um hábito, uma crença, ex. usar babosa para curar uma ferida. 
MOTIVO DA AÇÃO
	Para o Weber, a tarefa do cientista é desvendar o sentido das ações, pois estas são guiadas não somente pelas ideias individuais, mas pela noção de que essa ação irá repercutir no todo. O caráter social da ação individual decorre da interdependência dos indivíduos.
TIPO IDEAL
	Weber criou um método para estudar as ações sociais. O tipo ideal é uma construção social para explicar os fenômenos sociais, é um instrumento de análise científica, uma ferramenta de pesquisa. O tipo ideal não está presente na realidade. Ele é criado teoricamente para comparar com a realidade e sempre a partir da própria realidade. É uma construção, uma ordenação do pensamento para conceituar os fenômenos sociais e identificar na realidade as suas manifestações.
	Nenhum dos exemplos representará de forma perfeita e acabada o tipo ideal, mas manterá com ele semelhanças e diferenças. Ex. Pesquisa sobre ministros do STF – 3 tipos ideias (brasiliense, semi-brasiliense e não brasiliense) – todos vão se aproximar de um tipo
ideal, mas não representá-lo concretamente, pois possuem especificidades.
ÉTICA PROTESTANTE E O ESPÍRITO DO CAPITALISMO
	Essa obra relaciona o papel do protestantismo na formação do capitalismo ocidental moderno. Weber encontra, nos textos protestantes (Lutero, Calvino etc.), valores como: disciplina ascética (trabalho incessante), poupança, austeridade, vocação, dever, propensão ao trabalho. Por esses valores, o capitalismo teria se expandido mais nos lugares onde o protestantismo é mais forte. Pro Weber, esses valores formaram um ethos que ajudou a formação do capitalismo em oposição ao alheamento, adoração, sacrifício da vida católica. 
	Para ele, há uma relação entre religião e sociedade, na medida em que os valores da religião são introjetados pelas pessoas e são fatores motivadores de sua ação social, da forma como se comportam em sociedade.
	Embora a ação desses protestantes tivesse um motivo consciente (atender aos valores da religião, como a poupança), os efeitos não eram controlados, tal qual a expansão do capitalismo (não era a intenção dos protestantes, mas foi o que ocorreu).
	Para Weber, a grande revolução luterana é a noção de vocação, ou seja, aqueles que são cristãos expressam sinais da salvação. O ascetismo laico é a ideia protestante da época de que o cristão deveria se privar de prazeres mundanos em prol de um bem maior: sua família, uma vida asseada, uma acumulação. Isto fez com que os cristãos se capitalizassem, investissem, poupassem etc. Essa ética protestante, ao se transformar em uma ética moral, em uma ética social (e atinge um todo e não somente os cristãos), se transformou na mola matriz do capitalismo.
	Posteriormente, seguiu-se uma fase de “desencantamento”, ou seja, a privação dos prazeres não tinha mais a ver com a salvação, mas sim com a racionalidade instrumental. O mesmo ocorre em relação ao Direito, que passa por uma fase de desencantamento, para dar prioridade à racionalidade instrumental, ou seja, a adequação entre os meios e os fins, uma maior formalidade. Ex. atualmente, para se encontrar na condição de julgador, é necessário o preenchimento de vários requisitos, como o concurso público.
racionalização: organização do estado moderno
	Weber entende que é a racionalização que culmina na organização do Estado Moderno. O direito, por exemplo, nada mais é do que uma forma de racionalização das condutas humanas. Cria-se um aparato burocrático e racional para organizar o Estado Moderno com os cinco pilares acima.
DOMINAÇÃO LEGÍTIMA DO PODER
	Segundo Weber, podemos pensar em três tipos de poder:	
· Dominação legal/racional: as regras, as leis como fator de dominação, o direito como forma de dominar. É a crença na validade das leis eis que derivam de um procedimento racional (ex. eleição, processo legislativo). É o direito como regras abstratas administradas por uma equipe de funcionários. A burocracia comporta: atribuições fixas dos empregados, tarefas definidas, sistema organizado de mando e subordinação, hierarquia/autoridade, administração baseada em documentos escritos, recrutamento por meio de provas, empregados protegidos pelas regras e estatutos, remuneração regular de dinheiro.
· Dominação carismática: o carisma não tem a ver com um aspecto individual, mas com uma visão social sobre determinada pessoa. É o poder de dominação dado pela sociedade a alguém. Ex. Salomão.
· Dominação tradicional: é a tradição, os costumes, os hábitos como fator de dominação, ex. casamento, religião etc. ex. o líder de um clã, de uma tribo. 
AULA 03 
PIERRE BOuRDIEU
INTRODUÇÃO
	É um sociólogo francês, cuja produção acadêmica é das décadas de 60 a 80. Possui uma teoria geral da sociedade – chamada de teoria dos campos – com maior ênfase no âmbito jurídico.
	Weber dizia que uma das características do Estado Moderno não é apenas concentrar meios de gestão, mas monopolizar a violência legítima. Para Bourdieu, o processo de legitimação das relações de dominação no Estado Moderno, isto é, no âmbito de uma República, não pode mais se basear na violência. Estas relações deveriam começar na escola. 
Só que Bourdieu subverte a promessa de uma escola de inclusão: qual seja a de uma escola de qualidade para todos, por uma escola que é local de reprodução de desigualdades entre as classes dominantes e as classes dominadas. Os filhos de uma cultura tradicional terão sua cultura exaltada em salas de aula e os filhos de culturas distintas terão sua cultura diminuída. Estes terão notas menores no boletim. É a chamada violência simbólica, mascarada sob a instituição das escolas. Este argumento do Bourdieu se espraia para os demais ramos (direito, religião, economia etc.).
A diferença da violência simbólica para a violência explícita é que quem sofre a violência não sabe que está sofrendo a violência. O que a escola faz é legitimar a manutenção de cada um em sua classe social e das relações de dominação.
campo social
Bourdieu concebe uma realidade multifacetária, complexa e que ocorre em diversos domínios da vida. Essa multiface ocorre dentro de um campo social, ou seja, dentro da sociedade como um todo. A sociedade terá quantos campos quanto for a sua complexidade (campo religioso, jurídico, político, econômico, artístico etc.). A capacidade de dominação de uma pessoa em cada campo sempre será relativa, a depender de sua penetração neste campo e da influência que exerce sobre ele. 
Bourdieu usa a palavra campo de maneira metafórica. Para ele, a sociedade é um campo de batalha. Enquanto para Durkheim, o que dá sentido ao mundo é a solidariedade, ou seja, os laços existentes entre os seres humanos, para Bourdieu, assim como para Marx, o que dá sentido e ordem às relações sociais é justamente o conflito entre as pessoas. Existe uma guerra entre dominantes e dominados. A tua posição é dada pelo grau de acumulação de capital que você tem dentro de determinado campo. Mesmo dentro de uma mesma posição de dominantes ou de dominados, existem diferenças sensíveis que devem ser levadas em conta (ex. dois Ministros do STF – um é bacharel de Direito e outro não – capital jurídico). 
O capital pode ser de diversas espécies. Capital econômico é a quantidade de ativos mobilizáveis e é ele quem define quem é dominante e quem é dominado no campo econômico. O capital político se mede pelo acesso e controle sobre uma quantidade de votos. Capital religioso está diretamente relacionado à quantidade de fieis. Capital jurídico, para Bourdieu, é o direito de dizer o Direito. Isso envolve não apenas conhecimento técnico, mas títulos acadêmicos universitários, relações de poder, conhecimento nos Tribunais etc.
Pode acontecer ainda a interpenetração entre os campos através do fenômeno da reconversão do capital (ex. trocar seu capital jurídico pela obtenção de um capital econômico, ex. dízimo – trocar capital religioso por um capital econômico, ex. contratar um serviço de advocacia – trocar capital econômico por um capital jurídico). A reconversão do capital para obtenção de capital econômico é a mais evidente. No entanto, existem reconversões em todos os campos. (ex. nomeação de Ministro do STF – campos jurídico e político; ex. transformar o poder de mobilizar fieis no poder de impedir mudança legislativa – campos religioso e político; ex. caso da Denise Frossard – campos político e jurídico). 
LUÍS WERNECK VIANNA
	Werneck Vianna segue as ideias de Tocqueville. Possui uma obra, juntamente com outros autores, de 1996, denominada “A judicialização da política e das relações sociais no Brasil”. A judicialização não se relaciona apenas ao maior acesso ao Judiciário por parte das pessoas e à proliferação de processos, mas à extensão de suas funções para demais campos da vida social que até então não regulava, para outras funções relacionadas aos demais Poderes (função executiva) etc. O Werneck identifica um empoderamento recente do campo jurídico em relação aos outros campos aqui no Brasil. 
Uma dimensão forte da judicialização é traduzida pelo aumento das práticas de cidadania participativa através da busca ao Judiciário. Os
indivíduos se sentem cidadãos no momento em que buscam a tutela de seus direitos através de uma ação. Isso fica muito claro quando vemos os movimentos sociais (ex. MST) se dirigindo ao Judiciário. Há uma experimentação concreta do Judiciário pelo povo. Embora a judicialização aconteça num tempo de crise republicana, ela só afeta a democracia representativa, mas significa um movimento de credenciamento à cidadania.
Werneck Vianna, contudo, vê o outro lado da judicialização. A República tem como uma de suas principais características a independência dos Poderes, sendo esse um sistema de controle recíproco. Cabe ao Poder Judiciário, dentro desse sistema, julgar de acordo com as leis. Quando esse Poder começa a legislar e a gestar, está interferindo na democracia representativa, na medida em que os juízes não são representantes do povo legitimamente eleitos para exercer a função legislativa ou executiva. Há, consequentemente, uma sobrecarga do Poder Judiciário, na medida em que começa a usurpar funções dos demais Poderes. 
Werneck vê a CLT como uma primeira legislação a transformar o paradigma jurídico no Brasil. Isto porque, na esteira de um Estado de Bem-Estar Social, com hipertrofia do Poder Executivo, é necessário romper com a ideia de igualdade meramente formal e voltar-se à igualdade substancial, ou seja, aquela que tenta equilibrar as partes envolvidas em uma relação quando uma delas é hipossuficiente, como ocorre na relação de trabalho. Posteriormente, no governo FHC, houve um degelo desse Estado de Bem-Estar Social e um avanço para um Estado Liberal. O Estado de Bem-Estar Social como experiência concreta vai decrescendo, contudo, o acúmulo de legislações de caráter social vai subindo (CLT, Lei de Ação Civil Pública etc.). Essa experiência fracassada do Bem-Estar Social, combinada com a existência de um direito well-fairiano (que prevê os direitos e autoriza a sua concretização pelo juiz) e da Constituição de 1988, que respalda uma atitude pró-ativa, de legislador implícito, de intérprete do direito por parte do juiz. O Judiciário então tem condições de ocupar espaços que não foram projetados para ser dele, como a implementação de políticas públicas e a confecção de um direito novo (legislação nova). É nesse contexto que surge o fenômeno da judicialização. Num Estado de Bem-Estar Social consolidado e em democracias representativas fortes, é extremamente improvável que haja judicialização. 
Werneck, contudo, fala que a democracia não é feita só de representação. Se fosse só representativa, a judicialização teria que acabar, pois ela afeta não apenas a representação legítima (na medida em que o Judiciário usurpa funções dos outros Poderes sem ter sido eleito para tal), mas como a própria democracia (na medida em que o Judiciário não foi criado com esse fim). No entanto, ela precisa ser uma democracia participativa que possibilita a atuação direta do indivíduo como cidadão que é e nisso a judicialização ajuda.
Existe uma pró-atividade não apenas do ponto de vista de interpretação do direito well-fairiano, mas em busca de uma maior estrutura, maiores salários, maior poder do Judiciário. É a construção social e política da autonomia e da independência do Judiciário. 
AULA 04 
BOAVENTURA DE SOUSA SANTOS
INTRODUÇÃO
	Os fenômenos sociais não são passíveis de uma solução normativa. Não existe uma regra jurídica para resolver os problemas sociais. Os cientistas devem produzir compreensões sobre estes problemas. 
	A Sociologia do Direito serve para compreender os sentidos e as moralidades presentes no Direito e que orientam as ações das pessoas. Ela está interessada em dois problemas fundamentais. O primeiro deles é a ordem, isto é, a organização cotidiana. O segundo deles é o sentido atribuído pelas pessoas às suas ações. Difere, portanto, do Direito que tem um sentido predefinido. A Sociologia do Direito vê o Direito como um fenômeno que vai sempre se apresentar na práxis (ex. Tribunais, ruas, relações sociais em que se atribua uma juridicidade), cujo sentido deve ser explicado mediante a observância da realidade social. 
o pluralismo jurídico
	Boaventura é um sociólogo português (está vivo!). Ele traz uma ideia interessante do significado de pluralismo jurídico.
	 Três quadros para análise
· Governo da província de Ontario no Canadá – propõe que os juízes apliquem a sharia em matéria de Direito de Família nos processos em que figurem como parte membros da comunidade muçulmana local.
· França – desde a província de 2011, o uso do véu integral islâmico (burca) é proibido em qualquer lugar público, sob pena de multa de 150 euros e/ou um “estágio de cidadania”. As crianças também não podem ostentar nas escolas nenhum símbolo referente à religião.
· Brasil – progressivamente, o Poder Público vem adotando cotas por critérios raciais como um dos modos de acesso às universidades públicas.
Esses três cenários se referem fundamentalmente à relação entre Estado e sociedade. 
UNIVERSALISMO FRANCÊS: UMA PROMESSA REPUBLICANA
No caso francês, devemos compreender como o universalismo surge como uma ideologia republicana. A ideia do universalismo francês se relaciona à uma aversão a direitos especiais, a privilégios e decorre da luta da Revolução Francesa para acabar com uma monarquia que conferia privilégios à nobreza ou à aristocracia e, assim, instaurar uma cidadania como ideal de igualdade e liberdade política. Trata-se de igualdade formal. 
A Revolução Francesa não apenas constrói o ideal republicano, como também funda na França a ideia de oposição entre o espaço público (universal, político) e espaço privado (pessoal, particular). Antes na monarquia, não havia essa noção, porque tudo pertencia ao rei e era passível sua intervenção. Depois da Revolução, criou-se essa distinção e o Estado não está autorizado a produzir intervenções no espaço privado das pessoas, mas somente no espaço público. 
Para os franceses, a reivindicação do exercício de particularidades não pode ensejar atribuição de direitos diferenciados, motivo pelo qual, por exemplo, é proibido o uso de algum elemento religioso pelas crianças na escola e o uso da burca. Nenhum tipo de desigualação é legítimo. Essa oposição entre o universal e o particular funda uma discussão entre os juristas sobre o universalismo e o comunitarismo. A ideia de comunitarismo está associada sobretudo à existência de diversas jurisdições, isto é, diversas formas de se identificar o direito.
Os franceses desenvolvem uma ideia de identidade política do cidadão. Uma sociedade de cidadãos é aquela em que todos são vistos e tratados igualmente pelo Estado, sendo-lhes atribuídos os mesmos direitos. Pessoa é aquele que carrega sua identidade cultural e é tratada pelo Estado segundo a sua identidade, já o indivíduo é aquele que é tratado igualmente perante outros indivíduos.
Para os franceses, o modelo político republicano não vem de cima pra baixo. Ele está sendo construído até hoje. Ao mesmo tempo em que na França surge a separação do público para o privado, acontece a separação da Igreja, motivo pelo qual a laicidade é um assunto recente.
comunitarismo ou multiculturalismo
Existe, atualmente, outro modelo – o comunitarismo ou multiculturalismo. Para este, as identidades particulares/culturais devem ser reconhecidas no momento em que as pessoas começam a se misturar. Desde o início do século XX, sobretudo no segundo pós-guerra, houve uma imigração massiva, o que gerou, obviamente, choque de identidades culturais. A cidadania universal é confrontada com diversidade étnica e cultural. O Estado é chamado, então, periodicamente ao reconhecimento dessas diversidades, através da criação de desigualações entre as pessoas. A unidade e a indivisibilidade da República é confrontada com as particularidades locais (internas e externas). Surge, portanto, a problemática da inclusão e da integração.
No modelo multiculturalista, existem diferentes formas de produção do direito, diferentes jurisdições que não são correntes. É distinto do modelo republicano, pois promove desigualações entre
as pessoas. O direito à diferença não atribui apenas direitos especiais, mas jurisdições especiais. 
	Universalismo
	Multiculturalismo
	Modelo francês
	Modelo canadense
	Assimilação: supressão do particular na esfera política
	Diversidade: afirmação política das particularidades
	Direito à indiferença
	Direito à diferença
	Oposição entre identidade privada e identidade pública
	Afirmação pública das identidades privadas
	Exemplos: véu na escola, francofonia
	Exemplos: o kirpan no exército, o “feliz natal” dos políticos
pluralismo
Para Boaventura, o Estado não detém o monopólio de produção das regras. O pluralismo jurídico significa dizer que existem diferentes formas de produção do Direito. É o reconhecimento de diferentes normas no âmbito jurídico.
· Reconhecimento de diferentes normas – as relações sociais são mediadas através das regras, que podem ser de ordem jurídica ou não, ou seja, há um pluralismo jurídico. 
· Associado à crise do Estado social
· Fragmentação das identidades
· Diferentes formas de resolução de conflitos – a comunidade tem formas institucionalizadas de resolução de conflitos que não necessariamente são a forma prevista em lei (ex. favela → tráfico, milícia, polícia). Ex. Timor Leste – passou por uma guerra civil e depois sofreu uma intervenção da ONU. Existia uma campanha maciça dos organismos internacionais pela adoção de métodos de mediação de conflitos com caráter civilizatório. Existiam outras duas formas: uma do Estado, orientada pelo direito português, e uma advinda das próprias relações sociais. Todas essas formas eram aceitas, ou seja, o Estado não tinha o monopólio.
MULTICULTURALISMO VS. MULTICULTURALIDADE
Essa ideia de pluralismo jurídico é empiricamente demonstrada nos modelos multiculturalistas. No entanto, o modelo brasileiro não é exatamente multiculturalista. No Brasil, porém, podemos citar como exemplo as cotas, os índios e os quilombolas. Os índios só existem como uma entidade coletiva (a FUNAI), ou seja, não são reconhecidos individualmente, além disso não tem o direito de dispor das terras que ocupam, pois não têm direito de propriedade sobre elas. Com os quilombolas ocorre da mesma forma. Por isso, diz-se que há grande diferença do que ocorre no Timor Leste e no Canadá.
Quando reconhecemos as identidades culturais e atribuímos esses direitos, o Estado está delimitando o direito de propriedade, não reconhecendo uma jurisdição específica para essas tribos/quilombos. A diferença entre multiculturalismo e multiculturalidade é que o multiculturalismo se refere às situações em que a diferença enseja uma jurisdição, um poder sobre escolher as regras e administrar os conflitos. A multiculturalidade se refere à uma ideia de reconhecimento de identidades culturais sem atribuição de jurisdição.
O Brasil possui multiculturalidade, mas não multiculturalismo, pois a multiculturalidade não enseja jurisdições diferenciadas (embora atualmente já se veja o MP e o Judiciário reconhecendo algumas poucas decisões tomadas nessas tribos, quilombos etc.). 
· Descontinuidade da noção de “nacionalidade”
· Midiatização das sociedades e políticas culturais
· Discurso e prática do combate ao racismo
· Percepção e auto-percepção da diferença
O pluralismo jurídico é uma oposição a ideia de que o Estado é o único legítimo produtor das regras da sociedade. 
MARIA TEREZA SADEK: REFORMA DO JUDICIÁRIO
	Sadek é uma cientista política, brasileira e que há muitos anos vêm trabalhando com as transformações institucionais pelas quais o Judiciário têm passado. Para começar a compreender as reformas do Judiciário, é preciso que nós enquadremos tais reformas no quadro da reforma do Estado. São duas coisas interligadas, porque o Judiciário interpreta as demandas sociais de uma forma bastante paradoxal. O Min. Luiz Fux, coordenador do grupo de discussão do CPC, expõe duas ideias paradoxais. Primeiro, fala que a sociedade brasileira é carente de direitos e, portanto, precisa de mais direitos. Em outra parte do texto, fala que essa sociedade litiga muito, vai muito ao Judiciário e que determinados conflitos não precisariam ir ao Judiciário. 
CRISE DO ESTADO SOCIAL
Esse discurso se produz em um contexto de um Estado que passa por uma série de transformações que não podem ser negligenciadas. A primeira delas é o fato de que a Constituição de 1988 é inspirada nos modelos das Constituições dos Estados de Bem-Estar Social da Europa. Cabe ao Estado promover e financiar os direitos sociais. Pierre Rosanvallon quando vai analisar o Estado de Bem-Estar Social na França, ele vê esse Estado como uma alternativa capitalista para o comunismo. Ele destaca, contudo, um problema, qual seja o do custo desse Estado, ou seja, não é viável do ponto de vista econômico. Por isso, entra em crise na Europa.
Logo depois do advento da Constituição de 1988, em 1989, cai o muro de Berlim, ou seja, o comunismo é derrotado e, portanto, não era mais necessário o Estado de Bem-Estar Social como uma alternativa a um comunismo já derrotado. Procede-se, assim, no Brasil, em 1990 e seguintes, um processo de reforma do Estado.
a virada neoliberal e a reforma do estado
· O Estado minimalista
· Descompromisso social
· O paradigma da eficiência
· Racionalização econômica
	Nessa reforma do Estado, desmantelou-se o Estado de Bem-Estar Social em busca de um Estado liberal, de um Estado mínimo, que não seja encarregado de promover prestações sociais. Transformou-se também a forma de gestão das questões administrativas. Bresser prevê um Estado gerencial, que faz uma interface direta com o mercado. O mercado oferece serviços que seriam de atribuição estatal (ex. educação, saúde, telefonia etc.) que, uma vez inseridos em um ambiente competitivo, geram maior qualidade e menor custo para o consumidor. Sobra para o Estado, portanto, a gestão de questões essenciais. Nesse período, houve um grande desenvolvimento das carreiras jurídicas estatais (AGU, MP etc.). 
O Estado deixa de ser prestador do serviço para ser regulador do serviço. Surgem, portanto, as chamadas agências reguladoras, para regular as disputas no mercado. 
Surge também a questão da eficiência. O Estado deve otimizar seus recursos, isto é, administrar seus recursos racionalmente para realizar as atividades que lhe são essenciais, deixando as não essenciais a cargo do mercado privado.
A IMPORTÂNCIA DO JUDICIÁRIO
· A promessa da modernidade
· A garantia dos direitos
· A fragmentação dos estatutos jurídicos
· A justiça de massa
O Judiciário passa a ser visto como uma via para implementação de direitos. Os direitos são abstratos, mas não são universais. Só os tem quem vai ao Judiciário. A diversidade de estatutos jurídicos permite ao Estado se colocar na posição de detentor de uma sistematização do Direito. O Estado passa a ver, então, como um guardião de promessas, pois de alguma forma tornará esses direitos concretos. Receberá, então, cada vez mais e mais demandas de titulares completamente diferentes. 
o acesso à justiça
· A percepção sobre os direitos
· A litigância habitual de determinados setores
· O custo do processo
· Novos dispositivos institucionais
· Novas arenas de resolução de conflitos
	Nesse contexto de transformação, o Judiciário passa por duas mudanças importantes. Uma delas fundada na ideia de desburocratização (décadas de 70 e 80). A ideia dos Juizados de Pequenas Causas é orientada pela busca de mecanismos de solução de conflitos mais simplificados. Na década de 90, incorporamos no Brasil a perspectiva do acesso à justiça, com o surgimento dos Juizados Especiais. 
	O acesso à justiça, no Brasil, tem a ver com a criação de um novo procedimento judicial que atenda o contencioso de massa, garantindo assim o acesso a direitos. Também compreende uma ideia de autonomia do cidadão, que desaparece na cultura jurídica de privilegiar a aplicação da literalidade da lei em vez da conciliação. Atualmente, há uma dificuldade de se conciliar diante da desconfiança da sociedade em relação ao Judiciário (diversidade de entendimentos para cada questão). 
	Mauro Cappelletti e Bryant
Garth, em sua obra “Acesso à justiça”, definiram três ondas do acesso à justiça:
1. Assistência judiciária gratuita;
2. Representação dos interesses difusos;
3. Reforma interna do processo em busca da efetividade da tutela jurisdicional.
Todas essas ondas chegaram de uma vez no Brasil com a criação dos Juizados Especiais. O Judiciário se percebe não como a prestação de um serviço público, mas como um poder de definir direitos.
A REFORMA DO JUDICIÁRIO
· A agenda de reformas
· Uma reforma técnica ou política?
· A construção do controle de constitucionalidade
· O controle externo do Judiciário
O processo de reforma foi desencadeado com os escândalos do Judiciário. Verificou-se, portanto, a necessidade de se criar um órgão externo para controle do Judiciário. Com a EC 45/04, surge, portanto, o CNJ. A reforma do Judiciário perde, portanto, seu caráter político e passa a ter um caráter técnico. O CNJ passa a intervir nas questões de gestão do Judiciário. 
Somam-se a isso a criação das súmulas e todo o processo de judicialização. Essa reforma técnica quer dizer que todas aquelas aspirações que orientaram o processo de reforma do Judiciário desaparecem em prol de uma reforma procedimental.
a proximidade como paradigma da justiça
· Arbitragem
· Juizados Especiais
· Juizados Especiais Federais
· Conciliação
· Perspectiva do conflito
Todas esses mecanismos na verdade incorporam a mesma cultura jurídica na forma de sua realização prática. A reforma do Judiciário busca organizar essas questões decidindo quem tem mais poder.
Jacques Commaille fala sobre o Judiciário francês e diz que este oscila em duas perspectivas:
a) Meta-garantidor do social: o Judiciário recebe demandas da sociedade, mas não intervém nas questões sociais. 
b) Operador do social: o Judiciário intervém nas questões sociais, proferindo decisões que interferem na vida em sociedade em uma linguagem mais acessível.
Maria Tereza Sadek. O Judiciário em debate. 
QUADRO-RESUMO
	Sociólogos
	Palavra-chavve
	Marx
	Direito e luta de classes
	Tocqueville
	Poder dos juízes e força moral da lei
	Durkheim
	Fato social
	Weber
	Ação social
	Werneck
	Judicialização
	Bourdieu
	Força do direito
	Boaventura
	Pluralismo jurídico
	Sadeck
	Reforma do Judiciário
aula 05
roberto kant de lima
INTRODUÇÃO
	Em seu doutorado, fez uma tese comparativa sobre a polícia estrangeira e a polícia brasileira. Para Kant, a perspectiva comparada não se resume em pegar um ideal de instituições jurídicas estrangeiras e comparar com o ideal de instituição jurídica brasileira, contida nos manuais. A perspectiva comparada não se volta para os ideais dos institutos, mas para aquilo que se verifica na prática, na realidade social. É uma comparação por contraste, por diferença entre os sistemas observados. Ele foi responsável também por fundar o Instituto de Estudos Comparados em Administração de Conflitos. 
OBRA
· Sensibilidades jurídicas, saber e poder: bases culturais de alguns aspectos do direito brasileiro em uma perspectiva comparada (2010)
· Direitos Civis e Direitos Humanos: uma tradição judiciária pré-republicana? (2004)
· A Antropologia da Academia: quando os índios somos nós (1985)
· A polícia da cidade do Rio de Janeiro: seus dilemas e paradoxos (1994)
Podemos dividir a produção de Kant de Lima em 2 eixos:
a) Produção de verdades judiciárias e policiais em uma perspectiva comparada: é a ideia da busca da verdade real através do processo mediante oitiva das diversas versões sobre determinado fato. A produção da verdade, no Direito, começa com a própria polícia, através da realização do inquérito policial. A verdade judiciária e a policial estão intimamente ligadas. Ex. Quando da oitiva da testemunha em sede de audiência de instrução e julgamento, a primeira pergunta feita é se ela ratifica o que disse em sede de inquérito policial.
b) Transmissão do saber jurídico.
perspectiva comparada/antropologia: BR X EUA
	O autor, a partir de uma etnografia, vai fazer um estudo comparativo da cultura jurídica norte-americana e brasileira (sociedade brasileira x sociedade norte-americana e sistema de justiça brasileiro x sistema de justiça norte-americano). É uma perspectiva comparada por contrate, pois coloca em descrição as práxis policial e judiciária e as compara.
	 Há um Direito dos códigos (dever-ser) e um Direito da prática (ser). Esse choque entre o dever-ser e o ser é o que motiva Kant a fazer uma perspectiva comparada por contraste, com foco nas práticas sociais.
	A vantagem dessa perspectiva comparada por contraste é que ela nos permite verificar não apenas a diferença entre os sistemas de justiça brasileiro e norte-americano, mas também a diferença entre as próprias sociedades brasileira e norte-americana. A partir disso, podemos verificar se determinado instituto jurídico norte-americano pode ou não ser importado para a sociedade brasileira. A importação dos Juizados Especiais, por exemplo, não funcionou como deveria, pois pensado não sob a ótica da sociedade brasileira, mas norte-americana. Na ótica norte-americana, há uma cultura da conciliação, na medida em que os indivíduos são vistos como seres autônomos, que independem do Estado e podem resolver seus conflitos individualmente. Já na ótica brasileira, por termos um Estado interventor/tutelar, há certa dependência dos indivíduos em relação ao Estado, na medida em que até mesmo os conflitos individuais (que poderiam ser resolvidos em privado) são subjugados às suas decisões. As práticas sociais estão, portanto, diretamente relacionadas às representações que os indivíduos fazem sobre o Direito, o Estado, a sociedade. 
	Kant faz uma classificação entre indivíduo e pessoa. Indivíduo é tomado abstratamente, independentemente de suas particularidades, ou seja, aquele contido na Constituição. Pessoa, porém, é o indivíduo concretamente pensado, nas suas condutas diárias e nas relações sociais que trava (ex. um advogado que vai toda semana no mesmo cartório e é bem tratado por isso). No Brasil, as nossas relações são pessoais, isto é, tratamos distintamente a depender de quem seja (“você sabe com quem está falando?”). Já nos EUA, as relações são com base no indivíduo, isto é, todos são tratados igualmente independente das particularidades (“quem você pensa que é?”).
	Para Kant de Lima, há dois tipos de sociedade:
» Sociedade representada por triângulo: hierarquizada. O direito é uma forma de reforçar as desigualdades, pois controlado pelas classes dominantes. Ex. castas na Índia. 
» Sociedade representada por paralelepípedo: sem hierarquia. O direito, nessas sociedades, serve à proteção dos cidadãos da República face ao Estado. Ex. EUA. O discurso se coaduna com a prática. 
Questão: E o Brasil? Para Kant, o caso brasileiro é paradoxal. É uma sociedade triângulo que quer virar paralelepípedo. O discurso brasileiro é de igualdade, ou seja, é de uma sociedade paralelepípedo. Contudo, na prática, o que há é um cenário de desigualdade, de uma sociedade triângulo. Ex. prisão especial para quem tem ensino superior; instituições aplicam regras de formas particularizadas; tratamento diferente para autor e co-autor. 
“Esta visão republicana, democrática, igualitária e individualista da sociedade, entretanto, convive, na sociedade brasileira, com uma outra, que permanece implícita – mas claramente detectável à observação – em que a sociedade, à maneira de uma pirâmide, é constituída de segmentos desiguais e complementares. (...). As diferenças não exprimem igualdade formal, mas desigualdade formal, própria da lógica da complementaridade, em que cada um tem o seu lugar previamente definido na estrutura social. A estratégia de controle social na forma piramidal é repressiva, visando manter o status quo ante a qualquer preço, sob pena de desmoronar toda a estrutura social”.
	Esse paradoxo do caso brasileiro também se aplica no que diz respeito à transmissão do saber. Na sociedade de pirâmide, quem está no topo detém um saber particularizado, especializado. Como exemplos desse saber, temos:
a) Concursos públicos: para lograr aprovação
é necessário o acesso a um saber particularizado, indisponível no mercado universitário.
b) Lógica do contraditório: ser detentor de um saber particularizado converte-se em poder diante do público e tem sinal positivo (ex. o advogado guarda uma carta na manga para usar no momento certo, ao invés de compartilhar a informação que tem). Quem está no topo exerce o poder baseado no que sabe mais. Se a informação do processo é de todos (como diz o discurso brasileiro), não deveria haver essa lógica. 
c) Ensino do Direito.
	Nas sociedades de paralelepípedo, o saber é visto como algo de todos, ou seja, tem que ser compartilhado, difundido, transmitido. Todos chegam numa aula, por exemplo, tendo lido o mesmo livro.
ANTROPOLOGIA DA ACADEMIA
· Compartilhamento dos livros e do saber → enquanto nas academias de paralelepípedo, há um grande compartilhamento do saber, nas academias de pirâmide, há um egoísmo na referida transmissão.
· Perguntas → enquanto nas academias de paralelepípedo, as perguntas devem ser feitas na sala, com divulgação para todos, nas academias de pirâmide, as perguntas normalmente são feitas individualmente, depois da aula etc. 
· Pós-aulas: socialização → na sociedade de paralelepípedo, não há uma socialização pós-aula, diferentemente do que ocorre na sociedade de pirâmide. 
· Autoridade do argumento x Argumento de autoridade → o argumento de autoridade só pode valer numa sociedade hierárquica, pois quem sabe mais está no topo. Nas sociedades não hierarquizadas, o que há é a autoridade do argumento, ou seja, um argumento bom, de conteúdo, independentemente de quem fala. 
· Mitos de origem → criam-se mitos de origem para justificar as instituições que temos, mas que não necessariamente guardam semelhança com a realidade que vivemos. Ex. República (a república não foi proclamada como descrito no hino). Ex. Júri.
· Comparação por semelhança na busca de um melhor modelo. Evolucionismo. → a comparação por semelhança resulta numa importação de modelos considerados mais evoluídos, quando na verdade é uma questão de adequação, de adaptação e não de evolução.
SISTEMA AMERICANO X SISTEMA BRASILEIRO
1. Inquérito policial
	Uma das formas para pensar sobre nossas práticas é olhando para a produção da verdade policial no sistema americano e no sistema brasileiro mediante o inquérito policial. 
No Brasil, o Estado é detentor da produção dessa verdade, exercida pelo Delegado, membro do Executivo. Trata-se de um procedimento de iniciativa de um estado ‘todo poderoso’, na busca incansável da verdade, uma verdade secreta, que muitas vezes sequer é divulgada para o advogado do investigado. É um inquérito administrativo, inquisitorial, tramita no cartório policial e depois é entranhado no processo judicial para ser utilizado pelo juiz. Há a produção de um ethos de suspeição permanente sobre o investigado que prejudica a harmonia de uma sociedade de desiguais complementares.
2. Processo judicial
Essa ideia toda se repete no processo judicial. No Brasil, ao perguntar, o juiz conduz o processo de forma que a verdade produzida de uma maneira inquisitorial se repita no processo judicial, enquanto, no discurso, sua obrigação seja a de refazer todas as provas do zero. Há outras distinções:
· Denúncia obrigatória (aqui, embora se fale que o processo é uma garantia do acusado, o MP é obrigado a denunciar, o que não permite qualquer negociação) – sistema brasileiro x Denúncia facultativa (há um procedimento de negociação anterior entre o promotor e o defensor) – sistema norte-americano.
· Interrogatório: réu responde perguntas (“seu silêncio pode resultar em prejuízo de sua defesa”) e confissão atenua pena.
· Prisão especial
· Competência por prerrogativa de função.
“Um sistema judicial criminal que não é aplicado de forma igual a todos os cidadãos, mas que assegura privilégios, desigualdades, consagradas na própria legislação penal e, como vimos, presentes nas práticas que a atualizam como se verifica em sociedades”.
3. Tribunal do Júri
	O mesmo ocorre em relação ao Tribunal do Júri. Quando o Júri foi introduzido no Brasil, inspirado no júri inglês, também foi introduzido nos EUA. No entanto, chegaram a patamares completamente diferentes, embora importados do mesmo modelo.
· Nome: Trial em inglês significa procedimento e é esse o nome usado no sistema norte-americano. Aqui, no Brasil, porém, foi adaptado para Court que quer dizer tribunal, dada a institucionalização do júri.
· Nos EUA, o júri é um direito subjetivo, pois o réu vai a júri somente quando não concorda com a negociação. No Brasil, é instituição judiciária obrigatória.
· Nos EUA, o júri tem competência ampla para todos os crimes. No Brasil, só tem competência para os crimes dolosos contra a vida.
· Nos EUA, há uma seleção ampla dos jurados. No Brasil, os jurados são selecionados pelo juiz. 
· Nos EUA, há um dever de servir. No Brasil, há um direito de julgar (certificados para desempate no concurso público). 
· Enquanto nos EUA, há 12 jurados para decidirem o debate, no Brasil, há apenas 7 jurados.
· No Brasil, há incomunicabilidade. 
MARIA DA GLÓRIA BONELLI
INTRODUÇÃO
	Trabalha com a Sociologia das Profissões, atuando principalmente nos seguintes temas: profissões jurídicas, sistema de justiça, profissionalismo e gênero, processos de profissionalização contemporâneos.
obras
· Profissionalismo, gênero e significados da diferença entre juízes e juízas estaduais e federais (2011)
· Profissionalismo e diferença de gênero na magistratura pública (2010)
· Profissionalismo e construção do gênero na advocacia paulista (2008)
· Profissionalismo, dominação e resistência: a magistratura paulista e a reforma do Judiciário (2008)
· Sociedades de advogados e tendências profissionais (2007)
competição profissional no mundo do direito
	Ela fez uma pesquisa numa comarca do interior de SP, que ela chama de “Comarca de Branca” que tem 4 Varas Cíveis, 2 Varas Criminais e Delegacias de Polícia. Chegou à conclusão de que há 2 tipos de competição no mundo do Direito:
a) Disputas intraprofissionais: são as disputas ocorridas dentro de uma mesma instituição ou órgão. Ex. Promotor x Promotor, Procuradores x Procuradores, Juiz x Desembargador.
b) Disputas interprofissionais: são as disputas ocorridas entre profissionais de diferentes órgãos. Ex. MP x DP (ex. legitimidade para ações de tutela coletiva), magistrados x MP (ex. estruturas, prerrogativas etc.).
Os perfis dos entrevistados são:
a) Juízes: 6 homens brancos; função de juiz como forma de ascensão social; experiências anteriores como funcionário de cartório (valorizavam mais a figura do juiz autoridade) e advogado.
b) Promotores: 6 homens brancos (um poderia não ser classificado como branco); descendentes de segmentos mais baixos da hierarquia; socialização no “mundo da ordem” (polícia), não necessariamente o “mundo do direito”.
c) Delegados: 18 entrevistados (17 homens e 1 mulher); origens sociais mais diversificadas; socialização no mundo da ordem (ex. polícia, em casa, militar ou civil); faculdades de direito todas privadas. 
d) Advogados: 16 entrevistados (11 homens e 5 mulheres); origem social mais favorecida (profissional liberal depende de contatos, clientela, laços sociais etc.); 1 ex-juiz; jovens de ascensão profissional.
e) Funcionários judiciais: 7 funcionários. 
Na competição interprofissional, ela percebeu que há maior tensão entre aqueles que estão em posições mais próximas, reforçando a noção do que é a proximidade que aumenta as disputas. Ademais, percebeu que a mudança de identidade profissional acompanha valores e opiniões e que há uma hierarquia nas profissões (um joga a culpa para o outro): Judiciário → Legislativo (ex. “não faço por causa da lei”), Promotores → Magistratura, Delegados → Ministério Público.
	Concluiu ainda que o conflito com o legislativo unifica os profissionais do campo da justiça, ou seja, todos os profissionais reclamam das leis, reputam os problemas à lei, em vez de se colocaram como agentes solucionadores dos problemas. 
	Na competição intraprofissional, percebeu que há diferentes
subgrupos dentro de cada profissão, gerando disputas e tensões vividas pelos pares dentro da profissão (ex. juízes garantistas x juízes conservadores, promotores x promotoras etc.). Essa estratificação deriva de fatores como gênero, etnia e gerações.
	Obviamente, a ideia de um grupo profissional coeso é necessária para fortalecer a instituição e unificar a identidade profissional quando falam pra fora (visão externa). Diferentemente, em uma visão interna, fica clara a competição profissional.
	Em relação aos delegados, havia uma crítica a maneira de se realizar as promoções com base nos critérios de antiguidade e merecimento; percebeu conflito geracional (geração anterior x posterior à ditadura), conflito de perfil (menos operacional x mais ostensivo, de rua), conflito delegado no interior x delegado na capital, conflito delegacia da mulher x outras delegacias.
	Em relação aos cartórios judiciais, havia disputa: funcionários antigos x funcionários novos, auxiliares do judiciário x escreventes (primeiros qualificam seus cargos e depois desqualificam os escreventes), posições de chefia x oficiais de justiça (o 2º como sendo subordinado diretamente ao juiz), posições subordinadas reverenciando os juízes (simbologia os juízes que eram funcionários é mais forte).
Administração burocrática
Uso controlado da violência
Comando militar centralizado
Direito Racional
Especialização dos Poderes

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