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MEDICINA UNIME – 2019.2 Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 PROBLEMA 1- ABERTURA: A IMUNIDADE INTATA: A imunidade diz respeito à capacidade de proteção contra doenças e infecções, sendo um processo deflagrado pelo sistema imune, que desencadeia processos baseados no contato com a matéria contaminante (composto por células e moléculas específicas), e executado por meio de respostas imunológicas, reações deflagradas contra macromoléculas e organismos estranhos, não importando as consequências fisiológicas ou patológicas desse mecanismo. O papel desse sistema é garantir a defesa do corpo humano contra agressões promovidas por microrganismos. A imunidade inata ou natural representa a primeira barreira contra esses organismos nocivos, sendo formada por defesas celulares e bioquímicas já atuantes mesmo antes da infecção ocorrer. A especificidade dos mecanismos adotados por essa modalidade de resposta é mais ampla, abrangendo grandes categorias de microrganismos, mas incapaz de reconhecer pequenas alterações entre seus componentes. Suas principais formas de ação são barreiras físicas (pele, tecidos do trato gastrointestinal e respiratório) e químicas (lágrimas e suco gástrico), células fagocíticas e assassinas naturais e proteínas sanguíneas. As superfícies epiteliais, em seu estado íntegro, formam uma verdadeira barreira física entre o meio externo e os tecidos do hospedeiro. Além do fator estrutural, tais células produzem e secretam substâncias químicas antimicrobianas que também impedem o contato desses organismos com o meio interno. As funções físicas desempenhadas pela barreira epitelial são desempenhadas por células epiteliais, que são aderidas firmemente umas às outras, pela camada queratinizada externa, e pelo muco, secreção viscosa capaz de impedir invasões patogênicas, facilitando sua eliminação. As funções químicas dessa camada de proteção são reservadas para alguns peptídeos de propriedades antimicrobianas como defensinas e catelicidinas, além de algumas formas de linfócitos (linfócitos T intraepiteliais), capazes de responder e reconhecer microrganismos comumente encontrados. Fagócitos são tipos celulares de função especializada representados principalmente por macrófagos e neutrófilos, primeira linha de defesa após a ultrapassagem da barreira epitelial. Essas células são capazes de englobar e matar microrganismos, produzindo assim citocinas que aumentam a função antimicrobiana das células no sítio de infecção e promovem inflamação. Os macrófagos, além de desempenharem essa função, também estão envolvidos no processo de reparo tecidual do hospedeiro. As células dendríticas desempenham um papel fundamental no reconhecimento de invasores, sendo efetivas também no direcionamento de respostas adaptativas mediadas por linfócitos T, uma vez que possuem a capacidade de internalizar antígenos proteicos, transportando-os aos gânglios linfáticos e apresentando-os às células efetoras linfoides. Estão localizadas em diversos tecidos do corpo, contando com processos citoplasmáticos longos semelhantes a dendritos e sendo representantes de um conjunto heterogêneo de derivados da medula óssea. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 Células Natural Killer (NK) são linfócitos responsáveis por funções importantes na defesa contra bactérias intracelulares e vírus, sendo capazes de executar sua morte sem necessidade de expansão clonal e diferenciação, o que ocorre para as demais células do corpo que realizam apoptose. As células NK conseguem reconhecer estruturas em estresse, seja por infecções ou por danos endógenos, tendo sua ativação regulada pelo equilíbrio de sinais gerados por receptores de ativação/inibição, sendo que os primeiros identificam ligantes presentes em compostos danificados (IL-12 enviados por macrófagos), e o último percebe marcadores de células normais. A interação de uma NK com outras células tem como função a morte dessas ou a ativação de macrófago para destruição microbiana, o que se dá pela liberação de grânulos proteicos mediadores da morte celular. Os linfócitos são, em sua maioria, componentes do sistema imune adaptativo (grande repertório de especificidades), porém alguns deles expressam receptores de antígenos análogos aos dos linfócitos T e B, mas com menor diferenciação, capazes de identificar somente características mais amplas de grupos microbianos. Nesse contexto, é possível destacar as células T NK invariantes (iTNK), células γδ e células T intraepiteliais com TCR αβ, células B-1 e células B da zoa marginal. Mastócitos são tipos celulares presentes na pele e no epitélio da mucosa capazes de secretar de forma rápida citocinas pró- inflamatórias e mediadores lipídicos em reação aos estímulos infecciosos. Possuem grânulos abundantes em seu citoplasma que protegem mediadores inflamatórios, liberados em caso de ativação celular por microrganismos ou em resposta a um anticorpo. Essas reservas contêm compostos vasoativos (histamina) e enzimas proteolíticas capazes de matar ou inativar ameaças e toxinas. Tais células também podem secretar mediadores lipídicos e citocinas que auxiliam os mecanismos de defesa do organismo. Por estarem localizados na periferia dos vasos sanguíneos as respostas induzidas por essas células são rapidamente disseminadas, promovendo um quadro de inflamação aguda. Os mastócitos expressam TLRs, e os ligantes do TLR podem induzir desgranulação da célula em questão, além de apresentarem importante papel na proteção do hospedeiro contra helmintos e no desenvolvimento de sintomas alérgicos. Algumas moléculas capazes de reconhecer ameaças microbianas encontram-se dispersas no sangue e fluidos extracelulares, sendo a primeira defesa contra agentes patogênicos fora das células do hospedeiro, atuando de duas formas principais: Agem como opsoninas ao ligarem-se aos microrganismos, ampliando a habilidade de células fagocíticas em eliminar tais ameaças, uma vez que essas apresentam receptores específicos para esse complexo; Promovem, após o contato com o antígeno, respostas inflamatórias responsáveis por aumentar a atração de fagócitos para o sítio de infecção, podendo participar diretamente da eliminação desses agentes patogênicos. Por estarem dispersas pela circulação do hospedeiro, esses mecanismos são também chamados de ramo humoral do sistema imune inato, segmento que também é Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 composto por sistema complemento, colecitinas, pentaxinas e ficolinas. O sistema complemento é formado por diversas proteínas plasmáticas que agem juntas para “opsonizar” microrganismos, recrutar células realizadoras de fagocitose para o local de infecção, e até mesmo na morte direta de um patógeno. Sua ativação se dá por meio de um sistema em cascata proteolítica que depende de seus próprios produtos, gerando assim três vias: Via clássica: emprega a proteína C1q na identificação de anticorpos ligados pela porção Fc a um microrganismo ou demais estruturas, gerando os compostos C1r e C1s, que criam uma cascata proteolítica, participando tanto da imunidade humoral adaptativa quanto da inata (eficiente ligação entre anticorpos IgM e C1q); Via alternativa: disparada quando a proteína C3 reconhece estruturas da superfície microbiana, com lipopoliproteinas de uma bactéria, distinguindo-a do tecido normal do organismo por meio da ausência de enzimas reguladoras; Via da lectina: é deflagrada pela proteína plasmática lectina ligante de manose (MBL), capaz de reconhecer resíduos desse composto em glicoproteínas e glicolipídios microbianose receptores de manose em membranas de fagócitos. As pentraxinas são proteínas plasmáticas que reconhecem estruturas microbianas, representadas por proteína C-reativa (PC-R) e amiloide P sérico (SAP), capazes de identificar múltiplas espécies de bactérias e fungos, além da pentraxina longa (PTX3). Todas essas estruturas ativam a via clássica por ligação com a C1q. Os níveis de PC-R no sangue são normalmente baixos, porém, em casos de inflamação, sua produção hepática é aumentada em mil vezes devido à secreção de IL-6 e IL-1, citocinas produzidas por fagócitos como parte da resposta inata, sendo, portanto, denominadas reagentes de fase aguda. O PTX3 é produzido por vários tipos celulares, incluindo células dendríticas, macrófagos e células endoteliais, em resposta aos ligantes TLR e citocinas inflamatórias, porém não é considerado reagente de fase aguda, uma vez que permanece armazenado nos grânulos de neutrófilos e só são liberados após sua morte. Reconhece bactérias Gram- positivas e negativas, fungos, vírus e células apoptóticas, contribuindo inclusive para a proteção contra o vírus influenza; Colectinas são proteínas pertencentes a uma família em que cada subunidade apresenta cauda colágena ligada à região do pescoço por uma cabeça de MBL, que serve tanto como receptor de padrões quanto como opsonina, ligando-se a microrganismos para aumentar sua fagocitose; Ficolinas são estruturalmente parecidas com as Colectinas, apresentando apenas um domínio reconhecedor de fibrinogênio no local de sua região de MBL, ainda assim mantendo ação similar ao grupo anteriormente citado. Seus ligantes referem-se a substâncias de paredes celulares de bactérias Gram-positivo. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 Muitos microrganismos patogênicos evoluíram para resistir à imunidade inata e sua eliminação necessita dos mecanismos mais potentes da imunidade adaptativa, o que evidencia as diversas conexões entre essas formas de defesa do corpo humano. A resposta imune inata aos microrganismos estimula as respostas imunes adaptativas e influencia a natureza das respostas adaptativas. As citocinas são um conjunto de proteínas secretadas com múltiplas estruturas e funções, responsáveis por regular diversas atividades inerentes a imunidade inata e adaptativa. Essas substâncias são secretadas por todas as células do sistema imune, sendo que essas também possuem receptores com sinalização específica para tais compostos. Essas proteínas têm por função o crescimento e diferenciação das células imunológicas, ativação de funções efetoras em linfócitos e fagócitos e o direcionamento de células desse sistema do sangue para os tecidos e sua migração dentro dessa estrutura, papel esse desempenhado pelas quimiocinas. O sistema imune inato desempenha três funções importantes: Primeira resposta aos microrganismos, capaz de eliminar, prevenir ou controlar a infecção do hospedeiro por agentes patogênicos: se qualquer uma das barreiras inerentes à imunidade inata for inibida ou danificada o corpo se torna mais susceptível a processos infecciosos, mesmo que a ação do sistema imune adaptativo se mantenha íntegra; Desencadeiam o processo de reparação tecidual ao reconhecer células mortas ou danificadas no corpo do hospedeiro; Estimula os processos de resposta imunológica adaptativa, influenciando a natureza das respostas específicas, aumentando sua efetividade contra as diversas formas patogênicas. É de competência do sistema imune inato, como supracitado, identificar estruturas moleculares características de patógenos microbianos, o que é realizado por meio da análise de padrões moleculares associados aos patógenos (PAMP), estruturas que possuem ácidos nucleicos, proteínas, lipídios e carboidratos essenciais à sobrevivência de microrganismos. Além dos PAMPS, a imunidade inata atua na Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 delimitação de danos ou morte de células endógenas por códigos moleculares específicos, denominados padrões moleculares associados a danos (DAMP). PAMPs e DAMPs são reconhecidos por diferentes receptores pelo sistema imune inato, compondo um grupo denominado receptores de reconhecimento de padrões, localizados na membrana plasmática, membrana enndossômica e citoplasma de células dendríticas, células epiteliais e fagócitos, garantindo respostas efetivas para ameaças intra e extracelulares. A junção dos receptores a PAMP e DAMP causa a ativação de transdução de sinais que provocam as funções antimicrobianas e pró- inflamatórias nas células desencadeantes. O sistema imune inato não age contra células saudáveis, o que é fundamental para a manutenção da saúde individual. Os receptores de reconhecimento de padrões presentes nesse sistema são: Receptores semelhantes a Toll (TLR): localizados nas membranas plasmática e endossômica de fagócitos, células dendríticas, linfócitos B, células endoteliais e diversas outras. Seus principais ligantes são moléculas microbianas, como ácidos nucleicos virais, lipopolipeptídeos bacterianos e proteoglicanos. Sua capacidade de reconhecimento é ampla, levando à ativação de vias de sinalização e fatores de transcrição que induzem a expressão inflamatória/antiviral; Receptores semelhantes a NOD (NLR): presentes no citoplasma de fagócitos, células epiteliais e outros tipos de células. Seus ligantes principais são peptideoglicanos da parede bacteriana, flagelina, dipeptídeo muramil, lipopoliproteínas, cristais de urato e produtos de células danificadas. Alguns de seus componentes recrutam outras proteínas ao perceber a ligação com PAMPS e DAMPS, iniciando um complexo de reações promotoras de inflamação com citocinas IL-1 e IL-18; Receptores semelhantes a RIG (RLR): localizados no citoplasma de fagócitos e outras células, tendo por principal ligante o RNA viral. Sua resposta à presença de PAMPs é a indução da produção de interferons (interferem no processo de replicação de compostos nocivos) antivirais; Receptores similares à lectina de tipo C: presentes na membrana plasmática de fagócitos. Seus principais ligantes são carboidratos de superfície microbiana presentes em paredes celulares fúngicas. Os receptores facilitam a fagocitose desses patógenos, estimulando também Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 o desenvolvimento das futuras respostas adaptativas; Receptores Scavenger: presentes na membrana plasmática de fagócitos, possuindo diacilglicerídeos microbianos como ligantes; Receptores N-Formil met-leu-phe: presentes em membranas plasmáticas de células fagocitárias, seus ligantes principais são peptídeos que contêm N- formilmetionil. As defensinas são peptídeos catiônicos produzidas pelas células epiteliais de áreas mucosas e leucócitos contendo grânulos (células T intraepiteliais, células NK e neutrófilos) e diferenciadas em α e β. As células de Paneth, no intestino delgado, são as principais produtoras de α-defensinas, responsáveis por limitar o número de microrganismos na luz do órgão. As ações protetoras das defensinas abrangem a toxicidade direcionada aos microrganismos, incluindo bactérias, fungos e vírus em envelope, e a ativação de células envolvidas na resposta inflamatória aos microrganismos. As defensinas matam os microrganismos por uma variedade de mecanismos, muitos dos quais dependem de suas habilidades em se inserir e romper funções das membranas microbianas. A catelicidina é produzida pelos neutrófilos e células da barreira epitelial da pele, TGI e trato respiratório, sendo um composto de dois domínios que é clivado em duasunidades protetoras, processo que, junto à síntese do composto, podem ser estimulados por citocinas e produtos microbianos. As catelicidinas ativas protegem contra infecções por múltiplos mecanismos, incluindo toxicidade direta a uma grande variedade de microrganismos e ativação de várias respostas em leucócitos e outros tipos celulares que promovem a erradicação dos microrganismos. FATORES DE VIRULÊNCIA E SEUS MECANISMOS: Os fatores de virulência são estruturas, estratégias ou produtos empregados por bactérias e vírus para ultrapassar as barreiras de defesa orgânicas e causar uma infecção no hospedeiro, podendo tanto estar relacionados à colonização microbiana quanto com ferramentas que lesionem o organismo. Todas essas ferramentas, expressos em condições especiais, são armazenadas em ilhas patogênicas, regiões cromossômicas ou em plasmídeos que codificam genes mediante fatores de expressão como a alteração do pH local, permitindo a formação de um complexo gênico que pode ser transportado a outros cromossomos ou organismos. Para que ocorra uma infecção, é necessário que os microrganismos penetrem as barreiras naturais do corpo humano, o que pode ocorrer por meio de cortes na pele (cirúrgicos ou não) deixados aberto ou úlceras no epitélio gastrointestinal, permitindo assim que produtos da microbiota normal penetrem os tecidos mais internos e susceptíveis à ação dessas. FATORES DE VIRULÊNCIA EM BACTÉRIAS: A colonização bacteriana no corpo do hospedeiro é realizada em locais variados para cada espécie, podendo ocorrer tanto em regiões próximas ao local de infecção primária quanto em locais com características ótimas de crescimento. Em alguns casos o local adequado não é o único pré-requisito de uma colonização eficiente, Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 sendo necessárias estruturas e funções que mantenham ideais as condições do sítio. A presença de adesinas, tipo de lectina que se conectam a açúcares no tecido-alvo, em algumas bactérias favorece sua probabilidade de sobrevivência, uma vez que ao aderirem aos receptores específicos de uma estrutura sua remoção passa a ser inviável. Esses compostos estão presentes nas pontas das fímbrias (pili), mas também podem ser empregados de outras formas, como pela ação de ácidos lipoproteicos para ligação à fibronectina. O biofilme também se enquadra como uma estratégia de colonização favorável, principalmente em equipamentos cirúrgicos, pois é composto por uma estrutura viscosa que garante não só a coesão entre bactérias, mas entre elas e a superfície, podendo inclusive proteger a colônia de ações antibióticas. Sua produção só se dá com um quórum mínimo de microrganismos (quorum sensing), momento no qual uma camada de polissacarídeos é construída para composição dessa membrana e para nutrição do grupo colonizador. Bactérias também podem usar de outras ferramentas para penetrar em epitélios, como a secreção tipo III, que emite proteínas efetoras que originam poros na estrutura epitelial/mucosa do hospedeiro, favorecendo o processo de interiorização bacteriana e sua replicação, além de poder induzir a apoptose celular. O crescimento das bactérias tem por subprodutos uma coleção de ácidos, gases e outras substâncias tóxicas ao tecido, situação que pode ser agravada devido à produção natural de enzimas degradantes por diversos microrganismos, promovendo assim os nutrientes necessários para sua replicação e disseminação. As toxinas são os verdadeiros produtos bacterianos que causam prejuízos diretos ao tecido ou às funções biológicas normais do hospedeiro por meio da lise celular ou proteica específicas, ligando-se a receptores e desencadeando uma cascata de reações tóxicas. Endotoxinas e proteínas superantígenos promovem a estimulação excessiva de respostas inatas e adaptativas, intensificando os quadros inflamatórios. Algumas vezes a própria toxina é suficiente para desencadear os sintomas característicos da doença, como representado pelas toxinas pré-formadas nos alimentos, responsáveis pelas intoxicações alimentares e pela Clostridium tetani, bactéria causadora do tétano. As proteínas superantígenos são grupos tóxicos especiais que ativam as células de forma simultânea ao receptor de célula T e a uma molécula do complexo principal de histocompatibilidade classe II (MHC) numa célula apresentadora de antígeno sem necessidade desses. A ativação de interleucinas é altamente elevada com a ação desse composto (tempestade de citocinas), causando risco de morte por respostas autoimunes, que pode também destruir as células T verdadeiramente ativadas, eliminando clones para ameaças específicas e enfraquecendo as defesas do organismo hospedeiro. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 As endotoxinas, descritas pela fração do lipídio A do lipopolissacarídeo (LPS), são compostos proteicos produzidos exclusivamente por bactérias Gram- negativas, ativando de forma potente a fase aguda e as reações inflamatórias. Sua ligação é realizada com receptores exclusivos (CD14 e TLR4) em macrófagos e células B, estimulando tanto a produção quanto a liberação de citocinas de fase aguda (IL-1, TNF-α, IL-6 e prostaglandinas), promovendo também a replicação mitogênica de células B. Em baixas quantidades as endotoxinas estimulam o desenvolvimento de respostas protetoras como vasodilatação e expressão inflamatória, porém, em doses mais elevadas, como em quadros sépticos por bactérias Gram-negativas, a resposta orgânica torna-se desmedida ao ativar a via alternativa do sistema complemento, produzindo anafilatoxinas (C3a e C5a), favorecendo a dilatação dos vasos e o extravasamento capilar, o que combinado às pré-existentes IL-1 e TNF-α culmina em hipotensão e choque, que podem levar o hospedeiro a óbito. A coagulação intravascular disseminada (CID) também é um produto da ativação da LPS, uma vez que ela também ativa a cascata de coagulação sanguínea. Exotoxinas são proteínas produzidas tanto por bactérias Gram-positivas quanto negativas, contendo enzimas citolíticas e receptores proteicos para alterações celulares, sendo armazenada em muitos casos no plasmídeo ou fago lisogênico. As toxinas citolíticas podem romper a membrana da célula afetada, criar poros que permitam o extravasamento de água e íons ou até mesmo causar lise celular. Essas substâncias são, em sua maioria, diméricas, formadas por uma parte A (action) e uma B (binding), sendo a última responsável pela ligação com receptores no tecido alvo e a primeira pela realização efetiva das ações danosas ao ser transferida para o meio intracelular. Os alvos desses compostos são ribossomos, sinalizadores bioquímicos (produção de AMPc) e mecanismos de transporte, agindo em tecidos delimitados. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 Em muitos casos de doenças infecciosas os sintomas são causados pelas próprias respostas imunológicas do paciente, que geralmente são limitadas e controladas, resultando num desfecho antibacteriano protetor. Esse estímulo, no entanto, pode se dar de forma exacerbada, culminando em sintomas de sepse e meningite, com prognóstico muito pior para o doente. Esses sinais negativos são ativados in loco pela presença de neutrófilos e macrófagos, ocorrendo em outras regiões com o desencadeamento da tempestade de citocinas ou da ativação do sistema complemento, sendo essas ferramentas muito favoráveis à replicação bacteriogênica, uma vez que o organismo do hospedeiro está respondendo a estímulos ameaçadores de seu próprio sistema de defesa. A presença de cápsula é um dos fatores de virulência maisimportantes para as bactérias, pois as camadas polissacarídicas viscosas de revestimento protegem esses seres de retaliações imunológicas e fagocitárias, apresentando baixa imunogenicidade (mimetizam tecidos do corpo humano). Além disso, essas cápsulas são difíceis de serem capturadas e se rompem facilmente quando retidas por um fagócito, protegendo-as inclusive quando já englobadas por macrófagos e leucócitos. Essas barreiras são uma estratégia para garantir maior tempo de permanência no sistema circulatório (aumento da bacteremia) antes que os microrganismos sejam eliminados pelos mecanismos de defesa. Variações antigênicas, inativação de anticorpos e crescimento celular são formas microbianas de evitar a ação de antibióticos, exigindo assim a atuação de uma célula T para ativar macrófagos capazes de destruir ou criar uma parede (granuloma) ao redor das células afetadas. A inativação do sistema complemento também pode ocorrer por meio da ocultação de seus sítios ligantes. Além disso, bactérias também podem tentar combater o mecanismo de fagocitose, seja por meio da lise dos fagócitos, da inibição da fagocitose ou do bloqueio da morte celular. FATORES PATOGÊNICOS EM VÍRUS: Os vírus, assim como as bactérias, causam doenças ao romper a barreira defensiva do corpo do hospedeiro, induzindo respostas imunes e degradando células de algum tecido importante. A intensidade do quadro patológico desenvolvido irá ser determinada pela carga viral presente no organismo, no estado geral de saúde do paciente e a variante viral, sendo que por diversas vezes a resposta imune acaba por desencadear diversos dos sintomas vivenciados. Uma doença pode ser causada por múltiplos vírus Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 de tropismo semelhante (ex.: gripe – vias aéreas superiores), porem um determinado vírus pode causar doenças diversas ou não induzir sintomas aparentes. A natureza de uma infecção viral depende de características virais e das células-alvo. Uma célula não permissiva não apresentará receptores, vias enzimáticas importantes, mecanismos de transcrição ou antivirais que não permitirão a replicação de determinados vírus, podendo também reduzir sua síntese proteica para evitar a produção de novas partículas virais. Uma célula permissiva, por sua vez, possui todo o “equipamento” biossintético necessário para completar o ciclo de replicação viral, havendo, por fim, a célula semipermissiva, que apresenta elevada ineficácia durante o processo replicativo ou permite que apenas alguns tipos virais executem-no. As respostas imunes contra ameaças virais têm por objetivo prevenir a entrada e disseminação ou eliminar o conteúdo virótico e as células afetadas, sendo o principal mecanismo de tratamento para esse tipo de infecção. Quanto mais tempo passa com replicações virais em meio orgânico, maior o potencial de imunopatogênese e maior a intensidade necessária para a resposta imune controlar tal quadro, utilizando como mecanismos iniciais as células T citotóxicas e o interferon. Certas formas de DNA e o RNA de fita simples, além de algumas glicoproteínas virais, ativam a produção de interferon do tipo I e respostas celulares inatas por meio da interação com receptores citoplásmicos ou os receptores Toll-like (TLR) em endossomos presentes na superfície celular. A resposta inata evita que a maioria das infecções virais resulte em doença. O interferon e as citocinas são estimulantes sistêmicos de sintomas análogos aos da grupe, associados a infecções respiratórias e viremia, geralmente precedendo (pródromo) os reais sintomas da infecção viral durante o estágio virêmico. Algumas formas de infecções desencadeiam respostas amplas para citocinas, desencadeando doenças autoimunes em pessoas geneticamente predispostas, o que, junto ao posterior processo de ativação do sistema complemento clássico e da hipersensibilidade tardia causada por células T, aumenta o potencial de dano tecidual, cujo controle é difícil, principalmente em infecções por vírus envelopados. No geral, as crianças apresentam resposta imune celular menos ativa que a dos adultos e, portanto, geralmente apresentam sintomas mais leves durante as infecções por alguns vírus comuns, como varicela, caxumba e sarampo. FATORES PATOGÊNICOS PARA FUNGOS: A patogênese fúngica ainda não é tão conhecida como os mecanismos bacterianos e virais. São poucos os fungos virulentos a ponto de serem classificados como patógenos primários, ou seja, capazes de iniciar infecções em indivíduos saudáveis e imunocompetentes, podendo penetrar as defesas orgânicas, encontrar um sítio adequado com substratos para seu crescimento e desenvolver uma colônia nesse microambiente. Em geral, indivíduos Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 saudáveis e imunocompetentes apresentam alta resistência inata à infecção fúngica, apesar de serem constantemente expostos às formas infecciosas de diversos fungos presentes como parte da microbiota normal (endógenos) ou no ambiente (exógenos). Os patógenos oportunistas só são infectantes em caso de violação das barreiras de proteção de mucosas e epitélios ou quando o sistema imune hospedeiro apresenta falhas que permitam tal instalação infecciosa, sendo os fatores que desencadeiam os sintomas referentes aos microrganismos, não ao corpo do indivíduo parasitado. FATORES PATOGÊNICOS EM PARASITAS: A patogênese de doenças causadas por protozoários e helmintos é muito variável, porém eles ou não são muito virulentos, não conseguem se replicar no hospedeiro, ou até mesmo uma combinação desses dois fatores, o que explica o fato de que a gravidade da doença instalada depende diretamente da dose infectante e do número de organismos adquiridos com o tempo, uma vez que quadros parasitários apresentam caráter majoritariamente crônico. Por serem quase sempre exógenos em relação ao hospedeiro é necessário que os parasitas entrem no corpo humano ou pela ingestão ou pelo rompimento de barreiras anatômicas. A duração e a forma da exposição aos microrganismos interferem fortemente na capacidade patogênica do parasito. Uma vez realizada a invasão, os parasitos aderem a células ou órgãos específicos do hospedeiro, evitam a detecção imune, replicam-se, produzem substâncias tóxicas que destroem tecidos e provocam doenças secundárias à própria resposta imunológica do hospedeiro, podendo também ocasionar obstruções físicas devido a seu tamanho. A transmissão de doenças parasitárias é frequentemente facilitada pela contaminação ambiental com excrementos humanos e animais. Isso se aplica principalmente a doenças transmitidas pela via fecal‑ oral, mas também se aplica a infecções helmínticas, transmitidas pela penetração da larva na pele. A transmissão de doenças parasitárias por meio da picada de artrópodes é extraordinariamente eficiente, o que pode ser evidenciado por meio da ampla disseminação de patologias como malária, filariose e tripanossomíase. A manutenção da vida de um parasita no corpo de seu hospedeiro depende do seu tropismo tecidual e de sua capacidade de adesão, que pode se desenvolver por meio de contato mecânico, com uma “boca” conectando o microrganismo a algum tecido, ou pela ação de adesinas, que se ligam a glicoproteínas teciduais e garantem uma adesão química. Após esse período, é necessária a replicação parasitária, recorrente principalmente entre protozoários, podendo ser tanto intra quanto extracelular. A temperatura também pode desempenhar um papel importante na habilidade dos parasitos infectarem um hospedeiro e causarem doenças. Protozoários e helmintos não produzem toxinas tão potentesquanto as bacterianas, porém seus processos patológicos podem ser estabelecidos pela elaboração de produtos tóxicos, dano tecidual mecânico e processos imunopatológicos. Alguns exemplos desses processos são a secreção de proteases e fosfolipases pela destruição de microrganismos, sendo essas substâncias potenciais causadoras de dano tecidual e processos inflamatórios. As formas Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 mais óbvias de dano direto causado por parasitos helmínticos são aquelas que resultam do bloqueio mecânico de órgãos internos ou de efeitos da pressão exercida pelos parasitos em crescimento, porem a migração parasitária e a hipersensibilidade também possuem elevada representatividade. Parasitas são eficientes no processo de interferir ou evitar as defesas humorais e celulares do hospedeiro, o que pode ser expressado pela constante mudança antigênica realizada pelo tripanossomo africano a cada nova resposta humoral do paciente, pela mimetização de antígenos naturais, ou pelo mascaramento dos antígenos por meio da aquisição de moléculas pertencentes ao microambiente do organismo parasitado. Outro importante mecanismo é a migração para meio intracelular, ambiente no qual o patógeno passa a inibir ou dificultar o processo de fusão fagocítica, que pode ser associado, em caso de evoluções crônicas, a uma imunossupressão do hospedeiro, induzida por sobrecarga antigênica ou degradação de imunoglobulinas, por exemplo. PRICIPAIS ANTÍGENOS E RESPOSTAS IMUNOLÓGICAS PARA O CENÁRIO DO CASO: STAPHYLOCOCCUS: Staphylococcus são um grupo bastante diverso de bactérias, apresentando como características comuns sua forma esférica (Cocos), reação positiva à coloração de Gram e catalases, e ausência de endósporos. São bactérias imóveis e capazes de se desenvolver em condições aeróbias ou não. Esse conjunto de bactérias está presente naturalmente na pele e nas mucosas, sendo que algumas espécies apresentam nichos específicos de adesão, como narinas (S. Aureus), testa e locais de atividade sebácea (S. Capitis), e axilas e locais com adensamento de glândulas apócrinas (S. Haemolyticus e S. hominis). Esses estafilococos são patógenos importantes para o ser humano, pois desempenham papel infeccioso em doenças de diversas gravidades, atingindo pele, tecidos moles e trato geniturinário, além de promover infecções oportunistas. A patologia de infecções estafilocócicas depende da capacidade bacteriana em escapar da fagocitose, expressar proteínas de adesão e gerar dano tecidual ao hospedeiro. A expressão gênica de fatores de virulência está sob encargo do sistema AGR (acessory gene regulator), de controle via quorum sensing, promovendo processos de colonização quando baixo e toxinas quando elevado. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 Os estafilococos ligam opsoninas do soro (IgG + C3 do complemento), porém a cápsula bacteriana recobre esses ligantes, protegendo o organismo da fagocitose, mecanismo que só falha em caso de produção excessiva de linfócitos direcionados a esse grupo. A camada mucoide e o biofilme também são mecanismos de proteção contra ações fagocíticas, ao passo que a proteína A previne uma remoção total de S. aureus por anticorpos ao ligar-se à imunoglobulina. CLOSTRIDIUM TETANI: As bactérias do gênero Clostridium são Gram-positivas, anaeróbias obrigatórias e formadoras de endósporos, presentes no solo, água e esgoto, mas também residentes na microbiota gastrointestinal fisiológica humana. Alguns de seus representantes são incapazes de causar doenças, mas ouros já apresentam históricos patogênicos extensos, como o C. tetani, sendo essa capacidade infecciosa atribuída a habilidade de sobreviver a situações adversas com a formação de esporos, ao crescimento acelerado em ambientes desprovidos de oxigênio e à produção de toxinas. As células de Clostridium tetani são sensíveis à presença de ar com O2, porém são capazes de resistir por mais tempo a meios adversos graças a produção de esporos. Duas toxinas também são produzidas por essa bactéria, um hemolisina (tetanolisina) sensível a oxigênio e uma neurotoxina codificada por plasmídeos (tetanoespasmina), substância que impede a transformação de cepas não tóxicas em toxigênicas. A tetanoespasmina, toxina responsável pelas manifestações clínicas num quadro tetânico, apresenta forma A-B e é responsável por inativar proteínas que regulam a liberação dos neurotransmissoress GABA (inibitórios), o que desregula a atividade simpática nos neurônios motores, culminando assim em paralisia espástica. As ligações formadas por esse material são irreversíveis, sendo necessário formar novos axônios terminais para a recuperação do movimento. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 PSEUDOMONAS: O gênero Pseudomonas corresponde a um conjunto de bacilos não fermentadores agrupados conforme suas semelhanças morfológicas e denominadas dessa forma devido a estarem frequentemente dispostas em pares que se assemelham a uma única célula. A espécie mais relevante é Pseudomonas aeruginosa, Gram-negativas, pequenas e aeróbias obrigatórias, possuem cápsula mucoide e múltiplos fatores de virulência, como adesinas e toxinas, além de resistência a antibióticos. Doenças incluem infecções do trato respiratório, trato urinário, pele e tecidos moles, olhos, ouvidos, bem como bacteremia e endocardite, geralmente atuando como infectantes oportunistas. Essas bactérias são encontradas na microbiota humana normal, mas também podem ser observadas por todo o ambiente incluindo hospitais, distribuição essa que é favorecida por seus simples requisitos nutricionais e de proliferação. A Pseudomonas aeruginosa é responsável por uma sequência de infecções cutâneas de caráter primário, principalmente em feridas por queimaduras (colonização seguida por dano vascular localizado, necrose de tecidos e, por fim, bacteremia). Além disso, a foliculite é um outro quadro patológico de encargo da P. aeruginosa, resultante principalmente de imersão em água contaminada, sendo que infecções cutâneas secundárias podem atingir pacientes com acne ou que depilam as pernas, e de infecções nas unhas de pessoas que estão expostas frequentemente à água e a atividades de manicure. A AÇÃO INFLAMATÓRIA CELULAR NO CONTEXTO DE IMUNIDADE INATA: O sistema imune inato tem como principal forma de lidar com processos infecciosos o estímulo a inflamações agudas, que são acúmulos de leucócitos, proteínas plasmáticas e fluido oriundo do sangue em meio extracelular, local lesionado ou infectado, iniciando o processo de reparo tecidual e eliminação de microrganismos. As principais células enviadas para esses sítios são os neutrófilos, porém a população de mastócitos (se tornam macrófagos nos tecidos) pode aumentar em algumas infecções. A inflamação aguda pode se desenvolver em minutos a horas e duram por dias. A inflamação crônica é um processo que demora mais do que a inflamação aguda, ocorrendo se a infecção não for eliminada ou se a lesão tecidual for prolongada. Normalmente, ela envolve o recrutamento e ativação de monócitos e linfócitos. Os locais de inflamação crônica também passam por remodelamento tecidual, com angiogênese e fibrose. Embora o estímulo imune inato possa contribuir para a inflamação crônica, o sistema imune adaptativo também pode estar envolvido porque as citocinas produzidas pelas células T são potentes indutores da inflamação. As citocinas são polipeptídios ou glicoproteínas extracelulares hidrossolúveis e secretadas por múltiplas células, capazes de alterar a capacidadeefetora de sua célula produtora ou de outras adjacentes, mediando respostas tanto da imunidade inata quanto da adquirida. Elas são produzidas nas fases de ativação e efetora da imunidade como forma de regular a resposta inflamatória e imune, recrutando células efetoras para o local de lesão e induzindo a geração e maturação de novas células. Além disso, apresentam papel importante no processo de especificação das respostas imunológicas com a indução de estruturas efetoras, delimitando, por esse motivo o tempo e a intensidade das reações imunes. Esses compostos geralmente agem em âmbito local, podendo ser autócrino, quando Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 age sobre a célula que a produziu, ou parácrino, se age sobre estruturas vizinhas por meio de ligações de elevada afinidade nas células-alvo. Se forem produzidas em quantidade suficiente, as citocinas podem ter função endócrina, pois são despejadas na corrente sanguínea para agir à distância. A ação das citocinas é redundante, uma vez que ações semelhantes podem ser desencadeadas por múltiplos tipos de citocinas. Diferentes células podem secretar o mesmo produto, e um só tipo de substância pode agir em diversas células, fenômeno chamado pleiotropia, responsável por permitir a ação sistêmica dessas citocinas. Esses compostos podem apresentar também o sinergismo, que ocorre com a potencialização da ação de duas citocinas de mesmo efeito, e o antagonismo, quando um dos produtos invalida a ação do outro. As citocinas da imunidade inata são produzidas principalmente por macrófagos teciduais e células dendríticas. A maioria destas citocinas têm ação parácrina, sendo que em algumas infecções graves há um aumento toda produção de tal forma que elas entram na circulação e passam a ter ação endócrina. Essas substâncias atuam em várias frentes, seja na indução de inflamações, restrições na replicação viral ou na promoção de respostas de células T e limitando a ação inata. O Fator de Necrose Tumoral alfa (TNFα) é um mecanismo mediador da inflamação aguda em resposta a bactérias e demais patógenos, sendo produzido por macrófagos e células dendríticas. Tem por principal função recrutar fagócitos e ativar neutrófilos e macrófagos, estimulando também a secreção de quimiocinas (citocinas de baixo peso molecular que agem no processo de resposta inflamatória aguda direcionando o movimento dos leucócitos), liberação de IL-1 e opsonização de antígenos. Devido a sua ação pleiotropia, o TNFα atinge o hipotálamo e induz o aumento da temperatura corporal, desencadeando um quadro febril. Sua produção é estimulada pelo reconhecimento de PAMPs, principalmente do LPS, componente de membrana em bactérias Gram-negativas. Essa categoria de citocina é responsável por mediar as reações de choque séptico. A Interleucina-1 (IL-1) é também uma mediadora das inflamações agudas, agindo de forma similar ao TNF. Sua produção se dá primeiramente por macrófagos e monócitos, assim como por células não imunológicas (fibroblastos e células epiteliais ativadas na lesão). Há um antagonista natural e endógeno para esse composto, a IL-1Ra, que compete com os mesmos receptores da interleucina-1. Existem duas formas de IL-1, a Il-1 β, que produz inflamação sistêmica com quadro de febre por meio da ativação da ciclo-oxigenae 2 (COX 2), resultando em formação de prostaglandina E2. A IL-1 atua no fígado induzindo a produção de proteínas de fase aguda. Além disso, estimula a formação de neutrófilos e plaquetas. A IL-6 é outra importante citocina nas respostas inflamatórias que tem efeito local e sistêmico. Ela estimula a maturação e ativação dos neutrófilos, a maturação de macrófagos e a diferenciação de linfócitos T citotóxicos e células natural killer (NK). Essa substância é sintetizada por fagócitos mononucleares, células endoteliais vasculares, fibroblastos e outras células em resposta aos PAMPs e em resposta a IL-1 e TNF. A Interleucina-6 se mostra como um fator precoce de controle da síntese e liberação Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 proteica de fase aguda pelos hepatócitos em estímulos dolorosos, sendo detectada em 60 minutos, com pico em 4 a 6h e persistência por até 10 dias. Devido a essas características a IL-6 é utilizada como um preditor de morbidade pós-operatória, pois seu aumento excessivo e prolongado indica danos teciduais. A IL-10 é a principal citocina anti-inflamatória e atua inibindo as citocinas pró-inflamatórias e estimulando a produção endógena de anti- inflamatórias. Além disso, todas as células estimuladas por IL-10, tem uma diminuição na expressão do MHC tipo 2, ou seja, a resposta imune entra em declínio. A IL-12 é uma citocina secretada pelos linfócitos B, neutrófilos, células dendríticas e macrófagos após a ativação por células apresentadoras de antígenos (APC). Funciona como uma ponte entre a imunidade inata e a imunidade adquirida, estimulando a produção de interferon gama (INF-γ) por células NK e linfócitos T do tipo CD4 (auxiliares), aumentando as respostas citotóxicas e agindo de forma antagônica à IL-10. A ação da IL-18, IL-23 e IL-27 é redundante à IL-12. Elas também atuam aumentando as funções das células natural killer. Os interferons induzem um estado de resistência antiviral em células teciduais não infectadas. O vírus, ao replicar-se, ativa o gene codificante do interferon. A proteína sintetizada deixa a célula produtora, liga-se à membrana celular das células adjacentes não infectadas e ativa o gene codificante de proteínas antivirais. Estas proteínas antivirais, por sua vez, vão impedir a replicação do vírus, quando este tentar replicar-se nessas células. Os IFN são produzidos na fase inicial da infecção e constituem a primeira linha de resistência a muitas viroses. Os IFN da imunidade inata são os do tipo I, que são divididos em alfa e beta. A forma alfa é produzida por leucócitos e a forma beta por fibroblastos. MICRORGANISMOS COMENSAIS E SUA INTERAÇÃO PARA MANUTENÇÃO DA VIDA HUMANA: Os microrganismos desempenham papel crítico para a manutenção da vida humana, uma vez que participam do processo de metabolismo de produtos alimentares, fornecem fatores essenciais de crescimento, estimulam a resposta imune e protegem o organismo de compostos altamente virulentos. Há um fluxo contínuo na flora microbiana, sendo ele determinado por fatores variados como idade, hábitos alimentares, saúde, higiene pessoal e níveis hormonais, com essa exposição iniciada no momento em que o ser humano deixa o útero e passa a interagir com o ambiente ao seu redor, havendo uma colonização microbiana gradual desde a pele, passando por orofaringe e TGI, até as demais superfícies mucosas, disposição que permanece em dinamismo, conforme supracitado. Modificações no estado geral de saúde podem alterar o equilíbrio delicado entre a combinação microbiana existente no corpo, substituindo um composto não virulento presente na orofaringe por alguma bactéria Gram-negativa de maior virulência que pode atacar outras estruturas, promovendo assim as doenças. Essa relação harmônica pode ser também afetada pelo uso de antibióticos, que eliminam bactérias benéficas ao corpo, permitindo assim a proliferação de estruturas antes moderadas. Ao ser exposto a um microrganismo, um indivíduo pode enfrentar três possíveis consequências: ser colonizado por ele de forma transitória, ser colonizado permanentemente, ou produzir uma doença, sendo que os dois primeiros processos não interferem nas funções normais do Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 hospedeiro, ao passo que o último representaum estado de interação desarmônica entre patógeno e portador, caracterizada por danos teciduais no ser humano, sejam elas induzidas diretamente por fatores microbianos ou pela própria resposta imune às ameaças. Poucos são os patógenos considerados estritos, ou seja, sempre associados a uma doença, sendo representantes desse grupo o Mycobacerium tuberculosis (tuberculose), Plasmodium spp. (malária), vírus da raiva (raiva), entre outros. A maioria das infecções é fruto de patógenos oportunistas, organismos da biota comum do paciente e que não geram doenças em seus sítios regulares, mas podem ser danosos ao entrarem em contato com regiões desprotegidas, sendo um exemplo a E. coli. Segmentando a colonização microbiana por sistema/região, temos: Trato respiratório e cabeça: Fungos como Candida e parasitas como Trichomonas e Entamoeba também podem ser observados. o Boca, orofaringe e nasofaringe: há uma proporção maior de organismos anaeróbios em relação àqueles de caráter aeróbio, sendo que os mais comuns são Peptostreptococcus e cocos anaeróbios relacionados, e Streptococcus, Haemophilus e Neisseria spp. (aeróbios). A maioria deles não é virulenta e raramente relaciona-se com doenças, exceto se inseridas em sítios atípicos. Alguns organismos potencialmente patogênicos também podem ser encontrados na região, como Streptococcus pyogenes, Streptococcus pneumoniae, S. aureus, Neisseria meningitidis, Haemophilus influenzae, Moraxella catarrhalis e Enterobacteriaceae, porém sua identificação em espécimes clínicos não é suficiente para comprovar infecção, sendo necessário excluir possíveis causadores; o Ouvido: em como mecanismo mais encontrado como colonizador do ouvido externo o Staphylococcus coagulase-negativo. Alguns patógenos potenciais como S. pneumoniae, Pseudomonas aeruginosa e membros da família Enterobacteriaceae também podem ser isolados na região; o Olho: sua superfície é colonizada por Staphylococci coagulase-negativos, apresentando também algumas bactérias presentes na nasofaringe. A doença é tipicamente associada a S. pneumoniae, S. aureus, H. influenzae, N. gonorrhoeae, Chlamydia trachomatis, P. aeruginosa e Bacillus cereus. Trato respiratório inferior: essa região é geralmente estéril, podendo haver colonizações transitórias causadas por secreções oriundas das vias aéreas superiores, sendo que as bactérias mais virulentas para região também estão presentes na boca, causando doenças agudas nos pulmões. A aspiração crônica pode levar a uma doença poli microbiana na qual os anaeróbios são os patógenos predominantes, principalmente Peptostreptococcus, cocos anaeróbios relacionados e bacilos Gram‑ negativos anaeróbios Trato gastrointestinal: é colonizado após o nascimento e assim permanece por toda a vida. Mesmo com oportunidades contínuas de colonização, os números populacionais mantêm-se constantes. o Esôfago: ocorrem somente colonizações transitórias de fungos e bactérias presentes na orofaringe, com raros casos de bactérias causadoras de esofagites, cuja Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 responsável geralmente é a Candida spp. Ou vírus, como a herpes e o citomegalovírus; o Estômago: seu microambiente ácido permite a sobrevivência de umas poucas bactérias acidotolerantes em pequena quantidade, como aquelas que produzem ácido lático (Lactobacillus e Streptococus spp.) e H. pilori, causador de gastrite e úlceras; o ID: essa região é densamente colonizada por múltiplos tipos de bactérias, fungos e parasitas, majoritariamente anaeróbios (Peptostreptococcus, Porphyromonas e Prevotella). Resíduos assintomáticos de bactérias causadoras de gastrite como Salmonella spp. Podem estar presentes, geralmente indicando doença. Se o intestino delgado for obstruído, como acontece após uma cirurgia abdominal, uma condição denominada síndrome da alça cega pode ocorrer. Nesse caso, a estase do conteúdo intestinal leva à colonização e proliferação dos organismos tipicamente presentes no intestino grosso, com o desenvolvimento subsequente de uma síndrome de má absorção; o IG: é o local com maior adensamento de colônias microbianas em todo o corpo, prevalecendo os compostos anaeróbios. A bactéria E. coli está virtualmente presente em todos os seres humanos e, mesmo representando um número ínfimo na população total, é a forma aeróbia mais frequente para infecções intra- abdominais, ao passo que a Bacteroides fragilis é o organismo anaeróbio mais comum em casos de infecção local, contando com mais fatores de virulência que as bactérias mais frequentes. Sistema geniturinário: em geral, a uretra anterior e a vagina são as únicas porções anatômicas do sistema geniturinário colonizadas permanentemente com micróbios. Embora a bexiga urinária possa ser colonizada transitoriamente com bactérias que migram de modo ascendente a partir da uretra, esses colonizadores devem ser rapidamente eliminados pela atividade antibacteriana das células uroepiteliais e pela ação de lavagem do jato urinário. As outras estruturas do sistema urinário devem ser estéreis, assim como o útero. o Uretra anterior: os principais organismos comensais dessa região são caracterizados por lactobacilos, estreptococos e Staphylococci coagulase-negativos, os quais raramente estão associados a doenças. Por outro lado, a uretra pode ser colonizada transitoriamente por organismos fecais, como Enterococcus, Enterobacteriaceae e Candida, que podem invadir o trato urinário, multiplicar‑ se na urina e causar doença significativa. Patógenos como N. gonorrhoeae e C. trachomatis são causas comuns de uretrite e podem persistir como colonizadores assintomáticos da uretra; o Vagina: possui população diversa e facilmente modificável conforme os fatores hormonais. A primeira colonização num RN do sexo feminino é por lactobacilos, que continua por 6 semanas até a redução dos níveis de estrogênio materno, momento no qual começam a se proliferar estafilococos, estreptococos e Enterobacteriae. Na puberdade, com a retomada dos níveis hormonais, há um Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 ressurgimento da população de lactobacilos (população dominante), mas com participação de diversos outros tipos celulares, alguns deles ainda remanescentes da infância. A N. Gonorrhoeae é uma das principais causas de vaginite, principalmente se algum fator reduz a replicação de lactobacilos em função da multiplicação de Mobiluncus e Gardnerella. Embora o vírus herpes simples e o papilomavírus não sejam considerados componentes da microbiota do trato geniturinário, esses vírus podem estabelecer infecções persistentes o Cérvix: Embora a cérvix não seja normalmente colonizada por bactérias, N. gonorrhoeae e C. trachomatis são causas importantes de cervicite. Actinomyces podem também produzir doença nesse sítio Pele: apesar de este ser o mecanismo com o qual o ser humano mais explora o ambiente que o cerca, o ambiente hostil desse epitélio não permite a sobrevivência de muitos microrganismos, com maior presença de bactérias Gram- positivas como Staphylococci coagulase- negativos e S. aureus. Os fungos Candida e Malassezia são também encontrados na superfície da pele, principalmente em áreas úmidas. Estreptococos podem colonizar transitoriamente a pele; no entanto, os ácidos graxos voláteis produzidos pelo anaeróbio Propionibacterium são tóxicos para esses organismos. O NOVO MODELO DE CASCATA DE COAGULAÇÃO: A hemostasia requer que seja constituído um tampão de plaquetas e fibrinas sobre uma lesão vascular bem como a manutenção da ativação de pró-coagulantes nesselocal. O controle da coagulação do sangue é realizado por meio da execução de tais fatores em sítios específicos de modo a evitar coagulações propagadas pelo sistema vascular. O novo modelo de coagulação sanguínea, devido a incongruências com a fisiologia vascular e a incapacidade de explicar a propensão a sangramentos por parte de hemofílicos, delimitou que a coagulação se dá em 4 fases, a saber: Fase de iniciação: o O processo de coagulação sanguínea é iniciado pela exposição de fator tecidual (FT) na corrente sanguínea, somente presente nesse local em caso de lesões, uma vez que faz parte de estruturas na periferia vascular, encontrados em anexos como músculo liso e fibroblastos. Esse composto será integrado ao fator VII circulante formando o complexo FVIIa/FT, responsável por ativar em pequenas quantidades os fatores IX e X. O FXa associado com seu cofator, FVa (pode ser ativado tanto pelo fator X quanto por proteases não coagulantes), forma a prototrombinase na superfície celular que expressou inicialmente o fator tecidual, transformando gradualmente protrombina (fator II) em trombina. Essa modificação, no entanto, ainda é insuficiente para completar a formação de um coágulo de fibrina, mas apresenta suma importância no decorrer do processo de amplificação da coagulação, que ocorre somente em casos de dano vascular. o Os fatores desencadeantes do processo de coagulação foram identificados em meio externo ao vascular, participando da circulação linfática entre tecidos, o que evidencia que essa via está sempre ativa para potencializar o mecanismo de Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 recuperação do leito vascular, criando quantidades ínfimas de fatores ativados em estado basal. Fase de amplificação: o Por serem muito grandes, plaquetas e o FVIII ligado ao fator de von Willebrand (FvW) só extravasam em caso de danos vasculares, ligando-se ao colágeno e a outros componentes extracelulares no local lesionado, onde são parcialmente ativadas, criando um tamponamento plaquetário (branco) para hemostasia primária. Nesse momento, pequenas porções de trombina oriundas da célula que expressou o FT podem se ligar com plaquetas ou com o complexo FVIIIa/FvW, dando início ao processo de formação de fibrina estável, consolidando o primeiro tampão e resultando em hemostasia secundária. o Essa amostra de trombina tem por finalidade a ativação máxima de plaquetas, que alteram a permeabilidade de suas membranas de modo a permitir a entrada de íons cálcio e saída de substâncias quimiotáticas que agem como atrativo de fatores de coagulação e liberam FV parcialmente ativado. A trombina também ativa cofatores V e VIII com a dissociação do complexo FVIIIa/FvW, promovendo a migração do último para a mediação da adesão e agregação plaquetárias no local lesionado. Além disso, os FXI a FXIa na superfície das plaquetas, evidenciando assim a não necessidade de fator XII para a hemostasia normal. o De forma simultânea a todas essas mudanças, todos os fatores são atraídos à periferia plaquetária, onde é deflagrada rapidamente a próxima fase. Fase de propagação: o O FIXa ativado ainda durante a iniciação passa a se ligar com o FVIIIa na superfície das plaquetas, compondo assim o complexo tenase. Caso necessário, o FXIa ligado na mesma região pode produzir uma quantidade extra de fator IXa. o Visto que o FXa não pode mover- se das células que expressam fatores teciduais para a plaqueta, é preciso que o complexo FIXa/FVIIIa produza diretamente o fator Xa, que prontamente se associa ao FVa ligado à plaqueta durante a amplificação, resultando assim na formação de prototrombinase, convertendo prototrombina em trombina (responsável por clivar o fibrinogênio em fibrina, polimerizado sobre o coágulo branco inicial). Fase de finalização: o Com a formação do coágulo de fibrina, o processo em andamento deve limitar-se somente ao sítio da lesão para evitar oclusões vasculares por trombose, situação manejada por 4 anticoagulantes naturais, o inibidor da via do fator tecidual (TFPI), a proteína C (PC), a proteína S (OS), e a antitrombina (AT). o O TFPI é secretado pelo endotélio, formando um complexo quaternário FT/FVIIa/FXa/TFPI, inativando os fatores e, portanto, limitando a coagulação. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 o As proteínas C e S são responsáveis por inativar os cofatores de pró-coagulação FVa e FVIIIa, sendo que PC é regulada por seu cofator PS, ambos dependentes de vitamina K, e ativada pela trombina, ligada a proteína transmembrana trombomodulina presente nas células sadias. o A proteína AT inibe tanto a atividade da trombina quanto de FIXa, FXa, FIXa e FXIIa, sendo sua ligação realizada em glicosaminoglicanos de alta afinidade com a antitrombina. Esse novo modo de explicação e esquematização da coagulação sanguínea foi fundamental para explicar alguns questionamentos acerca das hemofilias, sendo o principal deles relacionado ao FXa e sua aparente incapacidade de produção, teoria essa que foi refutada, uma vez que o FXa produzido pelo complexo FT/FVIIIa está retido na célula de demarcação de lesão, o que induz a produção, em menor escala, de fator X na superfície plaquetária, local no qual está móvel, mas susceptível à ação de TFPI e AT. A hemofilia passa a ser, portanto, apenas uma deficiência na produção desse fator em meio plaquetário. Suas fases de iniciação e ampliação ocorrem de forma relativamente normal, havendo a formação de um coágulo branco no local, porém são incapazes de gerar trombina suficiente para estabilizar o coágulo de fibrina. PRINCIPAIS GRUPOS PATOGÊNICOS E SUAS CARACTERÍSTICAS: BACTÉRIAS: Organismos procariontes, possuem somente uma célula, que não apresenta membrana nuclear nem organelas citoplasmáticas, apenas um plasmídeo com material genético, citoplasma, ribossomos e uma membrana plasmática, acompanhada ou não por uma parede celular de proteoglicanos fina ou espessa (diferença essa que origina as denominações Gram- negativo e positivo). Os organismos desprovidos desse revestimento compensam tal defasagem por sobreviverem apenas em meio intracelular ou em meio hipertônico. O tamanho, forma (esferas, bastões, hélices) e agrupamento espacial são critérios de classificação preliminar de tais microrganismos, sendo definitivamente organizados segundo suas marcas fenotípicas e genotípicas. Bactérias estão presentes tanto na microbiota fisiológica humana quanto no ambiente externo, sendo que ainda que muitas delas sejam não virulentas, algumas são capazes de promover processos e reações que ameacem a vida, seja por meio de efeitos Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 tóxicos de produtos metabólicos ou por seu contato com regiões anteriormente estéreis. VÍRUS: Os vírus são as menores partículas infecciosas, contendo normalmente DNA ou RNA, mas nunca os dois simultaneamente. Os materiais necessários à replicação viral estão armazenados num envelope proteico que pode ou não ser acompanhado de outro, dessa vez com caráter lipídico. O capsídeo é uma estrutura rígida resistente a intempéries que atua na transmissão viral entre hospedeiros ao garantir sua fixação por meio da proteína de fixação viral (VAP). É esse componente que permite a preservação de componentes intrínsecos à capacidade viral em caso de ressecamento, ácidos e a bile humana. O envelope é uma membrana lipídica que se desintegra facilmente em caso de ressecamento ou mudança de pH, fazendo com que esses tipos virais tenham que ser transmitidospor fluidos, favorecendo assim sua umidificação. Esse grupo se configura como sendo de parasitas verdadeiros, uma vez que necessitam da célula hospedeira para seu processo de multiplicação. As infecções por esses compostos podem resultar numa rápida replicação seguida de degradação celular ou num processo crônico de longo prazo que pode contar com a incorporação do material genético viral no genoma do portador. FUNGOS: Organismos eucariotos de estrutura complexa, possuem mitocôndrias, complexo de Golgi, núcleo definido e retículo endoplasmático. Existem tanto em forma unicelular (leveduras), de replicação assexuada, ou como fungos filamentosos (presença de hifas), podendo se reproduzir de forma sexuada ou não. Ainda existem fungos dimórficos, ou seja, que apresentam as duas formas. PARASITAS: Correspondem a um grupo complexo e variado de microrganismos eucariotos, podendo ser uni ou pluricelulares, variando em tamanho desde estruturas microscópicas até platelmintos com mais de 10m de comprimento. Seus ciclos de vida apresentam diversas complexidades, podendo haver relações permanentes com o homem ou mecanismos transitórios de desenvolvimento em diferentes organismos. Os protozoários são organismos simples com núcleo coberto por membrana e presença de diversas organelas, com Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 destaque para os vacúolos digestórios e contráteis e os múltiplos grânulos de reserva nutricional. Sua motilidade abrange desde pseudópodes (prolongamentos da membrana plasmática) até flagelos e cílios. Suas duas principais classificações dentro do reino Animalia dizem respeito a Platelmintos, vermes monoicos (presença de gônadas de ambos os sexos) de corpo achatado dorsoventralmente que não possuem tubo digestório e dependem do corpo hospedeiro para obtenção de nutrientes. Dividem-se ainda em trematódeas, com aspecto de folha e complexo ciclo de vida, e cestoides, com corpo em fita e ciclos de vida variados, sendo um exemplo a Taenia solium, e a Nematelmintos, vermes cilíndricos e dioicos (sexos diferentes) com tubo digestório completo, como a Ascaris lumbricoides. PROBLEMA 1 – INTERMEDIÁRIA: O SISTEMA IMUNE ADAPTATIVO: A imunidade adaptativa, chamada também de imunidade adquirida, é a resposta imunológica que se desenvolve ao longo da vida, ativada por meio do contato com vários antígenos, aumentando assim a capacidade do organismo em se defender de ameaças patogênicas. As características que diferenciam a imunidade adaptativa da inata são a especificidade (distinção entre diversas substâncias), o tempo de ativação (demanda um maior período até que seja formada), mecanismos efetores distintos e a capacidade de memória (resposta vigorosa a exposições repetidas a um mesmo antígeno). Os componentes específicos desse tipo de imunidade são os linfócitos e suas secreções, enquanto as substâncias que induzem tais respostas imunes são denominadas anticorpos. Esse tipo de imunidade divide-se em dois grupos, atuantes em diferentes microrganismos e compostas por mecanismos efetores distintos. A imunidade humoral é mediada por moléculas presentes no sangue e por secreções mucosas, denominadas anticorpo, que são produzidos por linfócitos B. Esse produto é capaz de reconhecer agentes microbianos e reduzir sua infectividade, promovendo assim sua eliminação por outras substâncias. Essa é a principal forma de defesa contra organismos extracelulares e suas toxinas. A imunidade celular, por sua vez, é delimitada pela ação dos linfócitos T, eficazes principalmente contra ameaças intracelulares, pois eles mediam a destruição dos microrganismos infectantes ou das células afetadas. Além disso, alguns linfócitos T podem auxiliar na defesa extracelular ao recrutar leucócitos para erradicar ameaças e auxiliar as células B a gerar anticorpos. Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 A forma de proteção promovida contra um microrganismo é geralmente induzida pela resposta do hospedeiro a ele. A imunidade ativa é aquela na qual o indivíduo apresenta papel ativo com sua exposição direta ao antígeno. Os linfócitos que não encontraram seu agente estimulador particular são denominados naive (inativos), desprovidos de experiência imunológica. Após serem apresentados aos agentes patogênicos esses indivíduos tornam-se imunes, pois os linfócitos desenvolveram e maturaram seus mecanismos específicos, garantindo respostas eficazes em novos contatos. Quando tal imunidade é conferida pela transferência de soro ou linfócitos oriundos de algum organismo já imunizado (transferência adaptativa), o recebedor passa a ter os anticorpos sem ser exposto ao antígeno, configurando assim quadro de imunidade passiva. Isso ocorre por meio da administração de soro antiofídico, retirado de cavalos expostos a veneno de cobras, e da gestação, momento no qual anticorpos maternos são transferidos ao feto pela placenta. As principais características dessa forma de imunidade se referem diretamente às propriedades dos linfócitos que geram tais respostas, como: Especificidade: os mecanismos propostos para combater antígenos são extremamente específicos, podendo apresentar respostas distintas para segmentos de um mesmo microrganismo, partes essas denominadas determinantes ou epítopos. Tal ferramenta existe porque os linfócitos individuais possuem receptores de membrana que podem distinguir diferenças sutis no arcabouço estrutural de epítopos distintos. Em indivíduos não imunizados, clones de linfócitos de variadas especificidades são capazes de reconhecer e lidar com ameaças estranhas; Diversidade: o repertório linfocitário de um ser humano é muito extenso, podendo discriminar entre 107 a 109 tipos antigênicos, número que é alcançado devido à variabilidade nas estruturas dos sítios de ligação com antígenos; Memória: exposições repetidas a um antígeno aumentam a capacidade de resposta imunológica a ele e as tornam mais rápidas e desencadeadas em maior quantidade, o que é denominado resposta secundária. Nesse contexto, até mesmo as reações celulares são intensificadas, tanto em vigor quanto em efetividade, com produção mais acentuada de anticorpos e melhor desempenho na ligação entre antígenos e células T; Expansão clonal: após serem expostos às ameaças antigênicas, os linfócitos T passam por uma considerável fase de proliferação, aumentando assim o número de células com receptores para aquele microrganismo, permitindo assim que o corpo do hospedeiro consiga de Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 certa forma acompanhar o processo de replicação do patógeno que o ameaça; Especialização: os linfócitos T e B atuantes na imunidade adaptativa possuem características específicas para se relacionarem com uma determinada classe de microrganismos; Contração e homeostasia: a intensidade das respostas imunológicas a um antígeno decai gradualmente até o retorno de seu estado basal, momento no qual o hospedeiro retorna à homeostase. Essa diminuição é causada devido a morte dos linfócitos desprovidos de estímulos por apoptose (apenas os linfócitos de memória sobrevivem), uma vez que os sinais disparados por essas células atuam na eliminação de tai ameaças; Não reatividade ao próprio: válida tanto em imunidade inata quanto na adaptativa, a tolerância imunológica aos autoantígenos e às demais células do corpo é imprescindível para a manutenção da fisiologia normal. Esse mecanismo é tão importante que o organismo humano elimina, em situações normais, todos os tipos celulares que se fazem reativos ao próprio corpo, sendosuas desregulações uma das causas de doenças autoimunes. As principais células do sistema imune adquirido são os linfócitos, células apresentadoras de antígeno e células efetoras. Os linfócitos se enquadram como mediadores tanto da imunidade humoral quanto da celular, reconhecendo e respondendo a antígenos estranhos. Esse tipo de célula se subdivide em duas populações, linfócitos B e linfócitos T, que apresentam diferentes funções e mecanismos de reconhecimento de microrganismos. Os linfócitos B são os únicos tipos celulares capazes de produzir anticorpos, reconhecendo antígenos extracelulares solúveis e na superfície da célula, diferenciando em plasmócitos secretores de anticorpos, mediando assim a imunidade humoral. Os anticorpos são proteínas mediadoras da imunidade adaptativa humoral, produzidas em resposta à exposição a um antígeno, podendo estar ligados à membrana plasmática das células B, diferenciando-se em plasmócitos com a ativação destas ou presentes no plasma, muco e fluido intersticial como agentes circulantes. Essas estruturas, também chamadas de Imunoglobulinas (Ig), fazem parte do 3º grupo mais rápido de migração dentre as globulinas, as globulinas gama. Sua estrutura básica é semelhante para toda a população, sendo a maior diferença entre essas secreções o sítio de ligação com o antígeno. A estrutura dessas células é simétrica, com núcleo formado por duas cadeias leves e duas pesadas idênticas (criando ao menos dois pontos de contato com antígenos), contendo cada uma série de unidades homólogas repetidas, com 110 fragmentos de aminoácidos dobrados no domínio Ig. A região V é o local mais variável de todo esse tipo celular, pois é ali que se ligam os microrganismos que ativam a resposta imune, ao passo que a região C, incapaz de se ligar diretamente a um patógeno, realiza funções efetoras Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 Existem três sítios na região V de cadeia peada e de cadeia leve que apresentam extrema variabilidade, formando as alças/regiões hipervariáveis (locais de conexão antigênica), chamadas também de regiões de determinação e complementariedade (CDRs), descritas principalmente por CDR1, CDR2 e CDR3. Além disso, sabe-se que os anticorpos são divididos também conforme as diferenças que apresentam em sua região C, chamadas isotipos e nomeadas como IgA (1 e 2), IgD, IgE, IgG (1, 2, 3 e 4) e IgM. OS anticorpos secretados e os de membrana diferem-se entre si pela sequência de aminoácidos em sua porção terminal, sendo hidrofílica nas moléculas secretadas e uma porção hidrofóbica e outra carregada positivamente nas de membrana. Anticorpos monoclonais possuem uma só especificidade, produzidos por um tumor de plasmócitos, sendo utilizados em fusão com as células B de um animal imunizado a fim de produzir hibridomas, produtores exclusivos da cepa de Ig do indivíduo imune. Esse tipo específico de anticorpo pode ser utilizado para diversas aplicações na clínica, como identificação tumoral, imunodiagnóstico e terapia de artrite reumatóide (anticorpos contra TNF). Os antígenos, por sua vez, são substâncias quaisquer que podem ser ligadas de forma específica por uma molécula de anticorpo ou receptor de célula T, porém sua ativação é mediada somente por imunógenos, antígenos especiais. O reconhecimento antígeno-anticorpo se dá por meio de ligações covalentes não reversíveis, com força definida pela afinidade do anticorpo com a molécula conectada, sendo a mesma para cada determinante de antígeno, mas modulada por sua avides, ou seja, presença de receptores para cada epítopo antigênico. Alguns anticorpos conseguem se ligar a um microrganismo diferente daquele para o qual foram produzidas, resposta essa chamada de reação cruzada. Linfócitos T são os agentes principais da imunidade mediada por célula, sendo responsável por reconhecer antígenos em Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 meio intracelular e por ajudar os fagócitos a matar os invasores ou as estruturas por eles contaminadas. Seus receptores antigênicos são moléculas de membrana intimamente relacionadas aos anticorpos, capazes de identificar peptídeos derivados das proteínas estranhas ligadas ao conteúdo proteico do hospedeiro e são chamados de moléculas do complexo maior de histocompatibilidade (MHC), expressas sob a superfície de outras células, explicando sua incapacidade de determinar a existência de antígenos solúveis. Essa categoria celular também apresenta divisões após sua maturação no timo, a saber: Células T auxiliares: atuam como “mensageiras” ao secretar citocinas que atuam tanto em processos inatos quanto adaptativos, estimulando a proliferação e diferenciação de células T e ativando células B, macrófagos e outros leucócitos; Linfócitos T citotóxicos (CTLs): são responsáveis por eliminar as células produtoras de antígenos estranhos ao corpo quando estão infectadas por microrganismos; Células T regulatórias: agem na inibição de respostas imunes; Células NKT: apresentam especificidades e papel desconhecido, reconhecendo proteínas que se fazem presentes só na membrana de outros linfócitos. O início e desenvolvimento dos mecanismos de resposta adaptativa necessitam que antígenos sejam capturados e apresentados aos linfócitos específicos para sua estrutura, o que é realizado por células denominadas apresentadoras de antígenos (APCs). As APCs mais especializadas são as células dendríticas, capazes de deter os antígenos oriundos do ambiente externo, transportando-os aos órgãos linfoides e apresentando-os aos linfócitos T imaturos para que as respostas sejam deflagradas. As três principais estratégias desenvolvidas pelo sistema imune adaptativo no combate aos microrganismos são a ligação de anticorpos, a fagocitose e a morte celular. A ativação dos linfócitos causa a excitação dos mecanismos de eliminação de antígenos, porém por vezes é necessária a atuação de células efetoras para esse fim. Os linfócitos T que foram atuados, junto a fagócitos e demais leucócitos, que também agem como células efetoras em alguns cenários, se concentram, junto aos APCs, em órgãos linfoides que se tornam pontos de interação para geração de respostas. Os linfócitos também estão presentes no sangue; do sangue, eles podem recircular através dos tecidos linfoides e voltar aos tecidos periféricos para os locais de exposição do antígeno para sua eliminação. Como o número de linfócitos naive no corpo é muito pequeno, faz-se necessária a participação de células acessórias (APCs) Júlia Figueirêdo – MECANISMOS DE AGRESSÃO E DEFESA MEDICINA UNIME – 2019.2 como parte do processo de deflagração de respostas imunes, facilitando a interação entre as células de defesa e seus alvos. Esse papel é exemplificado pela ação de células dendríticas, que capturam microrganismos e digerem suas proteínas, expressando-as em superfícies junto às moléculas de MHC. Essa carga antigênica é transportada aos linfonodos de drenagem, locais de recirculação constante de linfócitos T, aumentando assim a possibilidade do encontro. Em caso de microrganismos intactos entrarem nos linfonodos ou no baço eles serão reconhecidos por linfócitos B, o que também pode ocorrer por intermédio de APCs. A maturação de linfócitos T e B envolvem múltiplos eventos que são realizados nos órgãos geradores, como: Comprometimento de células progenitoras com linhagens específicas (formação de linfócitos T ou B); Proliferação de progenitoras e células imaturas, criando assim um arcabouço celular para geração de linfócitos funcionais; Rearranjo sequencial e ordenado dos genes reconhecedores
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