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Inconsciente, Defesa e Neurose na Teoria Clínica Freudiana

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
PEDRO TEODÓSIO MANSUR
INCONSCIENTE, DEFESA E NEUROSE NA TEORIA CLÍNICA FREUDIANA
Niterói
2019
	Nesse trabalho, pretendo tratar das importantes relações entre os conceitos de Inconsciente, Defesa e Neurose na teoria de Sigmund Freud, apoiando-me, principalmente, em seu artigo “O Inconsciente”, de 1915 – um texto que julgo essencial enquanto justificação e argumentação pelas próprias bases da teoria psicanalítica, frente às diversas críticas sofridas por ela à época que até hoje ressoam nos meios acadêmicos e clínicos. Importante dizer também que me debruço principalmente sobre as considerações freudianas à respeito de sua chamada primeira tópica, visto que acredito ser produtivo traçar um recorte bem delimitado em relação a um tema tão amplo.
	Se deve-se eleger um ponto no qual a teoria clínica freudiana foi pioneira com relação ao campo da clínica no momento de seu surgimento, esse ponto é, evidentemente, a descoberta por Freud do inconsciente. Não que, à época, não se pensasse em atividades mentais que passassem ao largo das percepções da consciência; mas certamente não se atribuía o inédito caráter psíquico e simbólico aos atos mentais latentes como o fez a teoria psicanalítica (FREUD, 1915).
	A psicanálise, com isso, é a primeira dentro do campo das teorias clínicas a afirmar os atos mentais inconscientes enquanto dotados de sentido, numa época de intenso investimento com relação ao caráter biofísico do funcionamento mental. O vanguardismo da teoria freudiana merece atenção: antes mesmo da virada para o século XX, Freud já se referia aos sintomas enquanto representações patológicas (FREUD, 1894).
	Posto isso, penso que a significação do funcionamento inconsciente tem um importante impacto clínico, ao passo que retira da consciência o protagonismo do processo terapêutico. Com isso, nasce um novo regime de escuta e fala, uma nova relação entre analista e analisando e, o que nesse momento é o mais importante, é legado ao sintoma um novo estatuto dentro do funcionamento mental: não mais um elemento mórbido a ser erradicado, ele passa a ser visto enquanto um resultado simbólico de um conflito entre as forças do sistema ICS e do recalque, cujo arranjo tem sempre que ser lido de acordo com os ganhos e perdas que representa para o sujeito em questão.
	O sintoma neurótico, então, é resultado de um conflito (FREUD, 1916). Ou, por melhor dizer, é sua resolução – posto que representa uma nova conciliação entre as exigências do ego e do inconsciente. Essas exigências, por sua vez, ditarão justamente as atividades da defesa pré-consciente com relação aos desejos inconscientes cujos representantes não estiverem de acordo com as coordenadas do ego. Garantindo a importância da linguagem nas formações inconscientes, Freud aponta que a defesa tem por alvo justamente a tradução em palavras que estiver vinculada ao objeto inconsciente (FREUD, 1915).
	Em suas tentativas de elaboração das dinâmicas defensivas, Freud define a primeira fase do processo de recalque nas histerias de ansiedade enquanto “o surgimento da angústia sem que o sujeito saiba o que teme”: a libido do sistema PCS retrai-se do objeto inconsciente, configurando uma espécie de tentativa de fuga do ego e, com isso, faz com que a catexia daquele objeto seja descarregada sob a forma de ansiedade (FREUD, 1915). Essa parte do processo é ansiogênica por conta da ausência de representação ligada à determinada pulsão, que emerge enquanto angústia, enquanto afeto sem palavra. Freud sintetiza esse movimento afirmando que “na repressão, ocorre uma ruptura entre o afeto e a idéia à qual ele pertence” (FREUD, 1915, p. 107).
	No entanto, mesmo que nesse fragmento do texto Freud esteja tratando da gênese das histerias de ansiedade, o processo de formação das histerias de conversão e das neuroses obsessivas compartilhará desse mesmo elemento decisivo: a anticatexia das representações enquanto forma de defesa frente aos objetos do desejo inconsciente (FREUD, 1915). Não à toa, então, a clínica psicanalítica é fundada sobre a palavra, visto que será o fazer sobre e através da linguagem que permitirá uma ação sobre o inconsciente e seus fenômenos sintomáticos.
	Por sua vez, essa ação precisa ser balizada por referências teóricas sólidas – algumas das quais descritas acima –, dada não só a grandeza do compromisso ético em jogo nas relações clínicas, mas também a complexidade do funcionamento mental humano. Sem formação constante e especial atenção às modulações sintomáticas no contemporâneo, acredito que se pode perder muito no que concerne à boa fundamentação de um trabalho clínico. É preciso respeito frente ao sujeito em análise e também aos seus sintomas.
	No entanto, falo aqui de lidar com o sintoma de forma respeitosa posta a delicadeza da ação sobre a vida pulsional de um sujeito em análise; porém respeitá-lo não implica de forma alguma deixar de tocá-lo com firmeza em suas articulações inconscientes, mas sim em instrumentalizar-se perante sua inércia – em suma, sua capacidade de resistência. Freud, por exemplo, já nos alertava no início do século acerca dos perigos da transferência no que ela pode pôr-se ao serviço do recalque (FREUD, 1912); o que é ótimo para pensarmos a importância de uma base teórica sólida frente à resiliência do sintoma neurótico.
	Em suma, parto do ponto de que o recalque está no cerne da gênese das neuroses (FREUD, 1911). Como vimos no exemplo acima, ele pode mobilizar fenômenos inconscientes de forma a favorecer a inércia do sintoma, o que pode ser agravador de uma neurose; porém, é preciso dizer também que o processo de defesa do sujeito deve ser tratado com especial atenção. Isso porque não é apenas um processo a ser combatido, restrito à formações sintomáticas ou causadoras de sofrimento, mas também um instrumento valioso para que o sujeito defenda-se de afetos negativos como a angústia e a frustração, que Freud inclusive aponta em dado momento como o fator mais evidente de desencadeamento neurótico (FREUD, 1912).
	No que diz respeito aos afetos, Freud conclui que a principal finalidade do recalque é a de suprimir seus desenvolvimentos (FREUD, 1915): vimos que a libido movimentada na dinâmica do recalque vincula-se ou desvincula-se de representações de objetos inconscientes, porém sua função mais primária é a de impedir experiências angustiantes ao sujeito. Posto que a clínica psicanalítica não prescinde de uma aposta no escoamento da angústia, as defesas quando bem mobilizadas são fundamentais em qualquer processo analítico, inclusive por possibilitarem boas elaborações simbólicas de elementos que emergem, no primeiro momento, enquanto experiências afetivas.
	No entanto, é preciso um trabalho clínico atento para que não haja uma instrumentalização do recalque à serviço do fortalecimento exacerbado do ego. É de extrema importância que saibamos que a direção da clínica com sujeitos neuróticos visa mais a potenciação da experiência de bem-falar o inconsciente do que sua domesticação por parte do sistema PCS-CS. Portanto, sem atenção à lógica inconsciente das defesas neuróticas, facilmente trata-se o sintoma de forma a inflá-lo ou deslocá-lo, sem a contundência que a clínica muitas vezes exige.
	Acredito enfim ter resumido de forma breve algumas das relações entre o inconsciente, os mecanismos da defesa e a neurose na obra freudiana, especificamente em seu primeiro momento. Sinto aqui a necessidade de reiterar especialmente a importância da aposta da psicanálise – enquanto teoria clínica – no inconsciente, seu conceito fundador, tomado de base para a confecção deste trabalho. Sem esse operador conceitual precioso que Freud nos legou, certamente a clínica contemporânea estaria comprometida no que diz respeito à seu embasamento teórico, como conferiu-se nas experiências de terapia hipnocatártica ao fim do século XIX. Assim, é preciso, tal qual o fez Freud em 1915, defender firmemente o inconsciente, principalmente no que ele confere à escuta clínica uma inédita sofisticação, imprescindível parauma atuação analítica.
	
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
FREUD, S. (1894). As Neuropsicoses de Defesa. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. III, p. 24-39 
FREUD, S. (1911). Formulações Sobre os Dois Princípios do Funcionamento Psíquico. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 2010, v. 10, p. 81-92
FREUD, S. (1912). Tipos de Desencadeamento na Neurose: Imago, 1996. V. XII, p. 140-147
FREUD, S. (1912). Observações Sobre o Amor Transferencial. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XII, p. 99-108.
FREUD, S. (1915). O Inconsciente. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XIV, p. 98-128
FREUD, S. (1916-1917). Conferência Introdutória XXIII: Os Caminhos da Formação dos Sintomas. In: FREUD, S. (Autor). Conferências Introdutórias sobre Psicanálise. Rio de Janeiro: Imago, 1996, v. XVI p. 361-378.

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