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Fichamento: "O Inconsciente", Freud

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Fichamento - “O Inconsciente”, Sigmund Freud, 1905
Pedro Teodósio Mansur
1 – Justificação do Conceito de Inconsciente
	O primeiro tópico do texto se desenrola a partir da defesa por Freud da própria existência do que ele chama de Inconsciente, enquanto uma instância, um sistema psíquico da vida mental a ser levado em consideração. Para isso, primeiro o autor traz alguns exemplos cotidianos de expressões do Inconsciente: “parapraxias e sonhos, idéias que assomam nossa mente vindas não sabemos de onde, conclusões intelectuais que alcançamos não sabemos como.”. Freud dá importância também às lembranças latentes: “quando todas as nossas lembranças latentes são levadas em consideração, fica totalmente incompreensível que a existência do inconsciente possa ser negada.”
	Freud também tenta explicar rapidamente o porquê do advento do aparecimento do Inconsciente ser tão mal recebido na cena médico-científica da época: “A obstinada recusa em atribuir um caráter psíquico aos atos mentais latentes se deve à circunstância de que a maioria dos fenômenos em foco não fora estudada fora da psicanálise”. Isso porque o pensamento psicanalítico foi o pioneiro na afirmação dos atos mentais inconscientes enquanto atos dotados de sentido, numa época de intenso investimento com relação ao caráter físico dos atos mentais. Atribuindo-lhes caráter psíquico, Freud compreende-os em sua clínica – teórica e praticamente – como objetos a serem estudados e desvelados. Na contramão do elogio científico à racionalidade, a obra freudiana retira da consciência – em um movimento que culminará no que o autor chama de terceira ferida narcísica do pensamento ocidental – o papel de protagonista da mente, ao afirmar: “a equivalência convencional entre o psíquico e o consciente é totalmente inadequada.”
	Seguindo esse raciocínio, já há nesse momento do texto uma primeira abordagem acerca da perda da realidade neurótica: “a experiência mostra que compreendemos muito bem como interpretar em outras pessoas (isto é, como encaixar em sua cadeia de eventos mentais) os mesmos atos que nos recusamos a aceitar como mentais em nós mesmos. Aqui, evidentemente, algum impedimento especial desvia nossas investigações de nosso próprio eu, impedindo que obtenhamos dele um conhecimento real”. Com isso, Freud começa a aproximar-se da discussão sobre o recalque, que aprofundará mais à frente em seu texto, e nos permite também que antecipemos sua noção posterior de fantasia, que, em seu caráter mais constitutivo do sujeito, impedem sua real apreensão de si, fazem barreira entre o ego e a realidade, inclusive no que diz respeito às interpretações acerca do próprio ego.
	Mesmo que o primeiro desses termos seja mais abordado no texto, ambos solidificam a defesa freudiana de que, basicamente, não se pode estabelecer uma equivalência entre o consciente e o mental, tampouco entre as percepções adquiridas pela consciência e os processos mentais inconscientes. Dessa afirmação, depreende-se ainda que há maior distorção da realidade no que diz respeito a nossa percepção de nossos objetos internos do que dos objetos externos.
	Dito isso, Freud passa a defender-se das objeções segundo as quais o que existe não é um inconsciente, mas outra – ou outras – consciência(s). À isso, sua principal resposta é a de que “devemos levar em conta o fato de que a investigação analítica revela alguns desses processos latentes como possuidores de características e peculiaridades que parecem estranhas a nós, ou mesmo incríveis, e que vão diretamente de encontro aos atributos da consciência que nos são familiares”, como forma de defender que “o que está provado não é a existência de uma segunda consciência em nós, mas a existência de atos psíquicos que carecem de consciência”.
2 – Vários Significados de “O Inconsciente” do Ponto de Vista Topográfico
	Nesse tópico, há um esclarecimento do Inconsciente a partir da perspectiva topográfica da mente, ou seja, a partir de seus distintos sistemas, o que abre a discussão acerca das relações entre o Inconsciente e a Consciência. Primeiramente, Freud descreve alguns dos elementos inconscientes: “O Inconsciente abrange, por um lado, atos que são meramente latentes, temporariamente inconscientes, mas que em nenhum outro aspecto diferem de atos conscientes, e, por outro lado, abrange processos tais como os reprimidos que, caso se tornassem conscientes, estariam propensos a sobressair num contraste mais grosseiro com o restante dos processos conscientes”.
	“Acabaríamos com todos os mal-entendidos se, doravante, ao descrevermos os vários tipos de atos psíquicos, desprezássemos a questão de saber se são conscientes ou inconscientes, e os classificássemos e correlacionássemos apenas em função de sua relação com instintos e finalidades, de sua composição e da hierarquia dos sistemas psíquicos a que pertencem. Isso, contudo, e por várias razões, é impraticável, de modo que não podemos escapar à ambigüidade de empregar as palavras ‘consciente’ e ‘inconsciente’ algumas vezes num sentido descritivo, algumas vezes num sentido sistemático, sendo que, neste último, elas significam a inclusão em sistemas particulares e a posse de certas características”. Aparecem, nos trechos acima, duas questões que serão tratados com grande dedicação ao longo do texto: a relação profunda entre os sistemas Inconsciente e Consciência através das forças do recalque, e uma primeira sugestão da divisão da pesquisa analítica da mente em seu fator dinâmico e em seu fator topográfico.
	Surge nesse momento a primeira proposta pelas abreviações ICS – para designar o Inconsciente – e CS – para designar a Consciência – no que diz respeito ao caráter sistemático do funcionamento mental. Então, Freud passa a descrever esse funcionamento: “Um ato psíquico passa por duas fases quanto ao seu estado, entre as quais se interpõe uma espécie de teste (censura)”. Na primeira fase, o ato é inconsciente, pertence ao sistema Inconsciente; se ele não passa pela barreira do recalque, é reprimido, recalcado, e permanece inconsciente. Se ele passa pela barreira do recalque, torna-se pré-consciente, e então, usando a expressão de Breuer, é capaz de tornar-se consciente – ou seja, tornar-se um objeto da CS sem sofrer nenhuma resistência especial. Com isso, Freud introduz a função do Pré-Consciente (ou PCS): “por ora, contentemo-nos em ter que o sistema PCS participa das características do sistema CS, e que a censura rigorosa exerce sua função no ponto de transição do ICS para o PCS”.
	Nesse momento, Freud apresenta um questionamento. Uma idéia, quando passa do ICS para a CS passa por uma mera transcrição, e assim é situada paralelamente em uma nova localidade psíquica, ou passa por uma transformação em seu estado? Em outras palavras, há uma transposição ou uma tradução? Há uma superação do ICS ou nova escrita?
	Freud responde dizendo que a primeira possibilidade é mais grosseira, contudo mais conveniente. E que a segunda (mudança de estado funcional) é mais provável, embora mais difícil de manipular, e que traz consigo a possibilidade de que a mesma idéia exista simultaneamente em dois lugares do mecanismo mental.
	Para exemplificar isso, Freud comenta sobre a ineficácia da comunicação a um paciente de uma idéia sua que houver sido reprimida. “O fato de lhe dizermos isso não provoca de início qualquer mudança em sua condição mental... não remove a repressão nem anula seus efeitos. Tudo o que conseguiremos será uma nova rejeição da idéia reprimida”. Nesse momento, o paciente passará a conviver com a mesma idéia existente de duas formas e em dois locais diferentes de seu psiquismo: ele possuirá a lembrança consciente do traço auditivo de sua comunicação pelo clínico, do momento em que ele entrou em contato com ela dessa forma, e também a lembrança inconsciente da idéia em sua forma primitiva.
	Vale dizer também que “não há supressão da repressão até que a idéia consciente, após a superação da resistência, entre em ligação com a lembrança inconsciente. Só quando esta última se torna consciente se alcança o êxito”.
Isso porque “ouvir algo e experimentar algo são coisas diferentes, ainda que o conteúdo de ambos os momentos seja o mesmo”. Nesse momento, podemos perceber um questionamento quanto aos métodos da clínica que se faz “pedagógica”, que acaba por posicionar o clínico da mesma forma em que se fazia no método hipnocatártico, em condição de ideal, em prol da direção de um tratamento no qual sua função diz mais respeito à fala e à comunicação de interpretações do que à uma escuta rigorosa e sofisticada.
3 – Emoções Inconscientes
	Nesse tópico, Freud começa sua exploração acerca das especificidades dos afetos da perspectiva topográfica relacionando-os com as pulsões: “de fato, sou da opinião de que a antítese entre consciente e inconsciente não se aplica aos instintos”. Isso porque uma pulsão nunca pode tornar-se objeto da CS, apenas uma idéia que a represente, ao passo que “faz parte da natureza de uma emoção que estejamos cônscios dela”. Por que se permite, então, correntemente usar expressões como “amor ou ódio inconsciente”, ou “ansiedade inconsciente”?
	O autor dá seguimento: “Pode ocorrer que um impulso afetivo ou emocional seja sentido, mas mal interpretado. Devido à repressão de seu representante adequado, é forçado a ligar-se a outra idéia, sendo então considerado pela consciência como manifestação dessa idéia”. Há aqui a introdução do importante tema das idéias substitutivas enquanto frutos do recalque no embate entre os sistemas CS e ICS, que será trabalhado pormenorizadamente no tópico seguinte do texto. Antecipando um pouco o tema, Freud prossegue: “Suprimir o desenvolvimento do afeto constitui a verdadeira finalidade da repressão”.
	Seguindo, contudo, sua descrição sistemática, Freud afirma: “Não existem afetos inconscientes, apenas idéias inconscientes, porém pode haver estruturas afetivas no ICS”.	Isso porque idéias são catexias, enquanto que os afetos são processos de descarga cujas manifestações são percebidas como sentimentos.
	Nesse momento, então, há no texto pela primeira vez uma relação entre a descrição do funcionamento mental e as neuroses. Quando Freud diz que “a repressão pode conseguir inibir um impulso instintual, impedindo-o de se transformar numa manifestação de afeto”, ele faz um primeiro elogio da função do recalque no que ela cerceia, por exemplo, a possibilidade de conversões histéricas e a experiência da angústia. Começando a se aproximar do que permite o estabelecimento do sintoma, ele prossegue: “uma luta constante pela primazia sobre a afetividade prossegue entre os sistemas CS e ICS”.
	É tratando da importância da CS e do recalque que ele retoma o tema das idéias substitutivas enquanto determinadoras da forma assumida pela neurose: “é possível ao desenvolvimento do afeto proceder diretamente do sistema ICS. Nesse caso, o afeto sempre tem a natureza de ansiedade. Com freqüência, contudo, o impulso instintual tem de esperar até que encontre uma idéia substitutiva no sistema CS”, que servirá como objeto que tampona a indeterminação da angústia.
	Ele encerra: “na repressão, ocorre uma ruptura entre o afeto e a idéia à qual ele pertence... Descritivamente, isso é incontestável; na realidade, porém, o afeto, de modo geral, não se apresenta até que o irromper de uma nova apresentação no sistema CS tenha sido alcançada com êxito”.
4 – Topografia e Dinâmica da Repressão
	De início, Freud define: “a repressão constitui essencialmente um processo que afeta as idéias na fronteira entre os sistemas ICS e PCS(CS)”, processo esse que consiste basicamente na retirada de catexia de uma idéia. “A questão é: em que sistema ocorre a retirada e a que sistema pertence a catexia retirada?”
	Aparece aqui pela primeira vez o fator da pressão posterior, ou a repressão propriamente dita, que consiste na retirada pelo PCS da catexia de uma idéia pré-consciente ou mesmo consciente. Nesse momento, a idéia pode permanecer não catexizada, receber a catexia do ICS ou reter a catexia do ICS que já possuía. Freud resume: “assim, há uma retirada da catexia pré-consciente, uma retenção da catexia inconsciente, ou uma substituição da catexia pré-consciente por uma inconsciente”.
	Retomando um questionamento anterior, Freud pontua: “notemos que baseamos essas reflexões na suposição de que a transição do sistema ICS para o sistema seguinte não se processa pela efetuação de um novo registro, mas por uma modificação em seu estado, uma alteração em sua catexia. Aqui, a hipótese funcional anula facilmente a topográfica”.
	Aparece nesse momento outra questão: se a idéia reprimida permanece catexizada, por que não retoma seu processo de tentativa de passagem pelo PCS? Freud responde a isso se utilizando de outro movimento do recalque chamado de “repressão primeva”, que consiste na retirada pré-consciente da libido de uma idéia inconsciente que não tenha recebido qualquer libido pré-consciente.
	“Necessitamos, por conseguinte, de outro processo, que [no caso da pressão posterior] mantenha a repressão e, [no caso da repressão primeva] assegure seu estabelecimento e continuidade. Esse outro processo só pode ser encontrado mediante a suposição de uma anticatexia, por meio da qual o PCS se protege da pressão que sofre por parte da idéia inconsciente”. Essa anticatexia, por sua vez, consiste no único mecanismo da repressão primeva; enquanto que no caso da pressão posterior há também a retirada de libido pré-consciente. Essa anticatexia é o que representa o permanente dispêndio de energia do recalque, garantindo sua permanência.
	Com a introdução da anticatexia, Freud apresenta o pensamento o que ele chama de pensamento econômico, que junta-se ao ponto de vista dinâmico e ao topográfico em seu relato do funcionamento psíquico, e pensa a partir de quantidades de excitação. Assim, Freud consolida o que ele chama de consumação da pesquisa analítica: “Proponho que, quando tivermos conseguido descrever um processo psíquico em seus aspectos dinâmico, topográfico e econômico, passemos a nos referir a isso como uma apresentação metapsicológica”
	Começa nessa parte do texto o que ele chama de uma “descrição metapsicológica do processo de repressão nas três neuroses de transferência” – descrição essa que é feita a partir do modelo da histeria de ansiedade. O processo então é dividido em três fases:
	Primeira fase: surgimento da ansiedade sem que o indivíduo saiba o que teme. “Devemos supor que determinado impulso amoroso se encontrava presente no ICS, exigindo ser transposto para o sistema PCS, mas a catexia a ele dirigida a partir desse último retraiu-se (como se se tratasse de uma tentativa de fuga) e a catexia libidinal inconsciente da idéia rejeitada é descarregada sob a forma de ansiedade”. Essa parte do processo é ansiogênica por conta da ausência de representação ligada à determinada pulsão, que emerge enquanto angústia. 
	Segunda fase: nesse momento, começa a tentativa de dominação da ansiedade por parte dos processos de defesa: a catexia do PCS que se retrai vincula-se a uma idéia substitutiva – importante conceito deste texto – que funciona como elo da formação de compromisso do sintoma e, então, esse deslocamento da representação do afeto permite um apaziguamento da ansiedade, por passar a desempenhar o papel de anticatexia do PCS – no caso, o investimento numa idéia substituta.
	No entanto, esse deslocamento é o “ponto de partida para a liberação do afeto revestido de ansiedade, que agora se tornou inteiramente desinibida”, por estar vinculada à uma representação que flui com mais liberdade pela barreira da censura. Ele exemplifica essa fase do processo de histeria de ansiedade relatando que uma criança, por exemplo, que sofra de uma fobia animal, “experimenta ansiedade sob duas condições: em primeiro lugar, quando seu impulso amoroso se intensifica e, em segundo, quando percebe o animal que teme. A idéia substitutiva atua, no primeiro caso, como um ponto em que há uma passagem através do sistema ICS para o sistema CS e, no outro, como uma fonte auto-suficiente para liberação da ansiedade”. Podemos resumir a segunda
fase do processo de repressão então como uma catexia de uma idéia substitutiva como forma de anticatexia de uma idéia reprimida.
	Terceira fase: por sua vez, a terceira fase é a anticatexia do ambiente da idéia substitutiva e, de acordo com Freud, “repete o trabalho da segunda numa escala mais ampla” – continua aqui o processo de formação de substitutos por deslocamento. Há uma interessante consideração a ser feita aqui: utilizando-se de todo o mecanismo defensivo, o ego consegue projetar para um objeto exterior a si o perigo pulsional: “o ego comporta-se como se o perigo de um desenvolvimento da ansiedade o ameaçasse , não a partir da direção de um impulso instintual, mas da direção de uma percepção, tornando-se assim capaz de reagir contra esse perigo externo através das tentativas de fuga representadas por evitações fóbicas”. Assim, a ansiedade é contida à medida que o sujeito priva-se do contato com quaisquer que sejam os objetos representantes de sua ansiedade.
	Nesse momento, Freud aborda as semelhanças e diferenças entre o processo descrito acima e o processo de repressão na histeria de conversão e na neurose obsessiva: “grande parte do que verificamos na histeria de ansiedade também é válido para as duas outras neuroses, de modo que podemos limitar nosso exame a seus pontos de diferença e ao papel desempenhado pela anticatexia”.
	Histeria de conversão: a catexia instintual reprimida converte-se na inervação do sintoma. A anticatexia do PCS, portanto, não consiste na libidinização de uma idéia substituta, mas de uma parte do corpo, tornando-se manifesta na formação do sintoma. “A porção [do corpo] escolhida para ser um sintoma atende à condição de expressar a finalidade impregnada de desejo do impulso instintual, bem como os esforços defensivos ou punitivos do sistema CS na repressão não precisa ser tão grande quanto a mantida, de ambas a direções, como a idéia substitutiva na histeria de ansiedade”. A energia despendida pelos mecanismos de repressão na histeria de conversão, portanto, pode ser menor do que aquela despendida na histeria de ansiedade, porque o sintoma não é mantido apenas pela anticatexia do PCS, mas também pela “catexia pulsional oriunda do sistema ICS que se acha condensado no sintoma”.
	Neurose obsessiva: “é aqui que a anticatexia proveniente do sistema CS se coloca da forma mais conspícua no primeiro plano. É isso que, organizado como uma formação de reação, provoca a primeira repressão, constituindo depois o ponto no qual a idéia reprimida irrompe.”
	Freud encerra o tópico afirmando que, por conta da predominância da anticatexia e da ausência de descarga, o processo de repressão mais bem sucedido se dá na histeria de conversão, em comparação com a histeria de ansiedade e com a neurose obsessiva.
7 – Avaliação do Inconsciente
	Nesse tópico, Freud relaciona o conceito de Inconsciente à esquizofrenia em uma tentativa de elaboração da função do recalque nas psiconeuroses narcisistas em contraponto ao que ele vinha apresentando com relação às neuroses de transferência. O início de sua discussão parte do questionamento acerca da antítese entre ego e objeto. “No caso da esquizofrenia, fomos levados à suposição de que, após o processo de repressão, a libido que foi retirada não procura um novo objeto e refugia-se no ego; isto é, as catexias objetais são abandonadas, restabelecendo-se uma primitiva condição de narcisismo de ausência de objeto”. Essa, portanto, é sua hipótese nesse momento do texto acerca do funcionamento da catexia no sujeito esquizofrênico.
	“A incapacidade de transferência, sua conseqüente inacessibilidade ao processo terapêutico, seu repúdio característico ao mundo externo, o surgimento de sinais de uma hipercatexia de seu próprio ego, o resultado final de completa apatia – todas essas características clínicas parecem concordar plenamente com a suposição de que suas catexias objetais foram abandonadas”
	O texto passa a abordar então, as modificações da fala nas etapas iniciais da esquizofrenia, que incluem um especial cuidado na maneira de se expressar, desorganização na formação das frases e aumento das referências à órgãos sensoriais ou a inervações. Daí, apresenta dois exemplos de relatos do médico vienense Victor Tausk, que usa para concluir: “Na esquizofrenia, as palavras estão sujeitas a um processo igual ao que interpreta as imagens oníricas dos pensamentos oníricos latentes – que chamamos de processo psíquico primário. Passam por uma condensação, e por meio de deslocamento transferem integralmente suas catexias de umas para as outras.”.
	Aqui, ele começa a abordar as “distinções entre formações de substitutos na esquizofrenia, por um lado, e na histeria e na neurose obsessiva, por outro”. Uma das distinções, por exemplo, é a clareza e a certeza que se tem no relato do próprio delírio na esquizofrenia, que não se tem no processo de escavação do funcionamento da fantasia na histeria e na neurose obsessiva.
	Ele segue: “se perguntarmos o que é que empresta o caráter de estranheza à formação substitutiva e ao sintoma na esquizofrenia, compreenderemos finalmente que é a predominância do que tem a ver com as palavras sobre o que tem a ver com as coisas... O que dita a substituição [na esquizofrenia] não é a semelhança entre as coisas denotadas, mas a uniformidade das palavras empregadas para expressá-las”.
	Há então a modificação da hipótese do abandono das catexias objetais na esquizofrenia, para incluir que é mantida a catexia das apresentações das palavras dos objetos. Para explicar isso, Freud separa a apresentação do objeto para a CS entre a apresentação da palavra do objeto e apresentação da coisa do objeto: “a apresentação consciente abrange a apresentação da coisa mais a apresentação da palavra que pertence a ela, ao passo que a apresentação inconsciente é a apresentação da coisa apenas. O sistema ICS contém as catexias da coisa dos objetos, as primeiras e verdadeiras catexias objetais”.
	Com isso, ele conclui estar apto a declarar o que o processo de repressão nega nas neuroses de transferência, “o que ele nega à apresentação é a tradução em palavras que permanecerá ligada ao objeto”, e conclui: “uma apresentação que não seja posta em palavras, ou um ato psíquico que não seja hipercatexizado, permanece a partir de então no ICS em estado de repressão”, gerando assim as neuroses. Daí a característica do discurso esquizofrênico de indistinção entre palavra e coisa, representação e realidade, por conta de uma não mediação entre o ego e o objeto perdido com o qual ele se identifica através da simbolização, pela sua peculiaridade com relação ao processo neurótico do recalque das representações.
	Dando seguimento, Freud, ainda sem poder lançar mão do conceito lacaniano de foraclusão, se questiona: “devemos indagar se o processo denominado aqui de repressão tem alguma coisa em comum com a repressão que se verifica nas neuroses de transferência. A fórmula segundo a qual a repressão é um processo que ocorre entre os sistemas ICS e PCS (ou CS), resultando em manter-se algo à distância da consciência, deve, de qualquer maneira, ser modificada, a fim de também poder incluir o caso da demência precoce e outras afecções narcisistas”. O que há em comum, no entanto, entre os dois processos é a tentativa de fuga do ego.
	Explorando, então, essa fuga do ego na esquizofrenia, Freud, de forma incipiente mas extremamente atenciosa, precipita uma das grandes contribuições da psicanálise no que diz respeito à clínica das psicoses: a perspectiva do delírio enquanto esforço de cura. Diz ele: “Se, na esquizofrenia, essa fuga consiste na retirada da catexia instintual dos pontos que representam a apresentação inconsciente do objeto [a apresentação da coisa do objeto], pode parecer estranho que a parte da apresentação desse objeto pertencente ao sistema PCS – a saber, as apresentações da palavra que lhe correspondem – deva, pelo contrário, receber uma catexia mais intensa [...] Acontece que a catexia da apresentação da palavra não faz parte do ato de repressão, mas representa
a primeira das tentativas de recuperação ou de cura que tão manifestamente dominam o quadro clínico da esquizofrenia”. Essa fuga, segundo ele, é, digamos, uma reação à castração, “uma recuperação do objeto perdido”, uma condução à palavra enquanto coisa.
	Freud, então, conclui seu texto: “Se é que fizemos uma verdadeira apreciação da natureza do ICS e se definimos corretamente a diferença entre uma apresentação pré-consciente e uma inconsciente, então, inevitavelmente, nossas pesquisas nos trarão, de numerosos outros pontos, de volta para essa mesma compreensão interna”.

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