Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Doenca Pulmonar Obstrutiva Cronica DPOC é definida como uma síndrome caracterizada pela obstrução crônica e difusa das vias aéreas inferiores, de caráter irreversível, com destruição progressiva do parênquima pulmonar. A limitação do fluxo aéreo geralmente está associada a uma resposta inflamatória anormal dos pulmões a partículas ou gases nocivos. Também pode ser definida como uma redução no volume expiratório forçado de 1º segundo < 80% do predito após uso de broncodilatador. Sua prevalência ocorre em adultos mais velhos (5ª/6ª década de vida) e em homens (devido ao maior hábito de fumar). TABAGISMO DE DPOC As substâncias do tabaco causam uma série de alterações nas vias aéreas: (1) estimulam a produção de muco e a hipertrofia das glândulas submucosas; (2) reduzem ou bloqueiam o movimento ciliar das células epiteliais; (3) ativam macrófagos alveolares a secretar fatores quimiotáticos (especialmente o IL-8) que estimulam o recrutamento alveolar de neutrófilos; (4) ativam neutrófilos, que passam a produzir mais enzimas proteolíticas, como a elastase; (5) inibem a atividade da α-1-antitripsina, enzima inibidora fisiológica da elastase. A maioria dos pacientes com DPOC possui uma carga tabágica de 40 maços/ano, sendo incomum abaixo de 20 maços/ano. Outros fatores de risco: tabagismo passivo, a poluição atmosférica, exposição ocupacional a poeiras orgânicas, fumaças e vapores. DEFICIÊNCIA DE ALFA-1ANTITRIPSINA Doença genética autossômica recessiva que cursa frequentemente com enfisema pulmonar isolado em crianças ou adolescentes. A ausência da ação desta enzima deixa livre a elastase neutrofílica que vai degradando paulatinamente o parênquima pulmonar. A grande maioria dos pacientes com DPOC apresentam dois importantes e distintos componentes da doença: BRONQUITE OBSTRUTIVA CRÔNICA E ENFISEMA PULMONAR. Bronquite obstrutiva crônica: → Hipertrofia e hiperplasia das glândulas submucosas secretoras de muco associada a um aumento no número de células caliciformes da mucosa, presentes nas vias aéreas proximais. → Redução do lúmen das vias aéreas distais devido ao espessamento da parede brônquica por edema e fibrose. → Cursa com tosse produtiva por mais de 3 meses, durante 2 anos consecutivos, que ocorre pela hipersecreção de muco, não necessariamente com a obstrução ao fluxo aéreo. Enfisema pulmonar: → Alargamento dos espaços aéreos distais aos bronquíolos, decorrente da destruição progressiva dos septos alveolares. → O enfisema causa obstrução crônica das vias aéreas distais pelo fato de haver perda no tecido elástico de sustentação da parede brônquica, o que permite a redução do seu lúmen, principalmente na fase expiratória. A obstrução das vias aéreas e hiperinsuflação destas é a característica mais marcante do DPOC. → A manutenção das vias aéreas abertas durante a respiração depende da pressão gerada pelo fluxo de ar que, por sua vez, é dependente das forças ins e expiratórias. → Na expiração, a força expiratória depende em grande parte da elasticidade pulmonar, que se encontra reduzida na DPOC, e a resistência das vias aéreas distais está aumentada pela redução do seu lúmen. → O lúmen está reduzido pela diminuição do tecido elástico na parede dos alvéolos (enfisema) e pelo edema e fibrose na parede dos pequenos brônquios. → Esses fatores, somados a uma pressão intratorácica progressivamente positiva, predispõem ao colapso das vias aéreas, impedindo a eliminação do ar armazenado nas porções periféricas do pulmão. FENÔMENO AIR TRAPPING/APRISIONAMENTO DE AR É o colapso das vias aéreas, impedindo a eliminação do ar armazenado nas porções periféricas do pulmão. Isso promove o aumento característico do volume residual, da capacidade residual funcional e da capacidade pulmonar total. O pulmão desses pacientes está cronicamente hiperinsuflado, o que pode ser notado na radiografia de tórax – ou até mesmo no exame físico (“tórax em tonel”) – dos portadores de DPOC avançada. O aprisionamento de ar e a hiperinsuflação pulmonar podem ter consequências deletérias para a fisiologia: → Surge auto-PEEP, isto é, uma pressão alveolar positiva no final da expiração, que pode aumentar o trabalho da musculatura respiratória na inspiração; → Altera a mecânica do diafragma, que apresenta tendência à retificação, tornando improdutiva a sua contração para puxar o ar inspiratório. → Com isso, o indivíduo passa a utilizar a sua musculatura acessaria, desenvolvendo cronicamente e progressivamente certo grau de esforço para respirar. DISTÚRBIO DA TROCA GASOSA A troca gasosa está comprometida tanto pela lesão enfisematosa quanto pela lesão bronquítica. Com isso, nos alvéolos, o sangue venoso passa recebendo pouco O2, um mecanismo denominado shunt parcial. Se o número de alvéolos com shunt parcial for grande, a mistura de sangue mal oxigenado produzirá hipoxemia e dessaturação da hemoglobina. Inicialmente, a hipoxemia ocorre apenas no exercício físico. Com o progredir da doença, a hipoxemia pode ocorrer em repouso. É um sinal de doença avançada e significa mau prognóstico. A eliminação de CO2 também pode estar comprometida, ocorrendo mais tardiamente. Com isso, o paciente pode desenvolver de forma lenta e progressiva acidose respiratória crônica, estimulando o rim a reter mais bicarbonato e, assim, compensar a acidose respiratória crônica. ACIDOSE RESPIRATÓRIA “CRÔNICA AGUDIZADA” Durante a descompensação do quadro pode haver fadiga respiratória ou inibição do drive ventilatório, levando a um aumento agudo da PaCO2, o que faz o pH cair subitamente. Por efeito da carbonarcose, o paciente começa a ficar desorientado, agitado e depois sonolento. A intervenção é mandatória (com intubação traqueal e ventilação mecânica), pois esses pacientes podem evoluir rapidamente para uma parada cardiorrespiratória. COR PULMONALE Cor pulmonale significa uma disfunção do ventrículo direito consequente a um distúrbio pulmonar. O principal mecanismo é a hipóxia crônica. As arteríolas pulmonares respondem à hipóxia com vasoconstricção. Se a hipóxia alveolar for generalizada (devido à má ventilação dos mesmos), a maior parte dos vasos sofrerá constrição, promovendo Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP). Por meio dessa hipertensão arterial pulmonar, o ventrículo direito pode entrar em falência sistólica, devido ao aumento excessivo da pós carga. As consequências da insuficiência ventricular direita são: (1) elevação da pressão venosa central; (2) congestão sistêmica; (3) baixo débito cardíaco e consequente aumento do cansaço. HISTÓRIA CLÍNICA Dispneia aos esforços de evolução insidiosa, progressiva, marcada por pioras agudas desencadeadas por fatores descompensantes. Eventualmente pode ter ortopneia e dispneia paroxística noturna cujo mecanismo pode ser atribuído a dois fatores: piora mecânica diafragmática no decúbito dorsal e aumento da secreção brônquica pela hiperatividade vagal noturna. Tosse acompanhada de expectoração e muitas vezes precedendo o quadro dispneico. EXAME FÍSICO Bronquite obstrutiva crônica → Ausculta pulmonar: presença de ruídos adventícios como sibilo, roncos, estertores crepitantes e subcrepitantes + diminuição do murmúrio vesicular. Enfisema pulmonar → Ausculta pulmonar: diminuição do murmúrio vesicular, sem nenhum ruído adventício. → Elasticidade e expansibilidade reduzidas e a percussão mostra aumento do timpanismo. Respiração: a fase expiratória está desproporcionalmente prolongada em relação à fase inspiratória; nos dispneicos o esforço é maior na expiração, havendo contração da musculatura abdominal. PINK PUFFERS/ SOPRADORES RÓSEOS É o estereótipo do pacienteenfisematoso. Inspeção: pletora (aumento do volume de sangue no organismo) e o tórax em tonel. Geralmente são pacientes magros. Dispneia do tipo expiratória (“sopradores”), mas sem sinais de cor pulmonale e hopoxemia significativa. Ausculta pulmonar: diminuição acentuada do murmúrio vesicular, sem ruídos adventícios. BLUE BLOATERS/ INCHADOS AZUIS É o estereótipo do paciente bronquítico grave. Estes pacientes possuem um distúrbio mais grave da troca gasosa do que o enfisematoso puro, apresentando-se com hipoxemia significativa, manifesta como cianose (“azuis”). A hipoxemia leva ao cor pulmonale e, portanto, ao quadro de insuficiência ventricular direita + congestão sistêmica. São pacientes frequentemente obesos e que apresentam apneia do sono. Ausculta pulmonar: rica em ruídos adventícios. EXAMES COMPLEMENTARES INESPECÍFICOS Hemograma → Eritrocitose (>55%): A hipoxemia é um estímulo importante para a produção de eritropoietina pelos rins, levando ao aumento da produção de hemácias na medula óssea. Gasometria arterial → Hipoxemia: PaO2 < 55 mmHg ou SaO2 < 88%. → Hipercapnia com acidose respiratória crônica, marcada pelo aumento compensatório de bicarbonato e do BE. → O pH pode estar discretamento baixo. Contudo, nos casos descompensatórios , pode haver importante hipoxemia e hipercapnia, levando à acidose respiratória agudizada. Eletrocardiograma → Sinais de sobrecarga cardíaca direita: onda P alta e pontiaguda medindo mais de 2,5 mm na amplitude, desvio do eixo do QRS para a direita, graus variados de bloqueio de ramo direito e relação R/S maior que 1 em V1. → Taquiarritmias: extrassístoles atriais, o ritmo atrial multifocal, o flutter e a fibrilação atrial. → A taquicardia atrial multifocal é conhecida como a arritmia do DPOC. Raio X de tórax → O raio X só se encontra alterado nos casos mais avançados de DPOC, possuindo uma sensibilidade de 50%. → Retificação das hemicúpulas diafragmáticas; → Hiperinsuflação pulmonar (aumento do número de costelas visíveis na incidência PA – mais de 9-10 arcos costais); → Hipertransparência; → Aumento dos espaços intercostais; → Redução do diâmetro cardíaco (“coração em gota”); → Aumento do espaço aéreo retroesternal no perfil; → Espessamento brônquico. → Bolhas pulmonares também podem ser eventualmente observadas. PROVA DE FUNÇÃO PULMONAR É a espirometria que dará as informações mais importantes acerca do grau de obstrução das vias aéreas. As principais medidas a serem avaliadas são o VEF1 e a relação VEF1/CVF (Índice de Tiffenau). CRITÉRIO DIAGNÓSTICO Utilizamos como critério diagnóstico para DPOC uma relação VEF1/CVF inferior a 70% do previsto, sem alteração significativa após a prova broncodilatadora (achado que revela a existência de uma obstrução “fixa” das vias aéreas). O grau de obstrução é diretamente quantificado pelo VEF1, que deve ser acompanhado de forma seriada no portador de DPOC, pelo menos anualmente, a fim de demonstrar a evolução da doença. VEF1: VOLUME DE AR EXALADO NO PRIMEIRO SEGUNDO DA MANOBRA DE CAPACIDADE VITAL FORÇADA Capacidade vital forçada representa o volume máximo de ar exalado com esforço máximo, a partir de máxima inspiração. Quanto menor o VEF1, maior a chance de exacerbação e maior a mortalidade nos próximos anos). Se o VEF1 for menor que 1 L, a chance de complicações respiratórias após qualquer cirurgia é grande, sendo o risco “proibitivo” em se tratando de procedimentos que envolvam ressecções do parênquima pulmonar. O FEF 25-75% é outro parâmetro que deve ser analisado, sendo o primeiro a se alterar na DPOC! → Representa o fluxo expiratório forçado médio de um seguimento obtido durante a manobra de capacidade vital forçada. → FEF 25-75%: fluxo forçado médio na faixa intermediária da CVF. Tomografia computadorizada → Teste definitivo para o estabelecimento da presença ou não de enfisema nos pacientes DPOC, determinando ainda sua extensão e localização. → Na prática, este exame influencia pouco nas decisões terapêuticas, sendo utilizado para avaliar os pacientes candidatos à terapia cirúrgica da DPOC. A base fundamental para a abordagem terapêutica da DPOC está nos seguintes pontos: (1) abstinência ao tabagismo; (2) tratamento farmacológico das exacerbações; (3) tratamento farmacológico crônico; (4) programas de reabilitação cardiopulmonar; (5) oxigenoterapia nos pacientes francamente hipoxêmicos; (6) avaliação da indicação de transplante pulmonar ou cirurgia pneumorredutora. ABSTINÊNCIA AO TABAGISMO Após um ano, a taxa de queda do VEF1 iguala-se a dos não tabagistas. Os sintomas tendem a melhorar, porém não totalmente, pois a lesão pulmonar existente é irreversível. A adição de drogas eficazes na obtenção de abstinência duradoura deve ser considerada em TODOS os pacientes, na ausência de contraindicações. Reposição de nicotina: goma de mascar, administração inalatória ou intranasal, adesivo transdérmico. Bupropiona: antidepressivo inibidor da recaptação de serotonina. Vareniclina: agonista parcial dos receptores nicotínicos da acetilcolina. OXIGENIOTERAPIA DOMICILIAR O aumento da sobrevida é proporcional ao número de horas diárias de oxigenioterapia. PaO2 ≤ 55 mmHg ou uma SaO2 ≤ 88% são indicações precisas de oxigenioterapia diária contínua (por mais de 15h). PaO2 entre 56 e 59 mmHg ou SaO2 entre 88% e 90% com evidências de cor pulmonale e/ou policitemia (HTo > 55%). TRATAMENTO DAS EXARCEBAÇÕES O tratamento envolve: (1) antibioticoterapia; (2) broncodilatadores; (3) corticosteroides sistêmicos (em alguns casos); (4) teofilina ou aminofilina (opcional); (5) ventilação não invasiva, quando necessária; (6) ventilação invasiva, quando necessária. Antibioticoterapia → Indicar quando houver aumento do volume do escarro, alteração do seu aspecto para purulento ou aumento da intensidade da dispneia. Broncodilatadores → Beta-2-Agonista de curta duração (salbutamol, fenoterol ou terbutalina) com anticolinérgico brometo de ipratrópio, administrados por via inalatória, seja por nebulização seja por spray de aerossol. → O beta-2-agonista tem a vantagem de seu rápido efeito, combinado à maior duração de ação do ipratrópio. Corticosteroides sistêmicos → Possuem efeito benéfico na exacerbação aguda da DPOC. → Atualmente são drogas indicadas de rotina, por um período de 7-10 dias, com uma dose de prednisona 40 mg/dia ou equivalente. FARMACOTERAPIA DE MANUTENÇÃO Beta-2-Agonistas Inalatórios → De longa duração, como Salmeterol e Formoterol, são utilizados como primeira linha. → De ação curta, geralmente são reservados para a exacerbação do DPOC. Anticolinérgicos Inalatórios → Podem ser empregados em associação com os beta-2-agonistas inalatórios ou de maneira isolada. → O principal agente é o brometo de tiotrópio (Spiriva), administrado a cada 24h. → O brometo de ipratrópio (Atrovent) é um anticolinérgico de ação curta, sendo utilizado também nos pacientes em crise. Corticoides inalatórios → Pacientes com DPOC e componente asmático associado, evidenciado pela resposta significativa aos broncodilatadores. → Pacientes com VEF1,0 < 60% do previsto, principalmente aqueles com exacerbações muito frequentes (duas ou mais em um ano). VACINAÇÃO Um ponto muito importante, que não deve ser esquecido, é a recomendação das vacinas anti- influenza (anual, composta por vírus vivo inativado ou vírus morto) e anti-pneumocócica (vacina 23-valente, uma dose com reforço após cinco anos).
Compartilhar