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1 CONHECIMENTO COMUM, CONHECIMENTO TEOLÓGICO E CONHECIMENTO FILOSÓFICO
 Primeiramente, tratemos de entender o que vem a ser conhecimento e sua importância. Podemos dizer que conhecer é ter noção de algo. Assim, o conhecimento tem início com a informação sobre determinado assunto ou situação. Podemos dizer também que o conhecimento se inicia pelo vivenciar, pela curiosidade. Ele tem origem, desse modo, na curiosidade, na vontade de ir além do que se sabe, do que se está vendo ou daquilo com o que se está tomando contato. Trata-se de desvendar, decifrar, decodificar. Segundo Matallo Jr. (2000, p. 13),
a preocupação com o conhecimento não é nova. Praticamente todos os povos da Antiguidade desenvolveram formas diversas de saber. Entre os egípcios a trigonometria, entre os romanos a hidráulica, entre os gregos a geometria, a mecânica, a lógica, a astronomia e a acústica, entre os indianos e muçulmanos a matemática e a astronomia, e entre todos se consolidou um conhecimento ligado à fabricação de artefatos de guerra. As imposições derivadas das necessidades práticas da existência foram sempre a força propulsora da busca dessas formas de saber.
 O conhecimento começa a ser obtido a partir da leitura, da convivência com amigos, da escola e dos grupos sociais dos quais fazemos parte. A observação, os sentidos, o raciocínio, a tradição e, por que não dizer, a família também são fontes de conhecimento. Nossas relações sociais são ainda uma excelente fonte de informação (por exemplo, o convívio familiar, afetivo, nas relações de trabalho, nos bancos escolares, nos bate-papos informais com amigos).
Figura 1 – A leitura é uma das principais fontes de conhecimento. Permite conhecer diversos assuntos e ter contato com diferentes linguagens. Livros, revistas, jornais, pôsteres, fôlderes – qualquer tipo de mídia impressa e não impressa – possibilitam o acesso a miríades de informações inimagináveis
Todas essas opções podem ser consideradas fontes de conhecimento e estão associadas a diferentes formas de pensar, agir e explorar ideias e assuntosNo entanto, fica a dúvida:
Qual a diferença entre a fala de um cientista que afirma que a temperatura da Terra vem aumentando de forma sistemática e a fala de um indivíduo que, independentemente de ter ou não formação acadêmica, discorda do aquecimento global? Qual a diferença entre a busca de respostas para a origem do mundo e a busca de respostas para a finalidade da vida humana? Qual a diferença entre atribuir a existência do mundo a um ser superior, criador e onipresente, e entender que o mundo se constituiu a partir de uma sucessão de improváveis eventos?
 Veremos agora, portanto, as características do conhecimento comum, do conhecimento filosófico e do conhecimento teológico.
 1.1 Conhecimento comum
 De acordo com Santos (1989), o conhecimento comum é elaborado a partir das nossas opiniões e daquilo que os nossos sentidos captam, não estando sujeito a qualquer tipo de crítica ou verificação. Quando alguém diz: “Acho que vai chover”, não há nesse enunciado qualquer força de verdade, qualquer compromisso com a verdade. Quando alguém diz: “Aquela estrada parece perigosa”, tampouco há nessa fala qualquer indício de certeza; aliás, o que é perigoso para mim, pode não sê-lo para outra pessoa. Em contrapartida, a ciência busca romper com o distanciamento entre o que é dito e a realidade à qual o dito se refere. Como afirma Santos (1989, p. 35), “o abandono dos conhecimentos do senso comum é um sacrifício difícil. A observação científica é sempre uma observação polêmica e, por isso, a teoria [é construída] contra um conhecimento anterior”.
Vejamos: para desconstruir a afirmação “Acho que vai chover”, um cientista pode apresentar o histórico de precipitações pluviais nos últimos dias, ou no mesmo período em anos passados; caso os dados mostrem uma probabilidade grande de ocorrência de chuva, ele poderá dizer: “Há X% de probabilidade de chover no dia de hoje”, ou “Há Y% de probabilidade de não chover no dia de hoje”. É possível perceber, portanto, a diferença entre afirmar que vai chover e prever chuva dentro de determinados parâmetros de probabilidade: a primeira afirmação é usual no contexto do senso comum; a segunda, no contexto do mundo científico.
Podemos realizar o mesmo procedimento em relação ao enunciado sobre o perigo da estrada. Um cientista partiria, inicialmente, da definição de perigo: o que representa perigo na estrada? Número de acidentes fatais? Número de desabamentos? Em qualquer dos dois casos, bastariam os dados de ocorrência de acidentes na estrada para confirmar ou negar a afirmação realizada no âmbito do senso comum. Aliás, essa afirmação poderia ser negada se associássemos perigo a outra variável: teríamos então uma situação em que, caso perigo fosse representado por número de acidentes fatais, seria possível afirmarmos ser a estrada perigosa; caso perigo significasse número de curvas acentuadas, poderíamos negar ser a estrada perigosa. Marconi e Lakatos (2003, p. 76) confirmam essa abordagem com outro exemplo:
Saber que determinada planta necessita de uma quantidade X de água e que, se não a receber de forma “natural”, deverá ser irrigada pode ser um conhecimento verdadeiro e comprovável, mas nem por isso científico. Para que isso ocorra, é necessário ir mais além: conhecer a natureza dos vegetais, sua composição, seu ciclo de desenvolvimento e as particularidades que distinguem uma espécie de outra.
O senso comum não é universal. Ele depende das condições sociais e históricas de cada grupo social.
Segundo Santos (2008), o senso comum é, essencialmente, um saber prático, que é gerado no fazer e que necessita ser pragmático. Ele serve para que possamos dar sentido às situações que nos são apresentadas a todo momento e agir diante delas. Assim, ele resulta das experiências da comunidade – ou dos grupos sociais –, que lhe dão corpo e significado. Europeus e brasileiros têm opiniões diferentes a respeito da educação dos filhos. No Brasil, os hábitos e costumes diferem de estado para estado, de cidade para cidade. Em consequência, o senso comum não é universal, e depende das condições sociais e históricas de cada grupo social.
O senso comum é superficial. É a consciência diante dos objetos da natureza que faz com que ele seja constituído. O senso comum não se preocupa em teorizar ou apresentar provas que o ratifiquem. Agimos no dia a dia sem qualquer compromisso com a teoria, apenas guiados pelos nossos instintos e por esse saber prático que nos diz o que fazer e como fazer. Assim, o senso comum não é resultado de qualquer procedimento sistemático ou metódico. Santos (2008, p. 90) afirma: O senso comum é indisciplinar e imetódico; não resulta de uma prática especificamente orientada para o produzir; reproduz-se espontaneamente no suceder quotidiano da vida. O senso comum aceita o que existe tal como existe; privilegia a ação que não produza rupturas significativas no real.Ao afirmar que o senso comum é produzido e reproduzido espontaneamente, Santos está dizendo que esse é um saber que não é produzido de modo intencional. Quando receitamos determinado chá para alguém que está resfriado, de forma alguma o fazemos com base em evidências empíricas, tampouco por termos a intenção de testar se esse chá tem algum efeito curativo. Sugerimos o chá por acreditarmos que essa é uma atitude correta, não nos interessando, de maneira nenhuma, excluir algum tratamento medicamentoso. Não temos qualquer intenção de convencer alguém a fazer o mesmo em situações similares; aliás, nem sequer podemos provar qualquer efeito benéfico do chá. Tampouco pretendemos afirmar que a ingestão do chá pode gerar melhores resultados do que a ingestão de um medicamento à base de paracetamol.
Senso comum
Pode-se dizer que o senso comum não pretende ensinar nada; ele apenas quer persuadir.
 Parece razoável, então, considerarmos o que Marconi e Lakatos (2003, p. 76) propõem com base em Mario Bunge (1919), físico argentino:
 Se excluímos o conhecimento mítico (raios e trovões como manifestaçõesde desagrado da divindade pelos comportamentos individuais ou sociais), verificamos que tanto o “bom senso” quanto a ciência almejam ser racionais e objetivos: “são críticos e aspiram à coerência (racionalidade) e procuram adaptar-se aos fatos em vez de permitir-se especulações sem controle (objetividade)”. Entretanto, o ideal de racionalidade, compreendido como uma sistematização coerente de enunciados fundamentados e passíveis de verificação, é obtido muito mais por intermédio de teorias, que constituem o núcleo da ciência, do que pelo conhecimento comum, entendido como acumulação de partes ou “peças” de informação frouxamente vinculadas. Por sua vez, o ideal de objetividade, isto é, a construção de imagens da realidade, verdadeiras e impessoais, não pode ser alcançado se não ultrapassar os estreitos limites da vida cotidiana, assim como da experiência particular.
 Exemplo de aplicação
 Há muita controvérsia, tanto na comunidade científica quanto na civil, a respeito das teorias sobre o aquecimento global. Alguns grupos dizem que não há qualquer evidência de aquecimento na temperatura do globo; ao contrário, afirmam existir sinais de esfriamento. Os que acreditam na elevação da temperatura estão divididos em dois grupos. O primeiro diz que há aquecimento global, mas que a atividade humana não tem qualquer participação nesse processo; para estes, o efeito estufa seria um fenômeno natural, que independeria da ação humana. O segundo diz que o aquecimento global, um fenômeno natural, tem sido potencializado e intensificado pela ação humana; para estes, são fundamentais ações que limitem a atividade predatória sobre a natureza e que assegurem a sustentabilidade da vida no nosso planeta.
Como há opiniões contrárias e inúmeros interesses políticos em jogo, a mídia, em geral, emite sinais confusos a respeito do tema. O artigo “A Terra ‘quente’ na imprensa: confiabilidade de notícias sobre aquecimento global”, de Celso Dal Ré Carneiro e João Cláudio Toniolo (2012), analisa esse cenário. Com base nele, propomos uma pergunta: quanto da opinião que você tem a respeito do aquecimento global pode ser ratificada por explicações científicas?
Partindo do princípio de que há perceptível diferença entre as expressões “eu acho que” e “eu sei que”, o conhecimento vulgar – comum ou popular – é aquele que as pessoas adquirem em seu cotidiano, por meio de experiências vivenciadas ou da simples observação de fenômenos do dia a dia. Por não ter preocupação com explicações científicas, ou ditas corretas, o senso comum é, na maioria das situações, limitado, incoerente e impreciso (MARTINS; THEÓPHILO, 2009), e está no nível da opinião, pois esta pode ser emitida por qualquer sujeito a partir de informações previamente armazenadas, tomadas de modo corriqueiro ou simplesmente pelo hábito de emitir opiniões sem que haja argumentação passível de comprovação (MATALLO JR., 2000). Assim,
o senso comum é um conjunto de informações não sistematizadas que aprendemos por processos formais, informais e, às vezes, inconscientes, e que inclui um conjunto de valorações. São informações fragmentárias e podem incluir fatos históricos verdadeiros, doutrinas religiosas, lendas ou partes delas, princípios ideológicos às vezes conflitantes, informações científicas popularizadas pelos meios de comunicação de massa, bem como a experiência pessoal acumulada (MATALLO JR., 2000, p. 18).Caso não seja colocado a dialogar com o conhecimento científico, o senso comum torna-se conservador. Se na ciência moderna o grande salto qualitativo do saber se dá por meio da passagem do senso comum para o conhecimento científico, na ciência pós-moderna o salto é outro: trata-se de transformar o conhecimento científico em senso comum. “O conhecimento científico pós-moderno só se realiza enquanto tal na medida em que se converte em senso comum.” Em outras palavras, a ciência pós-moderna, “ao sensocomunizar-se, não despreza o conhecimento que produz tecnologia, mas entende que, tal como o conhecimento se deve traduzir em autoconhecimento, o desenvolvimento tecnológico deve traduzir-se em sabedoria de vida” (SANTOS, 2008, p. 90-91). No quadro a seguir, apresentamos as formas de representação a partir das quais o senso comum se manifesta.Quadro 1 – Principais características do conhecimento comum e respectivas formas de representação
	Característica
	Forma de representação
	Valorativo e sensitivo
	Baseado em crenças, valores, emoções e hábitos.
	Reflexivo, não conclusivo
	Não pode ser tomado como verdadeiro nem representa formulações gerais.
	Assistemático
	Visa à repetição de experiências, mas não à sistematização de ideias no que concerne a validá-las.
	Verificável e qualitativo
	Limita-se aos acontecimentos do cotidiano, ao que se percebe no dia a dia, codificando objetos como grandes ou pequenos, doces ou azedos, pesados ou leves, novos ou velhos, belos ou feios.
	Falível e inexato
	Conforma-se com a aparência e com o que se ouviu dizer a respeito do objeto. Não permite formular hipóteses.
	Superficial
	Conforma-se com a aparência, com aquilo que se pode comprovar simplesmente estando junto das coisas (“porque vi”, “porque senti”, “porque disseram”, “porque todo mundo diz”).
Interatividade 1 Avalie as assertivas acerca do apresentado até então:
I. Atividades laborativas, ou mesmo de comunicação, necessitam de pensamento, preparação, descrição e razão.
II. A observação é uma forma de obtenção de conhecimento.
III. A observação permite produzir conhecimento.
É possível afirmar que está correta apenas:
1.2 Conhecimento teológico e conhecimento filosófico
 O conhecimento humano desenvolveu-se a partir da investigação da natureza por parte do homem, desejoso de interpretá-la, entendê-la e, quem sabe, dominá-la. Afinal, o homem
 não vive isolado. Vive no concreto, cercado pelas circunstâncias. O ser irracional não reage diante da natureza, submete-se. O ser racional coloca-se diante da natureza assumindo uma atitude de reação. Por sua capacidade intelectual, alia-se ao que o rodeia e cria coisas novas, lapida sua consciência, domina a natureza. Vivendo dentro de uma realidade que o condiciona, o humano se constrói. O que é aparentemente negativo traz riquezas. Por interpretar o que o rodeia, o que lhe possibilita o crescimento, o humano manipula as circunstâncias, transformando-as, adaptando-as, modificando-as em vista do seu crescimento. Assim, de produto do meio ele passa a ser o recriador da natureza (BASTOS; KELLER, 2000, p. 54-55).
Com isso, percebe-se claramente certa interdependência entre o homem e a natureza,
 O homem os utiliza dependendo daquilo que quer conhecer, ou conforme sua percepção da realidade. Vejamos cada um deles.
 1.2.1 Conhecimento teológico
 A teologia é o estudo da natureza do divino, dos atributos do divino e das relações entre o homem e o divino. Em geral, está associada à cristandade, mas pode aplicar-se a qualquer religião. Assim, podemos falar de uma teologia cristã da mesma forma que de uma teologia judaica ou uma teologia budista. Segundo Stigar, Torres e Ruthes (2014, p. 143),a teologia problematiza o fenômeno religioso, analisa o caráter histórico do tema da construção do humano – dos valores, do sagrado e do discurso teológico – a partir de uma fundamentação baseada nos referenciais teóricos do dogma e da fé (vínculo do homem com o sagrado ou transcendente).
 Nas universidades, e em alguns cursos, a teologia é dada como uma disciplina acadêmica, vinculada ou não a outras disciplinas. Ela é parte fundamental dos cursos de Filosofia e Ciências da Religião e, em geral, costuma provocar polêmicas,
 por causa de seu tema, história, relação com outras disciplinas sobre questões religiosas e por causa da natureza das universidades que lhe dão suporte. A teologia acadêmica se distingue de teologia em geral, principalmente por sua relação com as várias disciplinas da academia.
Uma definição preliminar para a teologia acadêmica é que ela busca a sabedoria e a compreensão de questões como verdade, beleza e prática, que são levantadas por,sobre e entre as religiões.
Essas questões são levantadas por meio da relação com uma gama de disciplinas acadêmicas (STIGAR; TORRES; RUTHES, 2014, p. 144).Do ponto de vista histórico, a teologia já foi chamada de metafísica, o que justifica o fato de ela ser considerada também uma área da filosofia. Resultado da fé humana na existência de forças sobrenaturais, consideradas criadoras do universo, o conhecimento teológico, ou religioso, surge com as revelações do mistério, do oculto, por alguma manifestação divina, sagrada. Essas revelações são transmitidas por alguém, por uma tradição ou por escritos também tidos como sagrados (MARTINS; THEÓPHILO, 2009), e que portanto devem ser adorados e obedecidos. Conforme Demo (1985, p. 20),quando na Bíblia se montou uma história da criação do mundo e do surgimento do mal, não se pensou em fazer uma alegoria, um conto interessante ou qualquer outra coisa, mas certamente em dar uma explicação de como começou o mundo, o homem e o mal.
A metafísica diz respeito ao que está além da realidade, ou daquilo que nossos sentidos podem captar.
Os teólogos partem do pressuposto de que há um ser divino que pode ser estudado por meio das manifestações mentais, religiosas ou sociais que suas representações provocam. O mundo, a natureza, os homens, o bem e o mal foram criados por esse ser, e estudá-lo significa compreender os textos sagrados, representados, no caso do cristianismo, pela Bíblia.A teologia, embora possa questionar dados ou interpretações comunicadas pela tradição, não questiona a tradição em si. Ela admite, como premissa de sua reflexão, ser a tradição uma doadora de sentido consistente. Isto é, a tradição representa uma fonte com chance de ser verdadeira por remontar a um conjunto coerente de testemunhas referenciais, por sua vez conectadas a uma origem ontológica presumida (STIGAR; TORRES; RUTHES, 2014, p. 142).
A ontologia é um ramo da filosofia que estuda o ser, a existência do ser e a existência da realidade.
A teologia não pretende ser uma ciência objetiva. Apresenta-se como um saber existencial.
De forma genérica, os teólogos estudam as manifestações religiosas a partir da própria fé, ou seja, considerando a sua própria religião como parâmetro para entender as outras. Ainda, o teólogo busca distanciar-se de toda e qualquer descrença pessoal que tenha em relação à existência do divino ou à espiritualidade. Ao estudar a religião à qual pertence ou ao estudar outras religiões, ele deve, portanto, assumir-se como crente e como alguém que tem fé na criação do mundo por um ser superior, ser esse que possui atributos divinos. Por isso, em muitas ocasiões, a teologia é associada ao pensamento religioso ou à filosofia religiosa.No entanto, há que diferenciar teologia e religião. Em outras palavras, distinguir o pensamento teológico do religioso, e distinguir a teologia da ciência da religião. O pensamento religioso diz respeito a uma religião específica. Em contrapartida, a ciência da religião procura estudar a religião a partir do ponto de vista da ciência. Assim, para empreender um estudo científico sobre a religião, não é requisito acreditar na existência de um ser divino. Estudam-se quais motivos levam as pessoas a entender o mundo a partir de determinados pressupostos religiosos.
1.2.2 Conhecimento filosóficoAntes do surgimento da filosofia, o ser humano, já em busca de explicações a respeito do mundo que o cercava, interpretava a realidade a partir de elaborações míticas, ou seja, elaborações mágicas que tinham força de verdade pela sistematicidade com que eram utilizadas e pela autoridade das vozes que as declaravam. A repetição e a memória estabeleciam os critérios de verdade, independentemente do quanto essa narrativa aderia à realidade. O historiador e antropólogo francês Jean-Pierre Vernant (1914-2007), no livro O universo, os deuses, os homens, resgata parte da tradição mítica que buscou compreender o mundo com base nas forças divinas e nas relações entre essas forças. Como costumava fazer ao contar essas histórias aos seus netos, ele nos traz uma interpretação da origem do mundo extremamente interessante a partir das narrativas mitológicas gregas.Para certa linhagem de historiadores, o nascimento da filosofia “significa descontinuidade ou ruptura integral com a religião e os mitos. […] A filosofia nasce quando as velhas explicações míticas e religiosas da realidade já não podiam explicar coisa alguma”. Para outros historiadores, no entanto, haveria uma relação de continuidade entre mitologia e filosofia. Segundo eles, a explicação para a diferenciação entre esses dois contextos estaria não na distinção entre o campo mitológico e o campo filosófico, mas na distinção entre teogonia, cosmogonia e cosmologia:
por fim, a cosmologia trataria de despersonalizar os elementos, atribuindo a eles características naturais, embora algumas ainda de natureza divina. Buscaria a explicação da ordem do mundo por meio da “determinação de um princípio originário e racional que é a origem e a causa das coisas e de sua ordenação”.
A ordem poderia ser apreendida por meio da razão e da inteligibilidade de um princípio originário; em consequência, a filosofia “continuaria carregando dentro de si as construções míticas, mas agora de forma laica ou secularizada” (CHAUI, 2009, p. 30-37).Independentemente das relações de continuidade ou ruptura com o pensamento anterior, a filosofia nascente buscou diferenciar-se dos mitos teogônicos e cosmogônicos que lhe haviam dado origem por meio da racionalidade e da busca de respostas, provas e demonstrações. Dessa filosofia nasceu nossa ciência, e a versão histórica hegemônica sobre o seu desenvolvimento tratou de manter afastados os terrenos da racionalidade religiosa e/ou mística e os da racionalidade da ciência.Há inúmeras relações entre o pensamento científico, o filosófico e o teológico. Ao longo da história, inclusive, essas relações aproximaram ou afastaram esses diferentes campos do saber, mesclando ou diferenciando seus elementos mais básicos.O conhecimento filosófico tem por origem a capacidade de reflexão do homem e, por instrumento exclusivo, o raciocínio (MARTINS; THEÓPHILO, 2009). O estudo filosófico, pelo emprego da lógica, tem por objetivo a ampliação dos limites de compreensão da realidade, bem como o estabelecimento de uma concepção geral do universo. Especulativo, utiliza-se de experiências, e não de experimentações. O olhar e a interpretação da filosofia, predominantemente dedutivos, partem de ideias e relações entre conceitos que não são redutíveis à realidade material (MARCONI; LAKATOS, 2003).A filosofia nasceu no século IV a.C. já com a pretensão de se diferenciar do pensamento vulgar. Platão (428/427 a.C.-348/347 a.C.), filósofo e matemático da Grécia antiga, havia proposto essa reflexão. Na obra A república, da qual destacamos um fragmento a seguir, Platão encena um diálogo entre Glauco e Sócrates. O que o mito da caverna nos ensina? Platão mostra que as sombras podem nos enganar, que a visão parcial ou deturpada da realidade pode nos levar a conclusões equivocadas, que devemos sair da caverna para ver o mundo exposto à claridade e que precisamos permitir que a luz nos mostre os objetos em todos os seus detalhes
Figura 4 – O mito da caverna nos ensina que o conhecimento científico se opõe ao senso comum, que se coloca contra o senso comum, exigindo que a lógica se associe à obtenção de evidência empírica para que determinados enunciados sejam feitos
A filosofia é, portanto, a área do conhecimento que se ocupa em “não aceitar como óbvias e evidentes as coisas, as ideias, os fatos, as situações, os valores e os comportamentos de nossa existência cotidiana; jamais aceitá-los sem antes havê-los investigado e compreendido” (CHAUI, 2000, p. 12).Tratemos de refletir um pouco mais sobre isso. Imagine que, de repente, você encontre um amigo que não via há anos. Como se não houvesse transcorrido tempo algum, vocês retomam a conversa do ponto em que haviam parado, riem das mesmas piadas de antes, comportam-se como se tivessemse visto no dia anterior. Tal situação pode gerar estranheza, em especial se você se questionar a respeito do significado do tempo:
Sobre o tempo É provável que você jamais tivesse refletido antes sobre o significado do tempo. No entanto, a situação favorece que a pergunta seja formulada. Se, há poucos minutos, você imaginava ter uma resposta pronta a essa questão, agora, após uma experiência específica, está refletindo a respeito da realidade e do que você imaginava certo a respeito dessa realidade. Para Chaui (2000), inclusive, a distância entre o que se crê e o que efetivamente é abre espaço para a crítica e para a descoberta, o que se define aqui como atitude filosófica.Passamos por uma árvore e dizemos que ela é bela; no entanto, jamais paramos para refletir a respeito do significado de beleza. Se algo é belo para uns, será belo para todos? O que define a beleza? O que significa liberdade? Quais os atributos daquilo que é justo? Beleza, liberdade, justiça: todos esses temas, a respeito dos quais, na vida cotidiana, imaginamos ter o conhecimento necessário, podem se tornar objeto de reflexão filosófica. É a essa reflexão, a que fazemos sobre fatos ou conceitos sobre os quais temos a impressão de tudo saber, que damos o nome de atitude filosófica.A reflexão filosófica ocorre a partir de dois momentos cruciais. No primeiro, por meio da atitude crítica, rejeitamos o conhecimento do senso comum, aquilo que pensamos saber.Rejeitamos o “eu acho”, “eu penso”, e colocamo-nos na posição de quem nada sabe. No segundo, questionamo-nos a respeito do real significado das coisas e dos fenômenos. Colocamo-nos na posição de uma criança que descobre a sua própria mão, que vê tudo pela primeira vez e para quem o mundo é surpreendentemente novo. Digamos de outra forma: rejeitamos o julgamento parcial, as opiniões pessoais que temos em relação aos objetos, afastamo-nos da subjetividade; em contrapartida, buscamos a objetividade, a percepção do mundo mais isenta possível.Nossos sentidos podem nos enganar, nossas opiniões podem ter se formado a partir de erros de observação ou erros de apreensão de causalidade – no nosso cotidiano, podemos afirmar que A causou B. É evidente que não há percepção totalmente isenta, não há como, na nossa apreensão do mundo, isolarmos a influência do que somos, do que pensamos, do que gostamos. Vemos o mundo a partir de lentes que podem ampliar, reduzir ou deformar nossa visão da realidade.
A filosofia oferece a possibilidade de nos distanciarmos da avaliação subjetiva dos objetos.
Figura 5 – Para pensar sobre o que é o pensamento, temos que utilizar palavras precisas, conceitos e ideias claras
Pensar sobre o pensamento significa não apenas estar disposto a conhecer o mundo, mas também a si mesmo.
LEMBRETEComo conquistar esse autoconhecimento por meio do pensar sobre o pensamento? Parece claro que o método que usamos para conhecer e agir no nosso cotidiano não serve para a reflexão filosófica. Precisamos, inicialmente, utilizar palavras e conceitos claros. Depois, devemos empregar a nossa razão para formar um conjunto lógico de princípios e encadeamento de ideias.
O quadro a seguir sistematiza as principais características do conhecimento filosófico, bem como suas respectivas formas de representação.Quadro 2 – Principais características do conhecimento filosófico e respectivas formas de representação
	Característica
	Forma de representação
	Valorativo
	O ponto de partida são hipóteses que não podem ser submetidas à observação. O conhecimento emerge da experiência, e não da experimentação.
	Não verificável
	Os enunciados das hipóteses filosóficas não podem ser confirmados nem refutados, mas são logicamente correlacionados.
	Sistemático
	Suas hipóteses e enunciados visam à representação coerente da realidade estudada, na tentativa de apreendê-la integralmente.
	Infalível e exato
	Seus postulados e hipóteses não são submetidos ao teste da experimentação. Há um esforço da razão pura, com a finalidade de questionar os problemas humanos e discernir entre o certo e o errado. A filosofia emprega o método racional, em que prevalece a coerência lógica.
Interatividade 2Acerca dos tipos de conhecimento, notadamente o filosófico e o teológico, indique a alternativa correta
O conhecimento filosófico é resultado da existência de forças sobrenaturais.
B
O conhecimento filosófico é necessariamente verificável.
C
O conhecimento religioso é impregnado de inspiração.
D
O conhecimento religioso é verificável pela expressão da fé.
E
Tanto o conhecimento filosófico quanto o religioso não podem ser sistemáticos.

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