1 Eventos como traumas, sepse (infecção), queimaduras, cirurgias de grande porte, geram um estresse no organismo que deflagra uma resposta sistêmica, com alterações fisiológicas e metabólicas similares em todos os casos, podendo levar ao choque e suas conseqüências. Esta resposta tem a intenção de preservar algumas funções fundamentais tais como: volemia, débito cardíaco, oxigenação tecidual e finalmente oferta e utilização de substratos. Entretanto, ela não ocorre igualmente em todos os indivíduos, sendo a sua variabilidade dependente de fatores como: Idade do paciente Estado anterior de saúde Doenças preexistentes Tipo de infecção Presença de síndrome de disfunção de múltiplos órgãos Esta resposta metabólica ao estresse orgânico pode ser dividida em duas fases: 1. Fase Inicial (Ebb, hipofluxo ou refluxo) Ocorre imediatamente após a lesão volemia; oxigenação tecidual; débito cardíaco e consumo de oxigênio; da temperatura corporal e do gasto energético. INSTABILIDADE HEMODINÂMICA DIETA ZERO A instabilidade hemodinâmica compreende uma CONTRAINDICAÇÃO absoluta de nutrição por qualquer via. 2. Fase de Fluxo (flow) Esta fase ocorre logo após a ressuscitação de líquidos e em oposto ao que se observa na fase inicial, aqui se inicia o marcante hipercatabolismo característico do doente criticamente enfermo, em função da presença de: Do débito cardíaco (hiperdinamismo) e consumo de oxigênio; temperatura corporal; gasto energético e catabolismo protéico. RESTAURAÇÃO DO TRANSPORTE DE OXIGÊNIO Nesta fase, como a restauração do fluxo sanguíneo e da oferta de oxigênio. Pode-se pensar em iniciar a nutrição. Fisiologicamente, ocorre um aumento marcante na produção de glicose, liberação de ácidos graxos livres, níveis circulantes de insulina, catecolaminas, glucagon e cortisol, sendo a magnitude desta resposta hormonal proporcional à gravidade da lesão. Além disso, ocorre aumento do consumo de oxigênio (VO2) pela maior oxidação dos substratos energéticos, gerando aumento também da demanda de trabalho respiratório para eliminar o CO2 produzido em maior quantidade, podendo precipitar uma insuficiência respiratória aguda. A nutrição nesta fase será de extrema importância visto que o organismo estará em franco catabolismo, devido à presença de um fenômeno chamado Síndrome da resposta inflamatória sistêmica. Ainda dentro da fase de fluxo, ocorre a fase adaptativa, onde predomina o anabolismo, em função da redução gradual da resposta hormonal e do hipermetabolismo. É justamente nesta fase que há um potencial para recuperação da proteína corporal. SÍNDROME DA RESPOSTA INFLAMATÓRIA SISTÊMICA (SIRS) A SIRS é a terminologia preferida para descrever a inflamação disseminada que pode ocorrer no paciente criticamente enfermo (pancreatite, isquemia, queimaduras, trauma múltiplo, choque hemorrágico e lesão orgânica imunologicamente mediada), sendo diagnosticada de acordo com os critérios abaixo: Para que o paciente seja considerado com SIRS, é necessário que estejam presentes 2 ou mais dos critérios acima. A SIRS pode ser dividida em duas vias, uma hormonal (hormônios contrarreguladores) e outra mediada por células (citocinas). 1. Via Hormonal (neuroendócrina) Ocorre elevação dos hormônios contrarreguladores, o que orienta o metabolismo no sentido catabólico, conforme descrito abaixo: GLUCAGON estimula gliconeogênese, a captura de aminoácidos vindos principalmente da degradação muscular, ureiagênese e o catabolismo protéico (proteólise) CORTISOL é liberado pelo córtex adrenal em resposta ao estímulo do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH), e intensifica a degradação do músculo esquelético (proteólise) e promove o uso hepático de aminoácidos para gliconeogênese e síntese de proteínas de fase aguda. CATECOLAMINAS estimula a lipólise, gerando elevação das concentrações séricas de ácidos graxos livres. Além dos hormônios contrarreguladores, também ocorre estímulo para maior liberação de aldosterona e hormônio antidiurético, ambos com a intenção de preservar a volemia através da maior retenção de sódio e água. TRAUMA, SEPSE E QUEIMADURAS Prof. Fernanda Ossofernandaosso@nutmed.com.br - temperatura > 38 ou < 36ºC - FC > 90 bpm - FR > 20 irpm - leucócitos > 12.000 ou < 4.000 ou > 10% bastões (na krause 2010/13 a nomenclatura não é “bastões” e sim “bandas”) 2 2. Via mediada por células (imunobiológica) Em resposta ao dano tecidual, infecção, inflamação e à substâncias químicas, as células fagocíticas liberam as citocinas pró-inflamatórias, que de maneira geral, estimulam a captura hepática de aminoácidos e síntese protéica, aceleram a quebra muscular e a gliconeogênese. As principais citocinas envolvidas neste processo são: Fator de necrose tumoral (TNF): É o principal responsável pela redistribuição dos substratos energéticos, além de promover redução da contratilidade cardíaca, aumento da atividade da medula óssea e anorexia. Seus principais efeitos metabólicos são: - estimula os hormônios do estresse (catecolaminas, glucagon e cortisol). - mobiliza lipídeos do tecido adiposo e inibe síntese de enzimas lipogênicas. - acelera glicogenólise muscular. - aumento do catabolismo protéico muscular com liberação de aminoácidos. - aumenta a lipogênese hepática. - provoca febre por estimular a liberação de prostaglandina E2 (PGE2) e Interleucina -1(IL-1), ambas com efeito no centro termoregulador. - estimula a síntese de proteínas de fase aguda pelo fígado (tab. 1) Tab. 1: Funções das proteínas de fase aguda PTN de fase aguda Função C3 do complemento Função imunológica PTN C reativa Opsonização/ ativação do complemento/ fagocitose a -1 antitripsina a- 2 macroglobulina Atividade antiprotease fibrinogênio Coagulação Ceruloplasmina a -2 macroglobulina Neutralização de radicais livres de O2 Interleucina – 1 (IL-1): age sinergicamente ao TNF, aumentando muitos dos seus efeitos: - provoca febre + anorexia + sonolência + depressão de vários sistemas enzimáticos. - estimula a IL-6, síntese de proteínas de fase aguda além de promover intenso extravasamento de líquido intravascular, contribuinte importante para o edema freqüentemente observado nesses pacientes. Interleucina-6 (IL-6): estimula várias funções dos linfócitos e a síntese de proteínas de fase aguda. Níveis muito elevados de IL-6 correlacionam-se mais positivamente com mortalidade do que os níveis de TNF-alfa (projeto diretrizes 2011). PAF (fator de ativação plaquetária): Não é uma citocina e sim um mediador eicosanóide, sintetizado pelas células endoteliais, plaquetas e células imunológicas. - provoca hipotensão - aumenta permeabilidade dos capilares pulmonares - aumenta síntese de produtos da via da ciclo e lipooxigenase ( Fig.1) - estimula produção de TNF e tem sua síntese estimulada por ele. Eicosanóides: São produtos do metabolismo do ácido araquidônico, derivado dos fosfolipídios das membranas celulares. Produzem vários efeitos fisiopatológicos (ver Fig. 1) e são estimulados por TNF e IL-1. Fig.1: Síntese e função dos mediadores eicosanóides Fração C3 do complemento: - estimulam síntese de TNF e IL-1 - induzem a síntese de eicosanóides - danificam o endotélio pulmonar - vasodilatação e permeabilidade vascular Quadro 1: Resumo das características do estado hipermetabólico no paciente crítico SÍNDROME DE DISFUNÇÃO DE MÚLTIPLOS ÓRGÃOS (SDMO) Uma complicação comum da SIRS é o desenvolvimento da síndrome de disfunção de múltiplos órgãos (SDMO), que geralmente começa com insuficiência pulmonar e é seguida pela insuficiência do fígado, podendo ainda, ocorrerem alterações do sistema nervoso central a qualquer momento. Os pacientes com SRIS + SDMO apresentam hipermetabolismo, alto débito cardíaco com baixo consumo de oxigênio, acidemia láctica, edema maciço e redução