Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Síndromes depressivas Introdução: “A depressão é reconhecida desde a antiguidade, mudando suas feições de época para época, de cultura para cultura, mas sempre acompanhando de perto o destino do ser humano”. Estima-se que, no mundo, a prevalência na vida da depressão seja em torno de 16,2%. No brasil, vai de 17,4 a 19,9%. Estudos apontam que a depressão esteja relacionada com cerca de 16 milhões de suicídios por ano (ter a doença aumenta em 20 vezes o risco de suicídio). É fortemente associada a transtornos de personalidade, principalmente borderline, obsessivo-compulsiva, paranoide, esquizoide, evitativa e antissocial. Certamente fatores biológicos, genéticos e neuroquímicos têm importante peso nos diversos quadros da doença. Do ponto de vista psicológico, há uma relação fundamental com experiências de perda, de forma que a diferenciação entre um luto intenso e depressão pode ser difícil. A depressão é fator de risco para algumas doenças físicas, como obesidade, doenças coronarianas, AVC e diabetes e doenças relacionadas ao envelhecimento. Em crianças, adolescentes e idosos, a depressão pode ter um perfil diferente. Em crianças e adolescentes, é bastante associado a comportamentos disruptivos e dificuldades escolares, enquanto em idosos há sentimento de solidão, descuido consigo mesmo, falta de esperança e dificuldades cognitivas, além de se associar a maior risco de quedas e maior mortalidade. As síndromes depressivas têm como elementos mais salientes o humor triste e o desânimo desproporcionalmente mais intensos e duradouros do que nas respostas normais de tristeza que ocorrem ao longo da vida. Os quadros depressivos caracterizam-se por uma multiplicidade de sintomas afetivos, instintivos e neurovegetativos, ideativos, cognitivos e relacionados à autovaloração, à vontade e à psicomotricidade. Também podem estar presentes sintomas psicóticos. Sintomas Afetivos e de Humor: - Tristeza (na maior parte do dia, todos ou quase todos os dias); - Choro fácil ou frequente; - Apatia, indiferença afetiva (na maior parte do dia, todos ou quase todos os dias); - Sentimento de “falta de sentimento”; - Irritabilidade aumentada (na maior parte do dia, todos ou quase todos os dias); - Angústia; - Ansiedade; - Desespero e desesperança. Alterações da volição e psicomotricidade: - Desânimo, hipobulia, avolia; - Anedonia; - Tendência em permanecer quieto na cama por todo o dia; - Aumento do tempo de latência entre perguntas e respostas; - Lentificação psicomotora; - Estupor/catatonia; - Diminuição da fala, fala em tom baixo; - Mutismo; - Neagativismo. Alterações ideativas: - Ideação negativa, pessimismo; - Ideias de arrependimento e culpa; - Ruminações com mágoas atuais e antigas; - Visão de mundo marcada pelo tédio; - Realismo depressivo; - Ideias de morte e ideação suicida. Alterações da esfera instintiva e neurovegetativa: - Fadiga; - Insônia ou hipersônia; - Diminuição ou aumento do apetite; - Constipação, palidez, pele fria; - Diminuição da libido; - Diminuição da resposta sexual (disfunção erétil, anorgasmia…). Alterações da autovaloração: - Autoestima diminuída; - Sentimento de insuficiência, de incapacidade; - Sentimento de vergonha; - Autodepreciação. Alterações cognitivas: - Déficit de atenção e concentração; - Déficit secundário de memória; - Dificuldade de tomar decisões; - Pseudodemência depressiva. Sintomas psicóticos: - Ideias delirantes de conteúdo negativo (delírios de ruína ou miséria, de culpa, hipocondríaco, de negação de órgãos ou partes do corpo e de inexistência (de si ou do mundo); - Alucinações (geralmente auditivas, de conteúdos depressivos); - Ilusões auditivas ou visuais. Alguns aspectos neurobiológicos da depressão: - Alterações estruturais do cérebro: redução do volume do hipocampo, redução da área cinzenta; - Alterações funcionais do cérebro: alterações em circuitos pré-frontal-límbicos (serotonina) e circuitos striatum-frontais (dopamina); aumento da atividade em sistemas neurais de base para o processamento e regulação de emoções. Diferenças entre luto intenso e depressão: Aspectos diferenciais: Luto intenso: Depressão: Humor/tristeza: Muito relacionada à experiência da perda, tende a diminuir com o passar das semanas e meses. Humor deprimido constante que abrange mais que as perdas; não melhora com o tempo. Padrão temporal: Tristeza ocorre “em ondas”, associada a lembranças da pessoa perdida. Tristeza e desânimo oscilam ao longo dos dias. Conteúdo do pensamento: Tristeza e angústia mais centradas em pensamentos relacionados à pessoa perdida. Ruminações, autocríticas, pessimismo abrangentes, não relacionados apenas à perda. Pensamento típico: “Por que não disse à pessoa o quanto a amava? Por que não convivi mais com ela?”. “Nada na vida vale a pena, eu não sirvo para nada, sou um peso para as pessoas”. Pensamento suicida: “Gostaria de morrer para me juntar à pessoa perdida, para revê-la”. “Quero morrer para não sofrer mais”; “quero morrer pois não mereço mais viver, não darei mais trabalho aos meus familiares”. Subtipos de síndromes e transtornos depressivos: Episódio de depressão/transtorno depressivo maior recorrente: Evidentes sintomas depressivos devem estar presentes por pelo menos duas semanas e não mais que dois anos de forma ininterrupta. Transtorno depressivo persistente e transtorno distímico: Forma crônica de depressão, muito duradoura (pelo menos 2 anos ininterruptos), que pode ser de intensidade leve (distimia) ou moderada e grave. Em muitos casos, há, juntamente com os sintomas depressivos, mau humor crônico. Em crianças e adolescentes, a irritabilidade muitas vezes substitui o humor triste. Depressão atípica: É mais comum no transtorno bipolar. Há reatividade do humor aumentada (melhora rapidamente com eventos positivos e piora rapidamente com eventos negativos). Além disso, o indivíduo deve apresentar 2 ou mais dos seguintes sintomas: - Ganho de peso ou aumento do apetite; - Aumento do sono; - Sensação de corpo, braços ou pernas muito pesados; - Sensibilidade exacerbada à rejeição interpessoal. Depressão tipo melancólica ou endógena: Os indivíduos apresentam, principalmente, anedonia e falta de reatividade a estímulos em geral prazerosos. Além desses dois sintomas, deve haver pelo menos 3 dos seguintes: - Humor depressivo característico, com prostração profunda, desespero e hiporreatividade geral; - Lentificação ou agitação psicomotora; - Ideias ou sentimentos de culpa excessivos e inadequados; - Perda de apetite; - Piora clínica pela manhã; - Insônia terminal. É considerada como de natureza neurobiológica, mais independente de fatores psicológicos quando comparada com os demais subtipos. Depressão com sintomas psicóticos: É uma depressão muito grave, na qual ocorrem delírios e/ou alucinações concomitantes aos sintomas depressivos. Os mais frequentes são delírios de ruína e culpa, delírio hipocondríaco ou de negação de órgãos. As alucinações são tipicamente de conteúdo depressivo, do tipo: “você não presta”, “você vai morrer na miséria”, “seus filhos vão passar fome” ou de punição merecida. Os sintomas psicóticos também podem ser humor-incongruentes, com delírios de perseguição, de inserção de pensamentos, autorreferentes, etc., mas são menos comuns. A depressão psicótica revela mais alterações cerebrais do que a não psicótica, o que indica maior gravidade fisiopatológica. Depressão ansiosa ou transtorno misto de ansiedade e depressão: O paciente se queixa de angústia ou ansiedade acentuada associada aos sintomas depressivos. Pode haver o sentimento de perda do controle de si mesmo e há um risco ainda maior de suicídio. É de difícil diferenciação entre um episódio misto do transtorno bipolar. Depressão mista: É o nome que se dá quando uma síndrome depressiva ocorre ao mesmo tempo que uma síndrome maníaca, como que “encavaladas” uma com a outra. Durante a maioria dos dias da depressão, ocorrem também sintomas maníacos. É de gravidade superior aos episódios depressivos ou maníacos isolados (maior risco de suicídio).Depressão secundária ou orgânica: Síndromes depressivas causadas ou fortemente associadas a uma doença física, a um quadro clínico primariamente somático ou induzidas por substância ou medicamento. Principais condições médicas associadas: doença de Cushing, Doença de Parkinson, esclerose múltipla, hipertireoidismo, hipotireoidismo (clínico e subclínico), Doença de Alzheimer, LES, câncer, entre outras. Diagnóstico - dsm-v: O paciente deve apresentar pelo menos 5 critérios por duas semanas com prejuízo no funcionamento psicossocial ou sofrimento significativo. Critérios diagnósticos para Episódio Depressivo Maior: A. Um sintoma obrigatoriamente deve ser: a. Humor depressivo; b. Marcada diminuição de interesse ou prazer na maioria das atividades. B. Outros sintomas: a. Emagrecimento ou ganho de peso; b. Hipersônia ou insônia; c. Agitação ou depressão psicomotora; d. Fadiga ou sensação de perda de energia; e. Sentimento de inutilidade ou culpa excessiva; f. Indecisão ou dificuldade de concentração; g. Pensamentos de morte excessivos ou ideação suicida. C. Sintomas causam impacto significativo nas diversas esferas da vida. D. Sintomas não são decorrentes do uso de SPA ou outra enfermidade. E. Sintomas não explicados por desordem esquizoafetiva e ausência de episódios maníacos ou hipomaníacos. Tratamento: A maioria dos estudos indica que uma combinação de psicoterapia e farmacoterapia é o tratamento mais eficaz para transtorno depressivo maior, Para o transtorno depressivo maior leve, a psicoterapia em monoterapia é considerada por muitos autores como padrão-ouro. Todos os antidepressivos atualmente disponíveis podem levar até 3 a 4 semanas para exercer efeitos terapêuticos significativos. A escolha do fármaco é determinada pelo perfil de efeito colateral menos prejudicial a condição física, temperamento e estilo de vida de cada paciente. Devem ser introduzidos em dose subclínica e, após 1 a 2 semanas, a dose deve ser aumentada (assim há diminuição dos efeitos paradoxais). O uso do fármaco em dose terapêutica deve ser utilizado por pelo menos 4 semanas e, após esse período, a resposta do paciente deve ser avaliada. Se o paciente apresenta resposta satisfatória, a dose deve ser mantida; se o paciente apresenta resposta insatisfatória, a dose deve ser otimizada e, se o paciente não apresenta resposta, o fármaco deve ser trocado. Os ISRS são os fármacos de primeira escolha e, na ausência de resposta a um deles após 4 semanas de dose terapêutica, outro fármaco da mesma classe pode ser tentado antes da mudança de classe medicamentosa. O tratamento deve ser mantido, no geral, por pelo menos 6 meses ou de acordo com a duração do episódio depressivo anterior (o que for mais longo). O tratamento profilático é eficaz para reduzir o número e a gravidade de reincidências. Quando o tratamento antidepressivo é interrompido, a dose do medicamento deve ser diminuída gradualmente ao longo de 1 a 2 semanas, dependendo da meia-vida do composto em particular. Obs.: tratamento dos subtipos depressivos: - Transtorno depressivo maior com aspectos atípicos: respondem preferencialmente a iMAOs, ISRS e bupropiona. - Depressões melancólicas: respondem melhor aos antidepressivos duais (ADT, IRSN). - Transtorno depressivo maior com aspectos psicóticos: antidepressivo + antipsicótico atípico; ECT. Camila Brito. Referências: - Psicopatologia e Semiologia dos Transtornos Mentais - Dalgalarrondo; - Compêndio de Psiquiatria - Kaplan e Saddock.
Compartilhar