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Aula 2 - Espiritualidade e Contemporaneidade

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21/03/2021 T002
https://sites.google.com/ulbra.br/G000001GS002/t002 1/23
ESPIRITUALIDADE E 
CONTEMPORANEIDADE
Prof. Thomas Heimann
 
https://sites.google.com/ulbra.br/g000001gs002/t001?authuser=0
21/03/2021 T002
https://sites.google.com/ulbra.br/G000001GS002/t002 2/23
Nesta unidade temática, você vai aprender
A avaliar a influência das diferentes religiões no estabelecimento de relações sociais, políticas,
econômicas e culturais;
A participar da reflexão a respeito dos valores humanos, sociais, éticos e espirituais;
A construir, a partir de valores éticos e religiosos, princípios norteadores de sustentabilidade e
cidadania;
A atuar eticamente frente a diferentes situações no campo pessoal, social e profissional;
A mediar conflitos no campo da ética e religiosidade a partir dos princípios de respeito, diálogo
e tolerância.
 
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Introdução
Nesse segundo capítulo teremos duas abordagens temáticas que vão transversalizar o campo da
religião e espiritualidade em sua relação com a sociedade contemporânea.
A primeira parte do capítulo irá abordar alguns conceitos importantes para compreendermos
diversos fenômenos atuais no campo religioso e relacional. Conceitos como globalização,
fundamentalismo, tolerância e secularização são tratados a partir do fenômeno da Globalização,
ao passo que os conceitos de trânsito, sincretismo e mercado religioso estarão mais relacionados
à religiosidade latino-americana e brasileira.
A segunda abordagem temática do capítulo parte para um assunto que transcende especificidades
culturais, enfocando um fenômeno de cunho mais ontológico e existencial, que diz respeito a cada
ser humano na relação intra e interpessoal: a culpa e o perdão. A abordagem dessa temática é
interdisciplinar, pois envolve elementos não apenas da religiosidade, mas também elementos
filosóficos, antropológicos, psicológicos e teológicos, com diferentes possibilidades interpretativas.
Que esses temas nos auxiliem a refletir sobre nossos pensamentos, valores, crenças e posturas
cotidianas, nos diferentes âmbitos da convivência humana.
Fundamentalismos, tolerância e fenômenos 
religiosos no contexto da Globalização
Um dos conceitos marcantes do século XXI é o da Globalização. O mundo globalizado, através dos
meios de comunicação, em especial a internet, permite a interação e conexão entre pessoas em
quaisquer partes do mundo. De certa forma, tornaram-se tênues as linhas que demarcam nações,
territórios, culturas e jurisdições. Vivemos todos em uma espécie de “aldeia global”. A Globalização
não é, portanto, um fenômeno apenas da área da comunicação, mas mundial, das relações sociais,
econômicas, culturais, religiosas, enfim, das relações humanas.
Hall (2011) descreve que o processo de Globalização, ao interconectar as pessoas em diversas
partes do mundo, cria um novo modelo de identidade, no qual se deve levar em conta não mais os
modelos de uma sociedade organizada entre fronteiras, mas uma sociedade híbrida,
multifacetada, transcultural em seus usos, costumes, tradições e concepções da realidade. Afirma
Hall: “as identidades nacionais estão em declínio, mas novas identidades – híbridas estão tomando
o seu lugar” (2011, p. 69).
Na relação com a religiosidade, esse hibridismo retrata uma realidade muito presente em nosso
país, o sincretismo religioso. Nele se constrói uma identidade religiosa híbrida, resultado da
fusão ou interpenetração de diferentes religiões seitas filosofias personagens crenças e visões
 
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fusão ou interpenetração de diferentes religiões, seitas, filosofias, personagens, crenças e visões
de mundo, numa mescla harmonizada de diferenças. Para Araújo, “o sincretismo ocorre quando
dois ou mais sistemas religiosos se combinam, de modo que ambos deixam de existir como tais e
produzem um sistema religioso original” (2008, p.930).
A Umbanda, que combina elementos das religiões africanas, indígenas, kardecistas e também
elementos do catolicismo popular é um claro exemplo de sincretismo. Além disso, indivíduos que
alternam idas a missas ou cultos, frequentam esporadicamente centros espíritas, tomam passes
em um terreiro, meditam num centro budista, fazem terapia de Reiki, consultam cartomantes etc,
com idas e vindas nesses diferentes contextos, também demonstram uma atitude religiosa
sincrética, fruto de uma globalização e indiferenciação religiosa, marcas da religiosidade brasileira.
O próprio trânsito religioso, outra característica marcante de nossa religiosidade, demonstra a
diluição gradativa de referências identitárias que vivemos na contemporaneidade. Isso é
enfatizado pela socióloga da religião, Hervieu-Léger, que chama esse movimento de “religiosidade à
la carte”, marcada pela mudança, fluidez e mobilidade de indivíduos entre as diversas opções
religiosas existentes no seu contexto social. (HERVIEU-LÉGER, 2005, p. 28). Esse “trânsito” pode ser
contínuo, implicando novas experimentações religiosas motivadas por curiosidade, modismos ou
por necessidades pessoais, com a possibilidade de sucessivos retornos à religião de origem.
Almeida e Montero acrescentam outra explicação para o trânsito religioso, relacionando-o com o
processo de mercantilização dos bens de salvação pelas diferentes instituições, que oferecem
cura, sucesso e prosperidade aos adeptos, numa espécie de “mercado religioso”. (2001, p.92).
Diferentemente da Europa, onde o movimento de secularização é cada vez mais visível, com a
religião perdendo sua força, poder e relevância, tanto para indivíduos quanto grupos, implicando a
diminuição significativa do envolvimento religioso, no Brasil a força da religião ainda se faz muito
presente na sociedade. Apesar das mudanças nas formas de expressão religiosa, ainda há forte
influência da religiosidade na vida da maioria das pessoas. No Brasil, ainda consegue se encher
estádios em cerimônias religiosas e cruzadas pela fé. Vamos ver esse paradoxo, a partir das
imagens abaixo.
 
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Assista ao vídeo sobre a secularização crescente na Europa: templos religiosos se transformam em
bares, livrarias e outros estabelecimentos comerciais.
Acaban con las Iglesias en HolandaAcaban con las Iglesias en Holanda
Já na relação com os Fundamentalismos, a Globalização introduz algumas questões para reflexão:
é possível afirmar que a formação de uma identidade híbrida realmente está em processo na
sociedade atual? Em pleno século XXI, pode-se afirmar que as diversas culturas, com seus
princípios, com suas normas e valores, com suas tradições, com sua religiosidade, estão
convivendo harmonicamente? O que dizer, então, das frequentes notícias que veiculam
intolerâncias, preconceitos, radicalismos, seja em relação à etnicidade, a grupos minoritários, os
indígenas, por exemplo, a gênero, ou mesmo em questões ligadas à religiosidade?
As questões da intolerância e do preconceito estão ligadas essencialmente ao Fundamentalismo
que, embora não seja algo novo, reaparece ou “globaliza-se” no século XXI. Pode-se afirmar que
atitudes fundamentalistas muitas vezes têm corroborado práticas e atitudes discriminatórias para
com aqueles que, por assim dizer, não se adequam a um padrão estabelecido pela sociedade ou
por determinado grupo social. O teólogo Leonardo Boff assim conceitua o Fundamentalismo:
 
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Não é uma doutrina. Mas uma forma de interpretar e viver a doutrina. É assumir a letra das
doutrinas e normas sem cuidar do seu espírito e de sua inserção no processo sempre cambiante
da história, que obriga a contínuas interpretações e atualizações, exatamente para manter sua
verdade essencial. O fundamentalismo representa a atitude daquele que confere caráter absoluto
ao seu ponto de vista. (BOFF, 2002, p. 25)
 
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O Fundamentalismo, portanto, se caracteriza basicamente pela ideia de que existe apenas uma
verdade, expressa na opinião do próprio fundamentalista, e que outras ideias não podem ser
consideradas, respeitadas, sequer devendo existir (BOFF, 2002). Nesse sentido, precisamos admitir
que os “fundamentalismos nossos de cada dia” estão muito mais perto de cada um de nós do que
supomos. Convivemos e até compactuamos com posturas fundamentalistas em diferentes áreas
da vida. A polarização crescente das discussões nas redes sociais, por exemplo, seja no campo das
ideologias políticas, religiosas, morais, científicas e até futebolísticas revelam o quanto os
indivíduos estão imersos na onda dos radicalismos e fundamentalismos na sociedade atual,
marcados pela intolerância e agressividade das relações cotidianas.
Num olhar histórico-social, identificamos exemplos clássicos de fundamentalismo. Na Idade
Média, os tribunais da Santa Inquisição assumiram posições radicais, condenando todos os que se
posicionavam contra os preceitos da Igreja. Também ideologias políticas como o Fascismo e
Nazismo são reputadas como exemplos de fundamentalismos, com efeitos nocivos à sociedade.
O Nazismo de Adolf Hitler, durante a Segunda Guerra Mundial, ao afirmar a existência de uma
“raça superior” às demais, e a necessidade de extermínio das ditas “raças inferiores”, numa
posição de eugenismo extremo, fez a humanidade presenciar os horrores dos campos de
concentração, onde milhares de judeus e outros grupos minoritários foram exterminados pelos
nazistas. De forma mais recente, o atentado do grupo fundamentalista islâmico al-Qaeda em 11 de
setembro de 2001, às Torres Gêmeas do World Trade Center, matando cerca de três mil pessoas,
mostra a relação entre o fundamentalismo e a violência.
Como vai dizer Odalia, muitas vezes, atitudes violentas são justificadas sob o argumento do
“pensar diferente”. O uso da violência se torna algo corriqueiro, banal, assumindo contornos de
normalidade ao dizer que “o ato violento se insinua [...] como um ato natural cuja essência passa
desapercebida” (ODALIA, 2004, p. 23).
Com relação ao fundamentalismo religioso, nele os indivíduos e grupos se apresentam como
únicos detentores da verdade, não permitindo outras compreensões do Sagrado e do Divino que
não seja aquela considerada pelo fiel. Esse pensamento pode levar à discriminação, à intolerância,
ao desrespeito ao semelhante e, em muitos casos, até mesmo a atos de violência, como já
aconteceu no cenário social e religioso brasileiro.
É óbvio e claro que cada ser humano pode e deve eleger as suas ideias a respeito do Divino e do
Transcendental. O que está em discussão é o respeito à diversidade de pensamento, seja ele
religioso, ideológico ou moral.
Aqui se mostra a importância de conhecermos o conceito de tolerância, tal como propugnado por
Gaarder:
 
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Tolerância, ou seja, respeito pelas pessoas que têm pontos de vista diferentes do nosso, é uma
palavra-chave no estudo das religiões. Não significa, necessariamente, o desaparecimento das
diferenças e das contradições. [...] Uma atitude tolerante pode perfeitamente coexistir com uma
sólida fé e com a tentativa de converter os outros. Porém, a tolerância não é compatível com
atitudes como zombar das opi niões alheias ou se utilizar da força e de ameaças. A tolerância não
limita o direito de fazer propa ganda, mas exige que esta seja feita com respeito pela opinião dos
outros. (GAARDER, 2004, p. 14-5)
 
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Assista ao vídeo de Karen Armstrong sobre a intolerância e fundamentalismo religioso.
Karen Armstrong: 2008 TED Prize wish: Charter for CompassionKaren Armstrong: 2008 TED Prize wish: Charter for Compassion
Cabe ao ser humano, no respeito ao seu semelhante, perceber as diversas religiões e culturas
existentes, compreender as diversas formas de religiosidade e de pensamento numa sociedade
plural e caminhar para uma convivência ética, onde possa dar testemunho do que crê sem
desrespeitar quem pensa diferente.
Passamos agora a uma outra questão contemporânea, que também está vinculada à promoção de
uma cultura de paz e de resgate de relacionamentos mais saudáveis: o tema da culpa e perdão.
Culpa e perdão: uma questão existencial
Numa reportagem de capa da revista Veja (2002), intitulada "Culpa: por que esse sentimento se
tornou um dos tormentos da vida moderna" a revista aborda um tema de grande relevância, não
só para o campo da religião mas para toda vida relacional: o sentimento de culpa. A reportagem
procura apontar para "as culpas cotidianas de cada um", que parecem não ser uma questão de
escolha pessoal, mas sim uma realidade inexorável aos indivíduos que vivem na sociedade
moderna: competição no emprego, optar por filhos ou carreira, o desempenho sexual, comer
demais, a ditadura da beleza, o insucesso financeiro são apenas algumas dentre as diversas culpas
listadas.
 
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Poderíamos perguntar se é possível um sujeito saudável psiquicamente olhar para o seu passado
e dizer que nunca sentiu algum tipo de culpa. Estudiosos do comportamento humano confirmam
que a ausência completa de culpa é um dos indicativos para um possível diagnóstico de psicopatia
e sociopatia. Visto sob esse ângulo, a culpa parece fazer parte da dimensão humana, sendo uma
questão inclusive civilizatória, que nos permite viver em coletividade, abarcando a dimensão da
alteridade, ou seja, a capacidade de nos colocar no lugar do outro na relação interpessoal.
O fato de ser universal não tira da culpa o seu caráter pessoal, particular e subjetivo. Há elementos
familiares, religiosos, sociais e culturais na sua constituição, ou seja, o que para determinados
indivíduos, grupos, sociedades ou culturas poderia ser considerado um ato culposo, para outros
poderá ser um costume normal ou uma prática natural.
Com relação às fontes da culpa, ela pode ser de origem interna ou externa. As culpas externas são
atribuídas ou impostas aos indivíduos pelos costumes, tradições, regras e leis dos mais diferentes
âmbitos: civis, religiosos, sociais, profissionais e mesmo pessoais. Quando uma regra ou lei é
violada, o transgressor se torna culpado perante ela, mesmo que ele não se sinta culpado
internamente, o que denominamos de culpa objetiva (COLLINS, 2004, p.158). Já a culpa subjetiva é o
sentimento pouco confortável de pesar, remorso, vergonha e autocondenação que surge, com
frequência, quando fazemos e pensamos algo que sentimos estar errado, ou quando deixamos de
fazer algo que julgamos que deveria ter sido feito (2004, p. 158).
A culpa subjetiva, portanto, está intimamente associada aos sentimentos humanos, no sentido de
provocar algum tipo de sofrimento psíquico, remetendo-nos à segunda fonte da culpa, essa de
caráter interno: a nossa própria consciência. É possívelafirmar que o ser humano é dotado de
uma capacidade inata, uma voz interior que lhe dá uma intuição íntima e pessoal do que é certo
ou errado. O curioso é que a culpa subjetiva pode brotar no indivíduo mesmo quando não há uma
culpa objetiva ou exterior imposta a ele, ou seja, posso me sentir culpado por algo que
objetivamente não foi provocado por mim (exemplo: a culpa de ter sido o único sobrevivente de
uma tragédia ou acidente).
Isso nos leva a uma outra reflexão. Afinal, o sentimento de culpa é um aspecto positivo ou
negativo na vida das pessoas e da própria sociedade?
Por mais paradoxal que possa parecer, a culpa pode cumprir funções positivas e construtivas para
a vida relacional. Ela nos auxilia na prevenção de atos ilícitos ou prejudiciais, pois antes mesmo de
violar uma regra a culpa antecipatória já pode se fazer presente no indivíduo. Uma segunda
função é o ato da reflexão, pois após cometer um ato que a sua consciência apontou como má, a
culpa surge e pode levar o indivíduo a uma autoanálise crítica das suas próprias ações. A
reparação, no sentido de pedir perdão e restituir concretamente a quem lesamos também é um
aspecto positivo da culpa. Por último, a culpa pode levar o indivíduo a não mais cometer um ato
que sua consciência julgou ilícito e o fez sofrer, gerando uma mudança positiva de
comportamento.
Olhando para as funções positivas elencadas, pode-se afirmar que um indivíduo que não sinta
 
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nenhuma culpa diante de algumas atitudes e decisões pessoais, pode tornar-se uma ameaça para
si e para a sociedade. A ausência da culpa, que parece indicar a inoperância da consciência moral,
faz com que o indivíduo perca a noção dos limites e da liberdade do outro, tornando-o um
indivíduo "perigoso" socialmente.
Quanto aos aspectos negativos da culpa, esses são mais fáceis de serem percebidos. A culpa pode
cobrar um alto preço do indivíduo, como provocar crises de ansiedade, angústia, preocupação,
insônia, mau humor, baixa autoestima, melancolia, depressão e, inclusive, levar um indivíduo a
cometer o suicídio. Doenças como úlceras, gastrites, impotência, frigidez, enxaquecas, entre
outras, também podem ter um forte componente emocional ligado às culpas individuais. Culpas
reprimidas e não resolvidas se tornam, potencialmente, sintomas neuróticos. A culpa também
pode ser utilizada negativamente como forma de manipular e chantagear pessoas.
Relacionamentos pautados sobre o sentimento de culpa são nocivos, pois geram sentimentos
como pena, comiseração, rancor, indiferença, criando um ambiente não saudável e de sofrimento
aos envolvidos.
 
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https://sites.google.com/ulbra.br/g000001gs002/t001?authuser=0
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Infográfico
G000001GS001 - T002 - Infográfico - Elementos da Culpa
 
https://docs.google.com/presentation/d/1tv4Pc3_g_Z_GcfweszIdDyoYG5k7igjcanswaVkIsTs/present
https://sites.google.com/ulbra.br/g000001gs002/t001?authuser=0
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Um outro elemento que merece destaque nesse assunto que estamos tratando é a relação
existente entre a culpa e pagamento. Para o psiquiatra suíço Paul Tournier, a culpa traz como
consequência quase inevitável uma ideia de pagamento, como se houvesse uma atitude
psicológica enraizada no coração humano que nos diz que "Tudo deve ser pago". (1985, p.200).
Esse sentimento de dívida constante está presente em muitos atos religiosos. Como diz Tournier
(1985, p. 201), basta lembrar as multidões inumeráveis de fiéis hindus que mergulham nas águas
do rio Ganges a fim de serem lavados de suas culpas e até nas ofertas votivas e no ouro que
cobrem as estátuas de Buda. Igualmente, são inúmeros os penitentes e peregrinos de todas as
religiões que impõem a si mesmos sacrifícios, práticas ascéticas (privar-se de qualquer forma de
prazer) ou duras jornadas como formas de pagamento, seja por culpas cometidas ou até por
graças alcançadas. Tais pessoas parecem ter uma necessidade interna de pagar, de expiar as suas
culpas.
Porém, essa ideia de pagamento não fica circunscrita ao mundo religioso. O ser humano também
busca pagar suas culpas do cotidiano. Uma falha leve com a namorada, por exemplo, pode ser
paga com um buquê de flores e um convite para jantar. Um castigo imposto injustamente a um
filho pode ser compensado com um presente; e assim por diante.
A típica frase "Essa ele me paga!", muitas vezes repetida por nós em inúmeros e variados
contextos e situações, expressa o que estamos aqui afirmando. Todas as faltas, erros, delitos e
pecados parecem exigir um pagamento, cujo preço geralmente será proporcional ao tamanho do
erro. Na prática da confissão católica, por exemplo, a penitência que é atribuída pelo sacerdote ao
fiel normalmente será proporcional à gravidade do seu pecado.
Os pagamentos podem ser, inclusive, inconscientes. A psicanálise afirma que muitas doenças
nervosas e físicas, e até mesmo acidentes, bem como frustrações na vida profissional, podem ser
tentativas de expiação da culpa que é totalmente inconsciente. Seriam formas de punição que o
sofredor administra a si mesmo e continua repetindo indefinidamente como uma espécie de
fatalidade inexorável (TOURNIER, 1985, p. 201).
 
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Culpa e religião
Já vimos que muitas religiões também têm na culpa um de seus aspectos fundantes sendo, por
vezes, até utilizada como instrumento de domínio das igrejas sobre os fiéis. Como diz Tournier
(1985, p. 202), para apagar o passado de culpas e pecados, uma expiação (pagamento) deve ser
feita, sendo esse o sentido de quase todos os ritos e sacrifícios praticados nas diferentes religiões.
Espera-se que eles garantam a libertação da culpa descartando o débito que deu origem a ela.
Isso pode ser percebido desde as práticas primitivas de aplacar a ira dos deuses por oferendas e
sacrifícios, quando acreditava-se que alguém havia cometido um delito grave contra os deuses.
Nas religiões orientais o conceito da transmigração das almas e da lei do carma trazem implícita a
ideia de que para evoluir espiritualmente o indivíduo precisa “pagar” as suas faltas através de
ações positivas, negação de determinadas práticas ou realização de diferentes rituais.
Em religiões espiritualistas, afro-brasileiras e mesmo em muitas denominações cristãs, também
está presente o conceito da teologia retributiva, ou seja, de que dificuldades, doenças, sofrimentos
e tragédias seriam uma forma de pagamento por erros, más ações ou pecados cometidos,
doutrina também conhecida como “lei do retorno”.
Por um longo tempo, o cristianismo também se estruturou sobre a prática do pagamento por
culpas e pecados cometidos. Na Idade Média, era comum a venda de indulgências, que nada mais
eram do que uma compra do perdão e da salvação eternas. Além disso, havia a veneração de
relíquias sagradas, encomendas de missas pagas, realização de votos e promessas, práticas de
autoflagelo, tudo como forma de expiar as suas culpas, pagar as dívidas com Deus e ganhar algum
mérito pessoal diante Dele.
Não é essa proposta, porém, que um cristianismo comprometido com os evangelhos bíblicos e
com o ensino e obra de Jesus Cristo oferece aos seres humanos. A igreja cristã tem o compromisso
de proclamar a salvação, a graça e o perdão de Deus à humanidade oprimida pela culpa: a
salvação conquistada em Cristo, por Cristo e através de Cristo. Essa salvação não tem preço, não
pode ser comprada porninguém, até porque, para o cristianismo, sacrifícios expiatórios ou
esforço moral não são suficientes para pagar a dívida com Deus. Na realidade, o cristão não
precisa pagar nada, pois Cristo já pagou em seu lugar. Como lembra Tournier:
 
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[...] é Deus mesmo quem paga, Deus mesmo pagou o preço de uma vez por todas, o preço mais
caro que ele poderia pagar: a sua própria morte, em Jesus Cristo, na cruz. A obliteração
(destruição/eliminação) de nossa culpa é livre para nós porque Deus pagou o preço. Jesus Cristo
veio "para salvar o que estava perdido" (Mt 18:11). (TOURNIER, 1985, p. 212-3)
 
https://sites.google.com/ulbra.br/g000001gs002/t001?authuser=0
21/03/2021 T002
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Em síntese, a libertação total da culpa, a salvação, não é mais uma ideia remota de perfeição para
sempre inacessível; mas passa a ser personificada numa pessoa - Jesus Cristo - que veio como
presente de amor e misericórdia dado por Deus à humanidade. (TOURNIER, 1985, p. 214). Essa é
uma possibilidade que, racionalmente, é vista como “loucura para aqueles que não creem”, tal
como diz o apóstolo Paulo em 1 Coríntios 1.18.
O perdão como ato libertador
O grande ápice do nosso capítulo é a palavra "perdão". De nada adianta falar de culpas se não
abrimos a possibilidade de refletir sobre o perdão. Numa dimensão humana, das relações
interpessoais, poderíamos afirmar que o perdão é uma das mais importantes ferramentas
terapêuticas existentes nesta vida.
Numa sociedade cada vez mais pautada pela violência, intolerância, orgulho e individualismo, a
arte de perdoar se torna um dos grandes desafios humanos, a ponto de esse ser um dos pedidos
que Jesus inseriu na oração do Pai Nosso, ensinando aos seus discípulos: “[...] perdoa as nossas
dívidas (ofensas), assim como nós perdoamos aos nossos devedores (a quem nos tem ofendido)”
(Mateus 6.12). Jesus ensina e encarna o perdão, intercedendo até mesmo em favor daqueles que o
açoitaram, crucificaram e o conduziram à morte, dizendo: “Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o
que fazem” (Lucas 23.34).
O psicólogo americano Dr. Frederic Luskin, autor do livro O poder do perdão, criador do Projeto do
Perdão da Universidade de Stanford, faz uma relação entre o bem-estar trazido pelo perdão e a
saúde do ser humano. Luskin afirma que guardar ressentimentos, culpar os outros ou apegar-se
às mágoas estimulam o organismo a liberar na corrente sanguínea as mesmas substâncias
químicas associadas ao stress, que prejudicam o corpo. Outro estudo de Luskin indicou que as
pessoas mais inclinadas ao perdão sofriam menos enfermidades e tinham menos doenças
crônicas diagnosticadas (TARANTINO, 2003).
Portanto, perdoar e pedir perdão são ações promotoras da saúde, na dimensão emocional, física e
espiritual. Sabemos, porém, que isso não é fácil. Mais do que ações, o ato de perdoar e pedir
perdão acabam sendo um longo processo que precisa ser buscado e aprimorado em nossa vida.
Numa perspectiva psicológica, o perdão sempre acontece no interior do indivíduo, sendo uma
decisão íntima e pessoal. Por isso é que perdoar e reconciliar são conceitos diferentes. O perdoar
é uma relação consigo mesmo, já o reconciliar envolve a relação com o outro, que nos feriu.
Podemos perdoar mesmo quando não houver reconciliação, até porque, por vezes, ela é
impossível de ser efetivada concretamente.
Porém, quem não consegue perdoar acaba por fazer um pacto com o agressor, no qual só vai
aumentar sua própria dor e sofrimento, ficando prisioneiro dela. Por isso é que se diz que perdoar
é libertar-se, pois quem perdoa rompe os laços com o mal feito a si, eliminando o poder e domínio
 
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daquele que cometeu a ofensa.
Já numa perspectiva religiosa cristã, o primeiro passo para aprendermos a perdoar e a recebermos
o perdão é confiar que as nossas culpas e os nossos erros já foram todos pagos por Deus através
da morte de Jesus Cristo.
O reconhecimento dos nossos erros, que leve a um verdadeiro e sincero arrependimento, que nos
motive a viver de forma correta e a ter uma disposição interna constante em perdoar aos outros,
num compartilhamento mútuo e recíproco do perdão que nos é oferecido por Deus em Cristo
Jesus, é aquilo que o próprio Jesus ensina nos evangelhos. Nada mais de auto sacrifícios,
penitências ou sofrimentos auto impingidos.
Culpa e perdão! Questões existenciais que permanecerão atuando, afligindo e ressoando nos
corações humanos enquanto o indivíduo viver, mas cuja resolução está mais próxima do nosso
alcance do que podemos imaginar. Dentre tantas possibilidades, na visão cristã, a resposta está na
pessoa que se tornou a encarnação viva do amor, da paz, do consolo e do perdão, chamada Jesus
Cristo. Crer e apoderar-se desse perdão é a ferramenta terapêutica por excelência, fonte de vida e
alegria, da qual todos, sem exceção, podem fazer uso.
 
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Referências
ARAÚJO, João Dias. Sincretismo. In: Dicionário Brasileiro de Teologia. (Fernando Bortolleto Filho –
Org.). São Paulo, ASTE, 2008, p.930-1.
BOFF, Leonardo. Fundamentalismo: a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro:
Sextante, 2002.
COLLINS, Gary R. Aconselhamento cristão. Edição Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2004.
GAARDER, Jostein; HELLERN, Victor; NOTAKER, Henry. O livro das religiões. São Paulo: Companhia
das Letras, 2000.
HERVIEU-LÉGER, D. O peregrino e o convertido: a religião em movimento. Lisboa: Gradiva, 2005.
HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. 11. ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2011.
ODALIA, Nilo. O que é violência? 6. ed. São Paulo: Brasiliense, 2004.
TARANTINO, Mônica. Perdoar é humano. Revista Isto É, 8 de janeiro de 2003, edição n.1736.
TOURNIER, Paul. Culpa e graça: uma análise do sentimento de culpa e o ensino do evangelho. São
Paulo: ABU, 1985.
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