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Mecanismo de Cura e Reparo Referencia Bibliografica:Robbins e Cotran-Bases patológicas das doenças. 9 ed Capítulo 3-Cura e Reparo Introdução O reparo, algumas vezes chamado de cura, refere-se à restauração da arquitetura e da função dos tecidos após a lesão. (Por convenção, o termo reparo é frequentemente usado para tecidos parenquimatosos e conjuntivos, enquanto o termo cura é empregado para os epitélios de superfície, mas essas distinções não se baseiam na biologia, e aqui usamos os termos como sinônimos. A habilidade de reparar o dano causado por agressão tóxica e por inflamação é crítica para a sobrevivência de um organismo. Assim, a resposta inflamatória a microrganismos e tecidos lesados não apenas serve para eliminar esses riscos, como também coloca o processo de reparo em andamento O reparo de tecidos lesados ocorre por meio de dois tipos de reação: 1)Regeneração através da proliferação de células residuais(não lesadas) e da maturação das células-tronco teciduais sem a perda de função do órgão ou tecido 2)Cicatrização que é a deposição de tecido conjuntivo quando a lesão é muito extensa e nesse caso sim ocorre perda de função da região. Mecanismos de reparo tecidual: regeneração e formação de cicatriz. Após uma lesão leve, que causa dano no epitélio, mas não no tecido subjacente, o reparo ocorre pela regeneração, mas, após lesões mais graves com dano ao tecido conjuntivo, o reparo se dá pela formação de cicatriz. Regeneração Alguns tecidos conseguem substituir os componentes danificados e retornar essencialmente ao seu estado normal; esse processo é chamado de regeneração. A regeneração ocorre por meio da proliferação de células que sobrevivem à lesão e conservam a capacidade de se proliferar; por exemplo, nos epitélios de rápida divisão da pele e intestinos, e também em alguns órgãos parenquimatosos, particularmente o fígado. Em outros casos, as células-tronco dos tecidos podem contribuir para a restauração tecidual. Entretanto, os mamíferos têm capacidade limitada de regenerar tecidos e órgãos, e apenas alguns componentes da maioria dos tecidos conseguem recuperar-se plenamente. Cicatrização (deposição de tecido conjuntivo) Se os tecidos lesados não conseguirem restituir- se por completo, ou se as estruturas de suporte tecidual estiverem severamente lesadas, o reparo ocorre pela disposição de tecido conjuntivo (fibroso), um processo que resulta na formação de cicatrizes. Embora a cicatriz fibrosa não seja normal, fornece estabilidade estrutural suficiente para que o tecido lesado possa funcionar. O termo fibrose é mais comumente utilizado para descrever a extensa deposição de colágeno que ocorre nos pulmões, fígado, rins e outros órgãos, como consequência da inflamação crônica, ou no miocárdio, após necrose isquêmica extensa (infarto). Se a fibrose se desenvolver em um espaço tecidual ocupado por exsudato inflamatório, é chamada de organização (como ocorre no caso da pneumonia em organização). Regeneração das células e Tecidos A regeneração de células e de tecidos lesados envolve a proliferação celular, a qual é controlada por fatores de crescimento – mostrando-se extremamente dependente da integridade da matriz extracelular – e pelo desenvolvimento de células maduras a partir das células-tronco. Mecanismos e Sinais de Controle Vários tipos de células proliferam durante o reparo tecidual. Elas incluem o tecido lesado remanescente (que tenta restaurar a estrutura normal), as células endoteliais vasculares (para criar novos vasos que forneçam os nutrientes necessários ao processo de reparo) e os fibroblastos (a origem do tecido fibroso que forma a cicatriz para preencher os defeitos que não podem ser corrigidos por meio da regeneração). A forma de reparo dos tecidos [e determinada por sua capacidade de proliferação Intrinseca.Com base nesse critério ,os tecidos do corpo são dividivos em ter grupos: Tecidos Labeis ou instáveis(dividem-se continuamente): As células desse tecido são perdidas continuamente e substituídas pela maturação de células-tronco e pela proliferação de células maduras. As células lábeis incluem as células hematopoiéticas na medula óssea e a maioria dos epitélios de superfície, como os epitélios escamosos estratificados da pele, cavidade oral, vagina e cérvice; os epitélios cuboides dos ductos que drenam os órgãos exócrinos (p. ex., glândulas salivares, pâncreas e trato biliar); o epitélio colunar do trato gastrointestinal, útero e trompas de Falópio; e o epitélio transicional do trato urinário. Esses tecidos podem regenerar-se prontamente após a lesão, contanto que a reserva de células-tronco esteja preservada. Tecidos Estaveis: As células desses tecidos são quiescentes (no estágio G0 do ciclo celular) e têm apenas atividade proliferativa mínima em seu estado normal. Entretanto, essas células são capazes de se dividir em resposta à lesão ou à perda de massa tecidual. As células estáveis constituem o parênquima da maior parte dos tecidos sólidos, como fígado, rim e pâncreas. Também incluem as células endoteliais, fibroblastos e células musculares lisas; a proliferação dessas células é particularmente importante na cura das feridas. À exceção do fígado, os tecidos estáveis têm capacidade limitada de se regenerar após eventuais lesões. Tecidos Permanentes: Considera-se que as células desses tecidos sejam terminantemente diferenciadas e não proliferativas na vida pós-natal. A maioria dos neurônios e das células do músculo cardíaco pertence a essa categoria. Assim, a lesão no cérebro ou no coração é irreversível e resulta em cicatriz, pois os neurônios e miócitos cardíacos não se regeneram. A replicação e a diferenciação celular das células-tronco ocorrem de forma limitada em algumas áreas do cérebro adulto, havendo evidências de que as células musculares podem proliferar após a necrose do miocárdio. No entanto, qualquer capacidade proliferativa que possa existir nesses tecidos é insuficiente para produzir regeneração dos tecidos após as lesões. Em geral, o músculo esquelético é classificado como um tecido permanente, mas as células-satélite atraídas para a bainha endomisial fornecem certa capacidade regenerativa para o músculo. Nos tecidos permanentes, o reparo é caracteristicamente realizado pela formação de cicatriz. A proliferação celular é controlada por sinais promovidos pelos fatores de crescimento e pela matriz extracelular: Muitos fatores de crescimento diferentes têm sido descritos; alguns agem em vários tipos de células, enquanto outros atuam em células seletivas. Tipicamente, os fatores de crescimento são produzidos por células próximas ao local do dano. As fontes mais importantes desses fatores de crescimento são os macrófagos ativados pela lesão tecidual, mas as células epiteliais e estromais também produzem alguns desses fatores. Vários fatores de crescimento se ligam a proteínas da MEC e são exibidos em altas concentrações. Todos os fatores de crescimento ativam as vias de sinalização, as quais, basicamente, induzem a produção de proteínas envolvidas na condução de células até o ciclo celular, e outras proteínas que liberam blocos no ciclo celular (pontos de checagem). Além de responder aos fatores de crescimento, as células usam as integrinas para se ligar às proteínas da MEC, e os sinais das integrinas também podem estimular a proliferação celular. No processo de regeneração,a proliferação das células residuais é complementada pelo desenvolvimento de células maduras a partir de células tronco: Em adultos, as células-tronco mais importantes para a regeneração após lesões são as células- tronco teciduais. Essas células-tronco vivem em nichos especializados, e acredita-se que a lesãodesencadeie sinais nesses locais, os quais ativam a proliferação e a diferenciação das células- tronco quiescentes em células maduras que irão repovoar o tecido lesado. Mecanismo da Regeneração de tecidos - Nos tecidos lábeis, como os epitélios do trato intestinal e da pele, as células lesadas são rapidamente substituídas por meio da proliferação de células residuais e pela diferenciação de células-tronco, contanto que a membrana basal subjacente esteja intacta. Os fatores de crescimento envolvidos nesses processos ainda não estão definidos. A perda de hemácias é corrigida através da proliferação de células-tronco hematopoiéticas na medula óssea e em outros tecidos, acionada por fatores de crescimento chamados fatores estimuladores de colônia (CSFs), os quais são produzidos em resposta ao número reduzido de hemácias. - A regeneração dos tecidos pode ocorrer em órgãos parenquimatosos com populações de células estáveis, mas, à exceção do fígado, esse, em geral, é um processo limitado. O pâncreas, a suprarrenal, a tireoide e o pulmão apresentam certa capacidade regenerativa. A remoção cirúrgica de um rim produz uma resposta compensatória no rim remanescente, a qual consiste tanto em hipertrofia quanto em hiperplasia das células do ducto proximal. Os mecanismos que podem explicar essa resposta ainda não são compreendidos, mas provavelmente envolvem a produção local de fatores de crescimento e interação de células com a MEC. A extraordinária capacidade do fígado de se regenerar fez dele um modelo valioso para o estudo desse processo. Regeneração Hepática O fígado humano tem uma capacidade notável de se regenerar, conforme demonstrado por seu crescimento após hepatectomia parcial, que pode ser realizada para a ressecção de um tumor ou no caso de um transplante hepático intervivos. A imagem mitológica da regeneração hepática é a do recrescimento do fígado de Prometeu, que, diariamente, era devorado por uma águia enviada por Zeus (como punição por ter roubado o segredo do fogo) e crescia novamente durante à noite. A realidade, embora menos dramática, ainda é bastante impressionante. A regeneração do fígado acontece por meio de dois mecanismos importantes: 1)Proliferação remanescente 2) Repovoamento a partir de células progenitoras A predominância do papel desempenhado por um mecanismo sobre o outro depende da natureza da lesão. Proliferação dos Hepatócitos após hepatectomia parcial Nos humanos, a ressecção de até 90% do fígado pode ser corrigida pela proliferação dos hepatócitos residuais. Esse modelo clássico de regeneração de tecidos é usado experimentalmente para estudar o início e o controle do processo. A proliferação dos hepatócitos no fígado que esta se regemerando é desencadeada por ações combinadas de citocinas e fatores de crescimento polipeptídicos: O processo ocorre em estádios distintos. Na primeira fase, ou priming, citocinas como a IL-6 são produzidas principalmente pelas células de Kupffer(macrófagos residentes do fígado), e agem nos hepatócitos de modo a fazer com que as células parenquimatosas sejam capazes de receber e responder a sinais do fator de crescimento. Na segunda, ou fase do fator de crescimento, fatores de crescimento como o HGF e o TGF-α, produzidos por muitos tipos de células, agem nos hepatócitos iniciados, de modo a estimular o metabolismo celular e a entrada das células no ciclo celular. Como os hepatócitos são células quiescentes, levam várias horas para entrar no ciclo celular, progredir de G0 para G1 e alcançar a fase S de replicação do DNA. Praticamente todos os hepatócitos replicam-se durante a regeneração hepática após hepatectomia parcial. A onda de replicação dos hepatócitos é sincronizada e se faz acompanhar pela replicação de células não parenquimatosas (células de Kupffer, células endoteliais e células estreladas). Na fase de replicação dos hepatócitos, mais de setenta genes são ativados, incluindo genes que codificam os fatores de transcrição, reguladores do ciclo celular, reguladores de metabolismo energético e muitos outros. No final, na fase terminal, os hepatócitos retornam à quiescência. A natureza dos sinais de parada não é bem compreendida e provavelmente as citocinas antiproliferativas da família TGF-β estejam envolvidas. Regeneração do fígado a partir de células progenitoras Em situações nas quais a capacidade proliferativa dos hepatócitos é prejudicada, como na lesão ou na inflamação crônica hepática, as células progenitoras do fígado contribuem para o repovoamento. Em roedores, essas células progenitoras têm sido chamadas de células ovais, devido ao formato de seus núcleos. Algumas dessas células progenitoras residem em nichos especializados chamados canais de Hering, onde os canalículos biliares se conectam aos ductos biliares maiores. Os sinais que acionam a proliferação das células progenitoras e sua diferenciação em hepatócitos maduros são temas de uma investigação ativa. Reparo por deposição de tecido conjuntivo(Cicatrização) Se o reparo não puder ser alcançado somente pela regeneração, ocorre através da substituição das células lesadas por tecido conjuntivo, levando à formação de uma cicatriz, ou por meio de uma combinação da regeneração de algumas células residuais e formação de cicatriz. Pode ocorrer cicatrização quando a lesão tecidual for grave ou crônica, resultando em dano às células parenquimatosas, ao epitélio e também à estrutura de tecidos conjuntivos ou se as células que não se dividem forem lesadas. Ao contrário da regeneração, que envolve a restituição dos componentes teciduais, a formação de cicatriz é uma resposta que “remenda”, ao invés de restaurar o tecido. O termo cicatriz é mais frequentemente associado à cura de feridas na pele, porém também é usado para descrever a substituição de células parenquimatosas em qualquer tecido por colágeno, como ocorre no coração após infarto do miocárdio. Etapas na formação de Cicatriz O reparo por meio da deposição de tecido conjuntivo consiste em processos seqüenciais que se seguem à lesão dos tecidos à resposta Inflamatória. Legenda: A lesão de um tecido, como um músculo (que tem capacidade regenerativa limitada), primeiro induz a inflamação, que, por sua vez, remove as células mortas ou os microrganismos, se houver. Seguem-se a formação de tecido de granulação vascularizado e a deposição da matriz extracelular para formar a cicatriz. Angiogenese: É a formação de novos vasos sanguíneos, que fornece os nutrientes e o oxigênio necessários ao processo de reparo. Os vasos recém-formados podem extravasar pelas junções interendoteliais incompletas, devido ao VEGF, fator de crescimento que aciona a angiogênese e aumenta a permeabilidade vascular. Esse extravasamento justifica, em parte, o edema que pode persistir nas feridas que estão em processo de cura, depois de a resposta inflamatória aguda ter sido resolvida. Formação do tecido de Granulação: A migração e a proliferação de fibroblastos, bem como a deposição de tecido conjuntivo frouxo, junto com os vasos e leucócitos entremeados, formam o tecido de granulação. O termo tecido de granulação deriva de sua aparência macroscópica rósea, macia e granular, conforme visto sob a crosta de uma ferida cutânea. Sua aparência histológica é caracterizada pela proliferação de fibroblastos e capilares novos e delicados de paredes finas (angiogênese), em uma matriz extracelular frouxa, geralmente com a mistura de células inflamatórias, principalmente macrófagos. Progressivamente, o tecido de granulação invade o local da lesão; a quantidade de tecido de granulação que é formado depende do tamanho do déficit no tecido criado pela ferida e da intensidade da inflamação. Tecidode granulação mostrando numerosos vasos sanguíneos, edema e uma matriz extracelular frouxa contendo células inflamatórias ocasionais. O colágeno é corado em azul através da coloração do tricrômico; um mínimo de colágeno maduro pode ser visto nesse ponto. Remodelamento do Tecido Conjuntivo: A maturação e a reorganização do tecido conjuntivo (remodelamento) produzem a cicatriz fibrosa estável. A quantidade de tecido conjuntivo aumenta no tecido de granulação, resultando, por fim, na formação de uma cicatriz , que pode remodelar-se ao longo do tempo. Os macrófagos desempenham papel crucial no reparo, ao eliminar os agentes agressores e o tecido morto, ao fornecer fatores de crescimento para a proliferação de várias células e ao secretar citocinas que estimulam a proliferação de fibroblastos e a síntese e deposição de tecido conjuntivo. Os macrófagos envolvidos no reparo são predominantemente do tipo M2 (ativados alternativamente). O reparo começa no prazo de 24 horas depois da lesão, através da migração de fibroblastos e do estímulo de proliferação fibroblástica e de células endoteliais. Do terceiro ao quinto dia, o tecido de granulação especializado, característico do reparo, já é evidente. Angiogênese A angiogênese é o processo de desenvolvimento de novos vasos sanguíneos a partir dos vasos sanguíneos existentes. É fundamental no reparo em locais de lesão, no desenvolvimento de circulações colaterais nos locais de isquemia e por permitir que tumores aumentem em tamanho além das restrições de seu fornecimento sanguíneo original. A angiogenese envolve o brotamento de novos vasos a partir dos existentes consistindo nas seguintes etapas: • Vasodilatação, em resposta ao óxido nítrico, e aumento de permeabilidade induzida pelo fator de crescimento endotelial vascular (VEGF). • Separação de pericitos da superfície abluminal e quebra da membrana basal, de modo a permitir a formação de um broto vascular. • Migração de células endoteliais em direção à área de lesão tecidual. • Proliferação de células endoteliais logo atrás das células migratórias orientadoras (“de ponta”). • Remodelamento em tubos capilares. • Recrutamento de células periendoteliais (pericitos para pequenos capilares e células musculares lisas para vasos maiores) para formar o vaso maduro. • Supressão da proliferação, com migração endotelial e deposição da membrana basal. O processo de angiogênese envolve várias vias de sinalização, interações célula-célula, proteínas MEC e enzimas teciduais. Deposição de Tecido Conjuntivo A deposição de tecido conjuntivo ocorre em duas etapas: 1) Migração e proliferação de fibroblastos para o local da lesão 2) Deposição de proteínas da MEC produzidas por essas células. Esses processos são orquestrados por citocinas e fatores de crescimento localmente produzidos, incluindo o PDGF, o FGF-2 e o TGF-β. As principais fontes desses fatores são as células inflamatórias, em especial os macrófagos ativados alternativamente (M2), que estão presentes nos locais de lesão no tecido de granulação. Os locais de inflamação também são ricos em mastócitos e, em um meio quimiotático apropriado, linfócitos também podem estar presentes. Cada um deles pode secretar citocinas e fatores de crescimento que contribuem para a proliferação e a ativação de fibroblastos. O TGF-β está envolvido não somente na formação de cicatrizes pós-lesões, mas também no desenvolvimento de fibrose pulmonar, hepática e renal após inflamação crônica. O TGF-β também é uma citocina anti-inflamatória que serve para limitar e encerrar as respostas inflamatórias. Ele faz isso ao inibir a proliferação de linfócitos e a atividade de outros leucócitos. À medida que o reparo prossegue, o número de fibroblastos e novos vasos proliferativos diminui; entretanto, progressivamente, os fibroblastos assumem um fenótipo mais sintético e, em consequência, há aumento na deposição de MEC. A síntese do colágeno, em particular, é primordial para o desenvolvimento de resistência no local de reparo da ferida. Conforme já descrito, a síntese de colágeno pelos fibroblastos tem início logo no começo do reparo das feridas (dias 3 a 5) e prossegue por várias semanas, dependendo do tamanho da ferida. No entanto, o acúmulo da rede de colágeno depende não apenas do aumento de síntese, mas também da diminuição da degradação. Enfim, o tecido de granulação evolui para uma cicatriz composta principalmente de fibroblastos fusiformes e inativos, colágeno denso, fragmentos de tecido elástico e outros componentes da MEC. À medida que a cicatriz vai amadurecendo, ocorre diminuição vascular progressiva, que, por fim, transforma o tecido de granulação altamente vascularizado em uma cicatriz pálida, principalmente avascular. Alguns dos fibroblastos também adquirem características de células musculares lisas, incluindo a presença de filamentos de actina, sendo também chamados de miofibroblastos. Essas células contribuem para a contração da cicatriz ao longo do tempo. Remodelamento do Tecido Conjuntivo O resultado do processo de reparo é influenciado pelo equilíbrio entre a síntese e a degradação de proteínas da MEC. Após sua deposição, o tecido conjuntivo na cicatriz continua a ser modificado e remodelado. A degradação dos colágenos e de outros componentes da MEC é realizada por uma família de metaloproteinases de matriz (MMPs), assim chamadas porque dependem de íons de metal (p. ex., zinco) para sua atividade. As MMPs são produzidas por uma variedade de tipos celulares (fibroblastos, macrófagos, neutrófilos, células sinoviais e algumas células epiteliais), e sua síntese e secreção são reguladas por fatores de crescimento, citocinas e outros agentes. A atividade das MMPs é controlada de maneira rígida. Elas são produzidas como precursores inativos (zimogênios) que devem primeiro ser ativados; isso é realizado pelas proteases (p. ex., plasmina) provavelmente encontradas nos locais de lesão. Além disso, as colagenases ativadas podem ser rapidamente inibidas pelos inibidores de metaloproteinases de tecidos específicos (TIMPs), produzidos pela maioria das células mesenquimais. Dessa forma, durante a formação de cicatriz, as MMPs são ativadas para remodelar a MEC depositada, e sua atividade é inibida pelas TIMPs. Fatores que Influenciam o Reparo Tecidual O reparo tecidual pode ser alterado por uma variedade de influências, frequentemente reduzindo a qualidade ou a adequação do processo de reparo ativo. As variáveis que modificam o reparo podem ser extrínsecas (p. ex., infecção) ou intrínsecas ao tecido lesado, além de sistêmicas ou locais: Infecção: É uma das causas mais importantes de demora no processo de reparo,prolongando a inflamação e potencialmente,aumentando a lesão tecidual local. Diabetes: É uma doença metabólica que compromete o reparo tecidual por muitas razões, e é uma das causas sistêmicas mais importantes de reparo anormal das feridas. Estado Nutricional: Tem efeitos profundos no reparo; a deficiência de proteínas, por exemplo, e, particularmente, a carência de vitamina C inibem a síntese de colágeno e retardam o reparo. Glicocorticóides(esteróides): Têm efeitos anti-inflamatórios bem documentados, e sua administração pode resultar na fraqueza da cicatriz devido à inibição da produção de TGF-β e à diminuição de fibrose. Em alguns casos, entretanto, os efeitos anti-inflamatórios dos glicocorticoides são desejáveis. Por exemplo, em infecções da córnea, algumas vezes os glicocorticoides são receitados (junto com antibióticos) para reduzir a probabilidade de opacidade, que pode ocorrer por causa da deposição de colágeno. Fatores Mecânicos: Como aumento de pressão local ou torsão, que podem provocar separaçãoou deiscência das feridas. Perfusão deficiente: Decorrente de arteriosclerose e diabetes, ou ainda de drenagem venosa obstruída (p. ex., veias varicosas), também prejudica o reparo. Corpos estranhos: Fragmentos de Aço,vidro ou ate mesmo osso,impedem o reparo. Tipo e a extensão da lesão Tecidual: Afetam o reparo subsequente. A completa restauração pode ocorrer apenas em tecidos compostos por células estáveis e lábeis; ainda assim, uma extensa lesão provavelmente resultará em regeneração tecidual incompleta e, pelo menos, em perda parcial de função. A lesão dos tecidos compostos por células permanentes deve, inevitavelmente, resultar em cicatrização com, no máximo, tentativas de compensação funcional pelos elementos viáveis remanescentes. Assim é o caso do reparo no infarto do miocárdio. Local da Lesão: E a caraterística do tecido no qual a lesão ocorre também são importantes. Por exemplo, a inflamação que surge em espaços teciduais (p. ex., pleural, peritoneal, nas cavidades sinoviais) desenvolve exsudatos extensos. O reparo subsequente pode ocorrer por meio da digestão do exsudato, iniciada pelas enzimas proteolíticas de leucócitos e pela reabsorção do exsudato liquefeito. A isso, chama-se resolução e, na ausência de necrose celular, a arquitetura normal dos tecidos é geralmente restaurada. Entretanto, nas situações de maior acúmulo, o exsudato evolui para organização: o tecido de granulação cresce dentro do exsudato e, por fim, forma-se uma cicatriz fibrosa. Exemplos Clínicos de Reparo de Tecidos e Fibrose Cura de Feridas Cutâneas: Trata-se de um processo que envolve tanto a regeneração epitelial quanto a formação de cicatriz de tecido conjuntivo e, portanto, ilustra os princípios gerais que se aplicam no reparo de todos os tecidos. Com base na natureza e no tamanho da ferida, diz-se que a cura dos ferimentos da pele ocorre por primeira ou segunda intenção. Cura por Primeira Intenção: Quando a lesão envolve apenas a camada epitelial, o principal mecanismo de reparo é a regeneração epitelial, também chamada de união primária ou cura por primeira intenção. Um dos exemplos mais simples desse tipo de reparo de ferida é o reparo de uma incisão cirúrgica limpa não infectada e aproximada por suturas cirúrgicas. A incisão causa apenas a interrupção focal da continuidade da membrana basal epitelial e a morte de poucas células epiteliais e das células do tecido conjuntivo. As feridas realizadas de maneira asséptica, com um mínimo de destruição tecidual e que são apropriadamente fechadas cicatrizam com pouca reação tecidual por primeira intenção (união primária). Quando as feridas cicatrizam por primeira intenção, o tecido de granulação não é visível, e a formação de cicatriz é mínima. O reparo consiste em três processos conectados: - Inflamação - Proliferação de células epiteliais e outras células -Maturação da cicatriz de tec conjuntivo • A ferida provoca rápida ativação das vias de coagulação, resultando na formação de um coágulo sanguíneo na superfície da ferida. Além das hemácias capturadas, o coágulo contém fibrina, fibronectina e componentes do complemento. O coágulo serve para deter o sangramento, funcionando como arcabouço para as células em migração, que são atraídas por fatores de crescimento, citocinas e quimiocinas liberadas na área. A liberação de VEGF leva ao aumento da permeabilidade do vaso e ao edema. À medida que ocorre desidratação na superfície externa do coágulo, forma-se uma crosta que cobre a ferida. • No prazo de 24 horas, os neutrófilos podem ser vistos na margem da incisão, migrando rumo ao coágulo de fibrina. Eles liberam enzimas proteolíticas que começam a limpar os resíduos. As células basais na borda do corte da epiderme começam a mostrar atividade mitótica acelerada. Dentro de 24 a 48 horas, as células epiteliais de ambos os lados já começaram a migrar e proliferar ao longo da derme, depositando componentes basais de membrana à medida que avançam. Então, juntam-se na linha média, abaixo da superfície da crosta, produzindo uma fina e contínua camada epitelial que fecha a ferida. • No terceiro dia, os neutrófilos já foram amplamente substituídos pelos macrófagos e, progressivamente, o tecido de granulação invade o espaço da incisão. Conforme já discutido, os macrófagos são células-chave constituintes do reparo tecidual, removendo os resíduos extracelulares, a fibrina e outros materiais estranhos, além de promover angiogênese e deposição de MEC. Agora, as fibras de colágeno são evidentes nas margens da incisão. A proliferação de células epiteliais continua, formando uma cobertura que se aproxima da espessura normal da epiderme. • Por volta do quinto dia, a neovascularização alcança seu pico, à medida que o tecido de granulação vai preenchendo o espaço incisional. Esses vasos neoformados são permeáveis, permitindo a passagem de líquido e proteínas plasmáticas para o espaço extravascular. Portanto, o novo tecido de granulação está constantemente edemaciado. A migração de fibroblastos para o local da lesão é orientada por quimiocinas, TNF, PDGF, TGF-β e FGF. Sua subsequente proliferação é desencadeada por múltiplos fatores de crescimento, incluindo PDGF, EGF, TGF-β e FGF, e pelas citocinas IL-1 e TNF. Os macrófagos são as principais fontes desses fatores, embora outras células inflamatórias e as plaquetas também os produzam. Os fibroblastos produzem proteínas da MEC, e as fibrilas de colágeno tornam-se mais abundantes e começam a formar pontes na incisão. A epiderme recupera sua espessura natural à medida que a diferenciação de células de superfície vai produzindo uma arquitetura de epiderme madura, com a ceratinização da superfície. • Durante a segunda semana, há acúmulo contínuo de colágeno e de proliferação de fibroblastos. O infiltrado de leucócitos, o edema e o aumento de vascularidade estão substancialmente diminuídos. O processo de “empalidecimento” tem início, alcançado pelo aumento de deposição de colágeno dentro da cicatriz da incisão e da regressão dos canais vasculares. • Pelo fim do primeiro mês, a cicatriz compreende um tecido conjuntivo celular em grande parte desprovido de células inflamatórias, coberto por uma epiderme essencialmente normal. Entretanto, os apêndices cutâneos destruídos na linha da incisão desaparecem de forma permanente. A força de tensão da ferida aumenta com o tempo. Cura por Segunda Intenção Quando a perda de células ou tecidos é mais extensa, como ocorre em grandes feridas, abscessos, ulcerações e na necrose isquêmica (infarto) de órgãos parenquimatosos, o processo de reparo envolve uma combinação de regeneração e cicatrização. Na cura de feridas cutâneas por segunda intenção, também conhecida como cura pela união secundária , a reação inflamatória é mais intensa, há desenvolvimento abundante de tecido de granulação, acúmulo de MEC e formação de uma grande cicatriz, além de uma contração da ferida pela ação de miofibroblastos. A cicatrização por segunda intenção (granulação) ocorre em feridas infectadas (abscesso) ou em feridas nas quais as bordas não foram aproximadas. Quando uma incisão é feita em um abscesso, ele se colaba parcialmente, porém as células mortas e as que estão morrendo e que formam as paredes do abscesso ainda estão sendo liberadas dentro da cavidade. Por essa razão, um tubo de drenagem/uma atadura de gaze é inserida na cápsula do abscesso para permitirque a drenagem escape facilmente. Gradualmente, o material necrótico desintegra-se e escapa, e a cavidade do abscesso é preenchida com um tecido sensível, mole e vermelho que sangra facilmente. Esse tecido é composto de capilares de minutos e de parede fina e brotos que, posteriormente, formam o tecidoconjuntivo. Esses brotos,denominados granulações, aumentam de tamanho até preencherem a área deixada pelo tecido destruído. As células que circundam os capilares modificam seu formato arredondado e tornam-se longas, finas e entremeadas para formar uma cicatriz. A cicatrização se completa quando as células cutâneas crescem sobre essas granulações. A cura secundaria difere da cura primaria em vários aspectos: • Em feridas que causam grandes perdas de tecido, o coágulo de fibrina é maior e há mais exsudato e restos necróticos no local. A inflamação é mais intensa porque os grandes defeitos no tecido têm um volume maior de resíduos necróticos, exsudato e fibrina, os quais devem ser removidos. Em consequência, grandes defeitos têm maior potencial para a lesão secundária mediada por inflamação. • Quantidades muito maiores de tecido de granulação são formadas. Defeitos maiores exigem um volume maior de tecido de granulação para preencher os espaços e proporcionar uma estrutura-base para a reepitelização tecidual. Em geral, maior volume de tecido de granulação resulta em uma massa maior de cicatriz tecidual. • Inicialmente, é formada uma matriz provisória contendo fibrina, fibronectina plasmática e colágeno tipo III que, em aproximadamente 2 semanas, é substituída por uma matriz composta principalmente de colágeno tipo I. Finalmente, o arcabouço do tecido de granulação original é convertido em uma cicatriz avascular e pálida, composta de fibroblastos fusiformes, colágeno denso, fragmentos de tecido elástico e outros componentes da MEC. Os apêndices cutâneos destruídos na linha da incisão desaparecem de forma permanente. A epiderme recupera sua espessura e arquitetura normais. No fim do primeiro mês, a cicatriz consiste em tecido conjuntivo acelular destituído de infiltrado inflamatório e está recoberta por epiderme intacta. • A contração da ferida ocorre geralmente em feridas de grande superfície. A contração ajuda a fechar a ferida ao diminuir o espaço entre suas margens dérmicas e reduzir a área de superfície. Portanto, essa é uma característica importante na cura por união secundária. O passo inicial da contração da ferida envolve a formação, na borda da ferida, de uma rede de miofibroblastos, que são fibroblastos modificados exibindo muitas das características ultraestruturais e funcionais das células musculares contráteis. No intervalo de 6 semanas, os grandes defeitos cutâneos podem ser reduzidos a 5% e 10% de seu tamanho original, principalmente devido à contração. Resistência da Ferida Feridas cuidadosamente suturadas apresentam aproximadamente 70% da resistência da pele normal, em grande parte devido à fixação pelas suturas. Quando as suturas são removidas, geralmente após 1 semana, a força é de aproximadamente 10% da resistência da pele normal, porém isso aumenta rapidamente ao longo das próximas 4 semanas. A recuperação da resistência tênsil resulta do excesso da síntese de colágeno, que ultrapassa sua degradação durante os primeiros 2 meses e, posteriormente, de modificações estruturais nas fibras colágenas (ligação cruzada e aumento do tamanho das fibras), depois de a síntese de colágeno ter cessado. A resistência da ferida alcança aproximadamente 70% a 80% de sua normalidade dentro de três meses, mas, em geral, não melhora de forma significativa além desse ponto. Fibrose em Órgãos Parenquimatosos A deposição de colágeno faz parte do processo normal de cura de uma ferida. O termo fibrose é empregado quando ocorre deposição excessiva de colágeno e outros componentes da MEC em um tecido. Como já mencionado, os termos cicatriz e fibrose são usados indiferentemente, mas fibrose indica, com mais frequência, a deposição anormal de colágeno que ocorre em órgãos internos nas doenças crônicas. Os mecanismos básicos de fibrose são idênticos aos da formação de cicatriz na pele durante o reparo tecidual. A fibrose é um processo patológico induzido por estímulos lesivos persistentes, como infecções crônicas e reações imunológicas, tipicamente associado à perda tecidual. Pode ser responsável pela disfunção significativa dos órgãos e até mesmo pela insuficiência. Legenda: Mecanismos da fibrose. Lesão persistente de tecido leva à inflamação crônica e à perda de arquitetura tecidual. As citocinas produzidas por macrófagos e outros leucócitos estimulam a migração e a proliferação de fibroblastos e miofibroblastos, além da deposição de colágeno e outras proteínas da matriz extracelular. O resultado final é a substituição do tecido normal por fibrose. A principal citocina envolvida na fibrose é o TGF- β. Os mecanismos que levam à ativação do TGF-β não são conhecidos com precisão, mas a morte celular por necrose ou por apoptose e a produção de espécies reativas de oxigênio parecem ser importantes desencadeadores da ativação, independentemente do tecido. De modo semelhante, as células que produzem colágeno sob estímulo do TGF-β podem variar, dependendo do tecido. Na maioria dos órgãos, como nos pulmões e rins, os miofibroblastos constituem a principal fonte de colágeno, mas, na cirrose hepática, os maiores produtores de colágeno são as células estreladas. Os distúrbios fibróticos incluem diversas doenças crônicas e debilitantes, como cirrose hepática, esclerose sistêmica (esclerodermia), doenças fibrosantes do pulmão (fibrose pulmonar idiopática, pneumoconioses e fibrose pulmonar induzida por radiação e por drogas), doença renal terminal e pericardite constritiva. Anormalidades no Reparo dos tecidos As complicações no reparo tecidual podem surgir a partir de anormalidades em qualquer um dos componentes básicos do processo, incluindo formação deficiente de cicatriz, formação excessiva de componentes do reparo e formação de contraturas. • A formação inadequada do tecido de granulação ou a formação de uma cicatriz podem levar a dois tipos de complicações: deiscência da ferida e ulceração: A deiscência, ou ruptura de uma ferida, embora não seja comum, ocorre com mais frequência após cirurgia de abdome, por causa do aumento de pressão intra-abdominal. Vômitos, tosse ou íleo adinâmico (paralítico) podem produzir estresse mecânico sobre a ferida abdominal. As feridas podem ulcerar em consequência de uma vascularização inadequada durante a cura. Por exemplo, feridas nos membros inferiores de indivíduos com doença vascular periférica aterosclerótica costumam ulcerar. Feridas que não cicatrizam também se formam em áreas com perda de sensibilidade. Essas úlceras neuropáticas são ocasionalmente observadas em pacientes com neuropatia periférica diabética. • A formação excessiva dos componentes do processo de reparo pode dar origem a cicatrizes hipertróficas e queloides: O acúmulo excessivo de colágeno pode produzir uma cicatriz saliente conhecida como cicatriz hipertrófica; se a cicatriz cresce além das margens da ferida original, sem regredir, é chamada de queloide . A formação de queloide parece ser uma predisposição individual e, por motivos desconhecidos, essa anormalidade é um pouco mais comum em negros. Em geral, as cicatrizes hipertróficas se desenvolvem após lesões traumáticas ou térmicas que envolvem as camadas mais profundas da derme. • Granulação exuberante É outra anormalidade na cura de feridas, consistente na formação de quantidades excessivas de tecido de granulação, fazendo protrusão acima do nível da pele no entorno e bloqueando a reepitelização (esse processo, com muita frequência, é chamado de “carne esponjosa”). A granulação excessiva deve ser removida por cauterização ou por excisão cirúrgica, a fim de permitir a restauração da continuidade do epitélio. Por fim (e, felizmente, em casos raros), as cicatrizes incisionais ou lesõestraumáticas podem ser acompanhadas de proliferação exuberante de fibroblastos e outros elementos do tecido conjuntivo, que, de fato, podem reincindir após a excisão. São chamadas de desmoides ou fibromatoses agressivas e situam-se na interface entre as proliferações benignas e os tumores malignos (embora de baixo grau). Contratura: • A contração no tamanho de uma ferida constitui parte importante do processo normal de cicatrização. Um exagero desse processo origina a contratura e resulta em deformidades da ferida e dos tecidos circundantes. As contraturas são particularmente propensas a se desenvolver nas palmas das mãos, plantas dos pés e face anterior do tórax. As contraturas são comumente observadas após queimaduras graves e podem comprometer o movimento das articulações.
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