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Doença arterial coronariana estável – Dr. Ulisses Calandrin 1 Doença arterial coronariana estável A doença arterial coronariana estável se caracteriza por um quadro clínico que se mantém praticamente inalterado em relação às manifestações isquêmicas, podendo ser sintomáticas ou não durante período de tempo relativamente prolongado. Como principais manifestações tem-se angina, isquemia miocárdica silenciosa e equivalentes isquêmicos – náuseas, vômitos, dispneia, tontura – causados pelo desequilíbrio entre a oferta de oxigênio e a demanda miocárdica após redução do fluxo ou do conteúdo arterial de oxigênio. A demanda pode elevar com aumento do estado contrátil, da frequência cardíaca e/ou da tensão parietal, enquanto que a oferta varia conforme extração de oxigênio e fluxo local. A reserva de fluxo coronariano é a capacidade fisiológica do fluxo sanguíneo coronariano aumentar acima dos níveis basais, ajustando-se a qualquer aumento da demanda do oxigênio. Esse processo depende da pressão de perfusão das arteríolas, áreas de seção transversa/unidade de volume tecidual e frequência cardíaca. Sabe-se que a presença de aterosclerose gera diminuição de substâncias vasodilatadoras, fazendo com que essa capacidade de ajuste seja perdida. Geralmente, a oclusão do vaso promove redução do fluxo, tendo um intervalo de cerca de 10 minutos após a oclusão que o corpo tenta retornar o fluxo com vasodilatação de outras arteríolas da região, gerando uma hiperemia regional reativa. Tem-se os mecanismos de autorregulação coronariana, em que os indivíduos podem apresentar os mesmos sintomas por muito tempo, em decorrência de vasodilatação. Todavia, com o desenvolvimento da estenose ocorre perda dos mecanismos de vasodilatação, tendo vasoconstrição da artéria que já tinha um fluxo prejudicado pela presença da placa, tendo associação também com hipercoagulabilidade e inflamação – trocando a angina estável por instável. A isquemia miocárdica ocorre com disponibilidade reduzida de nutrientes e oxigênio com eliminação inadequada de metabólitos e CO2 por redução do fluxo sanguíneo coronário em decorrência de obstrução aterosclerótica arterial. Com o aumento da placa aterosclerótica tem-se redução gradual da perfusão do órgão, auxiliando para o desequilíbrio entre a oferta e a demanda de oxigênio. Como manifestações clínicas da isquemia tem-se IAM, angina, coronariopatia crônica e morte súbita. Conforme o desenvolvimento da isquemia tem-se início do metabolismo anaeróbico, redução do relaxamento com disfunção diastólica seguida por uma disfunção sistólica – com perda da morfologia ventricular, infra do segmento ST e angina. Quadro clínico: dor ou desconforto em região anterior do tórax, epigástrio, mandíbula, ombro, dorso ou membros superiores, sendo causada por um desequilíbrio entre o aporte e o consumo de oxigênio miocárdico. Como fatores desencadeantes tem-se situações de isquemia miocárdica transitória como esforço físico, estresse emocional, frio intenso, alimentação ou descompensação de insuficiência cardíaca. A dor melhora com o repouso ou com o uso de nitratos, tendo comportamento predizível e reprodutível. Doença arterial coronariana estável – Dr. Ulisses Calandrin 2 A duração não deve exceder alguns minutos, sendo que a periodicidade pode ser diária, semanal ou mensal. Pode ser espontânea ou noturna, em que o paciente acorda com essa dor. É uma dor constritiva, opressiva, em aperto, em peso, como desconforto em queimação ou pontada, de início súbito aumentando em 2 a 3 minutos, raramente intensa desde o início. Tem localização precordial, retroesternal, ombro esquerdo, epigástrica, cervical, hemitórax ou dorso. De modo geral, a dor torácica pode ser classificada por diversas estratificações: Classificação da dor torácica Angina típica ou definitiva Desconforto torácico retroesternal, provocado por esforço físico ou estresse emocional, aliviando com repouso ou uso de nitratos Angina atípica ou provável Reúne duas das três características da angina típica Dor torácica não cardíaca Reúne nenhuma ou apenas uma das características de angina típica Classificação em ABCD conforme característica e necessidade de exames Dor A Definitivamente anginosa e independe de exames complementares Dor B Provavelmente anginosa, necessitando de exames complementares para confirmação Dor C Provavelmente não anginosa, necessitando de exames para exclusão Dor D Definitivamente não anginosa, não incluindo características de insuficiência coronariana Classificação funcional da dor Classe I Atividades físicas habituais – como caminhar e subir escadas – não causam sintomas, mas ela ocorre aos esforços extremos, rápidos ou prolongados no trabalho ou recreação Classe II Ligeira limitação da atividade física, em que a angina ocorre em atividades físicas habituais após refeições, no frio, contra o vento ou sobre estresse emocional. É uma angina que ocorre ao caminhar mais que 2 quarteirões no plano ou subir mais de 1 andar no passo normal e em condições normais Classe III Acentuada limitação da atividade física, em que a angina ocorre ao caminhar 1 ou 2 quarteirões no plano ou subir 1 lance de escadas no passo normal e em condições normais Classe IV Incapacidade para exercer qualquer atividade física sem desconforto, podendo ocorrer até mesmo em repouso Diagnóstico: na avaliação inicial deve-se incluir hemograma, glicemia de jejum, hemoglobina glicada, perfil lipídico, ureia, creatinina e proteína C reativa ultrassensível, ECG repouso, ECG repouso durante o quadro de angina e raio X de tórax na suspeita de insuficiência cardíaca, valvular, pericárdio, dissecção ou aneurisma de aorta. Além disso, realiza-se a estimativa do risco cardiovascular pelo escore de risco de Framingham para calcular o risco absoluto de doenças cardiovasculares em 10 anos, incluindo sexo, idade, PAS, colesterol total, HDL-c e tabagismo. Além disso, pode-se realizar algumas exames específicos como teste ergométrico, eco de repouso, Holter, eco de estresse, cintilografia, ressonância magnética, tomografia computadorizada e coronariografia. A probabilidade pré-teste de doença arterial coronariana deve ser realizada para analisar a necessidade de exames no paciente sintomático, esses que serão classificados em baixo ou alto risco. O eletrocardiograma geralmente é normal em 50% dos pacientes estáveis, sendo que é mais comum encontrar alterações inespecíficas de ST e onda T, Doença arterial coronariana estável – Dr. Ulisses Calandrin 3 com ou sem infarto prévio. Além disso, serve para diferenciar alterações por hipertrofia ventricular esquerda, distúrbios eletrolíticos, acidose, alcalose, uso de drogas, AVC, embolia pulmonar, miopericardite, entre outros. Nos pacientes com doença arterial coronariana as alterações de ST e onda T correlacionam-se com a gravidade e o acometimento da doença, e alguns distúrbios de condução podem mostrar uma disfunção ventricular esquerda. O teste ergométrico em pacientes de baixa probabilidade pré-teste apresenta um valor preditivo positivo de 21%, sendo que pode apresentar um elevado número de falsos positivos. Enquanto isso, na alta probabilidade um teste ergométrico positivo aumenta a chance em 98%, reduzindo para 83% se for negativo – mas já pode realizar um exame mais invasivo. Assim, esse exame geralmente é indicado em casos de probabilidade intermediária, em que um teste positivo aumenta probabilidade para 83% de chance de ter uma doença aterosclerótica e um negativo reduz para 36%. O ecocardiograma transtorácico é usado para buscar alterações de contratilidade e relaxamento, tendo baixa especificidade. Assim, pode ser indicado para sintomas sugestivos de estenose aórtica e cardiomiopatia hipertrófica, ou durante/após 30 minutos de um episódio de angina para detecção da contratilidade segmentarde ventrículo esquerdo. Não deve ser solicitado para pacientes com ECG normal e sem histórico de doença cardíaca. O ecocardiograma de estresse pode ser realizado de duas maneiras, uma em que o indivíduo é submetido a um estresse físico na esteira ou outra por um aumento da frequência cardíaca através de meios farmacológicos – dipiridamol ou dobutamina. Pode ser usado para avaliação diagnóstica ou prognóstica quando o ECG em repouso está alterado, permitindo avaliação de viabilidade miocárdica, alterações segmentares de contração (por ausência de fluxo em determinada região), análise de função sistólica e diastólica, entre outros. É um exame superior a cintilografia na presença de bloqueio de ramo, hipertrofia ventricular e obesidade, tendo alto valor preditivo em pacientes com dor torácica típica – apesar de ser um exame operador dependente. A cintilografia miocárdica pode ser feita em pacientes durante o teste ergométrico e em repouso, sendo que na frequência cardíaca máxima injeta-se um marcador – sestamibi (99m Tc) – para avaliar o fluxo para a musculatura cardíaca. A ressonância magnética deve ser realizada em pacientes de probabilidade intermediária, sendo excelente para avaliação de extensão de fibrose, viabilidade miocárdica e avaliação de perfusão, não devendo ser usada para triagem de assintomáticos. A tomografia computadorizada também não deve ser feita em pacientes com baixa ou alta probabilidade. A cineangiocoronariografia pode ser benéfica em pacientes com angina estável classe III ou IV, em indivíduos com alto risco em testes não invasivos independente da angina, angina e sobreviventes de parada cardíaca ou arritmia ventricular grave, angina e sinais de insuficiência cardíaca. Como indicações mais questionáveis tem-se diagnóstico incerto após testes não invasivos, impossibilidade de realização de testes não invasivos, profissões de risco que requerem diagnóstico preciso e pacientes com informações prognósticas inadequadas após testes não-invasivos. Não deve ser realizada em comorbidades significativas com risco que supera os benefícios do procedimento ou em angina estável classe I ou II que responde ao tratamento e não apresenta evidência de isquemia em testes não invasivos. Como complicações da cineangiocoronariografia diagnóstica pode-se ter complicações vasculares, reações vagais, arritmias, óbito, entre outros. Tratamento: possui como objetivo a eliminação de condições que desequilibram a oferta e o consumo de oxigênio, além de impedir a progressão da aterosclerose, reduzir os eventos relacionados à doença coronariana, diminuir os sintomas da isquemia miocárdica e, por fim, prevenir o infarto do miocárdio, reduzindo a mortalidade. Pode ser iniciado com métodos não farmacológicos, como dieta, modificação do estilo de vida, controle da hipertensão e de dislipidemias, exclusão do tabagismo e controle do diabetes. O tratamento farmacológico pode ser empregado na prevenção do infarto com utilização de antiagregantes plaquetários, agentes hipolipemiantes, betabloqueadores, IECA e BRA. Para redução dos sintomas de Doença arterial coronariana estável – Dr. Ulisses Calandrin 4 isquemia miocárdica podem ser usados betabloqueadores, antagonistas de canais de cálcio, nitratos e drogas de ação metabólicas – esses três últimos não interferem na redução da mortalidade. A aspirina promove uma inibição da enzima COX, de modo que bloqueia a síntese de tromboxano A2 com potencial trombogênico, devendo ser usada na dose de 81-325mg/dia. Deve ser utilizada em todos os pacientes se não houver contraindicação (nível de evidência IA). Os bloqueadores dos receptores plaquetários de adenosina difosfato, como o Clopidogrel, podem agir reduzindo níveis de fibrinogênio e bloqueando parcialmente os receptores de glicoproteína IIb/IIIa, funcionando como anticoagulantes na dose de 75mg – evidência Ib em uso contínuo quando houver contraindicação à AAS. As estatinas apresentam ação hipolipemiantes para redução de colesterol e LDL, além de atuar por efeitos pleiotrópicos como antinflamatório vascular. Os betabloqueadores reduzem a demanda miocárdica de oxigênio, já que inibe a estimulação simpática para reduzir frequência cardíaca, contratilidade e pressão arterial. Assim, melhora a capacidade funcional do indivíduo, reduz a depressão do segmento ST induzida pelo esforço, diminui a frequência e da intensidade dos episódios anginoso e promove redução da utilização de nitrato. Como contraindicações tem-se DPOC e aumento do intervalo QT. Os IECA e BRA são inibidores diretos ou indiretos da angiotensina, de modo que melhoram a perfusão subendocárdica, estabilizam placas, diminuem eventos isquêmicos, reduzem mortalidade e são importantes em pacientes com disfunção ventricular, insuficiência cardíaca e diabéticos que apresentem doença arterial coronariana, com indicação para uso contínuo. Os antagonistas dos canais de cálcio – Diltiazem ou Verapamil – podem ser usados na presença de contraindicação ou refratariedade aos betabloqueadores nos pacientes com isquemia contínua ou recorrente, mas o paciente não pode ter disfunção ventricular grave, já que são drogas inotrópicas negativas e reduzem a frequência cardíaca. Os nitratos são usados em crises de anginas ou em pacientes sintomáticos em associação com betabloqueadores, para alívio da dor.
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