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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI ARTE, CULTURA VISUA E EDUCAÇÃO GUARULHOS - SP SUMÁRIO 1 SOCIOLOGIA DA ARTE ......................................................................................... 3 1.1 Dimensão Genética ............................................................................................ 6 1.2 Dimensão Sintática ............................................................................................. 7 1.3 Dimensão Semântica .......................................................................................... 7 1.4 Dimensão Pragmática ......................................................................................... 9 2 História da Arte ..................................................................................................... 16 2.1 As categorias das artes .................................................................................... 18 2.2 A escrita da história da arte .............................................................................. 18 2.3 Uma periodização da história da arte ............................................................... 19 3 A educação pela arte ............................................................................................ 21 3.1 Arte e ilustração ................................................................................................ 22 3.2 As ilustrações dos livros didáticos oficiais ........................................................ 23 4 ARTE É COMUNICAÇÃO ..................................................................................... 25 5 A ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO ......................................................... 31 6 ARTE, TÉCNICA E INDÚSTRIA CULTURAL ....................................................... 33 6.1 Ideologia e Mercadoria ..................................................................................... 36 6.2 Mimese e pseudo-individuação ......................................................................... 39 7 ARTE MODERNA ................................................................................................. 45 7.1 Fauvismo .......................................................................................................... 46 7.2 Cubismo ............................................................................................................ 47 7.3 Futurismo .......................................................................................................... 48 7.4 Expressionismo ................................................................................................. 50 7.5 Dadaísmo ......................................................................................................... 50 7.6 Surrealismo ....................................................................................................... 52 8 MODERNISMO ..................................................................................................... 53 8.1 Geração de 1930 .............................................................................................. 54 8.2 Geração de 45 (Terceira fase do Modernismo) ................................................ 55 9 MODERNISMO NO BRASIL ................................................................................. 56 9.1 A estética na Semana ....................................................................................... 58 9.2 A brasilidade de Tarsila e a segunda fase do modernismo .............................. 58 10 REPRODUTIBILIDADE TÉCNICA E AS TRANSFORMAÇÕES NA COMUNICAÇÃO DE MASSA, NA ARTE E NA EDUCAÇÃO.................................... 61 10.1 Reprodutibilidade Técnica e as Transformações na Cultura............................62 10.2 As Transformações na Educação e as Transformações na Arte.....................64 11 ARTE, MÍDIA E CONSUMO: UMA REFLEXÃO SOBRE OS VALORES DA PÓS- MODERNIDADE ....................................................................................................... 68 12 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................... 71 3 1 SOCIOLOGIA DA ARTE O campo de pesquisa da Sociologia da Arte são as relações identificáveis entre os conteúdos e as formas dos diversos gêneros e tipos de obra de arte e: As interpretações correntes da própria arte; Os modos de apreciação por parte do público; A posição social do artista; Ou variáveis macrossociológicas como: A estratificação social; A estrutura de classe; As formas de dominação; A organização política; Os fenômenos de mudança social e cultura; A ideologia das classes dominantes e dominadas. Por “arte” entende-se, geralmente, a pintura e a escultura (as “artes plásticas”), a música, a dança, a literatura, o teatro e o cinema, embora no uso anglo-saxão e alemão, art ou Kunst refiram-se preferencialmente às artes plásticas. Em princípio, costuma-se afirmar que tais relações são de interdependência, visto que se imputa à arte a capacidade tanto de influir sobre essas variáveis quanto de sofrer seus efeitos. Apesar da vastíssima literatura produzida há mais de um século, a Sociologia da Arte continua sendo um dos ramos menos consolidados e sistemáticos da Sociologia contemporânea, no qual é difícil identificar a emergência de orientações definidas de pesquisa e de elaboração teórica. Poucos tratados de Sociologia dedicam a ela pelo menos um capítulo, e quando isso acontece, trata-se de textos que, mais do que efetuar a síntese de pesquisas realizadas, reafirmam a necessidade de estudar as relações entre a arte e a sociedade apelando para a constatação óbvia de que os conteúdos, as formas, as técnicas, os fins e as interpretações da arte sempre 4 mudaram com as transformações da sociedade (da feudal à burguesa, da burguesa à socialista, ou da rural à industrial, da tradicional à moderna). Fonte: www.educamundo.com.br De fato, o estado de indeterminação da Sociologia da Arte parece refletir menos a relativa carência de pesquisas metodologicamente fundamentadas e mais a indeterminação real do seu objeto – a obra de arte – e a multiplicidade das interpretações que foram oferecidas pela estética e pela crítica de arte, desde os tempos dos gregos. Tais interpretações formam, até hoje, o substrato de categorias e de valores para qualquer pesquisa de Sociologia da Arte. Para os fins da pesquisa sociológica, mas não só dela, a obra de arte pode ser concebida como sistema de sinais-símbolo com várias dimensões, veiculado por uma base material (pintura, escultura) ou corporal (dança) ou sonora (música) ou por várias combinações delas (teatro, ópera, multimídia). As características essenciais desse sistema são: a) o predomínio que nele subsiste do componente expressivo, em relação aos componentes instrumentais e cognitivos; b) a atitude de estabelecer por si as regras da própria coerência interna, isto é, da própria sintaxe; 5 c) e, sobretudo, uma inesgotável ambiguidade do ponto de vista genético, semântico e pragmático Nenhum outro tipo de sistema de sinais-símbolo possui todas essas características ao mesmo tempo. As diversas teorias da arte elaboradas pela estética representam tentativas de resolver, a favor de diferentes tipos de observadores, a ambiguidade essencial da obra de arte, acentuando um ou outro ponto de vista – ou “dimensão” da obra – ou interpretando determinada dimensão de modo peculiar. A doutrina platônica da arte como imitação da natureza (que depois ingressou na Sociologia da Arte sob a rústica pele da teoria do “reflexo”) acentuava a dimensão semântica da obra, relativa à correspondência entre ela, assumida como representação,e os objetos representados. A dimensão genética, referente à relação entre o artista e a obra, é enfatizada por aquelas orientações da estética que veem a arte como produto de faculdade especial do espírito, ou de refinamento superior da sensibilidade comum do homem; um autor dos mais representativos, neste caso, foi Nietzsche. O movimento de origem romântica da “arte pela arte”, cujas demandas foram resumidas por Théophile Gautier em 1832, atribuía à arte um valor final, negava qualquer relevância aos juízos éticos, sociais ou políticos para a compreensão da obra, e punha em primeiro plano (ante verbum) o seu aspecto sintático, isto é, a correspondência orgânica entre os sinais que a compõem. Enfim, a dimensão pragmática destaca-se dentre as teorias da arte que acentuaram primariamente sua função educativa, como propunha, por exemplo, a estética de Dewey. Quem ingressa no campo da Sociologia da Arte vê-se diante de opções, escolhas e decisões a respeito do grau de relevância a ser atribuído a uma ou outra dimensão da obra, em torno das quais deverá desenvolver uma pesquisa que, sob muitos aspectos, pode ser análoga às da estética. Não são escolhas totalmente exclusivas, no sentido de que quem se compromete com uma dimensão da obra deva necessariamente renunciar às outras; mas cada uma corresponde a uma orientação de pesquisa que não pode ser levada adiante sem que se suspenda, mantenha 6 invariáveis ou coloque entre parênteses, todas as outras – como, de fato, ocorreu na história da Sociologia da Arte. 1.1 Dimensão Genética A acentuação da dimensão genética equivale a colocar em primeiro plano o momento da produção da obra. Existem diferentes maneiras de se entender a “produção” de uma obra de arte. Se nos referimos à produção material da obra de arte, a pesquisa se orientará para fatores sociais que favorecem a criatividade dos artistas e que canalizam sua sensibilidade para determinados tipos, conteúdos e formas, delimitando seus interesses; em resumo, estudar-se-á a relação sociedade/papel-do-artista concentrando o foco da atenção no artista (Kavolis 1963, 1964). Fonte: superprof.com.br http://www.superprof.com.br/ 7 Se nos referirmos, por outro lado, à produção econômica da obra de arte, a pesquisa se concentrará nos processos mediante os quais os administradores de galerias, os editores, os marchand, os críticos, os diretores de museus e colecionadores – e, só depois, os artistas – “valorizam” propositalmente, com sua atividade, certos objetos ou textos, independentemente (ou quase) do fato de eles possuírem ou não qualidades artísticas (o que, nessa perspectiva, se torna irrelevante), fazendo das obras de arte mercadorias que, através de contínuas adições de valor, são vendidas, acumuladas, trocadas por outras, tal como qualquer mercadoria (Poli 1975). 1.2 Dimensão Sintática A acentuação da dimensão sintática leva os sociólogos, nas pegadas dos artistas e dos críticos que falam dos fins da arte, a discutir o valor relativo ou absoluto da arte. Para alguns, a arte é aquilo que é definido como tal em determinada sociedade: “em todos os tempos, o que é admirado, discutido e comprado por um público como arte é arte para esse público, desse tempo” (Adler 1969:616). Para outros, a arte é forma de atividade prático-intelectual orientada a produzir coisas “belas”, sem outro fim instrumental, ou a embelezar instrumentos sem a intenção de melhorar sua utilidade. Segundo alguns autores, essa última concepção se encontra em todas as épocas, em todas as sociedades, a partir de um nível mínimo de evolução sociocultural, e a consciência social distingue-a, sempre, claramente (Honigsheim 1958; Schmidt-Relenberg, in AA.VV. 1969). 1.3 Dimensão Semântica A acentuação da dimensão semântica – referente à correspondência entre a obra de arte e a sociedade – deu origem ao setor mais amplo e variado de toda a Sociologia da Arte, comandado genericamente pela fórmula “a arte é o reflexo do seu tempo”. Derivado em parte do marxismo, esse modo de propor o problema da Sociologia da Arte vê na obra de arte sobretudo uma representação, mais ou menos fiel, do “ambiente social”. 8 Segundo a interpretação marxista mais difundida (Lukács), a representação só será plenamente bem-sucedida se for “realista” (isto é, se captar ao mesmo tempo a essência e a aparência da vida), mas é com frequência deformada em sentido naturalista (representação dos aspectos superficiais da vida) ou idealista (busca da essência abstrata da aparência). Nessa corrente, vista no seu conjunto, o símbolo apresenta-se bipartido. O que a arte “reflete”, expressa ou conhece (o representado de que a obra é representação na superfície ou na essência, ou a unidade de essência e fenômeno, para ficarmos com a interpretação de Lukács) é, para alguns, sobretudo uma estrutura social (normalmente, uma estrutura de classe ou a posição de uma classe em ascensão ou em declínio dentro dela), ao passo que, para outros, é, sobretudo, a cultura de uma sociedade ou de uma parte dela. A Sociologia da Arte ligada à Teoria Crítica da sociedade, sobretudo na obra de Adorno, liga a arte moderna e contemporânea não a estruturas objetivamente descritas da sociedade burguesa, mas à cultura dessa sociedade, distinguindo nela um epítome pontual e obsequioso desta. Por outro ângulo ideológico, o mesmo pode dizer-se das muitas sociologias da arte derivadas da “história da cultura”, cujos ensaios mais conhecidos foram fornecidos pela obra de Alfred Weber, na Europa, e, nos Estados Unidos, pela obra do sociólogo de origem russa P.A. Sorokin (1937). Nelas, a arte nada mais é que o fragmento de um fluxo ondulatório, não progressivo, mas cíclico, que atrai, segundo leis próprias, todos os elementos da cultura de uma época, imprimindo neles uma marca e um significado unitários – o que permite, justamente, que se salte de uma simples obra para o “espírito de uma época”. A acentuação sociológica da dimensão semântica da arte, da correspondência entre a obra e a sociedade e/ou a cultura, reduz ao mínimo o papel original do artista. Nas interpretações mais grosseiras, parece que é a “sociedade” ou a “cultura”, não o artista como indivíduo real, que pinta, escreve, compõe. A objeção a semelhantes reduções do fenômeno artístico é análoga àquela que é preciso propor contra a “explicação” psicanalítica da arte: a afirmação da burguesia financeira sob a Monarquia de julho “explica” tão pouco a Comédie humaine de Balzac quanto a neurose de Proust explica a Recherche – embora seja certo que nem a Comédie teria sido escrita daquele modo e naquela época sem o advento da burguesia financeira, nem a Recherche sem a neurose do autor. Mas o limite maior dessa proposição do problema de uma Sociologia da Arte, que termina por emergir também em suas 9 variantes mais sofisticadas, é a concepção, nela implícita, da obra de arte como sistema de sinais fechado, seja em relação ao passado, à tradição artística, às técnicas de concepção e execução, seja em relação àquele que dela desfruta. O peso que, na determinação da estrutura sintática da obra, exerce a tradição do mesmo gênero artístico desenvolvido dentro da mesma sociedade, ou em outras, ou de outros gêneros, é quase que ignorado, junto com a evolução das técnicas e dos instrumentos que também permitem, sugerem ou impõem a exploração de novos espaços plásticos ou psicológicos ou sonoros. Assim a diferença entre a música contemporânea e aquela anterior a Schoenberg é relacionada somente ao capitalismo em crise ou à fase extrema do imperialismo, e não também à maneira como a reflexão sobre a tradição musical e o uso dos meios da eletrônica revelaram novas vias para a imaginação musical. O sujeito que desfruta da obra de arte é reduzido a uma posição igualmente heteronômica, posto que ele nãotem outra possibilidade senão a de compreender o “significado real” da obra, aquilo de que ela é representação. A criatividade do objeto percebido, o fato de que todo apreciador ou geração socioanagráfica ou cultural reinventa continuamente o significado de cada obra, pondo-o em relação com outros sistemas contingentes de sinais – com isso inventando, literalmente, fora de qualquer obra, seu texto irrepetível -, são pontos que ficam marginalizados. 1.4 Dimensão Pragmática A acentuação da dimensão pragmática da arte ocorre, precipuamente, nos trabalhos que sublinham a função da obra de arte como instrumento ideológico (no caso de estruturas sociais avaliadas negativamente) ou pedagógico (no caso de estruturas sociais avaliadas positivamente) (Egbert 1970). Mais do que qualquer outra concepção sociológica de arte, esta, que se deve mais a críticos, artistas, militantes políticos e historiadores do que a sociólogos, tornou- se fator socialmente operante no campo da política e da prática da arte. Podemos encontrá-la, sob várias roupagens: na imposição de cânones artísticos com finalidade educativa e de edificação popular, por parte dos regimes autoritários; no debate sobre a arte como instrumento de integração e de luta de classe operária, desenvolvido na Alemanha e na Rússia entre 1918 e o início dos anos 1930 10 (AA.VV. 1973); no teatro-documento de Peter Weiss e de Rolf Hochuthy e, sob certos aspectos, no de Brecht; na discussão sobre a arte como crítica da sociedade, exemplificada nos romances de Günter Grass e Heirich Böll. Uma questão continuamente proposta pela literatura especializada é: por que deveria ser cultivada a Sociologia da Arte? As respostas diferem, dependendo de se tomam como referência primária a arte ou a sociedade. No primeiro caso, a Sociologia da Arte é justificada pela contribuição que pode oferecer à compreensão dos múltiplos aspectos do fenômeno artístico, à análise da influência da arte sobre vários setores e componentes da sociedade, à elaboração de uma educação artística eficaz, à política dos governos em relação à arte. Fonte: portugues.com.br No segundo caso, ela é justificada pela contribuição que poderia dar à solução de problemas especificamente sociológicos, como a compreensão dos processos de comunicação, da natureza e dos pressupostos da interação social, da formação e manutenção dos vários tipos de coletividade, dos processos de mudança social (Barnett 1959). Se se assume que o artista tem a sensibilidade e a capacidade de expressão especialmente treinadas, o estudo das obras de arte pode oferecer ainda indicações, com antecipação notável, sobre as direções que uma mudança social virá a tomar. Os pontos de maior interesse da relação arte/sociedade são: 11 O artista: Entende-se por “artista” não apenas os produtores originais, como o compositor ou o romancista, mas também os reprodutores, como o maestro, o pianista, a dançarina etc. O nível e o estilo de vida de grupos ou tipos ou categorias de artistas, o papel a eles reservado, as associações que formam, sua relação de dependência-independência em relação aos promotores, aos adquirentes, aos críticos, ao Estado, a sua subcultura, são aspectos fundamentais para a consideração sociológica do fenômeno artístico. Eles estão, além disso, estreitamente ligados à problemática dos intelectuais. A obra: Não apenas o conteúdo e a forma, mas também cada elemento constitutivo, os objetos representados, os materiais, as técnicas empregadas, são todos elementos que podem ser conectados à sociedade e à cultura em que a obra nasceu. A Mesquita de Córdoba não diz apenas que os árabes se sobressaíram na arquitetura e na decoração e não na pintura e escultura porque a religião islâmica proibia a representação de pessoas. Um quadro de van Eick, não diz apenas que a representação de interiores burgueses corresponde à ascensão de uma nova classe europeia. Ambos contêm inúmeros detalhes, dos baixos-relevos em estuque que reproduzem versículos do Alcorão às vestes de Gli sposi Arnolfini, que foram propostos e impostos aos artistas pela tradição e pela sociedade de que eram membros, junto com os materiais e as técnicas de que deveriam se servir, também nos casos em que eles foram só ponto de partida para uma inovação. O mercado: Diz-se que Beethoven foi um dos primeiros a exigir um justo preço para as suas obras, opondo-se à prática universal do mecenato (o artista sendo mantido pelo príncipe, no melhor dos casos, como maestro de capela ou poeta ou pintor da corte, em troca do monopólio sobre sua produção). A venda de serviços artísticos por dinheiro era, no entanto, uma prática corrente desde a Renascença; uma loja como a de Verrocchio ou de Perugino era uma verdadeira oficina de produção de “objetos” artísticos, com pessoal especializado em operações diferentes e dezenas de clientes dispostos a pagar. Todavia, não se pode falar propriamente em mercado de arte quando a obra é vendida e comprada apenas por um nobre. Só quando começa a difundir-se o costume de revendê-la, junto com o hábito de produzir obras independentemente do pedido do promotor ou do consumidor final é que se pode fazê- 12 lo. Tal desenvolvimento verificou-se sobretudo a partir da segunda metade do século XIX, até alcançar em nossos dias, especialmente nas sociedades capitalistas, a forma de sistema complexo de “produção” e consumo da obra de arte, ativado por centros institucionais como as galerias, os editores, as revistas, os catálogos, as exposições etc. A crítica de arte: Também os críticos interpretam e desenvolvem um papel social: alimentam o mercado; orientam o gosto alheio; decidem, até certa medida, sobre a popularidade de um autor ou de um período ou de uma escola; influenciam a política dos governos em relação à arte; reforçam ou contestam a educação artística oferecida pela escola; mantêm relações sociais com quase todos os agentes que de uma forma ou outra têm a ver com a fenomenologia da arte; escrevem e reescrevem as histórias da arte – uma condensação de memória coletiva da tradição artística, em que inclusões e exclusões são, em geral, socialmente condicionadas. O colecionismo: O surgimento do hábito de recolher num único lugar grupos de obras de arte para a apreciação ou o enriquecimento privado; o seu declínio em favor do desenvolvimento do colecionismo, para possibilitar a apreciação pública (museus); o paralelo desenvolvimento do colecionismo particular, que em parte tem caráter de genuína busca da arte como elemento da vida cotidiana, e em parte caráter meramente comercial-financeiro (a obra como uma espécie de investimento, de seguridade). Todos esses são fenômenos que podem ser conectados a mudanças amplas e capilares das principais estruturas socioculturais, da estratificação social à organização da família, ao nível da escolaridade média, à industrialização. O público: Os gostos, a composição sócio demográfica, a distribuição ecológica, a organização, os modos de apreciação das obras, a demanda, as reações, a distribuição dos gastos, as relações com os artistas e os críticos, o consenso e o dissenso em relação a determinada política da arte por parte dos públicos, correspondentes aos diversos gêneros e tipos de arte, ofereceram os materiais para um dos capítulos mais robustos desse ramo da Sociologia. A expansão e a diferenciação dos públicos levam a se falar em transformação da arte em cultura de massa. 13 A escola e a arte: A orientação e a extensão da educação artística nas escolas médias e superiores, a difusão e as características da educação artística junto às classes dominantes, médias e subalternas, a organização social das academias de artes plásticas, dos conservatórios, dos institutos de arte dramática, das escolas de dança, o ensino da História da Arte nas universidades,estão em relação de interdependência com as ideologias de governo e de oposição, com a estratégia política das duas partes, com as respectivas relações de força. Fonte: empilhandopalavras.blogspot.com A política da arte: Por trás das licenças concedidas ou negadas a esta ou àquela mostra, das premiações ou das perseguições de artistas, das intervenções repressivas ou da permissividade da censura, da capacidade ou da incapacidade de defender o patrimônio artístico de uma nação, das declarações oficiais sobre a função social e a moralidade ou a imoralidade da arte, dos meios concedidos ou negados à escola para melhorar a educação artística, em geral é possível vislumbrar a presença de uma forma de dominação, a intenção de defender determinada estrutura do Estado, a estratégia de uma classe que protege a sua posição, os interesses de grupos e associações capazes de exercer poder ou influência. Desde a metade do século XIX o radicalismo social, sobretudo de esquerda, mas também de direita, tentou desmascarar tais relações na sociedade capitalista, esforçando-se ao mesmo 14 tempo – sobretudo nos países em que chegou ao poder – para subverte-las a seu próprio favor, em nome de uma noção própria de uso político da arte. A arte popular: Ao lado da arte produzida pelas ou para as classes cultas, existe desde sempre uma arte que circulava, em sua maior parte, no seio das classes historicamente consideradas não-cultas. Nos materiais artísticos produzidos por essas classes – os quais, em geral, estão em contato com a arte das elites, influenciam-na e por elas são recebidos, como no caso da pintura na segunda metade do século XX – a pesquisa sociológica busca os sinais da sua condição humana, da forma particular de criatividade que as distingue, os elementos de uma cultura oposta à dominante, ou dos modos como esta é vivida e remodelada pelas exigências da alteridade subalterna. A arte como Sociologia: Muitas obras de arte – teatrais e literárias, pictóricas e cinematográficas – oferecem, não só conhecimentos relativos à sociedade que as expressou, mas também conhecimentos de ordem geral a respeito dos fenômenos da vida social de todos os tempos, como: os processos de estratificação social e de socialização; de controle social e de autoridade; de adaptação ao ambiente e de devoção religiosa. A arte, em todas as suas formas, é, pois, um recurso fundamental para a análise sociológica. Do ponto de vista sociológico, a arte é, antes de tudo, um meio de comunicação social – um sistema de sinais que transmite informações “ambíguas”, relacionadas a classes de eventos tanto anteriores como posteriores à realização da obra. As funções a ela imputáveis devem, por isso, ser vistas tanto na intenção do promotor – ou de outros sujeitos que controlam a realização da obra (inclusive o artista), e se falará, então, de funções manifestas da arte – quanto dos efeitos realmente produzidos em vários tipos de coletividades, que serão chamadas funções latentes, não sendo de nenhum modo previsíveis com base nas intenções. As funções manifestas (ou intencionais) variam historicamente segundo o tipo de sujeito coletivo que controla a produção artística; mas funções análogas aparecem também em tempos diferentes, em outras sociedades, com sujeitos totalmente diversos. 15 Durante a Idade Média, sob o impulso e o controle da Igreja, a arte desenvolveu principalmente a dupla função justificadora e didascálica: justificava o domínio temporal e espiritual da religião e ilustrava, para massas em geral analfabetas, os episódios marcantes de sua história, os dogmas fundamentais, os heróis. Função análoga será desenvolvida pela arte, não mais a favor da religião, mas da doutrina política, depois do advento dos regimes socialistas em países com ampla população rural, como na Rússia e na China. Nas sociedades europeias, como nas orientais, a aristocracia sempre exigiu da arte a função de legitimação e confirmação da ordem social existente, bem como a sublimação das hierarquias. A burguesia em ascensão quis que a arte exprimisse o seu novo status, o poder e a riqueza conquistados com o desenvolvimento do capitalismo, os quais agora demandavam, em confronto com as ordens tradicionais, a sanção do próprio prestígio. Em conflito com a burguesia, os movimentos sociais emergentes das classes operárias e camponesas, e os artistas que neles se reconhecem, exigiam da arte, ao contrário, uma função crítica de denúncia e “desmascaramento” dos seus poderes políticos e ideológicos. Também nesse caso, função semelhante foi exigida da arte pelos primeiros embriões de oposição intelectual, nas sociedades socialistas, contra a “nova classe” dominante. Fonte: s.dicio.com.br 16 A mais comum das funções latentes imputáveis à arte é a de integração, através da difusão e do reforço de emoções, crenças, valores afetivos e morais. O problema é que a integração pode servir não só para reforçar a classe dominante, mas também para fortalecer as forças de oposição. São, pois, possíveis vários casos: I – Aquele que controla determinada produção artística pertence à classe dominante e consegue o objetivo declarado de integrar a coletividade dominada; a função latente coincide, então, coma função manifesta ou intencional; II – Aquele que controla a produção artística pertence ou se alia às classes dominadas e atinge o objetivo de integrar, por meio da arte, as forças de oposição; também aqui a função latente coincide com a manifesta, mas ambas servem para fins opostos em relação ao primeiro caso; III – O mesmo tipo de arte controlado pelos dominantes (I) – por exemplo, o realismo socialista – induz reações emotivas e intelectuais que concorrem para integrar as forças de oposição, mais do que as do regime; IV – O mesmo tipo de arte controlado pela oposição política ou intelectual – por exemplo, a Pop Art nos Estados Unidos, mais tarde o Hiper-Realismo – contribuiu para integrar, através de comercialização rápida, o sistema social ao qual queria se contrapor; nesses dois casos (III e IV), a função latente é contrária à manifesta1. 2 HISTÓRIA DA ARTE Não se pode afirmar que existe uma única história, seja ela no campo que for, e é assim com a história da arte. Na presente unidade, serão apresentados alguns dos principais historiadores das artes, assim como sua origem e alguns pontos polêmicos. A fonte de consulta foi o “Preâmbulo” de Argan, que faz parte do livro intitulado Guia de História da Arte e que conta com um “Guia Bibliográfico”, organizado 1 Texto extraído: https://pedropeixotoferreira.wordpress.com/outros/verbetes/sociologia-da- arte/ https://pedropeixotoferreira.wordpress.com/outros/verbetes/sociologia-da-arte/ https://pedropeixotoferreira.wordpress.com/outros/verbetes/sociologia-da-arte/ 17 por Maurizio Fagiolo, publicado na Itália, em 1977, e traduzido para o português, em 1992. Argan era italiano e escreveu inúmeras obras. Alguns de seus livros mais conhecidos são: • Arte Moderna, publicado originalmente em 1988; • História da arte como história das cidades, publicado pela primeira vez em 1984; e, • Clássico Anticlássico, também publicado originalmente em 1984. Ele exerceu um papel importante no meio cultural e político, tendo sido prefeito da cidade de Roma (1974-1979) e senador (1981-1992), ano de seu falecimento O autor faz uma distinção entre a história da arte, a crítica de arte e a estética. Embora as artes plásticas e as artes aplicadas tenham s ido desde as origens uma forma de expressão, a escrita de sua história é recente. Seus primeiros passos datam da Idade Moderna. A estética trata das teorias da produção artística. Aristóteles escreveu sobre estética, a crítica, mais recente, é uma forma de avaliação das artes. Argan dá uma explicação bastante elucidativa:O crítico é propriamente um perito [...] que, aprofundando o exame, reconhece na obra que estuda caracteres e processos que a aproximam das obras certas de um determinado período, de uma certa escola, de um certo mestre. (ARGAN, 1992, p. 16) Para Argan, é fundamental que o crítico de arte conheça a história da arte. Lionello Venturi, que foi professor de Argan, escreveu a História da Crítica de Arte (1936) e é uma referência universal para a arte ocidental. O que difere fundamentalmente a história da arte da crítica de arte é o juízo crítico. Venturi afirma que: Sem este contínuo retorno às origens, ao impulso intuitivo, ao contato com a obra de arte, contato de homem para homem, de espírito para espírito, fora dos limites impostos pela tradição, não seria possível a criação de uma nova crítica. (VENTURI, p. 38) O Brasil teve, e ainda tem, excelentes críticos de arte. Mário de Andrade e Mário Pedrosa ainda são alguns dos mais conceituados e respeitados em todo o século XX. Monteiro Lobato, além de escritor e pioneiro na indústria editorial no país, também foi 18 um crítico respeitado. No presente, Jorge Coli escreve regularmente em jornais de circulação nacional. 2.1 As categorias das artes • Artes maiores: pintura, escultura e arquitetura; • Artes menores: outras formas de arte, chamadas de “aplicadas”, ornamentos em madeira, cantaria, ferragens, etc. Essas categorias provêm do desenvolvimento das artes desde a Idade Média, quando as corporações de ofícios se especializavam na produção dos mais diversos artefatos. Hoje é mais comum o uso do termo das “artes aplicadas”. 2.2 A escrita da história da arte No Renascimento, um artista se dedicou a escrever a biografia de seus contemporâneos: Giorgio Vasari (1511-1574), cuja obra Vidas dos artistas foi publicada pela primeira vez em 15503. A segunda edição, lançada 18 anos depois, contém a biografia de aproximadamente 160 membros dessa comunidade, incluindo sua autobiografia e a de alguns artistas flamengos. Observando a seleção de artistas fica evidente duas ausências: a arte medieval e a arte bizantina. Isso significa que lhe importava o presente e a Antiguidade Clássica. Fonte: 4.bp.blogspot.com 19 Quais são, então, as fontes para a escrita da história da arte? Os documentos e registros são inúmeros. Mas o principal fato documental está nas obras, em si. Por exemplo, Piranesi não foi um historiador, mas suas gravuras (fig.2) retratam a situação em que se encontravam as obras romanas em sua época. Mais do que obras de arte, são por si mesmos documentos de seu olhar sobre a arte de Roma. Os fatos ou documentos da história das artes estão nas coleções, nos acervos, nos resultados dos trabalhos dos arqueólogos, antropólogos, etnólogos, críticos de arte e outros profissionais. 2.3 Uma periodização da história da arte Assim como na História Geral, a história [moderna e contemporânea] das artes tratou, segundo Argan (1992), de fazer uma divisão em períodos históricos: • Arte antiga ou Antiguidade Clássica; • Arte medieval; • Arte bizantina; • Arte renascentista. Dentro dessas categorias ou entre elas, existem algumas que formam novos temas derivados de períodos de tempo e de localização geográfica. Exemplos: • A arte etrusca desenvolvida na Itália foi contemporânea à Grécia Clássica, mas com um caráter próprio; • A arte românica que se desenvolveu em várias partes da Europa Central pertence ao período medieval; e, • Os antigos – Mesopotâmia, Pérsia, Egito, etc. Há dois autores importantes do século XIX nesse contexto: eles promoveram uma revolução na escrita da história da arte. A produção artística imediatamente anterior e imediatamente posterior ao Renascimento era, até então, considerada “inferior”. 20 No entanto: • Heinrich Wölfflin, historiador alemão, quebrou esse status com seus escritos Renascimento e Barroco (1888) e Arte Clássica (1903). Em 1915, publicou Conceitos Fundamentais da História da Arte apresentando um método de análise da obra de arte a partir de cinco pares de elementos em uma composição formal;e, • Alois Riegl, austríaco, escreveu Problemas do Estilo, defendendo a existência de uma “vontade de arte”, ou, no seu idioma, kunstwollen. Confirmado por Argan, as obras barrocas passaram então a ser reconhecidas pelo seu mérito em promover “uma transformação radical das próprias estruturas da arte” (ARGAN, p. 33). Outro historiador, importante nesse contexto, foi Wilhelm Wörringer. Em 1911, ele publicou o livro intitulado A Arte Gótica, que é um dos resultados do que havia tomado conta de tantos intelectuais (e mesmo cientistas e governantes) há algum tempo. A busca de uma identidade fez surgir um interesse crescente pela história e foi nas artes e na arquitetura do período medieval que muitos europeus encontraram suas origens. Antes de Wölfflin, Wörringer e Riegl, outro historiador trouxe à tona uma nova maneira de escrever a história da arte. Trata-se de Jacob Burckhardt. De origem suíça, foi aluno de Franz Kugler, que se ocupava de escrever, na época, o Manual de História da Arte, cuja primeira edição saiu em 1842. Burckhardt escreveu A Civilização do Renascimento na Itália, publicada em 1860, que até hoje é leitura obrigatória. Um deles foi o estabelecimento de que houve um renascimento na cultura e, portanto, nas artes. Um fato importante também dessa nova abordagem é reconhecer que houve diferenças entre a os povos nórdicos e os italianos, naquele momento histórico2. 2Texto adaptado: https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp- content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp-content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp-content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf 21 3 A EDUCAÇÃO PELA ARTE O campo de produção das ilustrações na área acadêmica é chamado de “artes gráficas”. Muitos exemplos podem ser mencionados. Dentre eles, o trabalho do escritor e desenhista Ziraldo. Seu personagem mais conhecido saiu dos livros de história infantis, virou história em quadrinhos e foi para o cinema: o “Menino maluquinho”. Outros escritores e ilustradores são: o brasileiro Maurício de Souza, com a turma da Mônica; o argentino Quino, da Mafalda, e tantos outros personagens famosos que se encontram nas bancas de jornais e revistas. Na era da comunicação global, alguns sites interessantes sobre o assunto estão indicados na lista abaixo: • www.snoopy.com • www.schulzmuseum.org • http://mafalda.dreamers.com • http://www.danielazulay.com.br/daniel/index.htm Há também, no campo da ilustração em periódicos, aquelas com uma função especial: a caricatura e a charge. Dentre os brasileiros, J. Carlos é um dos nomes mais importantes do início do século XX. Ele foi um caricaturista constante em revistas de divulgação da década de 1920, como a Para Todos. As ilustrações em meios impressos, de divulgação ampla, têm sua própria história na tecnologia disponível. Em princípio, se utilizava as gravuras. A principal diferença entre a gravura e a pintura é que a primeira pode ser reproduzida a partir de sua matriz e, na pintura, não há uma matriz: a obra é única. A reprodução depende de processos, como a fotografia. Na gravura, a partir de um único original pode-se fazer várias gravuras iguais e, por isso, são numeradas. Observa-se, assim, a razão pela qual as gravuras encontram-se em geral numeradas. Para a imprensa, a gravura foi um grande aliado para ilustrar qualquer um dos assuntos e reportagens, antes inclusive da existência da fotografia. http://www.schulzmuseum.org/ http://mafalda.dreamers.com/ 22 Fonte: d3swacfcujrr1g.cloudfront.net 3.1 Arte e ilustração Os murais, assim como as artes gráficas, como um eficiente meio deveiculação de massa, foram importantes em momentos de transformação histórica como nas revoluções Mexicana (fig. 1) e russa, quando vários artistas, partidários do movimento, se colocaram à disposição de serem propulsores na divulgação desses ideários. (Fig. 1) A criação, Anfiteatro Bolívar, Escola Nacional Preparatória, Cidade do México, México. Diego RIVERA, 1922-3. (Fonte: ADES, 1989, p. 155, fig. 7.6.) 23 3.2 As ilustrações dos livros didáticos oficiais O principal objetivo desta aula é o estudo da seleção de ilustrações para os livros didáticos, em especial, para a publicação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Tipos e Aspectos do Brasil (fig. 2). Seu conteúdo é o resultado da compilação de artigos publicados inicialmente na Revista Brasileira de Geografia (RBG), a partir dos anos de 1930, tendo como tema principal as descrições dos tipos humanos e dos aspectos da paisagem de variados pontos do país. Como se pode ver, essas publicações tiveram um papel especial no projeto político do governo de Getúlio Vargas, na constituição da noção de identidade, de uma nacionalidade. No artigo, Heliana Angotti-Salgueiro faz uma investigação sobre essa publicação do IBGE, que representa mais uma faceta no processo de conhecimento do Brasil. Com a leitura do texto de Salgueiro, é possível ver que os desenhos dos tipos culturais eram interpretações quase fiéis de fotografias tiradas desses vários ambientes regionais. Para cada tipo ou aspecto, a ilustração acompanha uma descrição. Vários autores contribuíram para essa coletânea. Assim, informações detalhadas sobre as características de cada região, do clima, da vegetação e do relevo físico se tornaram acessíveis a um amplo público e puderam consolidar um conhecimento comum sobre o território nacional. A participação de dois fotógrafos de origem francesa – Marcel Gautherot e Pierre Monbeig – não foi aleatória, conforme explica Heliana Salgueiro. Ambos já tinham participado de projetos semelhantes na França na montagem de um acervo, que tinha como objetivo retratar o “mon pays”. Essa expressão da língua francesa está mais próxima de uma tradução como “minha região” ou “a paisagem de minha terra” do que de “meu país” como Estado ou divisão política. Além disso, convém reforçar as fontes utilizadas por Salgueiro quando, no início de seu artigo, demonstra a importância do campo das ciências sociais, em especial, a arqueologia, a geografia e a etnologia, na formação desse quadro de referência dos tipos regionais. A proposta original francesa era, com o levantamento fotográfico e ilustrativo, constituir Les Archives de la Planète (que se traduz como Os Arquivos do Planeta), com o objetivo de fazer o “inventário das diferenças de um mundo em vias de urbanização” ou o “registro dos costumes locais em vias de desaparecimento” (SALGUEIRO, p. 22-23). 24 Esse regionalismo levou à criação do Museu do Homem, assim como do 1º Congresso Internacional do Folclore (a cargo do Museu das Artes e das Tradições Populares), ambos em Paris, na década de 1930. De acordo com Salgueiro, nesse meio intelectual estavam pessoas como Lucien Febvre, Marc Bloch, Marcel Mauss, Henri Focillon e vários outros. Em sua argumentação, a autora indica o fato de as relações estreitas que os cientistas sociais franceses e os brasileiros mantinham na época. Assim, o trabalho dos fotógrafos e ilustradores se vê entrelaçado com aquele do campo de estudo das culturas, conforme se pode apreender do artigo de Heliana Salgueiro, e estão a serviço de ideários específicos3. (Fig. 2) Tipos e Aspectos do Brasil. (Folha de rosto, 9. ed. Ampl., 1970). 3 Texto adaptado:https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp- content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp-content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf https://www2.cead.ufv.br/serieconhecimento/wp-content/uploads/2015/05/temas-historia-arte.pdf 25 4 ARTE É COMUNICAÇÃO As pessoas comunicam-se com seus semelhantes de várias formas. Uma delas é a linguagem Artística, que é tão antiga quanto o homem. Na Pré-História, há mais ou menos quarenta mil anos, quando o homem pintava cenas de caça e de guerra, símbolos de fecundidade, de vida e de morte, através dos traços ou manchas esquemáticas, já estava sugerindo o primeiro sistema de comunicação. Você percebeu como a Arte é antiga? As pinturas que os homens pré-históricos faziam nas paredes das cavernas chamavam-se Pintura Rupestre que quer dizer gravado ou traçado na rocha. Você observou como as duas imagens acima, o primeiro feito na Europa, há cerca de 40.000 anos, e o segundo feito no Brasil há mais ou menos 10.000 anos, parecem tão semelhante? Pelo seu traçado e estilo percebemos como era a vida dos nossos antepassados. Os homens desse período usavam técnicas rudimentares e até mesmo as próprias mãos como pincel para executar o trabalho. Retiravam a tinta do barro ou das folhas e frutas da natureza. Veja como o homem buscava soluções inteligentes, dentro de suas condições, para tentar se comunicar. Percebeu como a Arte é importante, como registro histórico, para conhecermos a História da Humanidade? 26 Desde a Pré-História o homem mostrava sua necessidade de comunicar-se através de outras linguagens. Antes mesmo de falar ou escrever, ele dançava e desenhava; por isso, podemos afirmar que a primeira linguagem com a qual o homem se comunicou foi a Linguagem Artística. Você já observou, que a todo instante, nossa atenção é atraída por alguma imagem? 27 São as mais modernas e contemporâneas formas artísticas de comunicação visual. Servimo-nos de vários recursos para passar a nossa mensagem e tudo o que foi citado faz parte da arte de Comunicação – Expressão. Buscando mostrar o que via, pensava, sentia, conhecia e imaginava o artista, desde a Antiguidade, comunicava-se através das suas obras, das mais variadas formas. E nos vários momentos históricos e nos fatos importantes ocorridos no mundo, o artista inovava a comunicação visual, dando-lhe características, tendências e corpo de obra de arte. 28 29 30 Mas o importante é que você perceba que cada artista, na sua época e da sua maneira, criou imagens cheias de significado e simbolismo. Como diz Ernest Fischer: “O homem é por princípio um mágico, e como mágico transforma o mundo”. 31 Usando a madeira, o osso, o barro, a pedra ou o metal, o homem faz estátuas e esculturas, modela formas, cria imagens, como num passe de mágica. Com o lápis e pincel, ele desenha e pinta imagens que sua mente criativa elabora e sua pessoa vive. Ele transforma em obras a comunicação do seu pensamento elaborado e reproduzido, não somente pela palavra ou pela escrita, mas pela forma com a qual ele melhor se identifica e o torna feliz, que é a obra de arte, ou seja, a sua Composição Visual4. 5 A ARTE COMO MEIO DE COMUNICAÇÃO A arte é um poderoso meio de comunicação. São as cordas vocais que o artista preservou para desgastar todos os seus membros, desde os nervosos até aos motores, para dar forma e significado àquilo que produz. A partir desta construção, aparente contextualizada ou não, originou uma mensagem. O típico ditado que afirma que “uma imagem vale mais do que mil palavras” assenta que nem uma luva naquele que capta a objetividade subjetiva da criação artística. Apresenta-se uma dialética que converge aquele que fomenta o amor e o que ama. A arte tem o dom de, para além de emitir tanto quanto as palavras, arrecadar o sentimento. Leva-o a partir de si para todo o lugar. Ganha asas numa inspiração sem discriminação ou opressão. A arte chega ao mundo das mais diversas formas. É um distintivocultural que caracteriza e formula aqueles que nascem nesta ou naquela comunidade. Influenciados pelas obras dos mais vários artistas, nasce esta forma de chegar ao outro. Uma forma mais simples, colorida, mas que, não obstante, dá também origem a ambiguidades. As interpretações são várias e inconstantes, originando uma paleta de visões diferenciadas. Umas mais racionais, outras mais emocionais. É esta variedade que é produzida pela arte e que a linguagem muitas vezes não consegue. O discurso escrito e falado não consegue chegar lá por si só. Precisa de atrair, de trazer para junto de si aquele que é o seu interlocutor. Mesmo que não ouça, vê e sente. O sentimento nunca foge. Deixa-se estar e agrada pela experiência que regala a sua vista. 4 Texto adaptado: http://douglasdim.blogspot.com/2011/09/arte-e-comunicacao.html http://douglasdim.blogspot.com/2011/09/arte-e-comunicacao.html 32 No entanto, e aquilo que fica para o foro interno, a arte é também meio que se expressa para o artista em si. É a forma que ele encontra para desbobinar tudo aquilo que sente. É um método que usa para se reencontrar e acertar aquilo que em si milita com as contas das representações. Dando contornos e cores às coisas que sente, talvez facilite aquilo que é o cruzamento dos mundos em que participa. Também o artista precisa de esclarecimento para conferir realidade ao que mais lhe lateja na sua personalidade artística. É a forma de dar forma para em si se formar. Completa a sua formação pessoal naquilo que consagra no que faz. É o passo final que se inicia na carreira do que pinta, do que esculpe, do que engenha, do que concebe, do que visualiza. Acima de tudo, naquele que se inspira e que sonha. O sentimento é o motor da razão, por muito que o contrário pareça estar confirmado e consolidado. O que se repercute daquilo que o artista constrói é a empatia. Há muitos que se comovem, compreendendo aquilo que é expresso pela criação. Existe desde logo uma associação entre o criador e o apreciador, entre o artista de membros com o artista de mentes, dando largas à sua imaginação na construção de uma interpretação e na formalização de uma apreciação. Esta ligação nunca se quebra desde que é iniciada porque uma obra não se esquece. É das tais que se entranha no sentimento e que de lá não sai. É um dos elementos que faz parte de uma autêntica galeria de arte que se vai organizando no memorial de cada um. A expressão da arte não se limita àquilo que fica na tela ou na figura. A expressão artística fica armazenada também em todo o seu amante, em todo aquele que se declara sintonizado com a mensagem do artista. Fonte: comunidadeculturaearte.com 33 Tudo isso é comunicação. Um valiosíssimo meio de comunicação. Tudo isso é uma forma mais ou menos discreta de fazer passar a mensagem que o criador pretende. Também este é um orador, embora recorrendo ao símbolo da imagem na arte da sua retorica. A visão é despertada, assim como uma vontade visceral de dar uso ao tato. Embora nem sempre seja possível este toque, a emoção promovida por ambas as partes da criação artística engole por completo a vontade de sentir com a ponta dos dedos e a palma das mãos. O coração sente-se realizado. Quando isto acontece, pouco mais pode ser exigido. É desfrutar de uma mensagem que é enviada num certo dia e que chega sem destino, muitas vezes de surpresa. Uma comunicação que fica e que ruma ao conforto do eterno5. 6 ARTE, TÉCNICA E INDÚSTRIA CULTURAL Há mais de dois séculos, escrevia a respeito das artes um filósofo alemão: Toda melhoria política deve partir do enobrecimento do caráter - mas como poderá enobrecer-se o caráter sob a influência de uma constituição estatal bárbara? Para esse fim seria preciso encontrar um instrumento que o Estado não dá e abrir fontes que se conservem limpas e puras apesar de toda podridão política. (...). Esse instrumento está nas belas-artes, estas fontes abrem-se em seus modelos imortais. Arte e ciência são desobrigadas de tudo que é positivo e que foi introduzido pela convenção do homem, ambas gozam de uma absoluta imunidade em face do arbítrio humano (Schiller, 1992, p.63). Se no século XVIII o filósofo pôde imaginar alguma independência entre a arte e a ‘política’ sendo a função daquela uma educação estética que teria por base a cultura (Kultur), atualmente essa possibilidade - que sempre foi contraditória - perdeu- se. Shiller parte da premissa de que há duas forças que nos impelem, um impulso sensível que seria parte da existência física do homem, de sua ‘natureza sensível’ cuja finalidade seria submeter os homens às limitações das modificações que ocorrem no tempo, à sensibilidade; para ele, o homem neste estado nada mais é que uma unidade quantitativa, um momento de tempo preenchido; por outro lado, existe um impulso formal que teria como ponto de partida o ser absoluto do homem, sua 5 Texto extraído: https://www.comunidadeculturaearte.com/a-arte-como-meio-de- comunicacao/ https://www.comunidadeculturaearte.com/a-arte-como-meio-de-comunicacao/ https://www.comunidadeculturaearte.com/a-arte-como-meio-de-comunicacao/ 34 ‘natureza racional’, e teria como finalidade sua liberdade, a afirmação da personalidade. À cultura caberia a tarefa de harmonizar esses dois impulsos contraditórios: Sua tarefa (da cultura), portanto, é dupla: primeiramente, resguardar a sensibilidade das intervenções da liberdade; segunda, defender a personalidade contra as forças da sensação. Uma tarefa ela realiza pela educação da faculdade sensível, a outra, pela educação da faculdade racional (p.81). Esse projeto filosófico de uma educação estética carrega pelo menos duas contradições: primeiramente, as condições objetivas, desde o século XVIII e até hoje, simplesmente escarnecem de qualquer tentativa de uma educação dos sentidos e da razão que permitam independência e liberdade e, além disso, a própria razão, contraditoriamente, perverteu-se em ratio, em uma razão técnica pretensamente objetiva, e envolve toda a sociedade em um esquema totalitário que educa a sensibilidade numa espécie de anti-educação dos sentidos, isto é, uma educação que prepara os homens para a heteronomia e para a subserviência na mesma medida em que reforça a ideia de uma interioridade monadológica e de uma ação individual dos sujeitos. Por outro lado, não é possível pressupor uma unidade harmônica entre os interesses dos indivíduos e as realizações da sociedade por meio da educação estética, tendo em vista a realidade material desenvolvida no mundo burguês. Não é possível harmonizar nas ideias o que está cindido objetivamente. Mas talvez fosse possível à arte contrapor-se ao mundo e gerar uma contradição, pelo menos no campo das ‘ideias’, e relembrar uma felicidade que desconhecemos. Entretanto, em nosso século, assistimos à perda da possibilidade da sensibilidade estética se contrapor ao estado político e econômico existente. Este, obra humana, histórica, ganha autonomia em relação aos homens, tornados objetos da maquinaria que eles mesmos criaram e que sustentam a duras penas. A ciência, a arte e a técnica participam desse processo histórico como motores da ‘dialética do esclarecimento’, do processo de progressiva dominação da natureza e dos homens que, em nossa época de formidável desenvolvimento tecnológico, praticamente excluiu tudo o que não se encaixa na engrenagem, ao mesmo tempo em que se multiplicam as possibilidades de algo melhor. A arte enquanto duplicação do existente apontando algo melhor deixou de existir no âmbito da indústria cultural. 35 A contribuição da esfera da ‘cultura’ (Kultur) para esse ‘desenvolvimento’ não é desprezível. Marcuse (1997), referindo-se a um momento histórico específico, descreve o processo denominando essa forma ideal de ‘cultura afirmativa’. Primeiramente, por meio dela distingue-seo mundo do espírito (Geist) do mundo da sensibilidade e da necessidade, sendo o primeiro uma esfera autônoma de valores, universais e acessíveis a qualquer indivíduo a partir de sua interioridade. A realização da cultura é a realização da personalidade e nesta tarefa encontra-se a felicidade possível. Mas o conteúdo de felicidade prometido é descolado da realidade material, é uma felicidade ‘interior’, da ‘alma’ e, dessa forma, de fato, não somente a felicidade é negada - pois as condições materiais para que ela se realize não estão presentes - mas, além disso, justifica-se uma realidade de alienação e dominação. A cultura afirmativa é ideologia, no sentido descrito por Adorno e Horkheimer (1978): “a ideologia é justificação” (p.185). Como tal, tem também seu conteúdo de verdade. Segundo Marcuse (1997), a cultura afirmativa: “Não contém só a legitimação da forma vigente da existência, mas também a dor causada por seu estado; não só a tranquilidade em face do que existe, mas também a recordação daquilo que poderia existir” (p.99). O caráter contraditório da cultura e da técnica - que caminharam juntas na evolução da sociedade - está ainda presente em nossa época, em que o caráter afirmativo da cultura foi superado em favor de um modo de relação dos indivíduos com os dados ‘culturais’ ainda mais perverso. Mas esse caráter contraditório encontra- se suprimido face à utilização de ambos como instrumentos de dominação. Fonte: uniriotec.br 36 A crítica da cultura tem de ir além dela, e de fato alcança seu objeto observando suas determinações na realidade material. Para essa tarefa, toma-se como base a filosofia dialética, principalmente em sua vertente materialista – a teoria crítica da sociedade. Mas, seria errôneo imaginar que, já no século XVIII, não houvesse quem vislumbrasse os indícios dessa situação. Rousseau (1997) já apontava com precisão um ponto fundamental: Enquanto o governo e as leis atendem à segurança e ao bem-estar dos homens reunidos, as ciências, as letras e as artes, menos despóticas e talvez mais poderosas, estendem guirlandas de flores sobre as cadeias de ferro de que estão eles carregados, afogam-lhes o sentimento dessa liberdade original para a qual pareciam ter nascido, fazem com que amem sua escravidão e formam assim o que se chama povos policiados. A necessidade levantou os tronos; as ciências e as artes os fortaleceram (p.190). O filósofo genebrino não para aí e, ao que parece, a leitura que faz de sua época é aguda o suficiente para atingir a nossa: “Atualmente, quando buscas mais sutis e um gosto mais fino reduziram a princípios a arte de agradar, reina entre nossos costumes uma uniformidade desprezível e enganosa, e parece que todos os espíritos se fundiram num mesmo molde” (p.192). A individualidade, entendida como autonomia intelectual, flexibilidade, uso crítico da razão historicamente constituída, desemboca na ‘pseudo-individualidade’, na máscara da individualidade pelo consumo de mercadorias. O adestramento dos sentidos para a incorporação dos indivíduos à maquinaria do sistema faz uso da técnica e da ‘cultura’ para criar uma situação em que os indivíduos se sentem felizes sem de fato sê-lo. Mas para aprofundar essa questão é preciso uma pequena digressão. 6.1 Ideologia e Mercadoria Um pequeno parágrafo do ‘Manifesto Comunista’ ilustra como, a partir de Marx e Engels (1993), a questão da cultura e da sensibilidade estética só pode ser pensada com relação ao Capital, ao mundo das mercadorias, à ‘civilização’ que incorpora a ‘cultura’: “A cultura (Bildung) cuja perda o burguês tanto lastima é para a imensa maioria apenas um adestramento para agir como máquina” (p.83). O capital, enquanto ‘potência social’, desenvolve e mobiliza nos indivíduos aquelas capacidades, hábitos 37 e traços de personalidade que lhe são adequados. Poder-se-ia falar, em um certo sentido, que os indivíduos aderem às ideologias que emanam do modo de produção capitalista em função justamente daqueles hábitos e capacidades que desenvolvem em sua educação nessa sociedade e que correspondem às ideologias. Mas é preciso analisar essa questão com mais detença para não dar azo a dúvidas. Quando Marx e Engels (1989) tomam como objeto a ideologia, começam por afirmar que os homens produzem sua existência coletivamente - um modo de vida - ao produzirem os meios que permitem a existência da sociedade, isto é, “o que os indivíduos são depende (...) das condições materiais de produção” (p.13). Inclusive o campo das ideias pode ser incluído como uma produção das relações materiais entre os homens: “A produção das ideias, das representações e da consciência está, a princípio, direta e intimamente ligada à atividade material e ao comércio material dos homens” (p.20). A ideologia seria uma inversão dessa verdade fundamental: “... em toda ideologia, os homens e suas relações nos aparecem de cabeça para baixo (...), esse fenômeno decorre de seu processo de vida histórico” (p.21). Essas ideias, portanto, em alguma medida dizem respeito à realidade material sem que, no entanto, a realidade material se revele diretamente por meio delas. Mas, como os homens poderiam produzir ideias que tivessem como origem sua realidade material e que, ao mesmo tempo, refletissem essa realidade apenas parcialmente? A resposta de Marx e Engels é que, a partir do momento em que, historicamente, surge a divisão de trabalho como forma social dominante: “a consciência está em condições de se emancipar do mundo e de passar à formação da teoria ‘pura’, teologia, filosofia, moral etc” (p.27). A outra consequência dessa divisão do trabalho é que o próprio processo de trabalho ocorre como uma força objetiva contra a qual o sujeito nada pode. Ocorre uma “... consolidação do nosso próprio produto pessoal em uma força objetiva que nos domina, escapando ao nosso controle, contrariando nossas expectativas, reduzindo a nada nossos cálculos” (p.29). O trabalho alienado, origem das fantasmagorias que impedem a liberdade dos indivíduos, desdobra-se ainda no ‘fetichismo da mercadoria’. Segundo Marx (1988): O misterioso da forma mercadoria consiste, (...) simplesmente no fato de que ela reflete aos homens as características sociais do seu próprio trabalho como características objetivas dos próprios produtos de trabalho, como propriedades naturais sociais dessas coisas e, por isso, também reflete a 38 relação social dos produtores com o trabalho total como uma relação social existente fora deles, entre objetos (p.71). Quando os homens se defrontam com a sociedade, o mundo das mercadorias já se apresenta como uma forma ‘natural’ da vida social pois, justamente, está desconsiderado seu caráter histórico. O equivalente universal, a forma dinheiro, objetivamente, completa o serviço de: “velar o caráter social dos trabalhos privados e, portanto, as relações sociais entre os produtores privados” (p.73). Marx, portanto, apontou diretamente para o motivo da impossibilidade de uma formação (bildung) que permitisse ‘liberdade e independência’ no processo social que gera a reificação e, além disso, desmascarou a ideia de uma educação estética libertadora proposta pela cultura afirmativa como sendo ideologia, uma visão parcial e ideal da realidade material, consequência dessa mesma realidade e a ela correspondente. Mas a compreensão da função da cultura afirmativa nesse contexto implica uma análise mais sutil para captar os detalhes do processo histórico de conformação dos indivíduos às condições do mundo reificado. Dada a contradição entre os ideais revolucionários da burguesia e suas reais realizações, a cultura afirmativa representava a humanidade como universalidade irredutível e distinta das condições materiais; isso implica que ela representava um ideal, mas um ideal que não necessariamente seria realizado materialmente.Fonte: s.dicio.com.br 39 A formação cultural dos indivíduos é apresentada como um ideal a ser alcançado: o de um estado interior de beleza, bondade e liberdade. Estas seriam qualidades da alma, independentes da realidade material. Mas, segundo Marcuse (1997): “A liberdade da alma foi utilizada para desculpar miséria, martírio e servidão. Ela serviu para submeter ideologicamente a existência à economia do capitalismo” (p.108). Além disso, embora fosse a alma irredutível, precisaria, no entanto, ser educada, implicando uma tarefa educacional, formativa: o domínio dos sentidos e a interiorização da fruição. A consequência dessa interiorização e dessa ‘educação’ é que a promessa de felicidade contida na obra de arte é sempre experimentada de modo fragmentado e episódico, em meio à infelicidade objetiva, o que contamina o momento mesmo da fruição. Mesmo que os indivíduos fossem capazes de usufruir a beleza da arte como um elemento de felicidade, seu papel no mundo das mercadorias já destitui os possíveis efeitos libertadores que pudesse ter e a felicidade usufruída em meio à desgraça objetiva é engodo, ideologia. Em meio à infelicidade geral os lampejos de felicidade proporcionados pela fruição artística estão confinados a meros instantes que já contêm em si mesmos o amargor de sua efemeridade. 6.2 Mimese e pseudo-individuação Se já no século XIX Marx e Engels puderam demonstrar que não é possível uma educação para a liberdade num mundo objetivamente não livre, a realidade social de nosso século traz uma série de novas questões. Se no ideal da cultura afirmativa havia uma contradição, pois segundo Marcuse (1997) ao mesmo tempo em que justificava o existente relembrava aos homens: “que um mundo como este não pode ser modificado por meio disso ou daquilo, mas unicamente mediante o seu desaparecimento” (p.99), em nosso século a incorporação total da esfera da cultura ao modo técnico de produção industrial e sua incorporação à propaganda transformaram qualitativamente a contradição apontada. Adorno (1998) aponta o cerne da questão como sendo um progressivo fechamento das brechas que permitiam alguma autonomia aos indivíduos, a tal ponto que já não se pode falar em indivíduo sem uma enorme série de ressalvas que praticamente inviabilizam a realização de seu conceito. Segundo o autor: 40 As malhas do todo são atadas cada vez mais conforme o modelo do ato de troca. Este permite à consciência individual cada vez menos espaço de manobra, passa a formá-la de antemão, de um modo cada vez mais radical, cortando-lhe a priori a possibilidade da diferença, que se degrada em mera nuance no interior da homogeneidade da oferta. Simultaneamente, a aparência de liberdade torna a reflexão sobre a própria não-liberdade incomparavelmente mais difícil do que antes, quando esta estava em contradição com uma não-liberdade manifesta, o que acaba reforçando a dependência (p.9-10). Paralelamente a esse processo, que tem suas raízes mais profundas no processo de formação da razão humana em suas relações com a dominação da natureza - na ‘dialética do esclarecimento’ -, a cultura que se afirmava como um elemento social autônomo hoje está reduzida a mercadoria, distribuída em larga escala a preços módicos. Mas, segundo Adorno (1998) “A crítica é um elemento inalienável da cultura, repleta de contradições e, apesar de toda sua inverdade, ainda é tão verdadeira quanto não verdadeira é a cultura” (p.11). É justamente esse elemento de crítica, inalienável da verdadeira cultura, que se torna cada vez mais problemático, pois se na cultura afirmativa ele ainda poderia estar presente na rememoração da liberdade perdida, não usufruída realmente, atualmente: “o crítico da cultura mal consegue evitar a insinuação de que possui a cultura que diz faltar” (p.7), isto é, a cultura está submetida à mesma lógica do mundo das mercadorias que guia a suposta crítica que se limita à cultura; ela não tem onde encaixar a alavanca a não ser em sua própria inverdade! Esse fato implica dificuldades inusitadas a quem se propõe a fazer uma crítica à cultura, tanto no âmbito teórico quanto metodológico. Nesse contexto, a ideologia não pode ser entendida meramente como um conjunto de idéias de determinada classe social, generalizadas para toda a sociedade como se fossem a verdade. A própria sociedade tornou-se ideologia de si mesma, justifica-se por sua eficiência técnica, pelo gigantismo do aparato técnico diante dos indivíduos isolados, pelo processo de semiformação dos indivíduos realizado pela ‘cultura’; nesse contexto, a idéia que prevalece é a de que o existente não poderia ser de outra forma, um ‘véu tecnológico’, tanto mais eficiente e poderoso quanto mais aumenta a distância entre o possível e o existente. A questão importante nesse contexto é que aquilo que um dia foi chamado cultura não tem mais os lampejos de autonomia com relação ao existente que um dia compuseram seu conteúdo de verdade em meio às contradições da sociedade. A 41 cultura, por seu próprio conceito, está mergulhada na ‘civilização’, e não se pode compreendê-la como tendo um sentido em si; em nossa época isso significa que aquilo que é cultura é também administração técnica, parte do aparato produtivo industrial, voltada para o controle dos indivíduos. Se na sociedade não é possível objetivamente a liberdade, a beleza e a felicidade, a cultura afirmativa, enquanto promessa de liberdade, beleza e felicidade, inevitavelmente estava em contradição com relação a seu conceito; mas hoje é difícil falar em um conceito de cultura sem a intervenção da crítica à sociedade. Ao contrário do que parece, o amplo acesso à ‘cultura’ funciona como ante esclarecimento; os não esclarecidos acreditam estar amplamente esclarecidos, e além disso, identificam sua ‘personalidade’ à escolha das mercadorias oferecidas e, nesta mesma medida, sucumbem à ideologia. Fonte: amar.art.br A cultura atualmente é indústria cultural, o vasto conjunto dos meios de produção e divulgação da ‘arte’ no capitalismo moderno, que funciona como força de unificação, como cimento social, e força a falsa identidade entre os interesses da sociedade e dos indivíduos. Atualmente, a indústria cultural impele os indivíduos a uma falsa mimese, à adesão inconteste ao existente. Segundo Adorno (1993): A indústria cultural modela-se pela regressão mimética, pela manipulação dos impulsos de imitação recalcados. Para isso ela se serve do método de 42 antecipar a imitação dela mesma pelo expectador e de fazer aparecer como já subsistente o assentimento que ela pretende suscitar (p.176). A característica mais importante dos produtos - mercadorias ‘culturais’ - oferecidos é a padronização. Esta é correspondente à padronização dos próprios consumidores. O que percebem como sua individualidade nada mais é do que a identificação com determinada nuance dos produtos oferecidos como se fossem diferentes. É verdade que há distinções entre os vários níveis de acabamento entre os produtos, mas está aparente distinção encobre os seus objetivos comuns, a forma como foram produzidos e o efeito que pretendem causar: a padronização das reações e formas de pensamento dos indivíduos. A distinção entre os consumidores se dá somente enquanto são consumidores - e, portanto, os iguala - pois, se há alguma diferença entre os produtos, ela visa atender ao ‘gosto’ de pessoas com diferentes possibilidades financeiras. Não é o indivíduo que escolhe, pois, os produtos são produzidos segundo uma análise estatística da sociedade para atender às idiossincrasias dos vários segmentos sociais, embora a diferença seja sempre uma diferença nos detalhes do produto ficando o essencial inalterado, ‘standardizado’. O ‘fetichismo da mercadoria’ abarca também as mercadorias culturais e o ‘valor de troca’ impõe-se ao possível ‘valorde uso’; este já não é passível de fruição, já que a similitude dos produtos impõe o elemento quantitativo sobre a possível diferença que poderia existir entre eles. À padronização das mercadorias culturais corresponde a pseudo individuação. Segundo Adorno (1994, p.123): Por pseudo-individuação entendemos o envolvimento da produção cultural de massa com a auréola da livre escolha ou do mercado aberto, na base da própria estandardização. A estandardização de hits musicais mantém os usuários enquadrados, por assim dizer, escutando por eles. A pseudo- individuação, por sua vez, os mantém enquadrados, fazendo-os esquecer que o que eles escutam já é sempre escutado por eles, ‘pré-digerido’. Como as diferenças entre os produtos são mínimas, devem ser hipostasiadas, de modo que o sujeito possa reconhecer nos detalhes a novidade. A obra força a busca do sentido no detalhe, muito embora este seja somente detectável em sua relação com a totalidade. Como Marx já sabia, as necessidades são ao mesmo tempo satisfeitas e criadas no processo de produção e de consumo; uma vez que os objetos que satisfazem as necessidades dos sujeitos são criados no mundo fetichizado, suas 43 necessidades, que nunca são ‘naturais’, estão também sujeitas ao processo de alienação que perpassa a sociedade. Além disso, esses produtos, juntamente aos meios técnicos de divulgação e transmissão, são, em certo sentido, por si mesmos, formadores de hábitos, capacidades, enfim, de uma espécie de consciência adequada ao existente. As necessidades e as capacidades, que em certo sentido são também psicológicas - na medida em que se expressam, no sujeito semi - formado, como necessidades ‘próprias’ -, são conformadas a esta realidade. Se Marx já havia dito que as necessidades humanas são sempre mediadas socialmente, ele não podia prever que elas pudessem um dia tornar-se totalmente estranhas aos indivíduos. As necessidades objetivas - de alimento, abrigo, oportunidade de tomar contato com a cultura e, sem dúvida, de liberdade, de felicidade, de fruição - somente são atendidas na medida em que o sujeito tenha acesso a elas pelas mercadorias, pois nisso se converteram os objetos que as satisfazem. Nessa relação, em que o próprio sujeito é avaliado como mercadoria, tornam-se fetichizadas as mercadorias e infelizes os sujeitos, pois o que não pode mais ter reconhecido o valor de uso não pode mais servir como instrumento de obtenção de prazer. O prazer efêmero e cheio de má consciência que acompanhava a fruição da arte na cultura afirmativa corresponde atualmente ao abandono da própria vida à totalidade, com pouquíssimas chances de escape. As necessidades atendidas pela indústria cultural são, portanto, criadas pela mesma sociedade que ela justifica: a necessidade de diversão, de abandono de si mesmo e de fuga da realidade cruel do trabalho são atendidas de modo perverso pela indústria, pois, segundo Adorno e Horkheimer (1991): Divertir-se significa estar de acordo (...) divertir significa sempre não ter que pensar nisso, esquecer o sofrimento até mesmo onde ele é mostrado (...) A liberação prometida pela diversão é a liberação do pensamento como negação (p.135). No atendimento às necessidades que a própria sociedade historicamente criou, a indústria cultural revela-se como o ante esclarecimento, isto é, como a regressão do esclarecimento à mera dominação. As experiências que caracterizam a sensibilidade dos indivíduos atualmente correspondem ao esquema geral da indústria cultural, isto é, são adequadas ao existente. 44 Mas, novamente, temos um tema que precisa ser pensado mais cuidadosamente, pelo menos por dois motivos: primeiramente, o conceito de indústria cultural tem sido comumente utilizado de modo impróprio, seja porque é tomado separadamente do contexto em que foi inicialmente pensado - o contexto da ‘dialética do esclarecimento’ - seja porque se tiram conclusões apressadas e impróprias. No primeiro caso, toma-se a cultura como algo ‘em si’, descolada das bases materiais que são a fonte da produção cultural; no segundo, paralisa-se a criticidade do conceito imaginando que, uma vez fechadas as saídas para algo melhor que o existente, não há mais possibilidade de algo melhor. Em segundo lugar, o conceito precisa ser relacionado a outro elemento da produção filosófica de Adorno: sua Teoria Estética, articulando arte e técnica no desenvolvimento da cultura e desvelando as possibilidades estéticas de crítica à sociedade6. Fonte: static.todamateria.com.br 6 Texto extraído: http://www.scielo.br/pdf/icse/v4n6/03.pdf http://www.scielo.br/pdf/icse/v4n6/03.pdf 45 7 ARTE MODERNA As vanguardas europeias são os movimentos culturais que começaram na Europa no início do século XX, os quais iniciaram um tempo de ruptura com as estéticas precedentes. Nesse período, a Europa estava em clima de contentamento diante dos progressos industriais, dos avanços tecnológicos, das descobertas científicas e médicas, como: eletricidade, telefone, rádio, telégrafo, vacina antirrábica, os tipos sanguíneos, cinema, RX, submarino, produção do fósforo. Ao mesmo tempo, a disputa pelos mercados financeiros (fornecedores e compradores) ocasionou a I Guerra Mundial. O clima estava propício para o surgimento das novas concepções artísticas sobre a realidade. Surgiram inúmeras tendências na arte, principalmente manifestos advindos do contraste social: de um lado a burguesia eufórica pela emergente economia industrial e, de outro lado, a marginalização e descontentamento da classe proletária e a intensificação do desemprego (especialmente após a queda da bolsa de Nova Iorque em 1929). O Brasil, por sua vez, passou de escravocrata para mão de obra livre, da Monarquia para República. Os movimentos culturais desse período, responsáveis por uma série de manifestos, são: Fauvismo, Futurismo, Expressionismo, Cubismo, Dadaísmo, Surrealismo, chamados de vanguardas europeias. “Vanguardas”, por se tratar de movimentos pioneiros da arte e da cultura e “europeias” por terem origem na Europa. 46 Fonte: static.todamateria.com.br 7.1 Fauvismo O fauvismo é uma corrente artística do início do século XX aliada à pintura, tendo como uma das características a máxima expressão pictórica, onde as cores são utilizadas com intensidade, além de outras, como a simplificação das formas, o estudo das cores. Os seus temas eram leves, e não tinham intenção crítica, revelando apenas emoções e alegria de viver. As cores eram utilizadas puras, para delimitar planos, criar a perspectiva e modelar o volume. O nome da corrente deve-se a Louis Vauxcelles. Esse chamou alguns artistas de “Les Fauves” (que significa “feras” em português) em uma exposição em 1905, pois havia ali a estátua convencional de um menino rodeada de pinturas nesse novo estilo. Os princípios desse movimento foram: • Criar, em arte, não possui relação com o intelecto ou sentimentos; • Criar é considerar os impulsos do instinto e das sensações primárias; • Exaltação da cor pura. 47 Participaram do movimento fauvista os pintores: Henri Matisse, Maurice de Vlaminck, André Derain e Othon Friesz; principais responsáveis pelo gosto do uso de cores puras, presentes no cotidiano atual, em objetos e peças de vestuário. O principal representante do movimento Fauvista foi Henri Matisse, que tinha por característica a despreocupação com o realismo, onde as coisas representadas eram menos importantes do que a forma de as representar. Por exemplo, “Natureza morta com peixes vermelhos”, pintado em 1911, quando se observa que o importante são as cores puras e estendidas em grandes campos, essenciais para a organização da composição. 7.2 Cubismo O Cubismo estendeu-se de 1907 a 1914, tendo na pintura seus principais representantes: Pablo Picasso,
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