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O QUE É E O QUE DIZ A TEORIA DA DEPENDÊNCIA?1 Wendell Magalhães2 Segundo Theotônio dos Santos, importante intelectual brasileiro e latino-americano, e um dos principais criadores da Teoria da Dependência, com o surgimento desta teoria, “Abria- se o caminho para compreender o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como o resultado histórico do desenvolvimento do capitalismo, como um sistema mundial que produzia ao mesmo tempo desenvolvimento e subdesenvolvimento.” (DOS SANTOS, 2015, p. 26). A fim de precisar melhor o significado do dito logo acima, Dos Santos (2015), nos remetendo aos economistas suecos Magnus Blomstrom e Bjorn Hettne (historiadores da teoria da dependência), ressalta o “conflito de paradigmas”, identificado por esses autores, entre o paradigma modernizante e o enfoque da dependência. Segundo eles, existiam dois antecedentes imediatos para o enfoque da dependência: a crítica ao eurocentrismo implícito na teoria do desenvolvimento, o que inclui a crítica ao imperialismo euro-norte-americano e a crítica à economia neoclássica de Raúl Prebisch e da CEPAL; e o debate latino-americano sobre o subdesenvolvimento, primeiramente antecedido pelo debate entre o marxismo clássico e o neomarxismo, com destaque para Paul Baran e Paul Sweezy como os representantes deste último. Desse modo, resumindo em quatro pontos as ideias centrais defendidas pelos vários componentes da escola da dependência, segundo ainda Blomstrom e Hettne (1984), Dos Santos (2015, p. 27) enumera-os da seguinte forma: 1) O subdesenvolvimento está conectado de maneira estreita com a expansão dos países industrializados; 2) O desenvolvimento e o subdesenvolvimento são aspectos diferentes do mesmo processo universal; 3) O subdesenvolvimento não pode ser considerado como a condição primeira para um processo evolucionista; 4) A dependência não é só um fenômeno externo, mas ela se manifesta também sob diferentes formas na estrutura interna (social, ideológica e política). Conforme Martins (2011), tais ideias significaram um salto na compreensão da realidade latino-americana, superando a concepção do significado do atraso e do subdesenvolvimento pertencente tanto aos cepalinos como aos teóricos da modernização. Para 1 Este texto é um trecho adaptado, extraído de minha dissertação de mestrado, intitulada Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise (2019); mais especialmente da sua seção de nome A integração monopólica mundial e o nascimento das Teorias da Dependência. 2 Bacharel e Mestre em Economia pela Universidade Federal do Pará (UFPA). estes, que viam a realidade a partir do que o autor chama de nacionalismo metodológico, o que constituía a grande limitação de ambos, a economia mundial se apresentava como um agregado de economias nacionais independentes, relacionadas entre si sobretudo por meio do comércio, vendo em heranças históricas, como a colonização e as decisões internas equivocadas, porque beneficiadoras de grupos parasitários em detrimento da nação, a razão do atraso das economias periféricas; assim como viam o subdesenvolvimento como ausência das dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais que constituíam a nacionalidade e eram capazes de promover o desenvolvimento. Dessa forma, o diferencial e a superioridade das Teorias da Dependência em relação a essa visão estava em, confrontando-a, conceber o desenvolvimento e o subdesenvolvimento como conjugados no espaço e no tempo de expansão de uma mesma economia-mundo3. Por esse prisma, o desenvolvimento do capitalismo estabelecia uma divisão internacional do trabalho hierarquizada composta por classes e grupos sociais articulados em seu interior, mas podendo pertencer a estruturas jurídico-político distintas. A circulação de capitais e mercadorias engendradas por essa divisão do trabalho, por sua vez, era comandada pelos monopólios tecnológicos pertencentes aos países industrializados que, com isso, subordinavam os países dependentes, impondo que adaptassem seu aparato comercial, produtivo e financeiro à melhor dinâmica daquela circulação. A dependência, dessa forma, aparece para seus teóricos como uma situação condicionante por parte do modo de funcionamento da economia mundial capitalista, na qual a inserção subordinada dos países dependentes nesta última impele suas classes dominantes a responderem positivamente a tal situação. Por mais que se reconhecesse as contradições entre as classes dominantes dependentes e as classes dominantes que comandavam os monopólios internacionais, portanto, tais contradições não se revelavam suficientes para fazer tais classes entrarem em conflito, gerando no lugar um estado de compromisso e negociação entre elas. Em contrapartida, o controle do Estado nacional se revelava como um importante recurso que amenizava a dependência a partir de uma melhor inserção dos países dependentes na economia mundial, mas também era um instrumento de gestão cada vez mais adequado a maior complexidade dessa economia, não assegurando por si só uma autonomia de decisão. 3 O conceito de economia-mundo a que Martins (2011) apela aqui é o estabelecido por Fernand Braudel em suas obras sobre o Mediterrâneo, servindo para a teorização do capitalismo como um sistema mundial por parte dos chamados teóricos do sistema-mundo, que veem a economia capitalista mundial dividida entre centros, periferias e semi-periferias, basicamente. Nisto se incluem figuras como Giovanni Arrighi, Immanuel Wallerstein e Beverly Silver. Um balanço das ideias desses autores, inclusive da ideia de economia-mundo por parte destes, é feito no capítulo 2 da obra de Martins (2011), intitulado Moderno Sistema Mundial e Capitalismo: origens, ciclos e secularidade. O resultado disso era que se passava a reconhecer os grupos internos dominantes das economias dependentes não mais como uma burguesia nacional potencialmente condutora de uma revolução burguesa4 ou (e) capaz de promover o desenvolvimento nacional das economias dependentes segundo os padrões das economias desenvolvidas, mas sim como grupos que eram também internacionais e que estavam comprometidos com a reprodução de um capitalismo dependente que atendia às necessidades de uma divisão internacional do trabalho hierarquizada, o que significava a existência de uma estrutura econômica, social, política e ideológica concomitantemente nacional, internacional e, para usar um termo de Marini (1973), sui generis dentro da economia mundial. Aquilo que antes fora considerado subdesenvolvimento, portanto, no sentido de ausência de desenvolvimento, de atraso ou etapa para alcançar um patamar e status de desenvolvido, passa agora a ser visto como o desenvolvimento de uma trajetória subordinada, portanto dependente, dentro da economia mundial. REFERÊNCIAS BLOMSTROM, Magnus; HETTNE, Bjorn. Development theory in transition: the dependency debate and beyond: Third World responses. London: Zed Books, 1984. DOS SANTOS, T. Teoria da Dependência: balanços e perspectivas. Florianópolis: Editora Insular, 2015. FERNANDES, F. [1974]. A Revolução Burguesa no Brasil. 5 ed. São Paulo: Editora Globo, 2006. MAGALHÃES, W. C. Do padrão de reprodução do capital nas economias dependentes: a Teoria Marxista da Dependência e a construção de uma categoria de mediação de análise. 2019. 182 f. Dissertação (Mestrado em Economia) – Programa de Pós-Graduação em Economia, Universidade Federal do Pará, Belém, 2019. MARINI, Ruy Mauro [1973]. Dialética da Dependência. In: STEDILE, João Pedro e TRASPADINI, Roberta (orgs). Ruy Mauro Marini: vida e obra. São Paulo: Expressão Popular, 2011. p.131-172. 4 O sentido de revolução burguesa aqui tem sido problemático porque,ao olhar de hoje, sobretudo com a contribuição dada pela obra de Florestan Fernandes (1974), parece se evidenciar que a proposta de revolução burguesa contra a qual se protestava já havia acontecido. Contudo, naquele momento, isso não estava de todo claro e a intenção aqui, nesse primeiro momento, é o registro histórico desse debate, e não estabelecer em definitivo quem estava com a razão nessa discussão, em específico. O que podemos dizer, no entanto, é que os teóricos marxistas da dependência expressam corretamente a inviabilidade da conciliação de classes entre a burguesia e a classe trabalhadora, e a impossibilidade de qualquer tentativa nesse sentido produzir um desenvolvimento que fosse além dos seus limites burgueses. Portanto, por essa via, restaria um desenvolvimento, mas do capitalismo, o que não incluiria uma melhora na condição de vida da maioria da população dos países capitalistas dependentes. MARTINS, Carlos Eduardo. Globalização, dependência e neoliberalismo na América Latina. São Paulo: Boitempo Editorial, 2011.
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