Buscar

O mito e o existencialismo em A paixão segundo G H

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 12 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

O mito e o existencialismo em A paixão segundo G. H.[footnoteRef:0]
OLIVEIRA, Sthefani[footnoteRef:1]
Resumo: 
O presente artigo traz um diálogo entre a obra pós-modernista A paixão segundo G. H., o primeiro romance em primeira pessoa de Clarice Lispector e a teoria existencialista do filósofo Jean-Paul Sartre assim como os estudos do professor de literatura comparada Ralph Freedman. Levando em consideração pontos como a narrativa mítica dentro da obra e as contribuições de Sartre em assuntos como a construção da linguagem poética e a diferenciação entre a escrita na poesia e na prosa, assim como a busca pelo “eu” que Clarice revela em seu romance.
Palavras-chaves: Literatura brasileira; Clarice Lispector; Existencialismo; Mito; Linguagem. 
Abstract:
The present article brings a dialogue between the postmodernist work The Passion According to G.H, Clarice Lispector's first first-person novel, and the existentialist theory of the philosopher Jean-Paul Sartre, as well as the studies of comparative literature professor Ralph Freedman. Taking into consideration points such as the mythical narrative within the work and Sartre's contributions in subjects such as the construction of poetic language and the differentiation between writing in poetry and in prose, as well as the search for the "self" Clarice reveals in his novel.
Keywords: Brazilian literature; Clarice Lispector’s; Existentialism; Myth; Language.
Introdução
Em A paixão segundo G. H. de Clarice Lispector, é retratada a trajetória de uma escultora de classe média alta em busca de seu “eu”. O início da narrativa se dá com a decisão de G. H. de arrumar o quarto da empregada que havia se demitido no dia anterior. O julgamento de que aquele seria o cômodo mais sujo da casa leva a personagem ao que talvez venha a ser o ápice de sua experiência como ser humano, a partir disso se desenrola toda a trama entre G. H., a barata, a degustação e o conhecimento dela mesma como ser no mundo. 
Com um narrador autodiegético, Clarice constrói uma narrativa politemporal onde trabalha os tempos subjetivo, psicológico e cronológico, estabelecendo um fluxo de consciência. O livro é dividido em trinta e três capítulos interligados, onde a frase final do capítulo anterior dá início ao novo capítulo dando uma ideia de continuidade assim como os seis travessões iniciais e finais do romance, que estabelecerem o fechamento diegético e ratificam a circularidade de seu tempo mítico que a inteireza a unidade diegética. 
A forma em G. H.
Ao longo da narrativa Clarice convida o leitor a acompanhar G. H. em uma longa jornada pelo autodescobrimento, que começa depois que a escultora prova da barata. Ali G. H. toma ciência dela como ser humano e do seu espaço no mundo. A narrativa poética além de ressuscitar o mito lhe oferece uma nova possibilidade sendo capaz de traduzir sendo capaz de traduzir sentidos ocultos da vida afetiva e psíquica. 
Assim como em outros romances da ficção moderna no Brasil, A paixão segundo G. H. envolve o leitor com a linguagem: 
A linguagem poética, aparecendo como um novo ser da linguagem, em nada se compara, segundo o modo de uma metáfora comum, a uma válvula que se abriria para liberar instintos recalcados. A imagem poética ilumina com tal luz a consciência que é vão procurar-lhe antecedentes inconscientes (...) Dir-se-ia que a imagem poética em sua novidade abre um porvir da linguagem. (BACHELARD, 2006, p. 03)
São criadas imagens intensas por meio de ideias abstratas, e ultrapassa os limites da expressão verbal com o seu embate com a linguagem. No romance o leitor entra em um exercício metalinguístico. Logo no início do livro Clarice revela uma “Alegria difícil” falando do próprio trabalho da escrita. 
Existe uma ausência de início e de fim em G. H., o livro não começa nem termina, ele continua, dando uma ideia de círculo. A narradora-personagem tem consciência desse ciclo, pois como ela mesma diz segue procurando. A forma circular como são agrupados os capítulos do romance levam em consideração essa preocupação com o todo e com a continuidade. 
A linguagem mítica em G. H. 
É possível perceber referências míticas ainda no início do livro quando G. H. decide pela arrumação do apartamento:
O prazer sempre interdito de arrumar uma casa me era tão grande, que, ainda quando sentada à mesa, eu já começa-ra a ter prazer no mero planejar. Olhara o apartamento: por onde começaria? E também para que depois, na sétima hora como no sétimo dia, ficasse livre para descansar e ter um resto de dia de calma. (LISPECTOR, 1998, p. 33-34)
Ao mencionar que ficaria livre “na sétima hora como no sétimo dia” G. H. traz a ideia do mito da criação, onde Deus criou o mundo e no sétimo dia descansou. É importante atentar para a simbologia bíblica presente no número sete. “ao lado do três, é o mais importante dos números sagrados na tradição das antigas culturas orientais” (BIEDERMANN, 1993, p. 346). A letra G é a sétima do alfabeto e o número três é mencionado nas referências sobre a terceira perna. 
O mito é encontrado nas narrativas poéticas como um referencial fundamental para a construção do discurso. Em A paixão segundo G. H. é possível perceber a busca da personagem por entender o mundo e a si mesma: 
Por outro lado, o mito se entrosa facilmente com a criação artística, pois ambos – mito e arte, mormente a poesia – procedem da mesma necessidade espiritual, psicológica, de recriar, estética e emocionalmente, a realidade exterior ao homem.
(...) Na área do poético e do mítico, é a reelaboração subjetiva das experiências vividas – à margem da lógica e da racionalidade – que traduz a expressão do real.(HORTA, 1990, apud SCHÜLER e GOETTEMS, 1990,P.19)
O mito torna presente os aspectos irracionais da subjetividade humana e os estrutura como uma narrativa que busca o autoconhecimento. Assim acontece na obra de Clarice, durante a volta em seu apartamento, G. H., na verdade, está fazendo uma busca dentro de si mesma. Essas experiências de reelaboração do que foi vivido interessa muito as narrativas poéticas pois paixões, sonhos, fantasias transitam entre a lógica e a racionalidade. 
 Sartre e a literatura
Além de seu trabalho como filósofo, Sartre também atuou como escritor, dramaturgo e ensaísta. Observando sua obra é possível perceber a diversidade de gêneros em que o filósofo trabalhou, um deles foi a literatura. 
Publicou uma série de artigos sobre literatura que intitulou de Situações. Mais tarde, em uma nova série de artigos, intitulada de Situações II, com o título O que é literatura? o filósofo busca definir o que foi chamado por ele de literatura engajada.
Ao longo de seu ensaio, Sartre procura diferenciar as ideias de prosa e poesia. Para ele, são gêneros distintos, pois, o romance está ligado às ideias, enquanto a poesia à forma: 
Originalmente a poesia cria o mito do homem, enquanto o prosador traça o seu retrato. Na realidade, o acto humano, comandado pelas necessidades, solicitado pela utilidade, é em certo sentido meio. [...] A poesia inverte a relação: o mundo e as coisas passam a não essencial transformam-se em pretexto do acto que passa a ser seu próprio fim. (SARTRE, 1948, p. 81)
Para ele, a produção da poesia não está associada a significação das palavras, e sim ao conjunto formal e estrutural. Para o poeta as palavras são seu próprio fim, diferente de outros gêneros onde a palavra é meio comunicativo, na poesia ela não é vista como fundamental.
Nessa mesma perspectiva, Sartre também fala sobre a prosa. Para ele, a prosa é produto da liberdade e da responsabilidade do homem e se projeta para um fim, com isso, deve ser ligada ao ato comunicativo. 
O conceito de literatura engajada de Sartre consiste na ideia de que o processo de comunicação é é intencional e visa um fim. Conversando com a ideia existencialista de que o homem é livre. O escritor ciente de sua liberdade é responsável pela humanidade e por tornar a humanidade responsável por si mesma. Sendo assim, responsável por sua liberdade e pela do outro: 
[...] a função do escritoré fazer com que ninguém possa ignorar o mundo e ninguém se possa dizer inocente. E como se comprometeu uma vez com o universo da linguagem, nunca mais pode fingir que não sabe falar: se entrar no universo das significações, já não há nada para fazer para sair; deixa-se as palavras organizarem-se com liberdade; farão frases, e cada frase contém a linguagem na totalidade e remete para o universo inteiro (SARTRE, 1948, p. 71-72).
O existencialismo de Sartre
O existencialismo consiste em um conjunto de doutrinas filosóficas que tem como tema central a análise do homem e sua relação com o mundo. Pode ser conhecido também como fenômeno cultural com notoriedade na França até o fim dos anos 60 e envolvia moda, arte e ativismo político. 
Sartre (1905-1980) foi o maior pesquisador da filosofia existencialista, partindo do pressuposto de que a essência precede a existência do homem. O existencialismo coloca o homem como total responsável por aquilo que é, pois se primeiro se existe para que depois se constitua a existência, não é possível que exista natureza ou Deus que defina o homem, ou seja o homem é fadado liberdade.
Estou condenado a existir para sempre para-além de minha essência, para além dos móbeis e motivos de meu ato: estou condenado a ser livre. Significa que não se poderia encontrar outros limites à minha liberdade além da própria liberdade, ou, se preferimos, que não somos livres para deixar de ser livres (SARTRE, 2008, p. 544).
O existencialismo em G. H.
As vivências anteriores de G. H. antecedem a sua essência. Durante a narrativa vemos a personagem em uma busca por si mesma. Esse “mergulho em si” ganha força quando a personagem se depara com a barata dentro do armário de sua empregada que havia se demitido no dia anterior. 
A partir da morte da barata G. H. se aprofunda mais nas questões que a fazem refletir sobre si mesma como ser no mundo. Segundo Sartre o homem é angústia. “É na angústia que o homem toma consciência de sua liberdade (…) na angústia que a liberdade está em seu ser colocando-se a si mesmo em questão”. (SARTRE, 2002, p.72). 
G. H. tem noção dessa angústia ao provar da barata, a responsabilidade de se entender como ser humano leva a personagem a vontade de existir. Nunes destaca a presença da náusea existencial tanto no romance A náusea de Sartre como em A paixão segundo G. H. de Lispector. A náusea é o processo que motiva e perda do eu da personagem. 
Destacando o processo Sartiriano de angústia, para ele a angústia “assinala a extrema lucidez a que chega a consciência em confronto consigo mesma e com os seres” (NUNES, 1976, p. 96), a barata é o ser responsável por essa náusea no romance, porém ela não representa um fim e sim um motivador para as ações discursivas. G. H. busca o contato consigo mesma a partir da experiência: 
Como chamar de outro modo aquilo horrível e cru, matéria-prima e plasma seco, que ali estava, enquanto eu recuava para dentro de mim em náusea seca, eu caindo séculos e século dentro de uma lama, era uma lama, e nem sequer a lama já seca mas lama ainda úmida e ainda viva, era uma lama onde se remexiam com lentidão insuportável as raízes da minha identidade. (LISPECTOR, 1991, p. 61) 
Para G. H. o processo com a barata é uma espécie de revelação pois a leva a se aprofundar até suas raízes, reconstruindo questões que se relacionam ao seu ser no mundo. O espaço existencial de G. H. é como um mapa que indica o caminho interno de sua consciência. O percurso de G. H.. se inicia quando ela percebe que existe um ser além daquele que está ali, existe um ser futuro. 
O Para-si não tem que ser, porque seu ser está sempre à distância: está lá longe, no refletidor, se consideramos a aparência, a qual só é aparência ou reflexo para o refletidor; está lá longe, no reflexo, se considerarmos o refletidor, o qual só é em si pura função de refletir esse reflexo. Mas, além disso, em si mesmo o Para-si não é o ser, por que faz-se ser explicitamente para si como não sendo o ser. O Para-si é consciência de… (SARTRE, 2008, p.177).
É a partir dessa viagem para um ser futuro desencadeada pela arrumação do apartamento assim como pela experiência de G. H. com a degustação da barata que o romance mantém o seu ciclo de busca de conhecimento e reconhecimento existencial. 
O homem só se cria depois de existir, e se ele é fadado a existir é também fadado a se angustiar a angústia de G. H. com a experiência com a barata leva a personagem de lispector a jornada em busca de si mesma e de seu lugar no mundo. 
Considerações finais
Com base no romance A paixão segundo G. H de Clarice Lispector e a teoria existencialista de Jean-Paul Sartre o presente artigo teve como objetivo mergulhar mais fundo pelo processo de introspecção e de conhecimento humano. 
Por meio da viagem de G. H. por seu apartamento e consequentemente por si mesma, e por sua busca por se reconhecer como ser no mundo, foi possível explorar alguns conceitos da teoria Sartriana que se assemelham às questões da vida do próprio ser humano, como a angústia e a liberdade. 
Se o homem é fadado a liberdade ele também é fadado a se angustiar, Sartre fala sobre isso em sua teoria e Lispector nos mostra lindamente em sua obra através da linguagem poética essa longa jornada de construção e reconstrução da existência do ser humano. 
A junção do Ser , do nada, da angústia e da liberdade dão ao romance de Lispector um tom atual e de fácil identificação para as questões que são trabalhadas diariamente pela grande maioria dos indivíduos.
Referências 
AGUIAR E SILVA, Vítor Manuel de. O romance: história e sistema de um gênero literário. In: Teoria da literatura. Coimbra: Almedina, 2005.
ALONSO, Mariângela. Instantes líricos de revelação: a narrativa poética em A paixão segundo G. H. 2007. 108 f. Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Ciências e Letras de Araraquara, 2007. Disponível em: <http://hdl.handle.net/11449/91554>.
BACHELARD, Gaston. A poética do devaneio. 2. ed. Trad. Antonio de Pádua Danesi. São Paulo: Martim Fontes, 2006.
LISPECTOR, Clarice. A paixão segundo GH. Rio de Janeiro: Rocco, 1998. 
MACEDO, Éder Alves de . Dos limites da existência: o existencialismo em A Paixão segundo G.H., de Clarice Lispector. Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Instituto de Letras. Programa de Pós-Graduação em Letras. Porto Alegre, 2014. Disponível em: <https://lume.ufrgs.br/handle/10183/103882>.
HORTA, G.N.B.P. Raízes míticas do helenismo: o pensamento mítico. In: Mito ontem e hoje/organizado por Donald Schüller e Miriam Barcellos Goettems. Porto Alegre: Ed. Da Universidade UFRGS, 1990.
TABAKI, Fani Miranda. A construção mítica na narrativa poética. In: Congresso Internacional da ABRALIC: Tessituras, Interações, Convergências, 11., 2008, São Paulo, 2008.

Outros materiais