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Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE ENTEROBACTÉRIAS: As enterobactérias são um grupo de bacilos gram-negativos que, mesmo sendo encontrados amplamente na natureza, infestam majoritariamente os intestinos de seres humanos e outros animais, seja como membros normais da microbiota ou como fontes de infecção. A identificação de uma enterobactéria é normalmente feita por meio de provas bioquímicas, seguidas ou não de provas sorológicas. Em se tratando de enterobactérias enteropatogênicas, as provas bioquímicas são sempre acompanhadas de provas sorológicas, seja para confirmar a identificação bioquímica ou para diferenciar os sorogrupos e sorotipos. Quando a infecção é causada por uma enterobactéria não patogênica, sua identificação é feita apenas por meio de provas bioquímicas, exceto quando se isolam as salmonellas, tíficas e paratíficas. Atualmente, as enterobactérias são os germes mais frequentemente identificados em processos infecciosos, representando em torno de 70 a 80% das amostras de germes gram-negativos isolados em rotina de laboratório. A prevalência dos diferentes gêneros e espécies é fortemente influenciada pelo local onde a infecção foi adquirida, isto é, se na comunidade ou no hospital. Dentre as características comuns a esse tipo de bactérias, sabe-se que a maioria dos membros do grupo entérico pode utilizar um grande número de compostos orgânicos simples como substratos para o metabolismo respiratório: ácidos orgânicos, aminoácidos, carboidratos. Em condições aeróbicas, todas as bactérias crescem em meio bacteriológico complexo convencional, sendo que os constituintes nitrogenados fornecem substratos oxidáveis. Sob condições anaeróbias, entretanto, o crescimento bacteriano é dependente da presença de um carboidrato fermentável: alguns monossacarídeos, dissacarídeos e poliálcoois são fermentados por todos os membros do grupo entérico. A fermentação realizada por estes seres vivos se dá pela via Embden-Meyerhof, com produtos variados em tipo e quantidade. Estas fermentações apresentam uma característica bioquímica singular, que não é encontrada em outras fermentações bacterianas: um modo especial de clivar o ácido pirúvico para produzir ácido fórmico: CH3COCOO + CoA ---- CH3COCoA + HCOO. Esse ácido é, portanto, frequentemente o produto final nos processos fermentativos. Mas nem sempre este ácido é acumulado, pois algumas bactérias entéricas possuem o sistema enzimático formiase, que oxida o ácido fórmico a C02 e H2: HC00- ---- CO2 + H2. A fermentação de açúcares mais comum no grupo entérico é a fermentação ácido-mista, que produz principalmente ácido lático, ácido acético, ácido succínico, ácido fórmico (ou CO2 e H2), e etanol. Esta fermentação é característica dos gêneros Escherichia, Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE Salmonella, Shigella, Proteus, Yersinia, Photobacterium e Vibrio e em algumas espécies de Aeromonas. A formação de gás como um resultado da fermentação de açúcares é uma característica de valor diferencial no grupo entérico, que se divide em formadores de gás como os gêneros Escherichia, e os que fermentam açúcares sem produzir gás como os gêneros Shigella e Salmonella typhi. Outra característica de considerável importância para diagnóstico de bactérias do grupo entérico é a capacidade para fermentar o dissacarídeo lactose, que depende da síntese das enzimas galactosídeo permease e b-galactosidase. As linhagens que não possuem a permease, mas, sintetizam b-galactosidase não podem utilizar a lactose à uma taxa suficiente para produzir uma fermentação vigorosa e normalmente devem ser classificadas como não fermentadores deste açúcar. O metabolismo da lactose é característica da Escherichia e Enterobacter e é ausente nos gêneros Salmonella, Shigella e Proteus. ESTRUTURA ANTIGÊNICA: As estruturas bacterianas são compostas por segmentos antigênicos que permitem a diferenciação sorológica de gêneros e espécies, baseando-se nos componentes somáticos O, flagelares H, capsulares K e fimbriais F, classificados sob a forma de números, permitindo diversas combinações (O e K nunca podem ser acompanhados por zero) O antígeno somático O corresponde ao lipopolissacarídeo (LPS), elemento termorresistente que se projeta da membrana externa para o ambiente extracelular. O lipídeo A (endotoxina), componente do LPS, é liberado durante a multiplicação ou após a morte da bactéria, atua na ativação de macrófagos e de mediadores da inflamação. O comprimento da cadeia lateral na unidade de repetição do antígeno somático O impedem a ligação do complexo de ataque a membrana do sistema complemento. Os antígenos capsulares K são polissacarídeos capsulares relacionados à resistência bacteriana perante o sistema complemento. A cápsula é um dos componentes bacterianos de menor patogenicidade, sendo removida quando submetida a temperatura de 100°C por uma hora. Antígenos flagelares H são compostos proteicos indicadores de estruturas móveis, mas não são associados frequentemente à patogenicidade bacterana. Os antígenos fimbriais F, também chamados de adesinas, pili ou fímbrias, são moléculas proteicas que recobrem a superfície bacteriana, capazes de reconhecer receptores específicos na superfície de células eucarióticas. A expressão de adesinas é considerada um gene de virulência fundamental para aderência e colonização dos tecidos do hospedeiro. Elas também conferem especificidade de aderência da bactéria em relação a determinados tecidos e órgãos do hospedeiro. Embora essas adesinas apresentem poucas diferenças morfológicas, existem características antigênicas e hemaglutinantes distintas. Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE FATORES DE VIRULÊNCIA COMUNS À FAMÍLIA ENTEROBACTERIACEAE: Endotoxina: a é um fator de virulência encontrado em bactérias Gram-negativas aeróbias e algumas anaeróbias. A atividade dessa toxina depende do lipídio A, componente do LPS, que é liberado na lise celular. Muitas manifestações sistêmicas das infecções por bactérias Gram-negativas são iniciadas pela endotoxina que ativa o complemento, causando liberação de citocinas, leucocitose, trombocitopenia, coagulação intravascular disseminada, febre, diminuição da circulação periférica, choque e morte; Presença de cápsula: enterobactérias encapsuladas são protegidas da fagocitose pelos antígenos capsulares hidrofílicos, que repelem a superfície hidrofóbica da célula fagocítica. Esses antígenos interferem na ligação dos anticorpos à bactéria, são pouco imunogênicos e incapazes de ativar o complemento; Variação de fase antigênica: as expressões dos antígenos somático O, capsular K e flagelar H estão sob controle genético do microrganismo. Cada um desses antígenos pode ser alternadamente expresso ou não (variação de fase), uma característica que protege a bactéria da morte mediada por anticorpo; Sistemas de secreção tipo III: esse mecanismo pode ser imaginado como uma seringa molecular com aproximadamente 20 proteínas que facilitam a transferência de fatores de virulência bacterianos para as células-alvo do hospedeiro. Embora os fatores de virulência e seus efeitos sejam diferentes entre os vários bacilos Gram-negativos, o mecanismo pelo qual os fatores de virulência são introduzidos é o mesmo. Na ausência do sistema secretório tipo III, a bactéria tem sua virulência diminuída; Sequestro de fatores de crescimento: para se replicar adequadamente e promover a colonização do hospedeiro, a bactéria deve manifestar caráter predador, produzindo substâncias competidoras por fatores de crescimento (ex.: ferro),apresentando maior afinidade com esses compostos que os produtos gerados pelo parasitado, ou desenvolvendo enzimas capazes de lisar as proteínas carreadoras de tais fatores; Resistência ao efeito bactericida do soro; Resistência aos antimicrobianos. PRINCIPAIS GÊNEROS E ESPÉCIES: E. COLI: A Escherichia coli é uma bactéria em forma de bastonete com comportamento anaeróbio facultativo. Seu hábitat primário é o TGI do homem e de outros animais endotérmicos (capazes de manter a própria temperatura corporal), local onde não causa, normalmente, danos à saúde do hospedeiro, o que pode ocorrer ao atingir a circulação sanguínea. Devido à proximidade entre ânus e vagina, a E. coli, quando em suas cepas nocivas, pode causar várias doenças, como gastroenterite, Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE infecção urinária, pielonefrite, apendicite e meningite. FATORES DE VIRULÊNCIA E PATOGENICIDADE: A e. Coli apresenta diversos fatores de virulência, alguns que se repetem para outros membros da família Enterobacteriaceae e outros específicos que são associados às diversas cepas da bactéria e suas múltiplas manifestações clínicas, esses últimos descritos principalmente por adesinas e exotoxinas. PATOGENIA: As diversas cepas de e. Coli são responsáveis por múltiplos quadros clínicos distintos, a saber: Gastrenterite: As cepas de E. coli que causam gastrenterite são subdivididas em cinco grupos principais: enterotoxigênica, enteropatogênica, enteroagregativa, enterohemorrágica e enteroinvasiva. Os três primeiros grupos causam uma diarreia secretora envolvendo o intestino delgado, enquanto nos dois últimos grupos a infecção geralmente envolve o intestino grosso. Manifestações extraintestinais: o Infecções do Trato Urinário: a maioria dos bacilos Gram-negativos que produz essas manifestações é proveniente do cólon, contamina a uretra, ascende até a bexiga e pode migrar até o rim ou a próstata. A maioria das cepas de E. coli pode causar tais infecções, entretanto a doença é mais comum em alguns sorogrupos específicos. Essas bactérias são particularmente virulentas, pois possuem a capacidade de produzir adesinas que se ligam às células que revestem a bexiga e o trato urinário superior (a aderência impede a eliminação da bactéria durante a micção) e produzem a hemolisina HlyA, que lisa os eritrócitos e outros tipos celulares (levando à liberação de citocinas e estimulando uma resposta inflamatória); Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE o Meningite neonatal: as cepas de E. coli e estreptococos do grupo B causam a maioria das infecções do sistema nervoso central em crianças com menos de um mês de idade. Esse sorogrupo também está presente no trato gastrointestinal de mulheres grávidas e crianças recém-nascidas; O Septicemia: o quadro causado pelos bacilos Gram-negativos tem como origem as infecções dos tratos urinário e gastrointestinal (a perfuração do intestino leva a uma infecção intra-abdominal). A mortalidade associada à septicemia causada por E. coli é alta em pacientes cuja imunidade está comprometida ou quando a infecção primária está no abdome ou no sistema nervoso central. TRANSMISSÃO: Alguns tipos nocivos de e. Coli (E. coli enterotoxigênica, enteroinvasiva, enteropatogênica e enterohemorrágica) podem penetrar o organismo por meio do contato com fezes de portadores, e da ingestão de água e alimentos contaminados, ao passo que as formas comensais são encontradas naturalmente no trato intestinal do homem. Quando a infecção por Escherichia coli não é devidamente tratada, é possível que essa bactéria atinja a corrente sanguínea, causando septicemia, que é uma situação grave normalmente tratada em ambiente hospitalar. PROVAS BIOQUÍMICAS DE IDENTIFICAÇÃO: A identificação de amostras contendo escherichia coli é realizada por meio da cultura de fezes, urina ou do sangue do paciente, material que é posteriormente analisado por métodos de detecção proteica (elisa e imunofluorescência) ou genômica (pcr). ANTIBOTICOTERAPIA: A E.coli pode ser resistente a um número crescente de antibióticos, mas uma cepa raramente é a mais de dois ou três fármacos. A Escherichia coli é mais vulnerável à amicacina, gentamicina, nitrofurantoína, e às quinolonas e norfloxacina, sendo mais resistente à sulfametoxazol-trimetoprima A escolha do antibiótico é feita por testes in vitro de susceptibilidade. É recomendado também repouso e beber muita água potável para repor os líquidos perdidos por diarreia, suor e vômito. SALMONELLA: A Salmonella é um gênero de enterobactérias composto por bacilos Gram- negativos fermentadores oxidase-negativos e anaeróbios facultativos. Esses seres vivos são encontrados principalmente no trato gastrointestinal do ser humano e de outros animais, mas também observado em alimentos processados ou armazenados em condições precárias de higiene. FATORES DE VIRULÊNCIA: Além dos demais fatores comuns a outras enterobactérias, os componentes do gênero salmonella apresentam como mecanismos colonizadores no hospedeiro: Tolerância aos ácidos presentes em vesículas fagocitárias; Capacidade de sobrevivência em macrófagos; Resistência à ação do complemento; Mobilidade (se dispersa facilmente para outros sítios do corpo humano) PATOGÊNESE: Após a ingestão e passagem pelo estômago, a Salmonella adere à mucosa do intestino Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE delgado e invade as células M (microvilosidades) localizadas nas placas de Peyer, bem como os enterócitos. As bactérias permanecem em um vacúolo endocítico, onde se multiplicam e podem ser transportadas através do citoplasma, sendo liberadas na circulação sanguínea ou linfática. A regulação da aderência, engolfamento pela membrana e multiplicação são controlados basicamente por dois grandes grupos de genes (ilhas de patogenicidade I e II) no cromossomo bacteriano. A ilha de patogenicidade I codifica as proteínas de invasão secretadas por Salmonella (Ssps) e um sistema de secreção tipo III que injeta as proteínas na célula hospedeira. A ilha de patogenicidade II contém os genes que permitem que a bactéria escape da resposta imune do hospedeiro e um segundo sistema de secreção tipo III para esta função. A resposta inflamatória restringe a infecção ao TGI, media a liberação de prostaglandinas, estimula o AMPc e ativa a secreção de fluidos. PATOGENIA: Existem quatro formas de infecção por Salmonella: gastrenterite, septicemia, febre entérica e colonização assintomática, a saber: Gastrenterite: é a forma mais comum de salmonelose. Os sintomas geralmente aparecem de 6 a 48h após o consumo de alimento ou água contaminados. A apresentação inicial consiste em náusea, vômito e diarreia sem sangue. Também são comuns febre, cólica abdominal, mialgia e dor de cabeça. O envolvimento do cólon pode ser demonstrado na forma aguda da doença. Os sintomas podem persistir por dois a sete dias antes da resolução espontânea; Septicemia: infecções causadas por Salmonella Typhi, Salmonella Paratyphi e Salmonella Choleraesuis geralmente levam a uma fase de bacteremia. O risco de bacteremia por Salmonella é elevado em pacientes pediátricos, geriátricos e em imunocomprometidos; Febre entérica: Salmonella Typhi produz uma doença febril chamada febre tifoide, doença manifestada de forma mais branda pelas espécies S. Paratyphi A, Schomuelleri e Hirschfeldii. As bactérias responsáveis pela febre entérica atravessam as células que revestem o intestino e são engolfadas pelos macrófagos. Elas se multiplicam depois de transportadas para o fígado, baçoe para a medula óssea. Dez a 14 dias após a ingestão das bactérias, os pacientes gradualmente experimentam febre crescente com complicações não específicas de dores de cabeça, mialgias, mal-estar e anorexia. Esses sintomas persistem por uma semana ou mais e são acompanhados de sintomas de gastrenterite. Este ciclo corresponde a uma fase inicial de bacteremia que é acompanhada pela colonização da vesícula biliar e reinfecção dos intestinos; Colonização assintomática: as cepas de Salmonella responsáveis pela febre tifoide e paratifoide são mantidas por colonização em humanos. A colonização crônica por mais de um ano após a doença sintomática ocorre em 1% a 5% dos pacientes e a vesícula biliar é o principal reservatório na maioria dos casos. TRANSMISSÃO: A maioria das infecções é adquirida pelo consumo de alimentos contaminados (aves, ovos e laticínios são as fontes mais comuns de infecção), mas pode ocorrer também a transmissão direta por via orofecal em crianças. Salmonella Typhi e Salmonella Paratyphi são patógenos humanos estritos (nenhum outro reservatório), o que faz com Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE que estas infecções sejam unicamente transmitidas de pessoa a pessoa PROVAS BIOQUÍMICAS DE IDENTIFICAÇÃO: Em casos de febre tifoide ou paratifoide, o hemocultivo se torna um método de bastante relevância, porém seus percentuais de positividade diminuem constantemente num curto período de tempo, reduzindo a aplicabilidade desse exame. Um mecanismo mais eficaz é o isolamento da bactéria nas fezes ou vômito de um indivíduo contaminado, o que deve ocorrer ainda durante a fase aguda, sem que tenha sido iniciada a antibioticoterapia. Em pacientes com suspeita de febre tifoide, a pesquisa de Salmonella Typhi nas fezes é indicada a partir da segunda semana da doença, assim como na fase de convalescença e na detecção de portadores. ANTIBIOTICOTERAPIA: Em geral, a infecção causada pela Salmonella (salmonelose não tifoide) não precisa de internação ou de outras intervenções médicas. Nestes casos, o tratamento é feito em casa, por meio de repouso, ingestão de bastante água para manter hidratação e controlar os sintomas. Em casos graves, a reposição eletrolítica e reidratação são indicados. O tratamento com antibióticos não é recomendado para casos leves ou moderados em indivíduos saudáveis, pois esses medicamentos podem não eliminar completamente as bactérias e selecionar cepas resistentes, tornando o tratamento ineficaz. Essa recomendação não se aplica a grupos de risco para tais infecções, como neonatos, idosos e pacientes imunocomprometidos, que devem receber a medicação de modo a evitar ou controlar a disseminação do agente pelo organismo. As medicações mais comumente prescritas em casos de infecções não-tifoides são SMX-TMP, Ciprofloxacino, Azitromicina e Ceftriaxona, mantidos por 3 a 5 dias. SHIGELLA: O gênero Shigella comporta quatro espécies (S. dysenteriae, Shigella flexneri, Shigella boydii e Shigella sonnei) e é um conjunto de bacilos Gram-negativos fermentadores oxidase-negativos e anaeróbios facultativos. São extremamente adaptadas ao TGI humano, correspondente a seu principal reservatório natural, também podendo ser encontradas em águas poluídas e fezes humanas de portadores. FATORES DE VIRULÊNCIA: Além dos demais mecanismos de virulência semelhantes aos das demais enterobactérias, os espécimes pertencentes ao gênero Shigella Dysenteriae apresentam como mecanismo de auxílio à colonização a produção de uma exotoxina (shiga) capaz de inibir a síntese proteica e gerar danos ao endotélio do trato gastrointestinal. PATOGÊNESE: As bactérias pertencentes ao gênero Shigella causam doenças invadindo e se multiplicando nas células que revestem o cólon. Os genes estruturais codificam proteínas envolvidas na aderência dos microrganismos às células hospedeiras, bem como na invasão, multiplicação intracelular e transmissão célula a célula. Esses genes são encontrados em um grande plasmídeo de virulência, mas são regulados por genes cromossômicos. Assim, a presença do plasmídeo não assegura atividade do gene funcional. As espécies de Shigella parecem incapazes de se ligar às células diferenciadas da mucosa; em vez disso, elas inicialmente Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE aderem e invadem as células M localizadas nas placas de Peyer. O sistema secretório tipo III secreta quatro proteínas dentro das células epiteliais e dos macrófagosinduzido ondulações da membrana das células-alvo, levando ao engolfamento da bactéria. Shigella lisa o vacúolo do fagócito e se multiplica no citoplasma da célula hospedeira (diferindo de Salmonella, que se multiplica no vacúolo). Com o rearranjo dos filamentos de actina na célula hospedeira, as bactérias são impulsionadas do citoplasma para as células adjacentes, ocorrendo a passagem de uma célula para outra. Deste modo, a bactéria é protegida da remoção mediada pelo sistema imune, sobrevivendo à fagocitose pela indução de morte programada da célula (apoptose). Esse processo também leva à liberação da IL-1β, resultando na atração dos leucócitos polimorfonucleares pelos tecidos infectados. Esse processo desestabiliza a integridade da parede intestinal e permite que a bactéria alcance as células epiteliais mais profundas. PATOGENIA: A shigelose é caracterizada por dores abdominais, diarreia, febre e fezes sanguinolentas. Os sinais clínicos e os sintomas da doença aparecem entre um e três dias após ingestão da bactéria. Shigella inicialmente coloniza o intestino delgado e começa a se multiplicar dentro das primeiras 12 horas. O primeiro sinal da infecção (diarreia aquosa profusa, sem evidência histológica de invasão da mucosa) é mediado por uma enterotoxina. Contudo, uma característica importante da shigelose é a cólica abdominal baixa e o tenesmo (esforço para defecar), com pus e sangue em abundância nas fezes, como resultado da invasão da mucosa do cólon pela bactéria. Grande quantidade de neutrófilos, eritrócitos e muco é encontrada nas fezes. A infecção geralmente é autolimitada, embora o tratamento com antibiótico seja recomendado para reduzir o risco de transmissão secundária aos membros da família e outros contatos. A colonização assintomática dos microrganismos no cólon, que ocorre em um pequeno número de pacientes, representa um reservatório persistente para a infecção. TRANSMISSÃO: A transmissão de bactérias do gênero shigella ocorre principalmente pela ingestão de água contaminada ou alimentos que entraram em contato com essa substância, mas também pode ocorrer por meio de contato pessoal (via fecal-oral). PROVAS BIOQUÍMICAS DE IDENTIFICAÇÃO: O diagnóstico de shigelose é clínico (baseado na manifestação sintomática), epidemiológico (considera os padrões de prevalência da doença e as condições sanitárias locais) e laboratorial, usando para tanto a semeadura de fezes coletadas do paciente em meios de cultura, com posterior identificação das colônias suspeitas por meio de provas bioquímicas e sorológicas, destacando-se a excelência dos métodos imunoenzimáticos e o PCR para realização de exame radiológico. ANTIBIOTICOTERAPIA: Os esquemas de terapia com antibióticos são recomendados para impedir o contágio de outras pessoas do mesmo núcleo familiar, fazendo uso de fluoroquinolonas, Azitromicina ou Ceftriaxona, além das propedêuticas comuns a toda doença de caráter diarreico, como reposição de líquidos e eletrólitos e uso de medicações antidiarreicas. PROTEUS: Proteus mirabilis é uma bactéria Gram- negativa, anaeróbia facultativa, em forma de bastonete, com motilidade e capaz de JúliaFigueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE produzir grandes quantidades de uréase, sendo encontrada tanto como membro da flora comensal do TGI humano quanto no ambiente (solo, água e matéria orgânica). FATORES DE VIRULÊNCIA: As bactérias presentes nesse gênero possuem todos os mecanismos comuns às enterobactérias, mas também apresentam como instrumento distinto para a colonização a formação de um biofilme resistente nas vias urinárias, impedindo a eliminação de espécimes na micção. PATOGENICIDADE: As infecções do trato urinário causadas por Proteus mirabilis são doenças muito comuns do gênero (ex: infecção da bexiga ou cistite, infecção renal ou pielonefrite). Essa bactéria produz grande quantidade de urease, que quebra a ureia em dióxido de carbono e amônia. Esse processo aumenta o pH da urina, precipitando o magnésio e o cálcio na forma de cristais de estruvita e apatita, respectivamente, resultando na formação de cálculos renais. O aumento da alcalinidade da urina também é tóxico para o uroepitélio. TRANSMISSÃO: A infecção por esse parasita pode ocorrer por mudança de sítio de coloninzação, ou seja, se há migração de indivíduos do tgi para os canais do sistema urinário, locais nos quais tais bactérias se fixam, desencadeando as manifestações clínicas. PROVAS BIOQUÍMICAS DE IDENTIFICAÇÃO: A constatação de bacteriúria é fundamental para o diagnóstico. O método de escolha é a urocultura. O teste do nitrito é outra forma de demonstrar bacteriúria. Este teste é altamente específico, porém com baixa sensibilidade (apenas bactérias Gram- negativas produzem nitrito via metabolização bacteriana do nitrato). ANTIBIOTICOTERAPIA: Pacientes sem complicações podem ser tratados em ambulatório com uma quinolona oral por 3 dias ou trimetoprim/sulfametoxazol (TMP/SMZ) por 3 dias. Para os pacientes hospitalizados, a terapia é parenteral e consiste em ceftriaxona, quinolona, gentamicina (mais ampicilina) ou aztreonam até passar a febre. Em seguida, uma quinolona oral, cefalosporina ou TMP / SMZ durante 14 dias para completar o tratamento e evitar resistências. KLEBSIELLA: Os membros do gênero Klebsiella têm uma cápsula proeminente que é responsável pela aparência mucoide das colônias isoladas e pelo aumento da virulência dos microrganismos in vivo. K. pneumoniae e a K. oxytoca são frequentemente isoladas e podem causar pneumonia lobar adquirida na comunidade ou no hospital, mas também podem ser encontradas na microbiota normal do ser humano. A pneumonia causada pelas espécies de Klebsiella frequentemente envolve a destruição necrótica dos espaços alveolares, a formação de cavidades e a produção de escarro com sangue. Essa bactéria também causa feridas, infecções dos tecidos moles e infecções do trato urinário. PATOGENIA: Em humanos a espécie mais patológica é Klebsiella pneumoniae, seguida da K. oxytoca, que podem causar: Pneumonia; Infecção do trato urinário; Gastroenterite; Meningite; Espondilite. Frequentemente causam infecções nos serviços de cuidados intensivos, geriátricos e infecções neonatais. Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE TRANSMISSÃO: A transmissão da bactéria Klebsiella pneumoniae pode ser feita através do contato direto com saliva e outras secreções do paciente infectado ou através da partilha de objetos contaminados. Esta bactéria já foi encontrada em terminais rodoviários e banheiros públicos, e como pode facilmente se espalhar através do contato com a pele ou pelo ar, qualquer pessoa pode ser contaminada. PROVAS BIOQUÍMICAS DE IDENTIFICAÇÃO: Para realizar o diagnóstico de infecções por klebsiella é necessário realizar culturas de amostras de escarro, secreções pulmonares, sangue, urina ou do tecido infectado, sento tais amostras tingidas em coloração de gram e examinadas ao microscópio. Outros testes dependem do tipo de infecção. Eles podem incluir exames de diagnóstico por imagem, como ultrassonografia, radiografias e tomografias computadorizadas. AS BACTÉRIAS IDENTIFICADAS NAS AMOSTRAS SÃO TESTADAS PARA DETERMINAR QUAIS ANTIBIÓTICOS SÃO PROVAVELMENTE EFICAZES (UM PROCESSO CHAMADO TESTE DE SUSCETIBILIDADE). ANTIBIOTICOTERAPIA: Se a pneumonia por Klebsiella for adquirida na comunidade, geralmente antibióticos como uma cefalosporina (como ceftriaxona) ou fluoroquinolona (como levofloxacino), dados por via intravenosa, podem curá-la. Se uma infecção com alguma dessas bactérias for adquirida em um estabelecimento de saúde, a infecção é difícil de tratar porque as bactérias adquiridas em tais estabelecimentos são geralmente resistentes a muitos antibióticos. FUNGOS: Os fungos representam um diverso grupo de organismos que tem como principal objetivo degradar a matéria orgânica. Todos os fungos podem existir como heterotróficos ou saprófitas (organismos que se nutrem de materiais mortos ou em decomposição), simbiontes (organismos que vivem em conjunto com benefício mútuo), comensais (quando vivem em estreita relação em que apenas um organismo é beneficiado e o outro não é prejudicado) ou como parasitas (organismos que vivem à custa de outro e esta relação é prejudicial ao hospedeiro). MORFOLOGIA: A taxonomia clássica dos fungos se baseia fundamentalmente na morfologia e na formação dos esporos. No entanto, cada vez mais as características estruturais, bioquímicas e moleculares são consideradas na classificação, resultando em mudanças na denominação taxonômica original. Os fungos podem ser uni ou multicelulares. O agrupamento mais simples baseado em sua morfologia são leveduras e fungos filamentosos. A levedura pode ser definida morfologicamente como uma célula que se Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE reproduz por brotamento ou fissão, em que a célula progenitora ou “célula-mãe” se modifica e dá origem a uma descendência ou “célula-filha”. As células-filhas podem alongar-se e formar estruturas com formato de salsicha chamadas pseudo-hifas. As leveduras são geralmente unicelulares e produzem colônias redondas, pastosas ou mucoides em ágar. Os fungos filamentosos, por outro lado, são organismos multicelulares constituídos de estruturas tubulares, chamadas de hifas, que se alongam na extremidade em um processo conhecido como extensão apical. As hifas podem ser cenocíticas (asseptadas ou com poucos septos) ou septadas (divididas por paredes transversais. As hifas se mantêm unidas para produzir uma estrutura semelhante a um tapete chamada de micélio. As colônias dos fungos filamentosos são frequentemente descritas como filamentosas, aveludadas ou algodonosas. REPRODUÇÃO: Os fungos reproduzem-se pela formação de esporos, que podem ser sexuados (envolvendo meiose, precedida por fusão do protoplasma e fusão dos dois núcleos compatíveis) ou assexuados (envolvendo somente mitose). Em alguns fungos, a fase assexuada, ou anamorfa, apresenta uma alta capacidade de rápida dispersão e adaptação a novos habitats em relação ao estágio sexual, ou teleomorfo. Independentemente da capacidade de um fungo produzir esporos sexuais, na prática clínica é comum referir-se aos fungos pela designação de sua forma assexuada, ou seja, seu estado (assexuado). Em amostras clínicas, o estado sexual ocorre apenas em situações especiais no laboratório. HABITAT: Os fungos são considerados seres cosmopolitas, pois estão presentes em qualquer parte do planeta. Sendo amplamente distribuídos pela natureza, são encontrados na água, no ar atmosférico, no solo, sobre os animais e vegetais vivos, na matéria orgânica em decomposição, nos produtos alimentícios e industriais. Muitas espécies não necessitam de luz para seudesenvolvimento, já outras utilizam esse recurso para formar suas estruturas de reprodução, podendo ser consideradas fototróficas (que buscam a luz). A temperatura ideal para o crescimento dos fungos fica entre 0 a 35ºC, mas o ótimo para a maioria fica entre 20 a 30ºC e a umidade ideal fica em torno da saturação, favorecendo a colonização da pele humana FORMA DE INFECÇÃO NO SER HUMANO: O homem contrai infecções fúngicas principalmente pela manutenção de espaços adequados à colonização por esse ser vivo, com muita umidade e temperaturas amenas. A patogênese fúngica ainda não é tão conhecida como os mecanismos bacterianos e virais. São poucos os fungos virulentos a Júlia Figueirêdo – LPI DOENÇAS RESULTANTES DA AGRESSÃO AO MEIO AMBIENTE ponto de serem classificados como patógenos primários, ou seja, capazes de iniciar infecções em indivíduos saudáveis e imunocompetentes, podendo penetrar as defesas orgânicas, encontrar um sítio adequado com substratos para seu crescimento e desenvolver uma colônia nesse microambiente. Em geral, indivíduos saudáveis e imunocompetentes apresentam alta resistência inata à infecção fúngica, apesar de serem constantemente expostos às formas infecciosas de diversos fungos presentes como parte da microbiota normal (endógenos) ou no ambiente (exógenos). Os patógenos oportunistas só são infectantes em caso de violação das barreiras de proteção de mucosas e epitélios ou quando o sistema imune hospedeiro apresenta falhas que permitam tal instalação infecciosa, sendo os fatores que desencadeiam os sintomas referentes aos microrganismos, não ao corpo do indivíduo parasitado.
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