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1 Disciplina: A cultura da infância em Reggio Emilia Autora: Esp. Vanessa de Melo Calgarotto Revisão de Conteúdos: Esp. Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica: Esp. Juliano de Paula Neitzki Ano: 2019 Copyright © - É expressamente proibida a reprodução do conteúdo deste material integral ou de suas páginas em qualquer meio de comunicação sem autorização escrita da equipe da Assessoria de Marketing da Faculdade São Braz (FSB). O não cumprimento destas solicitações poderá acarretar em cobrança de direitos autorais. 2 Vanessa de Melo Calgarotto A cultura da infância em Reggio Emilia 1ª Edição 2019 Curitiba, PR Editora São Braz 3 Editora São Braz Rua Cláudio Chantagnier, 112 Curitiba – Paraná – 82520-590 Fone: (41) 3123-9000 Coordenador Técnico Editorial Marcelo Alvino da Silva Revisão de Conteúdos Alexandre Kramer Morgenterm Revisão Ortográfica Juliano de Paula Neitzki Desenvolvimento Iconográfico Juliana Emy Akiyoshi Eleutério FICHA CATALOGRÁFICA CALGAROTTO, Vanessa de Melo. A cultura da infância em Reggio Emilia / Vanessa de Melo Calgarotto. – Curitiba: Editora São Braz, 2019. 47 p. ISBN: 978-85-5475-398-6 1. Aprendiz. 2. Investigadora. 3. Protagonista. Material didático da disciplina de A cultura da infância em Reggio Emilia – Faculdade São Braz (FSB), 2019. Natália Figueiredo Martins – CRB 9/1870 4 PALAVRA DA INSTITUIÇÃO Caro(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à Faculdade São Braz! Nossa faculdade está localizada em Curitiba, na Rua Cláudio Chatagnier, nº 112, no Bairro Bacacheri, criada e credenciada pela Portaria nº 299 de 27 de dezembro 2012, oferece cursos de Graduação, Pós-Graduação e Extensão Universitária. A Faculdade assume o compromisso com seus alunos, professores e comunidade de estar sempre sintonizada no objetivo de participar do desenvolvimento do País e de formar não somente bons profissionais, mas também brasileiros conscientes de sua cidadania. Nossos cursos são desenvolvidos por uma equipe multidisciplinar comprometida com a qualidade do conteúdo oferecido, assim como com as ferramentas de aprendizagem: interatividades pedagógicas, avaliações, plantão de dúvidas via telefone, atendimento via internet, emprego de redes sociais e grupos de estudos, o que proporciona excelente integração entre professores e estudantes. Bons estudos e conte sempre conosco! Faculdade São Braz 5 Sumário Prefácio ..................................................................................................... 06 Aula 1 – A criança na abordagem Reggio Emilia ........................................ 07 Apresentação da aula da 1 ......................................................................... 07 1.1 Loris Malaguzzi e Reggio Emilia ............................................... 07 1.2 Abordagem ............................................................................... 07 1.3 A criança como protagonista, investigadora e comunicadora - um ser em estado inaugural ....................................................................... 12 Conclusão da aula 1 ................................................................................... 16 Aula 2 – O professor e o ambiente .............................................................. 17 Apresentação da aula 2 ............................................................................. 17 2.1 Professor e ateliarista ............................................................... 17 2.2 O professor como aprendiz, pesquisador, guia e parceiro ........ 18 2.3 O ambiente ............................................................................... 21 Conclusão da aula 2 ................................................................................... 26 Aula 3 – Arte ............................................................................................... 27 Apresentação da aula 3 ............................................................................. 27 3.1 Arte em Reggio Emilia .............................................................. 27 3.2 Arte como linguagem expressiva .............................................. 28 Conclusão da aula 3 ................................................................................... 35 Aula 4 – Pais parceiros no processo de ensino-aprendizagem e cooperação como base do sistema educacional ........................................ 36 Apresentação da aula 4 ............................................................................. 36 4.1 Participação .............................................................................. 36 4.2 Pais parceiros no processo de ensino-aprendizagem ............... 36 4.3 Cooperação como base do sistema educacional ...................... 40 Conclusão da aula 4 ................................................................................... 43 Conclusão da disciplina ............................................................................. 44 Índice Remissivo ........................................................................................ 46 Referências ............................................................................................... 47 6 Prefácio Nesta disciplina serão apresentadas temáticas que caracterizam a cultura da infância em Reggio Emilia. Reggio Emilia é uma cidade localizada ao norte da Itália. No final da Segunda Guerra Mundial, encontrou-se destruída, mas reagiu, a população se movimentou regenerando o local até reconstruí-lo. Para impulsionar a cidade e atender as novas demandas das famílias que ali viviam, as escolas recém- criadas precisaram manter-se por meio da autogestão. Foi nesse contexto que o jovem Loris Malaguzzi principiou uma nova experiência educativa voltada à idealização de um lugar onde as crianças pudessem aprender a seu tempo e modo, uma escola de todos, colaborativa e com participação ativa das famílias. Considerada uma inovadora proposta educativa, Reggio Emilia tem vínculo com as teorias de Piaget, Vygotsky e Dewey e, ainda, com estudos da psicologia e neurociências. Iniciaremos esta disciplina elucidando a abordagem reggiana, em que a criança é protagonista, um ser em estado inaugural, disparadora das ações pedagógicas da escola. Seguiremos clareando papeis, primeiramente do professor como um constante aprendiz, seguido do ambiente que na presente proposta tem importante função educativa, dissociada da ideia de sofisticação, convergente às relações. Na sequência, buscar-se-á esclarecer a arte como linguagem expressiva. Na proposta reggiana, a arte é essencial, visto que por meio dela as crianças comunicam como percebem o mundo e o representam. Como forma de conclusão deste estudo, conheceremos como as famílias exercem parceria com a escola no processo de ensino-aprendizagem e também o elemento cooperação, como base do sistema educacional reggiano. 7 Aula 1 – A criança na abordagem Reggio Emilia Apresentação da aula da 1 Iniciaremos esta aula elucidando a abordagem reggiana e brevemente seu idealizador. Verificaremos a importância de conceber, respeitar e observar a criança como protagonista, investigadora e comunicadora, pois na abordagem Reggio ela é um ser em estado inaugural. 1.1 Loris Malaguzzi e Reggio Emilia Identificaremos a seguir que a proposta de Loris Malaguzzi apresenta como um de seus eixos essenciais a valorização do processo de pesquisa protagonizado pela criança. Ele que foi professor primário, psicólogo, dedicou- se à educação de crianças carentes e ajudou a formar o primeiro jardim de infância no norte daItália para crianças de três a seis anos, até que em 1970 inaugurou o primeiro jardim de infância em Reggio Emilia, voltado ao desejo de mães trabalhadoras ao final da Segunda Guerra Mundial. Desse momento em diante expande sua proposta educativa: promove seminário, torna-se secretário de educação de Reggio Emilia e vive o reconhecimento mundial de sua proposta; faleceu em 1994, ano em que foi fundada a Reggio Children. Saiba Mais Reggio Children é uma instituição que deu continuidade aos estudos e projeto de Loris Malaguzzi. Em 2006, foi inaugurado o Centro Internacional Loris Malaguzzi, que fomenta e reúne grupos de estudo e formações e ainda recebe crianças e suas famílias. 1.2 Abordagem Loris Malagguzi concebe o jardim de infância de Reggio Emilia com grande energia, entusiasmo e inquietação, assim como vários colegas em toda Itália. 8 Saiba Mais Os debates iniciados por Ciari ativaram as pessoas, que, por sua vez, ajudaram-no a formular muitas de suas ideias fundamentais. Loris Malaguzzi participou desses intensos debates; por meio deles, veio a conhecer Ciari. Profundamente inspirado por ele, Malaguzzi considera-o um amigo fabuloso e “a inteligência mais lúcida, apaixonada e aguçada na área da educação infantil”. O grupo em torno de Ciari acreditava que a educação deveria liberar a energia e as capacidades infantis e promover o desenvolvimento harmonioso da criança como um todo, em todas as áreas (comunicativa, social, afetiva) e também em relação ao pensamento crítico e científico. Ciari incitava os educadores para que desenvolvessem relacionamentos com as famílias e encorajassem comitês participativos de professores, pais e cidadãos. (EDWARDS, 2016) Em seus estudos, Malaguzzi buscou o que há de melhor nas pesquisas e registros de Piaget, trouxe para compor a abordagem Reggio Emilia o fato de Piaget levar as crianças a sério. A análise peculiar do desenvolvimento também compõe e enriquece a proposta, assim como o fato de a teoria creditar à criança a demonstração do princípio de lógica, como pesquisadores adultos fazem. Com isso, tem-se a ideia de que a criança é autora, naturalmente pesquisadora, por portar em si curiosidade. Estudos de Vygotsky também fazem parte da proposta reggiana, lembrando como o pensamento e a linguagem funcionam juntos, como formadores de ideias e planejamento. Esse planejamento seguido de execução, acompanhamento e avaliação, por meio de conversa. E ainda, a forma como se lê o processo de ensino e aprendizagem, por meio da zona de desenvolvimento proximal, em que se busca uma situação no qual a criança esteja perto de perceber o que o adulto que está com ela já vê. Aqui temos a autonomia dada à criança, faz parte dela agir e interagir com o meio, ela é um ser com potentes capacidades. 9 Vocabula rio Zona de desenvolvimento proximal: distância entre os níveis de capacidades expressos pelas crianças e seus níveis de desenvolvimento potencial, alcançáveis com ajuda de adultos ou pares mais avançados. (EDWARDS, 2016 pg. 73) Ainda com atenção em Vygotsky, é possível observar que suas ideias sobre estética permeiam a abordagem Reggio, uma vez que a arte pode ser trabalhada com as crianças no sentido de valorizar a própria obra de arte e o que ela pode despertar nas crianças, sem a interpretação dos adultos. No campo das experiências reggianas é que identificamos as colaborações dos estudos de Dewey. É possível reconhecer isso ao verificar que as experiências acontecem por meio das relações que as crianças estabelecem com os objetos, efetivando experimentações. Isso é diferente de uma atividade, por conta da intenção, há um projeto além da disposição de objetos. Além disso, Dewey reconhece a arte como um trabalho científico de pesquisa. Curiosidade Você sabia que Loris Malaguzzi também buscou na teoria montessoriana elementos para compor a abordagem Reggio Emilia? Saiba Mais Loris Malaguzzi deixa-nos um legado riquíssimo, convergente às teorias relevantes sobre o desenvolvimento infantil. Acesse o link a seguir para conhecer um pouco mais sobre os estudos de Maria Montessori. Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/459/medica-valorizou- aluno https://novaescola.org.br/conteudo/459/medica-valorizou-aluno https://novaescola.org.br/conteudo/459/medica-valorizou-aluno 10 É importante observar que em meio a tantas contribuições, Malaguzzi aponta para a calma em seus registros, afirmando que não é possível trabalhar na agitação, é importante não ter pressa. Em momentos de troca com profissionais das primeiras escolas de Reggio, ele tinha o cuidado de trazer essa questão da calma, do tempo que a criança precisa para experimentar e desenvolver-se, um tempo que é da criança, não do adulto ou do relógio que regula. Na abordagem de Reggio Emilia, dá-se significativa atenção à escuta da criança, por acreditar que a elaboração do pensamento ressalta a assimilação de conteúdos, além disso, o processo ao qual a criança passa para chegar à aprendizagem é essencialmente valorizado. Por tratar-se de um valor, é tida como um meio de observação da criança em seus gestos, em suas falas, grafos, movimentos e até mesmo no silêncio. Na proposta reggiana, colocar-se em posição de escuta é dar voz, lugar e direito, é considerar a criança como um ser pensante, ativo, competente, entre outros. A escuta de cada criança é diária, registrada pelo professor por meio da escrita, de fotografias, vídeos, áudios, desenhos, mapas conceituais e é interpretada e discutida na coletividade entre educadores. A partir desse diálogo, se estabelecem novas propostas, ações e intervenções, também é daí que surge a documentação pedagógica, que segundo Ponzio (2019) é uma atitude diante da aprendizagem das crianças e, principalmente da relação entre os educadores e as crianças que não dependem só da técnica. A documentação pedagógica torna claro o pensamento da criança e o que ela faz: a singulariza. A palavra progetazzione é bastante usual na proposta reggiana, trata-se da programação, da projeção, do planejamento, das invenções; é uma palavra de desafiadora tradução ao português, pois apresenta um conjunto de significados e de estratégias para que a escola aconteça verdadeiramente. A progetazzione permeia a ação educativa da proposta de Reggio Emilia, que entende que a criança é constituída de cem linguagens, portanto, não há disciplinas isoladas que atendam às crianças, é preciso interligar, trabalhar com a diversidade, com o tempo de cada criança, com ambientes estruturados, com materiais diversos e que compõem o cotidiano, sempre com intencionalidade. Cabe ressaltar que a interpretação coletiva que os professores fazem da escuta das crianças não se restringe à observação por meio de um referencial, 11 diferente disso, tem uma expectativa de aprendizagem, uma intenção clara, espera-se uma aprendizagem. Desse modo temos a progetazzione, um relançamento de proposta, ou um novo projeto. As escolas de Reggio Emilia potencializam o conhecimento, a aprendizagem, de maneira intercultural, ou seja, não se estabelecem ou se trabalha com disciplinas isoladas, as aprendizagens são conquistadas por meio da metodologia de projetos, particularmente organizada com inter-relações das áreas acadêmicas, das linguagens. A metodologia de projetos garante que se trabalhará com os interesses das crianças, com exploração de suas ideias, abordando suas preferências; isso é assegurar o protagonismo da criança. No início de um projeto, os professores se reúnem e discutem todas as hipóteses possíveis sobre as temáticas levantadas para trabalho, consideram prováveis ideias das crianças e escolhas possivelmente feitas por elas. Com isso organizado, os professores se preparam individualmente para todos os estágios seguintes de execução, como porexemplo, o planejamento do ambiente educativo, materiais necessários para compô-lo, etc. Brincadeira no parque com ambiente estruturado pelas professoras. Fonte: acervo do autor (2019). As temáticas originam-se da sugestão da equipe de coordenação, de alguma ideia de outro profissional da escola, da fala de alguma criança, de um evento, enfim, de algo que chame verdadeiramente a atenção do professor e lhe 12 cative, afinal, um projeto é sempre uma aventura, uma pesquisa; é preciso encantamento e convicção de que as crianças toparão a ideia lançada. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Quer saber mais sobre o trabalho com projetos? Leia a obra As cem linguagens da criança. O livro apresenta em muitos momentos perguntas e respostas sobre o trabalho desenvolvido por meio da metodologia de projetos, há descrições ricas em detalhes de projetos desenvolvidos em Reggio Emilia, bem com a origem e os pontos iniciais. O respeito, a responsabilidade e a participação comunitária são princípios que norteiam a proposta reggiana. Além disso, Loris Malaguzzi deu importante atenção à alegria, levantando sempre que possível a temática sobre o que é possível fazer, bem feito, na e com alegria. A Escola Diana, localizada em Reggio Emilia, apresenta um belo convite em sua entrada, remetendo justamente às reflexões sobre alegria de Malaguzzi, “Nada sem alegria”. Saiba Mais A Escola Diana foi reconhecida internacionalmente como a melhor escola de Educação Infantil, em 1991, pela revista Newsweek; a partir daqui, a proposta de Reggio Emilia ganha visibilidade mundial. 1.3 A criança como protagonista, investigadora e comunicadora - um ser em estado inaugural Na proposta Reggio Emilia, as crianças dispõem, desde pequeninas de saberes e de competências. Elas elaboram hipóteses, estabelecem relações, têm ideias e linguagens, fazem produções, se expressam. A criança “é sujeito de aprendizagem e de direito”; “sujeito social e civil, com suas características e 13 necessidades físicas, morais e afetivas” (PONZIO, 2019). As aprendizagens das crianças não são conquistas automáticas, são construções e elaborações desenvolvidas por elas mesmas. A criança precisa de um adulto especialmente ativo na escuta, competente e pesquisador para lhe compreender, propor e repropor situações de aprendizagem. Malaguzzi afirma que as crianças são cidadãs desde a sua gênese. Ponzio (2019) declara que as crianças são competentes por serem capazes de pensar o mundo em que vivem, de elaborar teorias provisórias e de estabelecer relação e diálogo com o seu tempo e espaço. Do nascimento da abordagem de Reggio Emilia até hoje, a leitura dos adultos sobre as crianças mudou, foi se reelaborando com o passar dos anos, evoluiu por meio dos anos de experiência. Em (EDWARDS, 2016) encontramos que cada criança é única e é protagonista de seu próprio crescimento. A autora afirma que as crianças são incrivelmente abertas ao intercâmbio e à reciprocidade. Que desde pequeninas negociam com o mundo social e físico e com tudo o que a cultura lhes dá. No âmbito das relações, assim como acontece com todas as crianças, nem sempre há harmonia, as crianças que frequentam as escolas reggianas também brigam, se desentendem e choram. Muitas vezes buscam a professora, como se buscassem por um arbitro, essa, por sua vez, intermedeia as relações auxiliando as crianças a resolverem seus problemas e conflitos com autonomia. O adulto tem sempre o papel de encorajar as crianças a agir e a protagonizar suas histórias, sejam elas voltadas às aprendizagens cognitivas, sociais ou emocionais. Na cultura de Reggio, acredita-se que esse movimento causa pertencimento, atuando na baixa dos níveis de agressividade das crianças. Com suas cem linguagens disponíveis, a criança chega às escolas cuja abordagem é a reggiana e encontra-se com outras crianças que terão a mesma oportunidade de desenvolver ao máximo suas potencialidades, de viver o dia a dia com autonomia, de conquistar aprendizagens que levarão para a vida, sem o compromisso acentuado de ser alguém no futuro, mas com a dedicação diária de descobrir, desvendar coisas extraordinárias a partir de seus interesses e construir sua identidade. 14 Loris Malaguzzi escreveu poeticamente o que é a criança na cultura Reggio Emilia: A criança é feita de cem. A criança tem cem mãos cem pensamentos cem modos de pensar de jogar e de falar. Cem sempre cem modos de escutar as maravilhas de amar. Cem alegrias para cantar e compreender. Cem mundos para descobrir. Cem mundos para inventar. Cem mundos para sonhar. A criança tem cem linguagens (e depois cem cem cem) mas roubaram-lhe noventa e nove. A escola e a cultura lhe separam a cabeça do corpo. Dizem-lhe: de pensar sem as mãos de fazer sem a cabeça de escutar e de não falar de compreender sem alegrias de amar e maravilhar-se só na Páscoa e no Natal. Dizem-lhe: de descobrir o mundo que já existe e de cem roubaram-lhe noventa e nove. Dizem-lhe: que o jogo e o trabalho a realidade e a fantasia a ciência e a imaginação o céu e a terra a razão e o sonho são coisas que não estão juntas. Dizem-lhe: que as cem não existem A criança diz: ao contrário, que as cem existem. Fonte: adaptado pelo DI (2019). 15 Na escrita poética de Malaguzzi, é possível observar o respeito à criança, como um ser humano pequeno e competente. Quantos pensamentos devem compor a “cabecinha” de uma criança a partir de uma observação de arte, (olhos achatados, testa franzida, cabeça lateralizada, um leve sorriso, um bico, um abaixar de olhos, um suspiro, uma expiração) quantas leituras uma criança consegue fazer em cinco minutos! Quantos modos de pensar frente ao que fazer com uma mesa repleta de materiais, quantas coisas para se falar com outras crianças e com os adultos que estão por perto. Quantos modos de se ouvir todo e cada ruído ao seu redor, quanta destreza para escutar por meio de um ambiente educativo que sua professora a respeita e está ali para ajudá-la, apenas ajudá-la. Quanta disponibilidade para fazer tudo, absolutamente tudo com alegria, para cantar as alegrias e os desafios do dia e compreender que é aprendiz, quanta competência tem uma criança para compreender que é aprendiz. Descobertas a cada minuto, quantas descobertas uma criança é capaz de fazer em um dia? Quantas invenções uma criança é capaz de fazer em um ano? Em três anos, então! Quantos sonhos as crianças sonham entre elas e com o ambiente educativo que a cercam. Cem linguagens são muitas, somente grandioso respeito é capaz de reconhecer e ler tantas linguagens e potencializá-las. Quem diria um dia que uma criança teria tantas linguagens, quanta competência! Com Reggio Emilia, temos uma escola e uma cultura repleta de singularidades para nos ajudar a entender e desejar essa escola e essa cultura, que adicione noventa e nove linguagens buscando ao máximo não subtrair. São livros e mais livros, artigos, espaços, escolas, muitas coisas disponíveis para manter cabeças e corpos juntos. Que delícia é experimentar com as mãos a terra, areia, alimentos, texturas, água, tinta, papeis, quantas mil coisas para tatear e criar, criar cem coisas cada vez que seu tempo é respeitado. Todos os dias se criam cem coisas porque na abordagem Reggio Emilia o tempo é coisa séria também. Quantas coisas para falar e ouvir o que é falado. Assembleia é coisa de criança, coisa séria de criança. Organização diária é coisa séria, coisa de criança também. Trabalhos a desenvolver são coisa séria e coisa de criança. Compreender, aprender, é coisa séria e de criança, de criança mesmo! 16 Quanta beleza em visualizar o maravilhar-se das crianças. Maravilhar-se com a chuva, com a luz do sol, com a sombra, com a folha que desce da árvore para habitar ochão, com conversas de gente pequena sobre coisas de gente grande, quanta ciência envolvida, até mesmo química e física. Todo dia é dia de bem viver e celebrar, algumas vezes é muito delicioso, e aí as crianças acolhem os adultos para festejar e desfrutar de suas alegrias, descobertas e aprendizagens. Como é bom descobrir o que não se via! Como é bom descobrir cem vezes ou cem coisas que não se via! A cultura de Reggio Emilia considera que a criança necessita de atribuições de significados e conhecimentos, não cabe um plano de preparação à vida adulta ou demanda excessiva de cuidados e proteção, o que importa é a vida vivida; não há um plano de preparação para chegar a um lugar ou objetivo, existem projetos, que suscitarão pesquisa, investigação, experimentação e diálogo entre crianças e crianças, crianças e adultos, crianças e objetos. Mas a criança será sempre a protagonista! Conclusão da aula 1 A abordagem Reggio Emilia, com toda sua história, olha para as crianças com lentes do construtivismo, da interação, da ecologia e da genética. Explicitando que a criança é um ser social que se origina de uma forma e segue se transformando por meio da relação com o outro, este outro que pode ser uma criança, um adulto e/ou ambiente. Na cultura Reggio, a criança deve sentir que tudo o que compõe o ambiente da escola, desde a entrada, a valoriza e respeita. A criança, nesta abordagem, tem pensamento original, ela é competente desde pequenina. 17 Atividade de Aprendizagem A forma que a abordagem Reggio Emilia compreende as crianças é incrível. Com raízes em teorias respeitadas mundialmente, a proposta reggiana tem o plus, por meio de Loris Malaguzzi, de trazer poesia a forma de pensar e conviver com as crianças. A partir do material de estudo desta primeira aula, escolha um lugar confortável e agradável a você, pode ser seu quarto, a sala, cozinha, varanda, ou até mesmo um lugar externo, um café, uma sorveteria, um parque; para escrever uma poesia sobre a imagem de criança que foi possível construir ao final desta aula. Dedique-se, pois o resultado desta atividade pode lhe surpreender! Vamos ver com quantas linguagens você caracterizará a criança que lhe foi apresentada. Atenção! Por tratar-se de uma poesia, sua produção deve conter escrita em verso e estrofe, totalizando no mínimo 14 e no máximo 20 estrofes. Aula 2 – O professor e o ambiente Apresentação da aula 2 Esta aula é composta pela apresentação de papéis. Primeiramente do professor como um constante aprendiz, um pesquisador, guia e parceiro das crianças, equipe escolar e famílias, seguido do ambiente, que na proposta de Reggio Emilia tem importante função educativa e é considerado um terceiro professor. 2.1 Professor e ateliarista O professor é um constante aprendiz. Ele quem promove a interação, planeja o ambiente educativo, pratica a escuta atenta e documenta com intencionalidade as aprendizagens. Na proposta Reggio Emilia, a incerteza, as hipóteses e o imprevisível têm lugar certo, e é o professor quem mediará tudo isso, com competência e alegria. O ateliarista, também é professor. Tem a missão de ampliar, problematizar e inventar desafios às propostas projetadas pelos professores. Geralmente é um profissional com formação em artes, por melhor conhecer as diversas linguagens, materiais e materialidades. Atende 18 todas as crianças da escola, em grupos pequenos, acordados juntamente com os professores. 2.2 O professor como aprendiz, pesquisador, guia e parceiro O professor é o profissional da escola que tem a firme clareza de que a escola é o lugar da pergunta e do aprender e que é ele quem trabalhará arduamente com isso. Além disso, tem a convicção de que ele é aprendiz, um grandioso e eterno aprendiz. O papel do professor na abordagem Reggio Emilia é amplo, contudo tem importante foco na problematização, utilizando sempre de perguntas e da elaboração de um ambiente educativo provocador, que desperte curiosidade. Portanto, o professor não oferecerá propostas de fácil resolução, ao contrário, planejará formas de provocar a aprendizagem das crianças, nesta perspectiva, ao apresentar uma proposta às crianças o professor terá a função de perguntar a elas o que precisam para desenvolver suas experiências, mesmo se perceber que o caminho que as crianças elegeram não está correto. O professor é quem ajuda as crianças a perceber seus problemas e inquietações, para que elas apresentem o desejo de responder a si mesmas o que identificaram, perceber se lhe é convincente, saciar-se momentaneamente com o que foi aprendido e, quem sabe, indicar uma nova aprendizagem. O professor é parceiro das crianças, prestando apoio e ajudando no que é preciso. Na proposta de Reggio Emilia, o professor é aquele que encoraja as crianças a seguirem em frente, a superar dificuldades, a resolver conflitos por meio de diversas estratégias, pode ser considerado um importante estrategista. É aquele que sabe que as relações não acontecem apenas entre pessoas, mas entre pessoas acerca de algo. Um professor da abordagem Reggio Emilia tem expectativas grandiosas com relação à capacidade representativa das crianças, sejam elas de pensamentos ou sentimentos. Todos agem a partir do pressuposto de que as crianças têm o desejo de crescer, de descobrir, de conhecer as coisas que as cercam. O professor tem a missão de garantir isso em todas as propostas, dia a dia, criança a criança. 19 A maneira que o professor encaminha as descobertas e as aprendizagens deixa claro às crianças, desde bem pequeninas, que elas são vistas com seriedade, sempre. A criança é levada a sério pelo profissional que está diante dela, e ela sabe disso. Um dos grandes desafios do professor é fazer-se presente sem ser considerado um instrumento. Ou seja, ele encaminha e zela pela dinâmica social e cognitiva das crianças, mas não interfere diretamente com intervenções de resolução, ao contrário, como já mencionado, gera situações problemas para que as crianças tracem uma ou mais rotas e cheguem a uma descoberta, uma aprendizagem. Pois, quanto maior for o conjunto de possibilidades apresentadas às crianças, mais intensas serão as motivações e suas experiências. O movimento do professor em propor sempre ricas possibilidades às crianças é um meio de formação, pois o torna mais atento e consciente, oportunizando melhores observações e interpretações. O professor torna-se mais sensato ao feedback das crianças e exerce maior controle do seu próprio feefback. Saber a hora certa de interferir nas relações e produções é tarefa desafiadora do professor, pois é preciso uma análise continua do pensamento das crianças, o nível de atenção auditiva e reflexão pedagógica são altíssimos e de constante ajuste. O professor precisa exercitar todos os dias a arte de capturar os momentos certos e encontrar estratégias precisas para conectar seus significados e interpretações com as das crianças. Ele precisa ser capaz de identificar o momento exato em que a criança está pronta para dar o passo decisivo ruma à aprendizagem. Saiba Mais Em Reggio Emilia, o professor permanece com o mesmo grupo de crianças e pais por três anos, e sempre trabalha com uma coprofessora. É papel fundamental do professor na abordagem Reggio Emilia ativar indiretamente as competências de criação de significados nas crianças, para que 20 isso seja a base de toda aprendizagem. Os professores são assessorados por um pedagogista, que os auxilia nos projetos e em suas aprendizagens. Vocabula rio Pedagogista: coordenador pedagógico. Age como consultor, responsável e coordenador do currículo nas pré-escolas e nas creches para auxiliar no trabalho dos professores, enriquecer seu desenvolvimento profissional, apoiar suas relações com as famílias e facilitaras conexões entre professores, administradores e outros financiadores. Na cultura Reggio Emilia, a aprendizagem é o elemento que nutrirá o ensino, logo o ensinar é um recurso complementar, pois o foco está na aprendizagem. O ensino fortalece a aprendizagem, em estratégias de como aprender. O ensino está a serviço da aprendizagem, ele existe por causa dela. Na abordagem reggiana, os professores são pesquisadores, estão em constante movimento de caminhar da pesquisa para ação e da ação para pesquisa. É possível afirmar que nesta proposta a ação dos professores em estudar, em fazer troca de ideias com seus colegas, em elaborar e reelaborar os projetos de trabalho, pensar e recriar estratégias é um fator que diferencia a proposta de Reggio Emilia. Nas escolas de Reggio, não se têm currículos planejados, com planos de aula dia a dia. Tem-se uma organização anual de projetos, alguns longos, outros menores, que servem como suporte estrutural, mas é na relação com as crianças que os projetos ganham vida. Os professores seguem as crianças, não os planos, porque os planos são das crianças. Com isso, os professores avaliam o caminhar das crianças em um ciclo já determinado, alguns de uma semana, duas semanas, um mês, ou até anos. Procede-se em funcionamento espiral, contínuo. Contudo, o dia a dia é repleto de desafios e decisões que devem ser tomadas constantemente por se trabalhar com um currículo emergente, ou de progetazzione. Afinal, o professor tem a desafiadora tarefa de auxiliar as crianças a descobrirem problemas grandes e difíceis o suficiente para despertar a motivação à pesquisa e, consequentemente, às aprendizagens das crianças. 21 Cabe ressaltar que na cultura Reggio Emilia não se trabalha com improvisações ou acaso, isso pode ser questionado pelo fato de não haver um currículo fixo a seguir, mas a intencionalidade pedagógica é fortemente trabalhada com os professores, a fim de garantir que a aprendizagem da criança siga seu fluxo, tempo e lugar. Os professores atuam com projetos porque submeter-se às capacidades das crianças é a filosofia da cultura de Reggio Emilia. A escola e os processos escolares somente podem crescer e inovar se estiverem estreitamente relacionados às transformações continuas da vida vivida pelas crianças. Um bom projeto tem uma expectativa pertinente, não apenas dos adultos, mas antes das crianças, porque elas são quem protagonizarão as experiências e conquistarão aprendizagens. Para um professor da cultura Reggio, olhar bem de perto uma criança e observar atentamente suas ações é compartilhar uma bela aventura em busca de aprendizagem, essa era a esperança de Loris Malaguzzi. O papel do professor completa o da criança na escola. Curiosidade Existem no Brasil instituições que organizam viagens pedagógicas a países com escolas da abordagem Reggio Emilia. Durante a viagem é possível fazer visitas a escolas, participar de palestras e imergir na cultura da infância sob a luz de outro país. Há também escolas pioneiras da abordagem reggiana no nosso país, algumas, no período das férias de julho, promovem formação e visitas guiadas em seus espaços. 2.3 O ambiente O ambiente, nomeado na proposta de Reggio Emilia como espaço educativo, é considerado um terceiro professor, afirmação provocante que elucidaremos consequentemente. Terceiro professor porque na abordagem de Reggio cada turma é formada por dois professores e as crianças. 22 As escolas de educação infantil de Reggio Emilia têm, como espaço maior, a sede, algo similar a uma grande casa. São ambientes extremamente envolventes, com jardins, hortas, mobiliário simples, contudo belos e harmônicos, a organização dos espaços conta sempre com produções das crianças. De maneira geral, são espaços confortáveis, calorosos e agradáveis. A cozinha, por exemplo, é um espaço importante, pois as crianças são incluídas em sua rotina, elas atuam com a cozinheira e seus ajudantes na preparação de alimentos e organização geral das mesas em que realizam-se as refeições. A sala de alimentação é um espaço de relação importante, todos conversam em torno da mesa, essa é uma prática cultural da Itália. Os espaços de lavabo também têm características peculiares, eles agregam recortes de espelhos, com a intenção de que as crianças possam se olhar de maneiras diferentes e brincar com os recortes de imagens de si mesmas e dos demais colegas, além disso, as pias estão à altura das crianças, para que elas possam mexer com a água, seja para lavar as mãos, rosto ou brincar. Em algumas escolas da cultura Reggio Emilia, o espaço de reuniões, seja para as crianças ou famílias, assemelha-se a uma arquibancada. Para que todos se movimentem com interdependência e interação. Planta baixa da Escola Diana, em Reggio Emilia – Itália. Fonte: acervo do autor (2019). 23 Na chamada pré-escola italiana, escolas que atendem crianças de três a seis anos, as salas as quais chamamos aqui no Brasil de sala de aula, são espaços compostos por mesas e cadeiras; armários individuais aos quais as crianças guardam seus pertences; tatame, almofadas ou tapete para o momento da roda de conversa e outras propostas; e um, dois ou três mini espaços com materiais disponíveis para jogo simbólico, experiências e/ou leitura. Geralmente essas salas são bem ventiladas e iluminadas e contam com continuas exposições das atividades desenvolvidas pelas crianças. De maneira geral, os materiais disponíveis na sala nem sempre têm em quantidade referente ao número de crianças, propositalmente, pois não é preciso que todas as crianças da turma estejam juntas na mesma atividade, ou que cada uma precise de um mesmo material. Os espaços que recebem as crianças menores, de zero a três anos, são arejados e bastante iluminados. Contam com berços e alguns espaços têm até redes para o tempo de descanso, lactário, miniespaço com livros, piso adequado para explorar o ambiente com segurança e mobília adequada à faixa etária. Espaço de descanso com berços e redes. Fonte: acervo do autor (2019). 24 Espaço de descanso com rede e ambiente educativo estruturado para crianças de zero a três anos. Fonte: acervo do autor (2019). O espaço das crianças pequenas está associado à proposta de Emmi Pikler; pediatra húngara teórica sobre desenvolvimento infantil. As escolas também contam com um espaço de “biblioteca”, que nem sempre tem este nome, grande parte das escolas de abordagem reggiana atribuem um nome poético ao espaço. O ambiente, seja ele as salas, espaço de alimentação, recepções, corredores, etc. devem ser flexíveis, passar por mudanças constantes, essas com interferências das crianças e professores, para que esteja sempre atualizado com o que se vive na escola, para que atenda as demandas das crianças e suas pesquisas, com o objetivo maior de promover o protagonismo das crianças. Para Malaguzzi, o espaço é educativo por seu potencial de organizar, de promover encontros agradáveis, seja entre pessoas ou pessoas e objetos, pode e deve ser convidativo a proporcionar mudança. Além disso, ele é promotor de escolhas e, sobretudo, é um lugar para todo tipo de aprendizagem, seja ela social, afetiva e/ou cognitiva. 25 Os espaços da escola devem dialogar com a pedagogia da escola, daí a relevância do ambiente para Reggio Emilia. Esse lugar chamado escola reflete permanentemente a identidade da proposta pedagógica, dialogando com as famílias e comunidade local. Obviamente que cada escola tem suas próprias características, suas experiências, cultura e estilo, portanto, na proposta de Reggio Emilia não temos um modelo pronto de ambiente, seja ele qual for, macro ou micro. O ambiente deve ser projetado para atender a comunidade local, um grupo específico, que abrace os valores da escola e compartilhea vida vivida ali. Ponzio (2019) explicita que o ambiente educativo deve recontar o que foi vivido no cotidiano. Importante Ao brincar, as crianças pesquisam o equilíbrio enquanto empilham blocos de madeira, pesquisam a luz quando utilizam uma fonte luminosa. O professor acompanha a pesquisa da criança no espaço educativo, portanto, o espaço narra a vivência e a registra. Quando os professores preparam os ambientes, o registram por meio de fotos, descrição escrita, vídeo ou áudio. Durante a proposta, enquanto as crianças estão atuando, são feitas observações e estas são registradas, geralmente de maneira diferente da inicial. Ao final as crianças modificam o ambiente por meio de suas investigações, experimentações, intervenções e novamente é feito um registro. Esta descrição é a clarividência da flexibilidade do ambiente e como ele é dinâmico. O ambiente educativo é ainda capaz de ensinar sobre os valores e significados das relações entre crianças e adultos, pois no tempo que passam juntos produzem conhecimentos juntos, e o espaço de toda escola reflete isso. Na cultura de Reggio as paredes falam do dia a dia, por meio das exposições. Com isso, possível perceber a intenção que a proposta reggiana tem de mostrar a identidade da escola aos que a visitam e frequentam. 26 Saiba Mais Às vezes, a história da própria escola é apresentada principalmente por meio das fotografias de cada dupla de professores (equipes que dão aulas para crianças de 3, 4 e 5 anos) e da ateliarista, da cozinheira e dos profissionais auxiliares, ao lado de seus nomes e sorrisos convidativos. Na mesma parede, são postados cronograma de eventos: sessões de desenvolvimento profissional, reuniões com os pais de cada faixa etária, reuniões da escola inteira, reuniões com outras escolas, saídas de campo e comemorações. É possível afirmar que o ambiente educativo é um complexo versátil e vivo. Mais que apenas uma estrutura física, ele representa como o tempo decorre naquele lugar e como é a prática dos que compõem a vida dele. Além disso, é onde se educa (crianças) e também nos educamos (adultos). É onde valores e saberes circulam com naturalidade e ânimo; é um lugar cultural. Sem dúvidas, o professor é uma figura poética na abordagem reggiana, ele é pintor, roteirista, pano de fundo, diretor, staff, eletricista, a pessoa carinhosa, a pessoa brava, o provocador, às vezes aplaude, às vezes fica silencioso, se emociona, enfim, o professor é um grande porta-voz da identidade Reggio. Parte sempre do pressuposto do acolhimento, recebendo as crianças como elas são e proporcionando liberdade adequada para que cada criança seja protagonista de sua história. Ambiente e professor, professor e ambiente, substantivos inseparáveis na abordagem Reggio, provedores intencionais das aprendizagens de todo o espaço escolar. Conclusão da aula 2 Diretor, coordenador, professor, ateliarista, criança, aqui todos são aprendizes. Na proposta de Reggio Emilia, a intencionalidade pedagógica é o que resulta uma boa educação, apoiada sempre na existência de vínculos. A figura do professor está associada a uma pessoa culta, não porque é quem sabe mais, mas sim pelo fato de ter a cultura da pesquisa arraigada em si, 27 é naturalmente uma pessoa curiosa e que gosta de estar em grupo, portanto, tem em suas raízes a cultura de projetos. É certamente alguém especial na abordagem Reggio Emilia. Atividade de Aprendizagem Chegamos ao final desta aula, com uma rica caracterização do professor na cultura reggiana. Quantas atividades e funções atribuídas, quanta responsabilidade, quantos desafios. Ao mesmo tempo, quanto aprendizado e quanta alegria no dia a dia! O professor que atua nesta abordagem certamente se constrói um ser humano especial, alguém bom de se ter por perto. O desafio ao final desta aula é desenvolver uma carta-convite aberta a professores sobre uma possível vaga de professor em uma escola reggiana. Não vale lista, é preciso desenvolver uma redação em formato de carta, caracterizando a vaga, apresentando os requisitos que o profissional que se candidatar deve preencher. A carta deve conter no mínimo 10 e no máximo 15 linhas. Vale a pena o exercício! Aula 3 - Arte Apresentação da aula 3 Nesta aula buscar-se-á esclarecer a arte como linguagem expressiva. Esta temática é fortemente estudada e é uma das características essenciais da abordagem Reggio Emilia. Aqui também esclareceremos o papel do ateliarista, mencionado na aula 2. 3.1 Arte em Reggio Emilia A arte exerce forte influência na proposta de Reggio Emilia. Essa influência deve-se ao fato de que todos somos produtores de cultura e a arte, é um meio de expressão de nossa cultura. Por tratar-se de uma expressão pessoal 28 e de cultura, a arte é um importante instrumento no desenvolvimento das crianças. Por meio da arte, é possível registrar as memórias, sejam elas individuais ou coletivas. Na abordagem reggiana, o ateliarista é o profissional da escola que promoverá, com intensidade, a arte. Os registros são feitos por meio de observações, apreciações, conversas, fotografias, desenhos, vídeos, áudios, entre outros recursos interessantes e curiosos que verificaremos a seguir. 3.2 Arte como linguagem expressiva A palavra arte tem origem no latim ars e no grego teknê, que significa técnica ou habilidade, e é a criação intencional de um artista. Já a palavra linguagem remete à expressão do pensamento, ao significado de algo. A aproximação das palavras arte e linguagem significa a expressão do pensamento por meio da habilidade artística. Na abordagem Reggio Emilia, a arte é um veículo de formação do pensamento, um desenvolvedor e comunicador de aprendizagens, já a linguagem visual, alocada na arte, tem lugar privilegiado, pois está relacionada diretamente à construção de pensamentos e sentimentos. Contudo, as demais linguagens, como a musical, por exemplo, são grandemente enriquecedoras no dia a dia das vivências propostas. Na abordagem Reggio, a linguagem visual está relacionada ao trabalho com os elementos: ponto, linha, forma, cor, volume, espaço, contraste, luz, texturas, entre tantos outros. Trata-se da espontaneidade, utilizando diversas técnicas e materiais. Nas propostas de observação de imagens, esculturas, obras de arte, entre outras, é estimulado que a criança faça uma leitura do que vê e registre. E também que faça uma interpretação mais detalhada, acompanhada de registro. O registro pode ser uma fotografia, um áudio, um desenho, uma frase, etc. É comum no dia a dia da abordagem Reggio deparar-se com as crianças analisando e comparando imagens e destacando semelhanças. O contato direto com obras de arte e visitas a museus também é comum, sempre acompanhado de registro tanto dos professores como das crianças. Vale ressaltar que a técnica da arte, a elaboração de uma produção artística, é a parte menos visada na abordagem reggiana, não quer dizer que 29 não é importante. Contudo, o processo de investigar um objeto, seja ele qual for, identificando detalhes e peculiaridades, trocando impressões sobre o que se observa, fazendo comparações, são as intenções maiores da abordagem Reggio. São nesses momentos que a criança se mostra autora, que faz pesquisa, demonstra sua capacidade investigativa e depois utiliza de uma linguagem para representar sua aprendizagem, a manifestação artística é o resultado de todo um processo de aprendizagem. Quanto mais intensa for a troca entre as crianças, maior riqueza de detalhes se encontrará nas produções. Que por sua vez atuarão no espaço educativo da escola, comunicando a identidade das crianças, da proposta pedagógica e da escola e m si. Na proposta Reggio Emilia, o encaminhamento da arte como linguagem expressiva é feito por Vea Vecchi, queatuou por mais de trinta anos como ateliarista na Escola Municipal da Infância Diana - atualmente ela é consultora da Reggio Children. Vecchi ressalta em suas falas registros e escritos que as conexões nos processos de construção do conhecimento são importantíssimas, que é preciso levar as crianças a conectar as informações e a fazer alianças com diferentes linguagens. Amplie Seus Estudos SUGESTÃO DE LEITURA Vea Vecchi é autora do livro: Arte e criatividade em Reggio Emilia: explorando o papel e a potencialidade do ateliê na educação da primeira infância. O livro é composto por memórias, conversas e reflexões sobre o trabalho pedagógico voltado a arte em Reggio Emilia. A seguir, verificaremos o papel e a contribuição do ateliê e do ateliarista na abordagem Reggio. 30 Vocabula rio Ateliê: uma palavra de origem francesa que se refere às oficinas historicamente usadas por artistas. O termo foi escolhido por Loris Malaguzzi para referir-se à sala de artes, oficina ou estúdio da escola, composta por diversos recursos materiais e usada por todas as crianças e adultos. Segundo Vea Vecchia, o termo ateliê foi escolhido por Malaguzzi por ser considerado o mais adequado, relacionado à ideia de pesquisa. Seria o nome ideal para caracterizar o lugar onde imaginação, experimentos, criatividade e expressões se convergiriam. De maneira geral, o espaço do ateliê é grande o suficiente para receber várias crianças e oportunizar diversas atividades. É um espaço mais aberto, amplo e muito bem arejado, para que as crianças possam viver o ambiente. É equipado com mesas, cadeiras, computador, impressora, máquinas fotográficas, cavaletes para pintura, suportes para trabalhos com argila, gravador, microscópio, mesa de luz, retroprojetor, tintas para pintura e desenho (diversos tipos), argila (branca, preta e vermelha), tintas para cerâmica, arames de diferentes espessuras, chapas metálicas, material reciclável, entre muitos outros. Ateliê de uma escola de abordagem reggiana em Curitiba PR. Fonte: acervo do autor (2019). 31 O projeto de estudo é Cobra Fonte: acervo do autor (2019). Na imagem acima, a ateliarista está trabalhando com as crianças “a cobertura do corpo”, investigação indicada por uma das crianças da turma. É possível determinar que o ateliê tem duas grandes funções. A primeira é de proporcionar as crianças um ambiente onde elas são mestres de toda e qualquer técnica, de toda linguagem simbólica: argila, desenho, pintura, etc. A segunda é a de auxiliar os professores a compreender como as crianças são inventoras e descobridoras da liberdade expressiva. O ateliê tem efeito importante na proposta de Reggio, por ser um espaço de provocações intencionais. O ambiente do ateliê é um centro de cultura e possibilidade de novas ferramentas para o pensar. Segundo Malaguzzi, em (EDWARDS, 2016), o trabalho no ateliê permite ricas combinações e possibilidades criativas entre as diferentes linguagens. Ele pode tornar os processos de aprendizagem das crianças mais completos e integrados. É no ateliê que muitas produções acontecem, e essas produções são um dos meios de comunicação da escola com as famílias. As produções desenvolvidas pelas crianças, expostas pela escola, tem a função de comunicar o que as crianças fazem no dia a dia, o que descobriram, o que inventaram, suas aprendizagens. Também é uma forma das famílias visualizarem o dia a dia das 32 crianças na escola e assim terem a oportunidade de compreender que suas crianças são altamente competentes, criativas e habilidosas; mesmo sendo pequenas. Em uma entrevista registrada no livro As cem linguagens da criança – volume 2, Loris Malaguzzi afirma que o ateliê é um espaço rico em materiais, ferramentas e pessoas com competências profissionais e que é um forte contribuinte na documentação pedagógica. Explicita ainda que o trabalho do ateliê deu conta de informar a comunidade mundial o modo Reggio Emilia de ser com as crianças. Ele também nos obrigou, de uma maneira linda, a refinar nossos métodos de observação e de registro para que o processo de aprendizagem das crianças se tornasse a base do nosso diálogo com os pais. Por fim, o nosso trabalho no ateliê proporcionou- nos os arquivos que, agora, são um tesouro contendo trabalhos das crianças e conhecimento e pesquisa dos professores. Ainda assim, deixe-me destacar que o ateliê nunca pretendeu ser um tipo de espaço recluso e privilegiado, como se lá apenas fosse possível produzir a linguagem da arte expressiva. Fala de Loris Malaguzzi em (EDWARDS, 2016). O ateliê tem quatro importantes centros de atuação na abordagem reggiana. O primeiro diz respeito a honrar às artes a função de estimular, sugerindo novos conceitos de elaboração e exploração com visões poéticas. Segundo, tem a capacidade de unir métodos cognitivos e imaginários do saber por meio da documentação pedagógica e da observação. Terceiro, se atenta aos processos de aprendizagem com as mídias digitais, algo quase não mencionado na educação infantil e que faz parte da vida das crianças. E quarto, não menos importante, por meio dele, do ateliê, a escola tem a oportunidade de se comunicar e interagir com a comunidade local. O ateliê não trabalha com a linguagem visual como uma disciplina, uma área do conhecimento isolada, pelo contrário, a cultura de Reggio Emilia focaliza na linguagem visual uma estratégia de questionamento e investigação do mundo, e ainda mais, de estabelecer relações entre diferentes experiências e linguagens, mantendo os processos cognitivos e expressivos em constante diálogo; sempre buscando a conexão e conectividade. O espaço do ateliê é gerador de uma cultura visual, de comunicação. 33 Cabe ressaltar que o ateliê e o ateliarista formam a identidade da abordagem de Reggio Emilia. Elas não são apenas diferenciais, são particularidades da cultura reggiana. O ambiente do ateliê remete à força e à alegria do inesperado, é o apoiador da mudança que surge por meio de uma lente poética, algo a mais e incomum no processo de aprendizagem das crianças. O ateliê é um lugar de pesquisa, e o ateliarista é o profissional que mediará a pesquisa, é também, quem provocará situações de descobertas e estimulará sempre novas pesquisas por meio de diferentes lentes e estratégias. Seguindo as definições de Vea Vecchi, o ateliarista é a pessoa, na escola de abordagem reggiana, que dá apoio às conexões. É o profissional que converge arte, empatia, relações intensas e relações pessoais com o ambiente. O ateliarista é aquele que auxilia as crianças a organizarem suas primeiras documentações, suas expressões, e também é aquele que auxilia os demais professores a conquistar uma bela documentação pedagógica, seja do grupo de crianças ou criança a criança. Ele é um observador-ouvinte a mais no ambiente escolar, aquele que pode indicar mediações criativas e descobertas incríveis. Além disso, tem a importante função de garantir que as ideias dos professores circulem, criem e recriem, com beleza e alegria. Nas escolas reggianas há também espaços organizados e chamados de mini ateliês, são espaços extras em uma sala com materiais similares aos do ateliê, ou, então, materiais diferentes dos utilizados no dia a dia das crianças; esse espaço tem a intenção de proporcionar às crianças experimentações com ou sem a presença do professor. O ambiente do ateliê sempre apresenta um leque de possibilidades em que as crianças devem atuar com autonomia. Por exemplo, se o utilitarista propõe uma experiência com uso de retroprojetor, ele deve permitir e garantir que as crianças descobriram, por si mesmas, materiais transparentes e opacos, coloridos e não coloridos, etc. materiais com potencial para levantar questionamentos, hipóteses e o desejo da descoberta. A presençado espaço ateliê está prevista tanto nas escolas que recebem crianças de zero a três anos como nas que recebem crianças de três a seis anos, contudo, a figura do utilitarista é apenas nas escolas de três a seis anos. Não quer dizer que a figura do ateliarista não seja importante para as crianças 34 menores, isso ocorre por questões de custos – em Reggio Emilia na Itália. A maioria das escolas particulares, com a abordagem Reggio Emilia, inclui a figura do ateliarista com as crianças de zero a três anos. O ateliê e o ateliarista trazem para a abordagem reggiana muitas e importantes sugestões das artes, não apenas nas produções, mas também nas sugestões que os artistas declaram por meio de suas obras à luz de sua sensibilidade. Algumas das sugestões dizem respeito à qualidade e alterações da luz durante o dia, à grafia e à pictografia como escrita e narrativa, à construção de identidade complexa por meio da compreensão de vários pontos de vista, à combinação de cores, à arte corporal por meio de gestos e ritmos, o uso de vídeo como recurso tecnológico para arte, à música como forma de compor o ambiente, às fotografias que revelam abstração formal e conceitual, à arte centrada em ideias e conceitos, entre outros. Essas sugestões não são elementos formais, concretizam-se em outros conceitos e estabelecem relações inovadoras com o mundo. Por essa razão, o foco do ateliê e do ateliarista está relacionado à reinterpretação dos professores e elaborações das crianças, como meio conector. É como se as pesquisas desenvolvidas pelas crianças à luz dos professores fossem revistas em um microscópio. Na abordagem Reggio Emilia, o espaço do ateliê e a atuação do ateliarista interferem no aprender a desaprender. Não há ideia fixa e disciplina, existem possibilidades, inusitadas possibilidades de se reinventar o que já se sabe, ou então, passar a perceber o que antes não se via. As escolas em Reggio Emilia e também as de abordagem Reggio encontram na arte um dispositivo para a formação do pensamento. A escola é constituída de espaços, onde as mãos e o pensamento das crianças se unem em alegria, criatividade e libertação. Dessa forma é possível verificar claramente como a criança argumenta e se expressa. Na abordagem Reggio, a arte e a estética são essenciais na maneira como a criança compreende e pensa o mundo. Há forte respeito pelas ideias das crianças em suas diversas demonstrações, e zelo, para que ela interiorize adequadamente as questões relacionadas à estética. A arte tradada da forma expressa nesta aula evoca que na cultura Reggio Emilia é significativa à tensão estética, caracterizada pela empatia, pelas 35 relações, pelas conexões, pela graça, pela ironia, por meio das provocações que apoiam todo o processo de escuta da criança, sendo assim, uma das características marcantes da cultura reggiana. A presença de um ateliê na escola aumenta significativamente a quantidade de materiais a serem explorados pelas crianças, inclusive, a qualidade de alguns materiais interferem positivamente no acabamento de algumas produções. Contudo, a relação com as coisas, as investigações, a pesquisa, a experimentação são os carros-chefes, o que realmente importa. Esses processos garantem a presença da dimensão estética na aprendizagem e um enorme diferencial na formação das crianças. Conclusão da aula 3 O ateliê e o ateliarista são o coração da aprendizagem da escola de abordagem reggiana. São parceiros importantes dos professores, não são técnicos e não buscam transmitir competências, são articuladores de projetos. O ateliarista pode ser considerado um guia e também um defensor de processos não disciplinados, defensor de processos de aprendizagem livre e inovadores, sempre originários das crianças. Na cultura Reggio, o ateliarista também é aquele que zela pelo ambiente educativo, belo e bem cuidado, Vea Vecchi defende essa ideia com bastante orgulho. O ateliê é o espaço que garante frescor e originalidade na abordagem das coisas e na pesquisa. É um lugar plural. Uma grande “biblioteca” de objetos. Atividade de Aprendizagem Ateliê, ateliarista, linguagem, arte. Quatro palavras repletas de significados e portadoras do coração da abordagem Reggio Emilia. O desafio ao final desta aula é dissertar uma carta de recomendação a uma escola, para que ela tenha um ateliê em seu espaço educativo. Lembre-se de que a poesia faz-se presente na cultura da infância de Reggio Emilia, você não só pode como deve utilizar dela para convencer seu público. Contudo, a escrita não deve ser em formato de poesia. Sua carta de recomendação deve conter no mínimo 10 e no máximo 15 linhas. 36 Aula 4 – Pais parceiros no processo de ensino-aprendizagem e cooperação como base do sistema educacional Apresentação da aula 4 Nesta aula conheceremos o papel dos pais no processo de ensino- aprendizagem. Na abordagem reggiana, as famílias são consideradas parceiras importantes e devem ter participação ativa – não apenas fazer parte, mas, ser parte. E finalizaremos nosso estudo verificando a cooperação como uma importante estratégia do sistema educacional reggiano. 4.1 Participação A coletividade é um elemento norteador na proposta de Reggio Emilia. Por esta razão, todos os espaços são interativos, comunicativos e inspiram cooperação e partilha. Todos os profissionais da escola são educadores, as famílias também o são. Neste contexto todos aprendem, não apenas as crianças. E todos ensinam, não apenas os adultos. A criança vai para a cozinha e pode limpar o piso, assim como o adulto, seja ele professor, ateliarista, cozinheira ou coordenadora, experimentam e brincam de faz de conta e tantas outras alegrias do dia a dia dos pequenos. Na cultura Reggio Emilia, a escola é aliada à família e à comunidade na qual está inserida. A praça da cidade pode receber uma aula com as crianças e as lembranças da escola. 4.2 Pais parceiros no processo de ensino-aprendizagem A família é uma organização social e histórica que se transforma continuamente. Logo, não há um modelo, pois há diversidade de composições familiares pautadas em relações. Na proposta reggiana há estreito contato entre a escola e as famílias. Algo muito importante é o envolvimento da família no espaço educativo. Os pais são extremamente bem-vindos no ambiente escolar e são constantemente convidados a participar de ações e iniciativas. 37 Quando Loris Malaguzzi pensou a escola de Reggio Emilia, ele concebeu que era necessário acolher as famílias, para que entendessem e apoiassem os valores praticados na escola, para que atuassem como colaboradores das aprendizagens das crianças. Na abordagem reggiana, a família é uma unidade pedagógica, que não pode ser dissociada da escola. Importante No dia a dia, as famílias entram na escola para deixar suas crianças. Começam a participar da vida da escola ao sentirem o perfume dos alimentos que estão sendo preparados para o almoço. Vale a pena lembrar que os italianos têm uma forte relação com a comida. Assim sendo, essa entrada já permite o acesso a um valor cultural. Ponzio (2019). Ao caminhar pela escola, as famílias podem observar produções feitas pelas crianças. Ao adentrarem as salas, também podem observar os registros, brinquedos e brincadeiras, que revelam o que foi vivido. Entender e acolher as práticas pedagógicas que levaram as crianças a chegar aos registros expostos, ou brincadeiras, pode ser uma tarefa difícil aos pais. Algumas famílias podem questionar o porquê de as brincadeiras ocuparem grande parte do dia, o fato dos brinquedos não serem tão sofisticados, a presença dos livros que apresentam temáticas não necessariamente infantis, os restos de folhas de árvores, areia, terra, não apenas nas salas como nas roupas das crianças e suas unhas, entre outrasquestões. Por isso é indiscutível a presença das famílias, a participação delas no dia a dia da escola, para que a intenção pedagógica das produções chegue com clareza aos olhos dos familiares. Na abordagem reggiana existem indicações de algumas formas de relação família-escola, como, por exemplo, a família enviar materiais recicláveis e outros materiais para compor o ateliê ou ainda para ampliar os projetos propostos; participar da feira de trocas; participar de reuniões pedagógicas individuais e coletivas (em formato de roda de conversa) sobre assuntos diversos; participar de palestras com especialistas, de sessões de trabalho para melhoria do 38 ambiente educativo, de laboratórios para aprender técnicas com os professores, além de passeios guiados pela cidade e algumas datas comemorativas. Tambor para depósito de sucatas Fonte: acervo do autor (2019). De maneira harmoniosa e pedagógica, existe forte proximidade entre famílias e professores, a ideia é que os adultos mais próximos às crianças se responsabilizem e colaborem para seu pleno desenvolvimento. Existe alinhamento entre a forma que as famílias educam seus filhos e a proposta da escola. Um bom exemplo é com relação à alfabetização. As escolas reggianas atendem crianças de diferentes idades (da infância) e não têm intenção de alfabetizá-las, as famílias partilham desta prática, não cobrando da escola resultados relacionados a isso. Não quer dizer que uma criança não possa despertar para o processo de leitura e escrita, pode, mas o foco não é este. Esta pode ser uma grata surpresa de todo o estimulo proporcionado. 39 De maneira geral, as famílias legitimam as aprendizagens conquistadas pelas crianças no ambiente escolar, não se identifica competição entre as famílias, de fato presenciam-se relações harmônicas, de troca e de cooperação. Existe uma cultura interessante na Itália com relação às mães de crianças pequenas. Para os italianos, a mãe tem presença marcante nos primeiros anos de vida das crianças, o que garante a elas o direito de todos os dias levar e buscar seus filhos nas escolas, especialmente as mães de crianças pequenas, de zero a três anos. E ainda existe a cultura das famílias almoçarem juntas diariamente, o comércio de maneira geral fecha no período do almoço, garantindo um excelente funcionamento familiar às pessoas. O que também facilita o movimento de levar e buscar as crianças na escola. Com isso, muitas vezes, as mães têm a oportunidade de bem acompanhar as experiências das crianças na escola e participam ativamente, contribuindo com diversas práticas, ecoando em casa algumas delas. Na cultura da infância de Reggio Emilia, as famílias atuam como complemento da escola, envolvendo- se nos projetos, coadjuvando com as crianças em suas aprendizagens e apoiando as crianças em suas investigações. A identidade pedagógica da cultura Reggio Emilia sai da escola e da relação escola-famílias e alcança a comunidade local, envolvendo a comunidade em atividades da escola, isso gera um pertencimento importantíssimo nas crianças. Além disso, todos ganham. A qualidade de vida dessas comunidades é especialmente boa! Algo interessante a destacar é que, ao matricular uma criança na escola, a família tem interferências em sua organização diária. Por exemplo, será preciso organizar a rotina de tempo, pois será preciso levar e buscar a criança em horários pré-indicados, participar da escola quando solicitado e/ou sinalizado. Outro exemplo é que as vivências escolares impactarão no movimento (físico) da criança em casa. Por ser estimulada graciosamente na escola, a criança se portará mais investigadora e curiosa no ambiente familiar. A relação da escola com a família é essencial no desenvolvimento da criança, é preciso haver diálogo contínuo e respeitoso, harmonia entre a compreensão de infância e cooperação de ambas as partes. Afinal, a criança sentirá e absorverá toda essa relação, sentir-se-á segura para aventurar-se nas propostas da escola e ainda levará para casa a cultura construída no ambiente 40 escolar. O bom relacionamento entre os adultos que cercam as crianças é primordial. 4.3 Cooperação como base do sistema educacional A palavra cooperação remete a operar simultaneamente, a funcionar coletivamente, a colaborar. Podemos afirmar que o termo sistema educacional equivale a uma abordagem pedagógica, neste caso, em especial à Reggio Emilia. O sistema educacional de Reggio Emilia pode ser caracterizado como uma coleção de escolas para crianças pequenas. Durante as aulas anteriores, verificamos que a proposta reggiana é essencialmente conectada. Professores, pedagogistas, cozinheiras e seus assistentes, espaço educativo, ateliês, ateliarista e família coadjuvam às crianças, que protagonizam seu próprio desenvolvimento. A cooperação é um elemento indissociável da abordagem Reggio, está presente em todas as relações e sua ausência invalida a proposta de Loris Malaguzzi. Quando Loris Malaguzzi idealizou a abordagem Reggio, ele estava em constante colaboração, as pessoas que o auxiliavam colaboravam com ele e a comunidade Reggio ajudou para que se constituísse uma escola que atendesse sua cultura, a cultura da infância em Reggio Emilia. Atualmente o Reggio Children colabora com a comunidade mundial, dividindo suas experiências e vivências por meio de livros, formações e pesquisas constantes. A abordagem pedagógica Reggio Emilia nasceu da cooperação e em prol da cooperação. É importante sinalizarmos que o conhecimento construído coletivamente é superior ao construído individualmente. Além de consistência, ele abarca qualidade e harmonias, elementos ricos de humanismo, essenciais para a sociedade. Por essa razão, a abordagem reggiana ganhou destaque mundial e é considerada inovadora. 41 Pesquise Acesse o link: https://www.reggiochildren.it/ ; aqui você terá a oportunidade de conhecer um pouco das ações Reggio Children. Além disso, os processos de aprendizagem de toda uma comunidade são extraordinariamente relevantes e protagonizam um mundo, uma sociedade melhor. Como já visto na aula 1, a força da cooperação no pós-guerra foi o berço da abordagem reggiana. Analisemos que ao final da Segunda Guerra Mundial a região de Reggio Emilia estava destruída, as escolas, assim como outros lugares haviam sido bombardeados, a cidade encontrou-se em ruínas. Rapidamente algumas mulheres da região da Villa Cella, lugar perto de Reggio, se reuniram e resolveram construir e gerenciar uma escola para seus filhos. O terreno foi doado e os recursos para construção levantados dos restos da guerra. Neste contexto de renascimento, Loris Malaguzzi abraça a iniciativa e busca estudos que norteiem suas ideias. Reggio Emilia é uma cidade reconhecida na Itália por sua qualidade de vida, destaca-se também pelas excelentes relações de seus cidadãos, por sua união em desempenhar ações de solidariedade, reciprocidade e cooperação. Conceitos de democracia participativa garantem que as pessoas podem se expor e protagonizar a comunidade da qual fazem parte. O sistema educacional reggiano combina conceitos sociais e educacionais, crianças de qualquer situação socioeconômica podem ser matriculadas nas escolas, as que apresentam maior deficiência financeira têm prioridade. Cerca de quinze por cento da verba arrecadada na cidade é destinada à Educação Infantil, isso mantém aproximadamente setenta e cinco por cento do custo total das escolas, o restante é provido de mensalidades proporcionais às rendas das famílias. As escolas com abordagem reggiana são geridas por comitês constituídos por pessoas da comunidade local. Para participar do comitê não é necessário ser pai ou mãe de crianças matriculadas nas escolas, não é preciso nem ser pai 42 ou mãe. Basta ter disponibilidadee desejar contribuir. Os educadores reggianos também fazem parte do comitê. Em reuniões periódicas, esse grupo discute as condições da infância na cidade e elegem temáticas para investigação nas escolas. Daqui podem surgir temas de projetos. A abordagem Reggio Emilia está alicerçada na perspectiva da comunidade e das famílias. Atualmente a abordagem tem papel importante na integração de famílias de imigrantes na Itália. Por apoiar-se nos princípios da cooperação, é acolhedora quanto às diferenças culturais. O estímulo à colaboração, à identificação de necessidades e à força de um grupo são princípios que fundamentaram o projeto de Loris Malaguzzi e foi o que deu vida à proposta das escolas em Reggio Emilia. Houve uma necessidade das famílias da região no pós-guerra, e isso inspirou uma escola simples e inovadora pautada na colaboração. Desde o início da proposta, Malaguzzi deu espaço especial à participação, à cooperação, idealizando que assim nutre nas crianças o senso de colaborar. Importante Toda manhã, as crianças se reúnem em uma assembleia, partilham um alimento, conversam e tomam decisões sobre o trabalho do dia. Esse encontro matinal intenciona a formação do grupo e o sentimento de pertença. Escutar os colegas, em seu sentido amplo da escuta, é um ato político que dá ao outro um lugar, que o retira do anonimato. Ponzio, (2019). Para Malaguzzi, o modo como os adultos da escola, especialmente os professores, se relacionam com as crianças e as crianças entre elas influencia diretamente na motivação e aprendizagem. Por essa razão também se solicita a presença dos pais nas atividades. (EDWARDS, 2016) nos apresenta que em uma experiência educacional verdadeiramente compartilhada, as escolhas e decisões precisam ser feitas com o maior consenso possível e com um profundo respeito por uma pluralidade de ideias e perspectivas. 43 O trabalho coletivo é muito valorizado no projeto educacional Reggio Emilia. A partir dele, as crianças trocam interesses, conhecimentos e se abrem para o debate e a construção de novas ideias, ele contribui ainda para a formação de indivíduos ativos na sociedade. No futuro, isso refletirá em cidadãos mais críticos e responsáveis por seu papel social, nutrindo as raízes que originaram a abordagem reggiana. Mantendo Reggio Emilia como um lugar belo e desejoso de se viver, um lugar onde cada um tem seu lugar especial e é competente, sejam adultos ou crianças, para manter e inovar a cultura da infância em Reggio Emilia. O objetivo da proposta de Reggio Emilia é produzir uma criança reintegrada, capaz de construir seus próprios poderes de pensamento em uma síntese de todas as linguagens expressivas, comunicativas e cognitivas. Contudo, a criança reintegrada não é um investigador solitário. Ao contrário, os sentidos e a mente da criança precisam da ajuda de outros para perceberem a ordem e a mudança e descobrirem os significados das novas relações. A criança é um protagonista. (EDWARDS, 2016). Conclusão da aula 4 A temática desta aula referiu-se à importância da família no processo de aprendizagem das crianças e à cooperação como apoio ao sistema educacional. É interessante percebermos que a relação da família com a escola e a cooperação não nasceram com a abordagem Reggio Emilia, foi justamente o que fez com que as escolas reggianas surgissem. Tudo converge na proposta de Reggio Emilia, os elementos família, escola, valores, como a cooperação, por exemplo, se completam. Em geral, as abordagens pedagógicas são uma escolha, tanto para o espaço educativo, a escola e seus contribuintes, quanto para a família que busca aquele ambiente. Na abordagem Reggio, fica explicita a escolha por uma cultura da infância que tem a criança como protagonista de suas aprendizagens, de sua história, desde a mais tenra idade. 44 Atividade de Aprendizagem O sistema educacional Reggio Emilia é essencialmente cooperativo, nasce da cooperação, expande-se pela cooperação e nutre-se na cooperação. Ao final desta aula o desafio é que você elabore um roteiro considerando a sua realidade de atuação escolar, o seu trabalho. Primeiramente descubra qual é a história da comunidade a qual sua escola pertence, faça um breve registro escrito. Depois, averigue como se originou a escola, como ela começou, quem a idealizou, faça também um breve registro escrito. Com essas informações em mãos, inicie a escrita do roteiro de apresentação da cultura escolar a qual você pertence. Vale a pena o desafio! Com o roteiro em mãos, você terá a memória histórica do sistema educacional que faz parte, assim como estudamos o de Reggio Emilia. Dedique-se, você pode se surpreender e surpreender sua comunidade escolar! Seu roteiro deve conter no mínimo 10 e no máximo 15 linhas. 45 Conclusão da disciplina A abordagem Reggio Emilia é um conjunto de valores que definem uma cultura, a cultura da infância. Para Reggio Emilia, a cultura da infância tem a missão de tornar o ser humano mais humano. Porque as pessoas são formadas para depois se orientarem e fazerem escolhas que sustentarão suas relações e as relações com a comunidade a que pertencer. É possível concluir que a abordagem de Reggio Emilia é produto de muitas colaborações, está diretamente relacionada às teorias e experiências da educação ativa, e se dá nos processos de aprendizagem das crianças, professores, da escola, das famílias e da comunidade. Esses elementos juntos concebem uma cultura peculiar, a cultura Reggio. Assim como Ponzio (2019, pg. 33), expresso que o conteúdo desta disciplina é uma interpretação da proposta de Reggio Emilia. A cultura da escola de Reggio é composta de múltiplas particularidades, belíssimas e enriquecedoras. Cabe a nós educadores brasileiros a missão de ler nossa rica e diversa cultura e encaminhar esta bela proposta em nossas realidades. É um convite, um desafio e um exercer em ser professor, é continuar a proposta de Loris Malaguzzi com nossas crianças, como uma progetazzione. Temos a oportunidade de sermos constantes aprendizes, e a grande lição que podemos aprender com a Cultura da infância em Reggio Emilia é que, quando uma comunidade forma um compromisso real com suas crianças, especialmente as pequenas, podemos construir um mundo melhor, mais colaborativo e participativo. 46 Índice Remissivo A criança como protagonista, investigadora e comunicadora - um ser em estado inaugural ........................................................................................ (Competências; saberes; situações de aprendizagens) 12 A criança na abordagem Reggio Emilia ...................................................... (Comunicadora; investigadora, protagonista) 07 Abordagem ................................................................................................ (Entusiasmo e inquietação; registros) 07 Arte ............................................................................................................ (Arte; ateliarista; linguagem expressiva) 27 Arte como linguagem expressiva .............................................................. (Expressão; habilidade artística; pensamento) 28 Arte em Reggio Emilia ............................................................................... (Expressão; influência; produtores) 27 Cooperação como base do sistema educacional ....................................... (Colaborar; coletivamente; cooperação) 40 Loris Malaguzzi e Reggio Emilia ................................................................ (Processo de pesquisa; protagonizado; valorização) 07 O ambiente ................................................................................................ (Ambientes envolventes; espaço educativo;
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