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O Biopoder (Michel Foucault)

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1 
 
FOUCAULT, Michel. Aula de 17 de março de 1976. In: Em defesa da sociedade: 
curso no Collège de France (1975-1976). ed. 2. São Paulo: WMF Martins Fontes, 
2010.1 
 
a) Disciplina 
“nos séculos XVII e XVIII, viram-se aparecer técnicas de poder que eram essencialmente 
centradas no corpo, no corpo individual. Eram todos aqueles procedimentos pelos quais 
se asseguraria a distribuição espacial dos corpos individuais (sua separação, seu 
alinhamento, sua colocação em série e em vigilância) e a organização, em torno desses 
corpos individuais, de todo um campo de visibilidade. Eram também as técnicas pelas 
quais se incumbiam desses corpos, tentavam aumentar-lhes a força útil através do 
exercício, do treinamento, etc. Eram igualmente técnicas de racionalização e de economia 
estrita de um poder que devia se exercer, de maneira menos onerosa possível, mediante 
todo um sistema de vigilância, de hierarquias, de inspeções, de escriturações, de 
relatórios: toda essa tecnologia, que podemos chamar de tecnologia disciplinar do 
trabalho. Ela se instala já no final do século XVII e no decorrer do século XVIII” (p. 203). 
b) Biopoder 
“Eu lhes assinalo aqui, simplesmente, alguns dos pontos a partir dos quais se constituiu 
essa biopolítica, algumas de suas práticas e as primeiras das suas áreas de intervenção, de 
saber e de poder ao mesmo tempo: é da natalidade, da morbidade, das incapacidades 
biológicas diversas, dos efeitos do meio, é disso tudo que a biopolítica vai extrair seu 
saber e definir o campo de intervenção de seu poder” (p. 206). 
“A biopolítica lida com a população, e a população como problema político, como 
problema a um só tempo científico e político, como problema biológico e como problema 
de poder, acho que aparece nesse momento [século XVIII]” [p.206, grifo meu]. 
“A soberania fazia morrer e deixava viver. E eis que agora aparece um poder que eu 
chamaria de regulamentação e que consiste, ao contrário, em fazer viver e em deixar 
morrer” (p. 207). 
[...] 
“Temos, pois, duas séries: a série corpo-organismo-disciplina-instituições; e a série 
população-processos biológicos-mecanismos regulamentadores-Estado. Um conjunto 
orgânico institucional: a organodisciplina da instituição, se vocês quiserem, e, de outro 
lado, um conjunto biológico e estatal: a biorregulamentação pelo Estado” (p. 210). 
[...] 
“Com efeito, que é o racismo? É, primeiro, o meio de introduzir afinal, nesse domínio da 
vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve 
morrer. No contínuo biológico da espécie humana, o aparecimento das raças, a distinção 
das raças, a hierarquia das raças, a qualificação de certas raças como boas e de outras, ao 
contrário, como inferiores, tudo isso vai ser uma maneira de fragmentar esse campo do 
biológico de que o poder se incumbiu; uma maneira de defasar, no interior da população, 
uns grupos em relação aos outros. Em resumo, de estabelecer uma cesura que será do tipo 
 
1 O texto que foi objeto deste fichamento trata-se da transcrição de uma aula ministrada por Michel 
Foucault em seu curso de 1976 no Collège de France. 
2 
 
biológico no interior de um domínio considerado como sendo precisamente um domínio 
biológico. Isso vai permitir ao poder tratar uma população como uma mistura de raças ou, 
mais exatamente, tratar a espécie, subdividir a espécie de que ele se incumbiu em 
subgrupos que serão, precisamente, raças. Essa é a primeira função do racismo: 
fragmentar, fazer cesuras no interior desse contínuo biológico a que se dirige o biopoder 
(p. 214). 
“De outro lado, o racismo terá sua segunda função: terá como papel permitir uma relação 
positiva, se vocês quiserem, do tipo: ‘quanto mais você matar, mais você fará morrer’, ou 
‘quanto mais você deixar morrer, mais, por isso mesmo, você viverá’. Eu diria que essa 
relação (‘se você quer viver, é preciso que você faça morrer, é preciso que você possa 
matar’) afinal não foi o racismo, nem o Estado moderno, que inventou. É a relação 
guerreira: ‘para viver, é preciso que você massacre inimigos’. Mas o racismo faz 
justamente funcionar, faz atuar essa relação de tipo guerreiro – ‘se você quer viver, é 
preciso que o outro morra’ – de uma maneira que é inteiramente nova e que, precisamente, 
é compatível com o exercício do biopoder. De uma parte, de fato, o racismo vai permitir 
estabelecer, entre a minha vida e a morte do outro, uma relação que não é uma relação 
militar e guerreira de enfrentamento, mas uma relação do tipo biológico: ‘quanto mais as 
espécies inferiores tenderem a desaparecer, quanto mais os indivíduos anormais forem 
eliminados, menos degenerados haverá em relação à espécie, mais eu – não enquanto 
indivíduo mas enquanto espécie – viverei, mais forte serrei, mais vigoroso serei, mas 
poderei proliferar’. A morte do outro não é simplesmente a minha vida. Na medida em 
que seria minha segurança pessoal; a morte do outro, a morte da raça ruim, da raça inferior 
(ou do degenerado, ou do anormal), é o que vai deixar a vida em geral mais sadia; mais 
sadia e mais pura (p. 215). 
“Portanto, relação não militar, guerreira ou política, mas relação biológica. E, se esse 
mecanismo pode atuar é porque os inimigos que se trata de suprimir não são os 
adversários no sentido político do termo; são os perigos, externos ou internos, em relação 
à população e para a população. Em outras palavras, tirar a vida, o imperativo da morte, 
só é admissível, no sistema de biopoder, se tende não à vitória sobre os adversários 
políticos, mas à eliminação do perigo biológico e ao fortalecimento, diretamente ligado a 
essa eliminação, da própria espécie ou da raça. A raça, o racismo, é a condição de 
aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização. Quando vocês têm uma 
sociedade de normalização, quando vocês têm um poder que é, ao menos em toda a sua 
superfície e em primeira instância, em primeira linha, um biopoder, pois bem, o racismo 
é indispensável como condição para poder tirar a vida de alguém, para poder tirar a vida 
dos outros. A função assassina do Estado só pode ser assegurada, desde que o Estado 
funcione no modo do biopoder, pelo racismo” (p. 215). 
“É claro, por tirar a vida não entendo simplesmente o assassínio direto, mas também tudo 
o que pode ser assassínio indireto: o fato de expor à morte, de multiplicar para alguns o 
risco de morte ou, pura e simplesmente, a morte política, a expulsão, a rejeição, etc” (p. 
216).

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