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FILOSOFIA DO CONHECIMENTO FILOSOFIA DO CONHECIMENTO Marcio Tadeu Girotti © Copyright 2017 da Dtcom. É permitida a reprodução total ou parcial, desde que sejam respeitados os direitos do Autor, conforme determinam a Lei n.º 9.610/98 (Lei do Direito Autoral) e a Constituição Federal, art. 5º, inc. XXVII e XXVIII, “a” e “b”. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Ficha catalográfica elaborada pela Dtcom. Bibliotecária – Andrea Aguiar Rita CRB) G526f Girolli, Marcio. Filosofia do conhecimento/ Marcio Tadeu Girotti. – Curitiba: Dtcom, 2017. 144 p. ISBN: 978-859-368-521-7 1. Filosofia. 2. Ensino filosófico. 3. Conhecimento. CDD 658 Reitor Prof. Celso Niskier Pro-Reitor Acadêmico Maximiliano Pinto Damas Pro-Reitor Administrativo e de Operações Antonio Alberto Bittencourt Coordenação do Núcleo de Educação a Distância Viviana Gondim de Carvalho Redação Dtcom Análise educacional Dtcom Autoria da Disciplina Marcio Tadeu Girotti Validação da Disciplina Regina Célia Pereira de Moraes Designer instrucional Milena Rettondini Noboa Banco de Imagens Shutterstock.com Produção do Material Didático-Pedagógico Dtcom Sumário 01 Conhecendo a filosofia ............................................................................................................7 02 A origem da filosofia ..............................................................................................................13 03 As diversas abordagens do real ..........................................................................................20 04 A filosofia pré-socrática .........................................................................................................27 05 A filosofia Grega ......................................................................................................................34 06 Teorias do conhecimento filosófico....................................................................................41 07 O conhecimento na história da filosofia ............................................................................47 08 O conhecimento na vertente racionalista ..........................................................................54 09 O conhecimento na vertente empirista ..............................................................................61 10 Conhecimento e dialética .....................................................................................................68 11 Ciência e tecnologia no mundo do saber ..........................................................................75 12 Ciência e tecnologia no mundo do saber – ganhamos e perdemos – o fim do mito da caverna ......................................................................................................81 13 Paradigmas do saber: as grandes revoluções na ciência ..............................................87 14 A crise dos paradigmas e a educação: aspectos filosóficos e científicos ..................94 15 Filosofia e engajamento ..................................................................................................... 102 16 Filosofia do senso comum ................................................................................................ 109 17 Linguagem e Senso Comum ............................................................................................. 116 18 Filosofia Organizacional ..................................................................................................... 123 19 A vida, o aprendizado e o saber filosófico ...................................................................... 130 20 A busca de uma filosofia sobre quem somos e para onde queremos ir: sozinhos vamos mais rápido, mas juntos vamos mais longe .................................... 137 Conhecendo a filosofia Márcio Tadeu Girotti Introdução A filosofia está presente no cotidiano das pessoas, desde o simples fato de pensar sobre os problemas do dia a dia à escolha de um caminho ou ainda na tomada de uma decisão. Quando compreendemos a filosofia podemos perceber sua importância para a aquisição do conhecimento e também sua influência na vida dos indivíduos, que passam a entender, inclusive, a própria exis- tência. Nesta aula iremos estudar a origem da filosofia e as possibilidades de abordagem da rea- lidade. Vamos aprender também sobre os primeiros pensamentos da filosofia, a partir da sua gêneses, a filosofia grega. Pronto para começar? Bons estudos. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • entender o papel da filosofia e sua prática; • compreender a importância da filosofia e do pensamento filosófico. 1 O que é filosofia Você saberia dizer como surgiu o termo filosofia? A filosofia é um conceito grego que apare- ceu a partir da junção de dois termos: philo, que significa aquele ou aquela que tem um sentimento amigável; derivando do termo philía, amizade e amor fraterno; juntamente com sophía, que signi- fica, derivando da palavra sophós, sábio ou sabedoria. Desta forma, a filosofia adquire um signifi- cado de amizade pela sabedoria, ou, como muitos preferem, o amor pelo saber, sendo o filósofo aquele que acompanha o saber e que ama a sabedoria. (CHAUI, 2005). Figura 1 – O pensador Fonte: Simon Bratt/Shutterstock.com – 7 – TEMA 1 Este significado do termo filosofia foi atribuído ao matemático Pitágoras (V. a.C.). Para ele, o saber era propriedade dos deuses, cabendo ao homem somente a sua contemplação. Ou seja, para Pitágoras, o filósofo pode somente acompanhar e ser amigo do saber, além de amar a sabedoria. Mais do que compreender o significado do termo filosofia, precisamos entender sua impor- tância no nosso dia a dia, além de sua aplicação no campo do saber, com influência na reflexão, crítica e construção do conhecimento. Vale a pena prosseguir. SAIBA MAIS! No vídeo “O que é filosofia” (2015), apresentado Mario Sérgio Cortella, o filósofo e escritor propõe uma reflexão sobre o conceito da filosofia a partir do pensamento grego. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=Xsi6L9HeDCM>. 2 A importância da filosofia No campo do saber é fácil afirmar que a filosofia é muito importante, como a base e o fun- damento de todo o conhecimento. No entanto, a filosofia, no campo do senso comum, é subesti- mada, procurando seu espaço como um saber de excelência, mas que se perde em meros pensa- mentos e reflexões. Para compreender sua importância temos que justificar sua validade a partir das concepções de utilidade, entre aquilo que é útil e inútil. Desta forma, a primeira questão que devemos fazer é: para que serve a filosofia? A própria análise do porquê nos leva a buscar a utilidade de algo, pois, se é útil serve para alguma coisa, tem prestígio e resultados visíveis. Em contrapartida, o inútil é o descartável e sem utilidade, que não serve. Agora, reflita: para ser importante é preciso ser útil? Não. Observe estes exemplos: para que serve a música, a poesia e a literatura? Elas são úteis? Para quê? Podemos viver sem música, sem poesia e sem literatura? A resposta é evidente: sim, podemos. Mas, mesmo que elas não sejam úteis, na nossa vida prática, elas deixam de ser importantes? Não, mas não precisam ser importan- tes para serem úteis. Assim ocorre com a filosofia também. Mesmo que ela não seja útil, em com- paração a outros saberes, como a física ou a matemática, a filosofia não deixa de ser importante. Figura 2 – A contemplação do saber Fonte: Ververidis Vasilis/Shutterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 8 – FIQUE ATENTO! No campo do saber não existem questionamentos sobre a importância da filosofia, mas, quando a filosofia é lançada ao senso comum, seu saber é questionável, mesmo sendo ela a base da própria matemática. Os primeiros filósofoseram matemáticos. Portanto, qual é a utilidade da filosofia? De acordo com Chaui (2005, p. 24): Se abandonar a ingenuidade e os preconceitos do senso comum for útil; se não se deixar guiar pela submissão às ideias dominantes e aos poderes estabelecidos for útil; se buscar compreender a significação do mundo, da cultura, da história for útil; se conhecer o sentido das criações humanas nas artes, nas ciências e na política for útil; se dar a cada um de nós e à nossa sociedade os meios para serem conscientes de si e de suas ações numa prática que deseja a liberdade e a felicidade para todos for útil, então podemos dizer que a Filosofia é o mais útil de todos os saberes de que os seres humanos são capazes. Assim, não resta dúvida de que qualquer coisa que se coloca como útil ou inútil independe de sua utilidade, o que resta é saber o quanto é importante, ou seja, se a filosofia pode ser tomada, em certa medida, como inútil, ela não vai nunca deixar de ser importante. FIQUE ATENTO! Nem tudo que é útil é importante, e nem tudo que é importante é útil; essa contra- posição é importante para refletirmos acerca da aplicação e do uso da filosofia em nosso cotidiano. EXEMPLO A música pode servir para relaxar, apaziguar, unir pessoas e descontrair. Assim, a música é útil. Mas, será que ela é importante? Nós necessitamos de música para viver? Podemos viver sem música, mas nem por isso ela se torna inútil. 3 A reflexão filosófica Você sabia que a todo momento estamos fazendo filosofia? Todas as vezes que estamos indecisos e fazemos um escolha necessária, que exigiu pausa para ponderarmos e tomarmos uma decisão, estamos fazendo uma reflexão filosófica. A expressão aristotélica que diz que a filosofia nasce do espanto ilustra esta ideia de reflexão a partir de simples fatos cotidianos, daquilo que não sabemos e queremos conhecer. Há na litera- FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 9 – tura francesa, especificamente na obra “A viagem de Theo”, de Catherine Clement, um argumento que diz: “a consciência da ignorância é o começo da dúvida, que conduz a sabedoria” (CLEMENT, 1997, p. 211). Ou seja, a partir do momento que tenho a certeza de não saber, busco sanar esse não saber a partir da busca por conhecimento, que irá me fornecer sabedoria. Figura 3 – O espanto Fonte: BONNINSTUDIO /Shutterstock.com Em nosso cotidiano sempre estamos nos perguntando: por quê? O quê? Para quê? Estas questões estão ligadas aos nossos atos de pensar, agir e falar, além de atreladas ao indivíduo. São perguntas vinculadas à capacidade de conhecer, falar, agir, questionar e refletir, que mostram o indivíduo como um ser pensante, falante e agente. Trata-se da realidade interior dos homens. Mas, o que estas três perguntas têm a ver com a reflexão filosófica? Chaui (2005) explica que a reflexão filosófica carrega três conjuntos de questões. Observe: • por que pensamos o que pensamos? Dizemos o que dizemos? E fazemos o que faze- mos? Ou seja, há motivos, razões e causas; • o que queremos pensar quando pensamos? O que queremos dizer quando falamos? O que queremos fazer quando agimos? Isto é, qual é o sentido do que pensamos, dize- mos ou fazemos? • para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos, fazemos o que faze- mos? Qual é a intenção do que pensamos, dizemos e fazemos? Isso se resume em: o que é pensar, falar e agir. São objetos de indagação, pensamento e lin- guagem, que pertencem ao homem, e são instrumentos da vivência humana em sociedade: “O que pensamos, dizemos e fazemos em nossas crenças cotidianas constitui ou não um pensamento verdadeiro, uma linguagem coerente e uma ação dotada de sentido?” (CHAUI, 2005, p. 21). É importante perceber que a reflexão filosófica é uma reflexão radical, que busca a causa de todas as coisas, a raiz do problema e do pensamento, é um movimento de volta, um movimento de retorno a si mesmo, um pensamento que parte de si e volta a si mesmo, a fim de conhecer como é possível o próprio conhecimento. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 10 – Por isso grave bem: diariamente estamos sempre refletindo, pensando, falando e agindo, sem perceber que estamos promovendo uma reflexão e possuindo uma atitude filosófica, que nada mais é do que se indagar: o que é? Como é? Por que é? SAIBA MAIS! Para saber mais sobre a importância da filosofia no cotidiano, como uma disciplina a ser contemplada no contexto escolar leia o artigo “A filosofia e o cotidiano: o professor como mediador entre o indivíduo particular e o humano-genérico” (GIROTTI, 2011). Disponível em: <http://fatece.edu.br/arquivos/arquivos%20 revistas/trilhas/volume1/7.pdf>. EXEMPLO Hoje sabemos da complexidade dos problemas e temos outros métodos para es- tudá-los, como o proposto por Edgar Morin (2005) sobre a complexidade. Esta pa- lavra significa que as questões são tecidas juntas e que você não pode separá-las para estudá-las, sob pena de não apreender o objeto de estudo e, consequentemen- te, não encontrar uma alternativa de solução para o problema. 4 A filosofia do cotidiano Pensar, falar e agir são ações que fazemos a todo momento, de forma inconsciente, pois está enraizado em nosso ser, um ser de atitude, de pensamento e de linguagem. Difícil é reconhecer que estamos a todo momento pensando e ponderando sobre nossas ações, resolvendo problemas, sistematizando soluções e, sobretudo, adquirindo conhecimento. Figura 4 – Pensamento cotidia Fonte: Ditty_about_summer/Shutterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 11 – Note que a filosofia nos auxilia a pensar e refletir. Desde os simples fatos do dia a dia até os problemas mais complexos, respiramos o saber filosófico. A consciência de que não sabemos tudo, por exemplo, nos leva a buscar conhecimento; a capacidade de pensar também nos conduz ao conhecimento, assim como o fato de agir nos leva a pensar e, consequentemente, a refletir sobre a melhor decisão. Portanto, a todo momento estamos fazendo filosofia e isso mostra a sua importância, mesmo que ela seja julgada, muitas vezes, como inútil, por não encontrar a justificativa de sua relevância, nem por isso ela deixa de ser importante. FIQUE ATENTO! A filosofia não é simplesmente reflexão ou indagação. Mais do que isso, ela nos remete à busca pelo conhecimento e aquisição de novos saberes. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender o conceito de filosofia; • entender a importância do pensamento filosófico na vida cotidiana. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. CLEMENT, Catherine. A viagem de Theo: romance das religiões. São Paulo: Cia das Letras, 1997. GIROTTI, Marcio Tadeu. A filosofia e o cotidiano: o professor como mediador entre o indivíduo particular e o humano-genérico. Trilhas Pedagógicas, Pirassununga, v. 1, n. 1, p. 108-121, ago. 2011. Disponível em: <http://fatece.edu.br/arquivos/arquivos%20revistas/trilhas/volume1/7.pdf>. Acesso em: 21 dez. 2016. O QUE É FILOSOFIA por Mario Sergio Cortella. Pensa Brasil. 2015. Vídeo. Disponível em: <https:// www.youtube.com/watch?v=Xsi6L9HeDCM>. Acesso em: 21 dez. 2016. MORIN, Edgar. Introdução ao Pensamento Complexo. Tradução de Eliane Lisboa. Porto Alegre: Editora Sulina, 2005. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 12 – A origem da filosofia Marcio Tadeu Girotti Introdução Estudaremos nesta aula a origem da filosofia em seu contexto histórico, desde o surgimento dos primeiros filósofos. Vamos compreender como foi a passagem de um conhecimento funda- mentado pelo viés mítico para um conhecimento com fundamento racional, guiado pela razão, pela investigação da natureza, a physis, a realidade que nos cerca.A filosofia possui sua origem nos povos gregos, que teriam sido os primeiros mercadores, comer- ciantes, negociadores, retóricos, matemáticos e filósofos. Acredita-se que na colônia grega surgiram os questionamentos que iriam emergir e constituir todo o pensamento base do conhecimento humano. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • conhecer os primórdios da filosofia a partir do seu surgimento; • entender a mudança de pensamento com a passagem do Mito para a razão. 1 Origem da filosofia Historicamente, a filosofia teria nascido entre o final do século VII a.C e o início do século VI a.C., nas colônias gregas da Ásia Menor (Jônia, na cidade de Mileto). Filosoficamente, ela nasce já com um conteúdo determinado, a cosmologia. Os primeiros estudos filosóficos giram em torno do cosmos (kósmos), a ordem e organização do mundo; fundamentados pela logia (lógos), o pensa- mento racional, fazendo da filosofia um conhecimento racional da ordem do mundo (CHAUI, 2005). Muitos defendem que a filosofia teria sua origem por influência do pensamento oriental. Prin- cipalmente por conta da viagens de povos comerciantes, que tinham contato com a cultura do oriente, transportando tais conhecimentos para o ocidente, em especial, a Grécia. Exemplo disso seria o conhecimento da agrimensura, adquirido no Egito, e que posteriormente originaria entre os gregos as ciências da aritmética e da geometria. Também muito se diz que a filosofia foi um “milagre grego”. Que nada teria sido criado antes, sendo o povo grego algo excepcional, elevado, sem similares. Nem por um lado e nem por outro, a origem da filosofia viria das mudanças que os gregos impuseram aos conhecimentos da época, a partir do contato com a cultura oriental. – 13 – TEMA 2 Figura 1 – Grécia Antiga Fonte: ivan bastien/Shutterstock.com FIQUE ATENTO! Há interpretações que confirmam o surgimento da filosofia com base totalmente na cultura oriental, justificativa que passa por questões religiosas, por exemplo. Há outras que acreditam mesmo no “milagre grego”. 2 Primeiros filósofos Os primeiros pensadores desenvolveram certos conhecimentos acerca do mundo e das coi- sas. Didaticamente, é necessário segmentar o pensamento da antiguidade clássica, grega, em períodos, para melhor entender o desenvolvimento do conhecimento ocidental, que influencia todo o campo do saber até os dias atuais. Nesse sentido, costuma-se dividir o pensamento grego em quatro momentos (CHAUI, 2005): • Grécia homérica: narração da história grega pelo poeta Homero, representado nas obras “Ilíada” e “Odisseia”. • Grécia arcaica (sete sábios): do século VII ao século V a.C., com a criação das cidades gregas, advento do comércio e vida urbana (Atenas, Esparta, Samos entre outras). • Grécia clássica: entre V e IV a.C. até início do século III a.C., com o surgimento da democracia, da vida intelectual e artística, expansão comercial e apogeu militar. • Grécia helênica: meados do século III a.C., império de Alexandre da Macedônia, até a tomada da Grécia pelo povo romano. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 14 – A historicidade grega não corresponde, diretamente, à divisão do pensamento filosófico, mas o influencia, constituindo também quatro momentos (CHAUI, 2005; ARANHA; MARTINS, 2003): • Período pré-socrático (cosmológico): entre os séculos VII e V a.C. Investiga-se a ori- gem do mundo e as causas das transformações da natureza. Abrange os filósofos das colônias gregas Jônia e Magna Grécia. • Período socrático (antropológico): séculos V e IV a.C. Investiga-se as questões huma- nas, a ética, a política e as técnicas, compreendendo qual o lugar do homem no mundo. O centro cultural da Grécia passa a ser Atenas. Os representantes do pensamento grego são Sócrates, Platão e Aristóteles, que iriam influenciar todo o pensamento posterior. • Período sistemático: séculos IV e III a.C. Busca-se reunir e sistematizar todo o pensa- mento anterior, desenvolvendo-se a teoria do conhecimento, a psicologia e a lógica. Constitui também os primeiros germes da metafísica, que busca o conhecimento último de todas as coisas. • Período helenístico (greco-romano): séculos III a.C. a VI d.C. A filosofia se preocupa com questões de ética, conhecimento humano, relações entre homem, natureza e Deus. Período de apogeu do império romano e influência do cristianismo. Entre esses momentos históricos, teria a filosofia surgido e se consolidado como o pensa- mento humano, com toda a investigação do mundo e da natureza. Porém, o pensamento dos primeiros filósofos já mostra um amadurecimento do conhecimento, passando de investigações voltadas para a origem do mundo e sua ordem, baseadas muitas vezes em mitos, para um conhe- cimento melhor fundamentado, com bases racionais. FIQUE ATENTO! As divisões históricas tomam por base períodos predefinidos de forma didática, sem uma precisão que marque ao certo a data exata de início e término de uma época, mas servem para orientar e organizar as informações. 3 Passagem do mito para a razão Como vimos na seção anterior, a filosofia, em um primeiro momento, teria sua origem nas epopeias narradas por Homero, nas obras “Ilíada” e “Odisseia”, uma narração de cunho mítico, que conta a história da Guerra de Troia e a volta para cada de seu grande herói, Ulisses. Nestas obras, temos a história sendo narrada com acontecimentos que mostram os primeiros passos de um pensamento emergente. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 15 – Figura 2 – Homero Fonte: Kozlik/Shutterstock.com O pensamento filosófico tem sua base na mitologia, tomando o mito como uma explicação para o surgimento do mundo e para a manutenção do mesmo, como uma justificativa para a vida terrena. E o que é o Mito? Do grego mythos, o mito é um discurso proferido por ouvintes que receberam uma informação por aquele que narrou um acontecimento; e ao confiar nesta fonte, transmitem a informação para outros. Ou seja, o mito é uma narrativa sobre a origem de astros, da Terra, do vento, do mar, do bem e do mal, da vida e da morte. Uma narração que, por vezes, é fictícia, contando também grandes epopeias. Por falta de uma explicação contundente, o mito, ou a mitologia, por muito tempo foi um saber que justificava os acontecimentos. Justificava-se a origem das coisas por meio de lutas entre deu- ses, alianças ou relações sexuais entre forças sobrenaturais que governavam o mundo, mostrando ao homem que havia algo que estava acima de sua compreensão, mas que garantia sua vida terrena. Figura 3 – Zeus Fonte: Dearz/Shutterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 16 – O mito, sendo uma ficção, não se sustentou por muito tempo. Com as primeiras investigações da natureza, na procura por um saber que explicasse o surgimento das coisas, na intenção de com- preender a passagem do caos ao cosmos, na busca pela arché (princípio, elemento primordial que constitui tudo), os primeiros filósofos promoveram o conhecimento da natureza, da physis, aquilo que emerge, que surge, que brota, rompendo com o mito, fundamentando o conhecimento na razão. EXEMPLO Para justificar um trovão, pela explicação mítica, bastava dizer que o deus do Olim- po, Zeus, estava bravo com os homens, mortais. Os primeiros filósofos irão em busca da arché, a unidade que poderia explicar a multiplicidade de coisas existentes no mundo. Para cada filósofo do período pré-socrático existiria uma arché. Para Tales de Mileto seria a água; para Anaxímenes era o ar; Demócrito acreditava que era o átomo; para Empédocles, os quatro elementos: água, ar, terra e fogo. A partir do rompimento com o pensamento mítico, a filosofia começa a se desenvolver com base na razão, por meio da busca de um saber que investigue a natureza e descubra, a partir dela, a origem de tudo e o desenvolvimento de todo saber.EXEMPLO A arché, como elemento primordial significa que todas as coisas que existem pos- suem um elemento comum. Se tudo que existe possui umidade, significa que o elemento comum é a água (Tales de Mileto, o primeiro filósofo, defendia essa tese). SAIBA MAIS! Para conhecer melhor a mitologia grega, leia “O livro de ouro da filosofia”, de Tho- mas Bulfich. Disponível em: <http://filosofianreapucarana.pbworks.com/f/O+LI- VRO+DE+OURO+DA+MITOLOGIA.pdf>. 4 O conhecimento da physis A mudança do conhecimento mitológico para o conhecimento da physis é um movimento que passa do tipo de escrita, poética, para uma escrita lógico-conceitual, em prosa. No tipo de investiga- ção, vai da aceitação de narrativas fictícias a formulações lógicas por meio de argumentos bem fun- damentados, a partir da investigação da natureza, na procura de provas para qualquer conhecimento. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 17 – Os filósofos deixam de justificar a ordem do mundo advinda do sobrenatural, uma ordem divina calcada em deuses, e iniciam a busca por explicações de ordem racional. Iniciam a procura por elementos que seriam essenciais para a composição de tudo o que existe, tudo que é mutável e imutável, e que constituiu o que conhecemos como realidade. Portanto, o saber baseado na physis torna-se a investigação concreta da natureza, permi- tindo a evolução do conhecimento filosófico, deixando para trás um saber incipiente, buscando na razão o conhecimento do mundo. FIQUE ATENTO! A concepção de physis é o que, posteriormente, irá se entender como física ou filoso- fia da natureza. Na Grécia, este conceito é tomado como aquilo que é natureza, que brota, emergindo sem uma origem prévia, sem uma explicação pela causa (como um aparecer do nada). Figura 4 – O sobrenatural Fonte: Vuk Kostic/Shutterstock.com SAIBA MAIS! Conheça mais sobre a filosofia e seus mitos lendo o artigo: “O surgimento da filosofia e a evolução dos mitos: a importância da Escola Jônica para a construção da racionalidade”. Disponível em: <http://www.pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_ Humanas/Filosofia/71062-AGATHACRISTINEDEPINE.pdf>. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 18 – Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer a origem da filosofia; • entender a passagem do mito para a razão; • adquirir conhecimento sobre a mitologia. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. BULFINCH, Thomas. O livro de ouro da mitologia: história de deuses e heróis. 26. ed. Rio de Janeiro: Ediouro, 2002. Disponível em: <http://filosofianreapucarana.pbworks.com/f/O+LIVRO+- DE+OURO+DA+MITOLOGIA.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2017. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. DEPINÉ, Ágatha Cristine; GOMES, Ariel Koch; SOARES, Josemar Sidinei. O surgimento da filosofia e a evolução dos mitos: a importância da Escola Jônica para a construção da racionalidade. In: SALÃO DE INICIAÇÃO CIENTÍFICA, X., Porto Alegre: PUCRS, 2009. Disponível em: < http://www. pucrs.br/edipucrs/XSalaoIC/Ciencias_Humanas/Filosofia/71062-AGATHACRISTINEDEPINE.pdf>. Acesso em: 11 jan. 2017. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 19 – As diversas abordagens do real Márcio Tadeu Girotti Introdução Como podemos observar a realidade que nos cerca? A realidade é uma diversidade de fatos e fatores que dependem da interpretação e representação que o ser humano dela faz. O homem e a mulher que vivem em uma cultura onde a fé é marcante, inevitavelmente bus- carão em sua crença a justificativa de sua existência; mas não poderão buscar outras provas para o mesmo objetivo? Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • identificar as várias formas de abordar a realidade; • saber diferenciar a forma como se interpreta - a diferença de perspectiva na linguagem. Exemplo: o pôr do sol, o luar, um corpo que cai, descritos na linguagem de um físico e na linguagem do senso comum de um cidadão. 1 Como podemos observar a realidade A realidade que se coloca de diversas formas nos leva a crer que ela pode ser abordada e interpretada de diversas maneiras, conforme diz Aranha (1996, p. 104). São diversas as maneiras pelas quais o homem (sic) entra em contato com o mundo que o cerca, dependendo das circunstâncias e necessidades, bem como do tipo de cultura em que ele está inserido. Em geral, destacam-se as abordagens mítica, religiosa, artística, cien- tífica, filosófica e do senso comum. Para Aranha (1996), são seis modos de observar a realidade, sendo o mais simples o senso comum, nosso cotidiano privado, no qual observamos os fatos e os interpretamos da nossa maneira, sem nenhum critério de análise. Pela ciência vemos o mundo com dados técnicos, que nos fornecem provas dos fatos que envolvem toda a esfera da natureza e científica. – 20 – TEMA 3 Figura 1 – Observando o mundo Fonte: Ditty_about_summer/Shutterstock.com Há várias formas de interpretar o mundo. Dependendo da crença de cada um, a representa- ção do mundo se modifica. Conforme a orientação do ser humano, sua forma de ver o mundo se altera também, ou seja, o modo de ver o mundo pode ser adaptado para servir de horizonte para a interpretação. 2 Mito e religião A crença e a fé são elementos constitutivos do ser humano que podem se complementar ou se repelir a depender da maneira como este interpreta o mundo ou busca conhecer a si mesmo. A primeira questão é: mito e religião são a mesma coisa? A primeira diferença entre mito e religião está na multiplicidade ou individualidade dos deu- ses. Na mitologia existiam vários deuses. Em geral, existiam para apaziguar a aflição dos homens, que viviam em um mundo assustador (ARANHA, 1996). Já na religião há um único Deus que se mostra de diversas formas. Tanto no mito quanto na religião, o elemento base é a crença, acreditar nos deuses ou no Deus e confiar na forma de sua intervenção no mundo, com o poder da criação e manutenção da vida. Enquanto a crença é o elemento base para garantir a aceitação e a confiança no sobrenatural, é a Fé que distingue a religião do mito. Com ela acreditamos piamente no desconhecido e temos a esperança de continuar no caminho reto da religião, na confiança e segurança do Deus criador. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 21 – Figura 2 – Religião em diversas crenças Fonte: Rashad Ashurov/Shutterstock.com O mito é figurativo em povos tribais, que utilizam a crença em deuses para cultivar sua vida. O deus sol, o deus terra, o deus da agricultura, entre outros, possibilitam a passagem de uma gera- ção a outra dos costumes e da crença no sobrenatural, na magia, alimentando a vida. A religião foi desvencilhando-se do mito, deixando de lado deuses momentâneos para se fiar em um Deus individualizado, pessoal, que, com vários nomes, é um único ser, humanizado pelos homens, como sua imagem e semelhança. O ser humano que interpreta o mundo de forma mítica ou religiosa buscará no sobrenatural a justificativa de sua existência, se aproximará de Deus pela fé, mas poderá procurar na filosofia uma prova racional da existência de Deus! FIQUE ATENTO! A principal diferença entre mito e a religião é a diversidade de deuses. Enquanto a mitologia apresenta deuses momentâneos, a religião acredita em um único Deus. SAIBA MAIS! Leia o artigo “Mitos e verdades em ciência e religião: uma perspectiva histórica” e procure relacionar as afirmações acerca do mito com as verdades da ciência e as contraprovas da religião, no eterno embate entre o místico e o real. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n6/v36n6a07.pdf>. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 22 – 3 Senso comum, ciência e linguagens O ser humano já nasce em uma sociedade. Seus primeiros conhecimentossão herdados, transmitidos por alguém, pois somente quando amadurece pode julgar aquilo que observa e aquilo que lhe é transmitido como verdade. Estamos aqui falando do senso comum. O saber do senso comum não é comprovado, é fragmentário, é hereditário, assistemático. Acre- ditamos nele por confiar na fonte que nos transmitiu conhecimento, que varia de cultura para cultura. É um saber empírico derivado da experiência cotidiana, ingênuo, sem rigor. Vemos os fatos como eles ocorrem, acreditamos nessa verdade sem buscar as provas concretas para sua ocorrência. EXEMPLO Comer manga e tomar leite ao mesmo tempo não faz bem. Quem nunca ouviu falar disso? É um saber do senso comum, mostra uma crença não comprovada. Isso é uma anedota antiga: para que o escravo não bebesse o leite produzido pelo gado, era permitido a eles comer manga do pomar. Isso foi passado de geração em gera- ção até a prova concreta dada cientificamente. Enquanto o saber do senso comum não é comprovado, a ciência busca provas concretas para explicar a realidade, distinguindo-se do saber popular. A ciência possui saber sistemático e rigoroso, com teste e experimentos que levam à comprovação dos fatos e de tudo que ocorre na natureza, ela se preocupa com as regularidades existentes nos fatos, o que leva à generalização deles para atingir uma regularidade perante uma lei, que garante o conhecimento comprovado. EXEMPLO Ao atirar uma pedra no vidro, presumimos que ele irá quebrar. E se não quebrar? Arremessamos a pedra com mais força. A ciência explica esse fato considerando a força do arremesso, a distância do atirador, a composição do vidro e o peso da pedra. O que muda aqui é a forma como se observa a realidade. A forma de ver o mundo está relacionada às várias linguagens que se apresentam ao ser humano, pela história, pela física, química, ou, em especial, pela cultura onde ele está inserido. A depender da forma que o indivíduo representa o mundo, haverá uma linguagem. Se ele acredita na história, sua percepção de mundo sempre irá considerar um passado e irá projetar um futuro; se ele acredita na transformação das coisas da natureza, que cria uma história de evolução, ele acredita nas provas do universo físico. Assim, o senso comum e a ciência se entrelaçam em vias de linguagem, a forma como o ser humano irá interpretar o mundo. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 23 – 4 Arte e cultura. Cultura (senso comum), ciências Físicas, História Natural e tecnologia (linguagem científica) Culturalmente, o ser humano é inserido em uma sociedade e irá herdar dela os primeiros conhecimentos e formas de observar a realidade, analisando o comportamento do outro e apro- veitando-se da sua experiência para interpretar o mundo. O artista, por exemplo, enxerga o mundo por sua expressão e emoção, com um olhar abs- trato, que pode influenciar o outro a analisar o mundo com os olhos do artista. Isso pode variar culturalmente, pois a visão de mundo em uma metrópole é diferente da visão de mundo do campo, mas pode um artista da cidade pintar o campo e vice-versa. Muitas vezes sem nunca ter pisado nesse ambiente, sendo algo desconhecido para ele. Tomando a cultura como instrumento, obtendo conhecimentos transmitidos, porém, o artista representa o mundo da sua forma e ela pode influen- ciar outros pensamentos. Figura 3 – Arte como expressão do mundo Fonte: Anton Evmeshkin/Shutterstock.com A física nos transmite um saber concreto e comprovado que permite entender a causa e o efeito dos acontecimentos, nos levando a saberes mais complexos que permitem o desenvolvi- mento de novos estudos e a construção de conhecimentos e ferramentas para interpretar o mundo. Atualmente, a ciência e a tecnologia evoluem em largos passos mostrando ao ser humano que tudo é possível, desde que se acredite no impossível. A invenção da máquina e a evolução da comunicação caminham com o próprio desenvolvimento da humanidade. As distâncias encurta- das pela tecnologia permitem enxergar um mundo sem barreiras, proporcionando ao ser humano novas maneiras de observar a realidade, usando a tecnologia como instrumento. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 24 – FIQUE ATENTO! A arte como expressão do artista representa a visão de mundo que ele possui. Bas- ta que você interprete essa arte por seu próprio ponto de vista e a utilize para ver o mundo com seus próprios olhos. 5 Ciência e filosofia A filosofia e a ciência caminharam juntas até o século XVII, quando se separaram, abrindo espaço para as ciências particulares, como física, astronomia, biologia, psicologia etc. Mesmo com essa separação, o objeto de estudo de ambas permaneceu, mas a forma de investigação tor- nou-se diferenciada. Por um lado, um saber especializado, a ciência. Por outro, um saber rigoroso que busca a totalidade e a causa última de todas as coisas, a filosofia. A ciência é um saber comprovado, rigoroso e sistemático, mas é fragmentário em sua espe- cialização: a biologia estuda a vida, a antropologia estuda o ser humano, a física estuda a natureza. A filosofia estuda tudo isso e vai até a última consequência, sendo também um saber rigoroso e sistemático, como a ciência, mas nem sempre comprovado. A visão de mundo do cientista é a experimentação como prova da realidade, ao passo que a visão do filósofo sobre a mesma realidade é entender como essa realidade é real, qual o funda- mento dessa realidade. Figura 4 – O ser humano, a ciência e a filosofia Fonte: life_in_a_pixel/Shutterstock.com Essas duas maneiras de abordar a realidade consideram o mundo como um todo, com infi- nitas possibilidades. Quem se aproxima dessa forma de observar o mundo estará sempre sobre um alicerce bem fundamentado, podendo especializar o seu saber ou procurar a causa última de todas as coisas. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 25 – FIQUE ATENTO! A filosofia se diferencia da ciência por ser um conhecimento que visa a totalidade, enquanto a ciência se especializa em um objeto de estudo. SAIBA MAIS! No artigo “Observações sobre as relações entre a ciência e a filosofia”, o autor procura mostrar as aproximações e distanciamentos acerca dos objetos de estudo da ciência e filosofia. Veja o link: <http://www.unicamp.br/~chibeni/textosdidaticos/ cienciaefilosofia.pdf>. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer as diversas abordagens do real; • diferenciar as várias formas de enxergar o mundo; • conhecer as linguagens de interpretação de mundo. Referências ARANHA, M. L. de A. Filosofia da educação. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1996. _______; MARTINS, M. H. P. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2003. CHIBENI, Silvio Seno. Observações sobre as relações entre a ciência e a filosofia. In: SEMANA DA FÍSICA, I., Instituto de Física Gleb Wataghin, Campinas, 2001. Disponível em: <http://www.unicamp. br/~chibeni/textosdidaticos/cienciaefilosofia.pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017. NUMBERS, Ronald L. Mitos e verdades em ciência e religião: uma perspectiva histórica. Rev Psiq Clín, v. 36, n. 6, p. 246-251, 2009. Disponível em: <http://www.scielo.br/pdf/rpc/v36n6/v36n6a07. pdf>. Acesso em: 13 jan. 2017. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 26 – A filosofia pré-socrática Márcio Tadeu Girotti Introdução A história da filosofia, didaticamente, possui uma divisão clássica, que separa o saber em dois momentos: antes e depois de Sócrates. Este pensador grego é considerado, por seus ensi- namentos, como um marco da filosofia. Todo o saber anterior a Sócrates é considerado como incipiente, mas possui grande importância para o desenvolvimento da humanidade. O período considerado pré-socrático, anterior a Sócrates, é marcado por investigações que tomam por base o conhecimento da natureza, com os primeiros pensamentos que levaram o ser humano a investigar a origem dascoisas, do mundo, do universo, do cosmos. Veremos nesta aula como esse pensamento se configura e se faz presente ao longo da his- tória da filosofia. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • entender o surgimento da filosofia a partir dos primeiros registros de pensamento filosófico; • conhecer o pensamento pré-socrático e seus representantes para identificar as verten- tes de pensamento (racional e empírico). 1 A filosofia anterior a Sócrates O pensamento caracterizado como anterior a Sócrates é denominado como pré-socrático, possuindo como característica principal a preocupação com a natureza do mundo exterior, mar- cando a passagem da cosmogonia para a cosmologia. A cosmogonia é a interpretação do mundo pelo mito, a passagem do caos aos cosmos, apoiado em deuses e sua identificação com forças da natureza. Já a cosmologia é o rompimento com o sobrenatural e a busca por princípios teóricos que expliquem a ordem do mundo, a procura pela arché (princípio teórico), concebendo a diversidade de escolas filosóficas com diferentes fun- damentos conceituais (ARANHA, 2000). – 27 – TEMA 4 Figura 1 – Sócrates Fonte: Renata Sedmakova/Shutterstock.com O pensamento pré-socrático é narrado pela filosofia clássica na voz do próprio Sócrates, Pla- tão e Aristóteles, uma vez que boa parte dos escritos foram perdidos, restando tão somente frag- mentos que serviram de base para a interpretação da época. Entre os principais pensamentos desse período, destaca-se a filosofia de Heráclito e Parmê- nides; mas antes disso houve Tales de Mileto, considerado o primeiro filósofo. SAIBA MAIS! Confira a obra de Gerd Borhmein, “Os filósofos pré-socráticos”, para compreender como se estabeleceu a divisão da filosofia em dois momentos, tendo como marco o pensamento de Sócrates. Disponível em: <https://docente.ifrn.edu.br/edneysilva/ os-filosofos-pre-socraticos>. 2 Tales de Mileto: o primeiro filósofo Tales viveu em Mileto (634-546 a.C.), era um negociante, envolvido em política, conhecedor da matemática. Infelizmente, seus escritos não sobreviveram ao tempo, mas os registros de sua filosofia estão presentes em Aristóteles e, principalmente, em Diógenes de Laércio (biógrafo do século III). Assim como outros pensadores desse período, Tales buscava um princípio, um elemento primordial. Para tanto perguntava-se: qual a matéria prima básica do universo? Qual o elemento que dá início à formação de tudo? Com isso, o pensador investigava a natureza a fim de encontrar a arché, para sustentar sua teoria, de que há um elemento comum que compõe todas as coisas. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 28 – Investigando a natureza, observou que a água sustentava todas as formas de vida, pos- suindo movimento que a faz transformar-se em diversos estados: líquido, sólido e gasoso. A partir disso, Tales considerou que toda a matéria, independentemente de suas propriedades, em algum momento deve ser água em um seus estágios de transformação, pois parece ser evidente que todo o composto é úmido, tudo o que existe possui umidade. Figura 2 – Água: a arché de Tales de Mileto Fonte: kubais/Shutterstock.com Portanto, o filósofo Tales de Mileto concluiu: tudo é água! A matéria prima do universo é algo a partir do qual tudo vem a ser formado, é essencial à vida, capaz de se transformar, mover, mudar. SAIBA MAIS! Com grande domínio de geometria e astronomia, Tales conseguiu prever um eclipse completo do sol em 585 a.C. Infelizmente ele não sobreviveu para comprovar sua descoberta. Tales de Mileto, além de filósofo era matemático e utilizava esse saber para compreender a natureza e a origem do universo. Foi responsável, entre outras coisas, pela criação de um teorema, o conhecido “teorema de Tales”, utilizado até hoje para cálculos geométricos, muito aplicado no campo da engenharia. FIQUE ATENTO! Tales de Mileto está entre os filósofos que buscavam a arché, o elemento primordial que deveria compor todas as coisas. Ele é considerado o primeiro filósofo por ter sido o primeiro a investigar a natureza a partir desse ponto de vista. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 29 – EXEMPLO Ao observar que à beira do rio nascem plantas, Tales de Mileto considerou que as coisas são úmidas e, portanto, em algum momento passaram pelo estágio água. 3 As escolas filosóficas Os primeiros filósofos datam do século VI a. C. e foram agrupados em escolas, a partir de seus ensinamentos e pressupostos filosóficos. Essa separação em escolas, além de ser uma forma didá- tica de apresentar a divisão da filosofia nesse período, nos auxilia a compreender a influência de cada vertente para concepções filosóficas posteriores. Entre as principais escolas destacam-se: 3.1 Jônica (Tales, Anaximandro, Anaxímenes, Heráclito, Em- pédocles) É a mais antiga das escolas gregas, com origem em Mileto (VI a.C.). Nela destaca-se Tales de Mileto, buscando sentido racional para a origem das coisas, opondo-se às explicações sobrenaturais. 3.2 Itálica (Pitágoras) Desenvolve-se no sul da Itália, tendo em Pitágoras seu principal representante, que justificava os números como essências das coisas. 3.3 Eleática (Xenófanes, Parmênides, Zenão) Parmênides é o principal representante dessa escola, afirmando que a única realidade exis- tente é o ser. Zenão de Eléia, também um dos entusiastas dessa corrente de pensamento, por meio de seu princípio dialético de análise, modifica a doutrina do ser de Parmênides, buscando afirmar que o ser é uno. 3.4 Atomista (Leucipo e Demócrito) Com Demócrito (460-370 a.C.) como seu principal representante, tem por fundamento o vir a ser das coisas, considerando que os seres são compostos por partículas indivisíveis: o átomo. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 30 – Figura 3 – O Átomo: a arché de Demócrito Fonte: vectorEps/Shutterstock.com A partir dessas escolas se desenvolvem os pensamentos e fundamentos da filosofia nas- cente. Posteriormente, com a filosofia clássica, a exemplo de Platão e Aristóteles, veremos nova- mente a formação de escolas, denominadas de Academias do saber, cada qual especificando um tipo de conhecimento, uma ênfase, como a lógica, a matemática, a ética ou mesmo a biologia. FIQUE ATENTO! As escolas filosóficas desse período agrupam as teorias e os pensadores de acordo com suas teses. Não eram agrupamentos que ensinavam determinado conheci- mento, como foram, posteriormente, a Academia de Platão e o Liceu de Aristóteles, por exemplo. 4 Heráclito e Parmênides Heráclito (544-484 a.C.), oriundo da Jônia (Éfeso), pertencente à Escola Jônica, buscava com- preender a multiplicidade do real, considerando que tudo está em movimento, nada é imutável. A ele é atribuída a expressão: “nunca nos banhamos duas vezes no mesmo rio”. Na segunda vez nem o rio e nem nós somos os mesmos. Isso implica que tudo muda a todo tempo, nada é estável. O ser se mostra em multiplicidade, portanto “tudo flui” (panta rei). FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 31 – Figura 4 – Movimento constante da mudança Fonte: Galyna Andrushko/Shutterstock.com Para Heráclito o ser é múltiplo, pode ser constituído de oposições internas. A luta entre con- trários mostra o fluxo de movimento para a aparição das coisas. Dizia Heráclito que “a guerra é pai de todos, rei de todos” – explicando que da luta nasce a harmonia como síntese dos contrários (ARANHA, 2000). Contrário ao pensamento de Heráclito, Parmênides (540-470 a. C.), da Escola Eleática, acredi- tava que o ser é imóvel, estável, imutável, pois nada pode ser e não ser ao mesmo tempo: o ser é e o não ser, não é. Isso mostra um princípio de identidade do ser, algo que será fundamentado pela metafísica posterior como princípio de fundamento da coisas. O movimento, para Parmênides, existe somente no mundo sensível, que promovea mudança, o nascer e o morrer das coisas, e toda percepção desse mundo é ilusória. Somente o mundo inte- ligível é verdadeiro, pois contém o imutável. Esses dois pensamentos, em última instância, serão a base do pensamento filosófico da antiguidade e sua influência se faz presente em pensadores da filosofia moderna, como Hegel. Na filosofia clássica, em Platão, essa contraposição em um mundo sensível e inteligível ficou evidente, como uma junção entre os pensamentos de Heráclito e Parmênides. Os pensamentos de Heráclito e Parmênides, em conjunto, fundamentam, em certa medida, a teoria de Platão, uma vez que a teoria de Heráclito está vinculada ao mundo sensível, mutável, que a todo momento está se modificando, não é estável. Ao passo que, para Parmênides, há algo que não se altera, não se modifica, permanece, é essencial, o que seria o mundo ideal de Platão. Além disso, essas duas teorias iniciam o que mais tarde será configura como corrente de pensamento empirista e racionalista. A consequência direta do pensamento desses dois filósofos é a teoria da identidade entre o ser e o pensar, aquilo que existe em mim e fora de mim como sendo identificadas ao meu pensa- mento, ou seja, o que não consigo pensar não pode ser na realidade (ARANHA, 2000). FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 32 – FIQUE ATENTO! O princípio de identidade é consequência direta da teoria de Parmênides, que pos- teriormente foi de suma importância para o desenvolvimento da corrente de pen- samento racionalista. EXEMPLO A lagarta que se transforma em borboleta é um exemplo de vir a ser. A lagarta pos- sui em sua essência o ser borboleta; mas, para isso, é necessária uma transforma- ção, que mostre a passagem do estágio lagarta para o estágio borboleta. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender a filosofia pré-socrática; • entender o pensamento filosófico dos primeiros filósofos; • identificar o pensamento de Heráclito e Parmênides como influência para os pensa- mentos de Platão. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 2000. BORHMEIN, Gerd (org.). Os filósofos pré-socráticos. São Paulo: Cultrix, 1998. Disponível em: <https://docente.ifrn.edu.br/edneysilva/os-filosofos-pre-socraticos>. Acesso em: 17 jan. 2017. BURNHAM, Douglas; BUCKINGHAM, Will. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 33 – A filosofia Grega Márcio Tadeu Girotti Introdução A filosofia grega é momento clássico da filosofia, onde se desenvolveram as principais ideias, conceitos, princípios que orientaram toda a teoria do conhecimento que se volta para o ser humano para a natureza, para o universo. Na Grécia antiga vimos aparecer os pensamentos de Sócrates, Platão e Aristóteles, que influenciaram todo o campo do saber sistematizando a forma de pensar e conhecer. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • entender como se estabeleceu a filosofia na Grécia; • conhecer o pensamento filosófico grego a partir dos principais filósofos; • compreender a origem de toda a filosofia e sua corrente de pensamento: racionalista e empirista. 1 O pensamento filosófico da Grécia Antiga: Platão, Sócrates e Aristóteles O momento filosófico da Grécia clássica (V e VI a.C.) é representado pelos filósofos Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates (470-399 a.C.) nada deixou registrado. Sabemos de sua filosofia por meio de Platão, seu discípulo. Sócrates passava seu tempo dialogando e participava de banquetes como momen- tos de profunda reflexão. Condenado por corromper a juventude com suas ideias, foi condenado à morte ingerindo cicuta (veneno que paralisa os músculos), mas o seu pensamento prevaleceu nos diálogos de Platão. Platão (428-347 a.C.) escrevia em forma de Diálogos, tendo por destaque o mito da caverna, que mostra a principal forma da sua teoria de conhecimento. A metáfora pode ser interpretada pelo viés epistemológico (conhecimento) ou político (poder). Como representante do racionalismo, fundou em Atenas uma Academia, onde suas teorias eram propagadas, revelando-se de grande importância para o desenvolvimento da metafísica. Discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a.C.) inicia seu pensamento seguindo o mestre. Afastou-se posteriormente constituindo sua própria teoria do conhecimento, voltando-se para o ensinamento a partir do mundo da experiência. Representou, por sua vez, a corrente de pensa- mento empirista. Fundou em Atenas uma academia do saber: o Liceu. – 34 – TEMA 5 Esses pensadores fundaram as bases do pensamento ocidental, que influenciaria todo o conhecimento posterior: como a matemática, a física, metafísica e a antropologia. FIQUE ATENTO! Sócrates não deixou nada escrito, mas seu pensamento sobreviveu nas obras de seus discípulos e historiadores da época. 2 Sócrates: dialética e maiêutica O método socrático, partindo da constatação de sua própria ignorância, o sei que nada sei, consiste em: • dialética - interroga o sujeito com perguntas que fazem a desconstrução das certezas sobre determinado conhecimento, levando o sujeito à ignorância do saber; • maiêutica - a partir da ignorância, com perguntas, dialogando, faz com que o sujeito profira novas ideias, como um parto de ideias. Figura 1 – Diálogos Fonte: Dean Drobot/Shutterstock.com Sócrates destruía o saber constituído a fim de reconstruí-lo na busca pela definição de con- ceitos. Sempre por meio de diálogos, perguntava sobre questões referentes à moral: o que é a coragem, a covardia, a justiça? Desta forma, buscava saber o que é a essência do conceito, ou seja: o conceito em si. Por sua influência, principalmente entre os jovens, Sócrates não era bem visto pelo governo, sendo condenado à morte por corromper a juventude. Ficou a cargo de Platão zelar pelo pensa- mento socrático e registrar esse saber em suas obras. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 35 – SAIBA MAIS! Sócrates não ficou triste por sua morte. Ela afirmava que sua alma estaria livre do corpo para conviver com as de grandes seres humanos, às voltas com as ideias perfeitas desse mundo de sombras. Fazendo referência ao mundo das ideias de Platão, o mundo inteligível, repleto de formas perfeitas. 3 Platão e o mito da caverna As obras de Platão são escritas em forma de diálogos, um dos principais é a obra “A Repú- blica”, onde, no livro VII, encontramos a principal referência para a teoria do conhecimento de Pla- tão: o mito da caverna. Platão imagina uma caverna onde estão acorrentados os homens (sic) desde a infância, de tal forma que, não podendo se voltar para a entrada, apenas enxergam o fundo da caverna. Aí são projetadas as sombras das coisas que passam às suas costas, onda há uma foguei- ra. Se um desses homens (sic) conseguisse se soltar das correntes para contemplar à luz do dia, os verdadeiros objetos, quando regressasse, relatando o que viu aos seus antigos companheiros, esses o tomariam por louco, não acreditando em suas palavras (ARANHA; MARTINS, 2003, p. 121). O mito representa a forma de conhecimento por meio da divisão do mundo em sensível e inteligível. O primeiro representa o mundo que temos acesso pelos sentidos, o fundo da caverna, ou seja, um mundo de sombras, ilusório. O mundo inteligível é o mundo das ideias, o mundo da verdade, das formas perfeitas, os arquétipos dos objetos que vemos no mundo sensível, que são as sombras dessas ideias perfeitas, que estão fora da caverna. Figura 2 – Platão Fonte: Anastasios71/Shutterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 36 – Os objetos do mundo sensível são contemplados porque participam da ideia de objeto em si,do mundo perfeito. Aqui temos a teoria da participação, que se complementa com a teoria da reminiscência (rememoração). Para Platão, a alma residia no mundo das ideias, contemplando as formas perfeitas. Ao ocupar o corpo, já no mundo sensível, esquece tudo o que contemplou. Quando observa objetos pelos olhos do corpo, a alma relembra o que outrora havia contemplado, rememora a ideia do objeto que observa no mundo sensível, adquirindo seu conhecimento. Esse movimento é a dialética, a alma eleva-se da multiplicidade de coisas do mundo sensível às ideias imutáveis do mundo das ideias. Representa, assim, o conhecimento racionalista. EXEMPLO Um gato é gato enquanto participa da ideia perfeita de gato. Há, no mundo das ideias, a ideia perfeita de gato; enquanto no mundo sensível, este que podemos ver, contém somente a sombra dessa ideia perfeita de gato. Vemos uma cópia e não a ideia em si. SAIBA MAIS! Acessando o link a seguir, você pode observar uma charge animada. Ela relaciona o mito da caverna aos dias atuais com referência aos conceitos de ideologia e de alienação. Disponível em:<https://www.youtube.com/watch?v=XoU4YAhJzLY>. 4 A interpretação política do mito O mito da caverna pode ser interpretado pelo viés da política. Aquele que se solta da caverna tem a missão de orientar os outros que a ela continuam presos, surgindo a questão: como influen- ciar os seres humanos que não querem ou não podem enxergar? Platão afirmava que o governo deveria ser gerenciado pela sabedoria e não pelo poder. Deve- ria existir o Rei Filósofo, pois cabe ao sábio ensinar e governar, como uma necessidade da ação política, transformando os seres humanos e a sociedade, tendo uma ação dirigida pelo modelo ideal de contemplação. A partir do mito da caverna, Platão imagina uma cidade ideal. Um modelo de como deveria ser a cidade, onde o Estado cuidaria da educação das crianças, eliminando-se a forma da proprie- dade, evitando a cobiça e o poder. A educação seria igual para todos até os vinte anos. Depois disso as pessoas seriam separadas por suas habilidades, trabalhando na subsistência, na defesa e no governo da cidade. O governo seria digno daqueles mais notáveis, detentores da arte de pensar, estudantes da filosofia, com caráter puro e de justiça. Esses manteriam a cidade coesa, com senso de justiça vivendo nos preceitos da virtude. Esse modelo de governo exclui a democracia, pois não assegura igual direito ao poder, man- tendo somente a característica da divisão igualitária dos bens e o poder para aquele que possui a FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 37 – arte de governar. Assim, a melhor forma de governo seria a aristocracia. Não da riqueza, mas do saber, onde o poder é confiado aos melhores, aos sábios. Onde reis tornam-se filósofos ou filóso- fos tornam-se reis. FIQUE ATENTO! O mito da caverna é uma alegoria que exemplifica a teoria do conhecimento de Platão. Não a representa como um todo, podendo ser interpretada tanto pelo viés do conhecimento (epistemologia), quanto pelo viés político. 5 Aristóteles e as quatro causas Aristóteles afirma que o ser humano é um composto de Substância e Acidente. Segundo o filósofo, a substância é aquilo que é em si, que possui atributos que são essenciais, aqueles que são necessários, pois, sem esses atributos, a substância não seria substância. Outros atributos, que também compõem o Ser, são considerados acidentes, atributos que não compõem a essência da substância, são qualidades externas ao Ser, que, fazendo ou não parte do Ser, não fazem dife- rença, não modificam a essência da substância. Figura 3 – A escola de Atenas Fonte: Viacheslav Lopatin/Shutterstock.com Além disso, Aristóteles trata da transformação dos seres, recorrendo às noções de forma e matéria. Forma é o que faz com que uma coisa seja o que é; já a matéria é um princípio indetermi- nado pelo qual o mundo físico é composto, aquilo do que algo foi feito. Portanto, matéria e forma são indissociáveis. A forma é a essência, enquanto a matéria é uma potência, um vir a ser, que poderá ter ou não uma forma. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 38 – Esse princípio de forma e matéria conjuga-se aos conceitos de Ato e Potência, que tratam do devir: um mármore pode se transformar em estátua. O ser existente é o ato, o perfeito, enquanto a potência é a ausência de perfeição, aquilo que poderá vir a possuir uma forma. O movimento que passa da potência ao ato mostra a teoria das quatro causas, que conjuga: forma, matéria, causa eficiente e causa final. Na estátua, por exemplo, a pedra bruta é a matéria, a forma é aquilo que o escultor irá imprimir na pedra, o trabalho de esculpir é a causa eficiente, e a causa final é o resultado, a estátua pronta. Figura 4 – As quarto causas na composição de uma estátua Fonte: QQ7/Shutterstock.com Com isso, Aristóteles fundamenta a sua teoria por vias de um conhecimento que se volta para o mundo sensível, para o conhecimento empírico. EXEMPLO O homem é uma substância, que possui atributos essenciais e um deles é ser ra- cional. Ele pode ser belo, atributo que não é essencial, é acidente, não influencia a essência de homem. FIQUE ATENTO! As quatro causas exemplifica a teoria de Aristóteles, conjugando os aspectos da es- sência-acidente, forma e matéria, potência e ato. Ou seja, não é uma teoria isolada. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 39 – Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • conhecer a origem do pensamento filosófico; • entender o pensamento clássico da filosofia com Sócrates, Platão e Aristóteles. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. 3. ed. São Paulo: Moderna, 2003. SOUZA, Maurício de. Mito da caverna. 2013. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=- XoU4YAhJzLY>. Acesso em: 13 jan. 2017. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 40 – Teorias do conhecimento filosófico Márcio Tadeu Girotti Introdução A filosofia, longe de ser uma ciência exata, procura caminhos reflexivos que envolvam pensa- mento e conhecimento para buscar soluções, causas, fundamentos para todos os fenômenos que ocorrem no mundo da experiência. Mais do que procurar a causa última de todas as coisas, a filosofia é um ramo do conhe- cimento que tem por base o pensar, o refletir, o dialogar, a busca por um método do conhecer, transformando o mundo em uma representação para o sujeito, constituindo conceitos de objetos representados no campo da experiência sensível. Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • entender o que é o conhecimento na vertente filosófica; • entender que a filosofia não busca soluções, mas sim busca reflexão e entendimento para perceber o problema que confronta a realidade em determinado momento; • identificar o método filosófico para o conhecimento. 1 O que é conhecimento O conhecimento está na relação entre aquele que conhece e aquilo que é conhecido, entre o sujeito do conhecimento e o objeto. O mundo se apresenta ao sujeito de forma desorganizada e é ele quem organiza o mundo em forma de pensamento, a fim de conhecer a coisas. Não se conhece do nada, ninguém inicia o conhecimento a partir do nada, pois há conhecimento acumu- lado, que é transmitido e trabalhado pelo ser humano. Desde a Antiguidade, o ser humano buscava conhecer o ser das coisas, o que são as coisas, a relação que elas estabelecem entre si e com o mundo, o ato de refletir levava o ser humano ao conhecimento. Essa busca pelo ser das coisas é a ontologia, o estudo do ser enquanto ser, que orientou, por séculos, o desenvolvimento do pensamento filosófico. Os primeiros filósofos iniciaram o descobrimento da natureza pelo ato de conhecer, bus- cando conhecer as coisas como elas são, a partir disso criaram teorias sobre as coisas e sobreo mundo, tudo dentro de um processo do pensar, do conhecer. A passagem do mito para a razão representou um grande avanço dentro da teoria do conhecimento, rompendo com a forma sobre- natural de interpretar o mundo, estabelecendo um novo mecanismo de conhecimento a partir da razão, com a investigação da natureza sem o auxílio do sobrenatural. – 41 – TEMA 6 Figura 1 – Conhecimento humano Fonte: Chinnapong/Shutterstock.com O próprio conhecimento é objeto de conhecimento. Para tanto, é criticado, questionado, busca-se refletir sobre o conhecimento adquirido promovendo no ser humano uma autorrefle- xão que o leva a constituir novos saberes, uma reflexão sobre o conhecer e sobre si mesmo, um autoconhecimento. FIQUE ATENTO! O conhecimento está na relação entre o sujeito e o objeto, entre o eu e o mundo, na forma de representação das coisas, criando conceitos de objetos. SAIBA MAIS! A ontologia, o estudo do ser enquanto ser, foi fundamental para o desenvolvimento do método em filosofia, que mais tarde transformou-se em epistemologia, um saber sobre como conhecemos, e não mais o que conhecemos. 2 Filosofia e conhecimento A filosofia sempre se ocupou com o processo do conhecimento. Desde sua origem, a busca pelo saber conduziu os pensadores a procurarem formas de conhecimento, bem como a origem de todo o saber. A partir da investigação da natureza, a filosofia tentava entender o mundo e as coisas que nele estão. Investigava o princípio de todas as coisas, o elemento primordial, a arché, essência que compõe tudo o que existe. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 42 – Figura 2 – Busca pelo saber Fonte: PHOTOCREO Michal Bednarek/Shutterstock.com O conhecimento filosófico é constituído por indagações sobre o ser e sobre o mundo, buscando na natureza a compreensão da existência das coisas, ultrapassando o mundo sensível, o mundo da experiência, à procura da causa última de todas as coisas a partir de fundamentos metafísicos. No mundo do conhecimento, a ontologia fundamentou o pensamento filosófico por séculos, com a continua tentativa de conhecer o ser em sua essência, refletindo sobre o ser e sua existên- cia enquanto ser, em sua relação com o mundo. Posteriormente, com a epistemologia, a filosofia começa o processo de conhecimento a partir de como podemos conhecer. A preocupação não é mais pelo que pode ser conhecido, mas sim quais são os instrumentos estabelecidos para o pro- cesso de conhecimento. Nesse sentido, o conhecimento, essa relação do eu com o mundo, promove a conceituação do mundo, a transformação da abstração dos objetos em ideias, em conceitos, em formas de conhecimento, que, aos poucos, foi se constituindo em teorias do conhecimento, o processo de como conhecemos as coisas. FIQUE ATENTO! Desde os primórdios, a filosofia buscava uma teoria para o conhecimento, e viu na arché a primeira possibilidade de estabelecer um elemento essencial para a com- posição das coisas. EXEMPLO Arché, elemento primordial, para o filósofo pré-socrático Tales de Mileto, era a água. Tudo o que existe contém água ou já passou em algum momento de sua transfor- mação pelo estado da água. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 43 – 3 O método na filosofia O método do conhecimento surge a partir do problema em relacionar o sujeito e o mundo, como relacionar os objetos do mundo à ideia deste objeto em forma de conceito e abstração. Com isso, a filosofia procurava estabelecer a relação do sujeito com o objeto a partir da representação. A intermediação entre sujeito e mundo é a representação que o sujeito faz do mundo, esse modo de relacionar o objeto ao sujeito, essa representação, é o que promove a origem do método. Em toda esfera do conhecimento, o método busca solucionar problemas, para o eu, para o outro, para o mundo, mas o método não é único. Em especial, na filosofia nunca se chegou a um método que resolvesse todos os problemas, ou que fosse o único para a obtenção do conhecimento. Figura 3 – Pensamento reflexivo Fonte: imtmphoto/Shutterstock.com O filósofo Sócrates acreditava na dialética como método para o conhecimento, a maiêutica socrática, o método de perguntar, partindo de premissas, da desconstrução do conhecimento para chegar a um resultado, ao conhecimento pretendido. Platão aprimorou o método de Sócrates, pro- movendo uma dialética que envolvia uma rememoração, a reminiscência, conhecimentos outrora adquiridos e relembrados no processo do conhecer. Aristóteles, contrário a Platão, via no mundo da experiência o processo de conhecimento, constituindo o conceito das coisas do mundo a par- tir da abstração desses objetos, comparando objetos e abstraindo deles suas semelhanças for- mando o conceito do objeto. O método de Sócrates e Platão, assim como de Aristóteles, são exemplos de como a filosofia procura conhecer por meio de um método. Na história da filosofia, o método se adapta à forma do conhecimento. Seja racional ou empírico, ele evolui, se modifica, se transforma, é aprimorado, mostrando que não há um método pronto e acabado para o conhecimento. FIQUE ATENTO! O método se estabelece na relação entre o sujeito e o objeto, com a intermediação do objeto e sua ideia/conceito por meio da representação. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 44 – EXEMPLO Pelo método de Platão, somente conheço uma cadeira porque há uma ideia de cadeira no mundo ideal. Essa cadeira que vejo é somente uma cópia imperfeita da ideia de cadeira, uma sombra da ideia perfeita. 4 A filosofia e o filosofar Filosofia e filosofar são coisas distintas, a filosofia é uma forma de pensamento, de conheci- mento, uma maneira de adquirir saber; enquanto o filosofar é uma forma de reflexão, de buscar o conhecimento, de contrapor verdades, de relacionar saberes. A principal diferença entre filosofia e filosofar foi estabelecida por Immanuel Kant (1724- 1804) na sua obra “Crítica da razão pura” (1781), quando trata sobre o conhecimento e o processo de aquisição do saber. A Kant se atribui a expressão “não se ensina filosofia, se ensina filosofar”. Com isto, ele pretende mostrar que o ensino da filosofia está relacionado ao processo de filosofar, de construir conhecimento a partir da reflexão, já que a filosofia é um conhecimento racional que parte de princípios e a partir deles se constitui o conhecimento. O filosofar está presente em nosso dia a dia, quando ponderamos, refletimos sobre deter- minada escolha, quando buscamos resolver um problema, a todo momento estamos refletindo, pensando e, com isso, fazemos conhecimento. A filosofia parece ser um saber já constituído, que a todo tempo é questionado, desconstruído, revigorado, refletido e reflexivo, que nos conduz a raciocinar, a utilizar a razão para questionar e adquirir novos saberes. Figura 4 – Reflexão Fonte: ChristianChan/Shutterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 45 – A busca por conhecimento é um processo do filosofar. É com reflexão que adquirimos conhe- cimento e a filosofia fundamenta a aquisição do saber por meio do método, transformando o mundo em uma representação que será trabalhada pela razão a fim de constituir uma ideia, um conceito, formando um conhecimento. No âmbito do conhecimento, é o sujeito que constrói sua representação de mundo, formando conceitos para objetos da natureza, procurando entender o mundo por meio de algum método que oriente seu conhecimento. SAIBA MAIS! Leia o artigo “A história da filosofia e o filosofar: um olhar a partir de Kant” para melhor entender como o pensador articulava a diferença entre filosofia e filosofar. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGE- NESE/elitonsilva.pdf>. Fechamento Nesta aula, você teve a oportunidade de: • compreender o que é o conhecimento; • entender o método na filosofia; • diferenciara filosofia do filosofar. Referências ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria. Helena Peres. Filosofando: introdução à filoso- fia. 2. ed. São Paulo: Moderna, 1993. CHAUI, Marilena de Souza. Convite à filosofia. 13. ed. São Paulo: Ática, 2005. KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. Coleção Os Pensadores. São Paulo: Abril Cultura, 1983. SILVA, Éliton Dias da. A história da filosofia e o filosofar: um olhar a partir de Kant. Filogênese, Marília, v. 6, n. 2, p. 163-170, 2013. Disponível em: <https://www.marilia.unesp.br/Home/RevistasE- letronicas/FILOGENESE/elitonsilva.pdf>. Acesso em: 16 jan. 2017. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 46 – O conhecimento na história da filosofia Márcio Tadeu Girotti Introdução A filosofia possui uma divisão de pensamento em, pelo menos, duas grandes vertentes: o racionalismo, calcado no conhecimento de cunho racional; e o empirismo, conhecimento oriundo da experiência sensível. A partir dessas vertentes desdobram-se formas de conhecer, como o conhecimento indutivo, dedutivo, intuitivo, bem como metafísico, dogmático etc. O conhecimento, na história da filosofia, se desenvolve a partir dessa divisão, que escala o pensamento movido pela razão ou pela experiência. Cada pensador, cada época atribui ao conhe- cimento o seu método, seguindo uma ou outra corrente ou ambas. Vamos estudá-las nesta aula? Objetivos de aprendizagem Ao final desta aula, você será capaz de: • conhecer e identificar a teoria do conhecimento na história da filosofia; • compreender as correntes de pensamento: racionalista e empirista. 1 Filosofia racionalista A filosofia racionalista distingue duas modalidades racionais operadas pelo sujeito do conhe- cimento: a intuição e o raciocínio. O raciocínio é responsável por uma razão discursiva, que realiza diversos atos de conhecimento até poder captá-lo. Passa por etapas progressivas para se aproximar daquilo que deseja conhecer. A intuição, por sua vez, é um ato do espírito que capta de uma só vez o objeto que deseja conhecer. Ou seja, é uma visão direta e imediata do objeto do conhecimento, sem provas ou razões para explicar o que se conhece (CHAUI, 2005). EXEMPLO Quando um médico transmite um diagnóstico de forma imediata, diretamente por conta dos conhecimentos que possui, apreendendo de uma só vez a causa de uma doença, temos aqui um exemplo de intuição. A razão discursiva divide-se em dedução, indução e abdução, três modalidades ligadas ao conhecimento racional. Dedução e indução são processos racionais que partem do conhecido ao desconhecido, a partir do que já sabemos podemos conhecer o que ainda não conhecemos. – 47 – TEMA 7 Figura 1 – Ideia Fonte: Adamovich/Shutterstock.com A dedução parte de uma verdade já conhecida funcionando como princípio geral de onde par- tem todos os casos que serão derivados dela. “Parte-se de uma verdade já conhecida para demos- trar que ela se aplica a todos os casos particulares iguais” (CHAUI, 2005, p. 67). Isso significa que, na dedução, parte-se do geral para o particular. O exemplo clássico da dedução é considerar: A é B, B é C, portanto, A é C. Fazendo um racio- cínio sobre isso, podemos dizer: todo Ser Humano é mortal, Marcos é um ser humano, portanto, Marcos é mortal. A indução, ao contrário da dedução, parte do particular ao geral. Parte-se de casos particula- res, semelhantes, iguais até o caminho que nos leva à lei geral, à definição, à teoria. Observamos por diversas vezes um mesmo fenômeno acontecendo a partir de uma mesma ação ou mesma causa e, com isso, somos levados a acreditar que sempre irá ocorrer da mesma maneira, quando estiver na mesma situação. Figura 2 – Indução: ponto de ebulição Fonte: George Dolgikh/Shuterstock.com FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 48 – A água que ferve em uma panela ao ser coloca sobre o fogo, evapora. Isso sempre ocorre, o que significa que toda vez que fizer esse procedimento, a água, ou os líquidos em geral, sofrerão o mesmo processo: evaporar. Nesse caso, posso induzir que o fogo tem a propriedade do calor, que faz com que líquidos evaporem. Ou ainda, ser induzido a acreditar que sempre que o líquido estiver em contato com o fogo, ele irá evaporar. Tanto a dedução quanto a indução são inferências, ou seja, concluir alguma coisa a partir do que já é conhecido. Além dessas duas possibilidades, o filósofo inglês Charles Sanders Peirce (1839-1914) considera mais uma: a abdução. A abdução é uma intuição que não é imediata, con- siste em alguns passos para se obter a conclusão, como a intuição de um artista ou de um dete- tive. Por exemplo: o detetive parte de indícios, sinais, para explicar o caso investigado (ARANHA; MARTINS, 2003). Figura 3 – Abdução Fonte: Ollyy/Shutterstock.com Vê-se, portanto, que a forma do conhecimento racional pode se desdobrar em procedimentos distintos, mas que possuem uma mesma raiz, a razão: De modo geral, diz-se que a indução e a abdução são procedimentos racionais que empre- gamos para a aquisição de conhecimentos, enquanto a dedução é o procedimento racional que empregamos para verificar ou comprovar a verdade de um conhecimento já adquirido (CHAUI, 2005, p. 68, grifo do autor). FIQUE ATENTO! Dedução é um procedimento racional que parte do geral para o particular, por meio de inferências lógicas; enquanto a indução parte do particular para o geral, forman- do uma lei geral, uma teoria, criando um conceito para o objeto. FILOSOFIA DO CONHECIMENTO – 49 – 2 Filosofia dogmática Na teoria do conhecimento há duas vertentes que se opõem na possibilidade de adquirirmos uma certeza: o dogmatismo e o ceticismo. O dogmatismo é uma doutrina a partir da qual obtenho uma certeza, são verdades inquestionáveis, indubitáveis, concretas, das quais não tenho dúvida e sigo com elas mesmo que tudo se coloque contra elas. Ao contrário do dogmatismo, o ceticismo busca conhecimento e nessa procura, de tanto observar, conclui a impossibilidade do conhecimento, suspende o juízo, ou admite-se uma forma relativa de conhecimento. Na história da filosofia, o dogmatismo, em especial o dogmatismo metafísico, foi consi- derado toda a metafísica ou conhecimento racional anterior a Immanuel Kant (1724-1804). Ele mesmo afirma que os filósofos não perceberam os limites da razão no processo de conhecimento, chamando-os de dogmáticos. Com a sua obra “Crítica da razão pura”, Kant procura expurgar todo o conhecimento que não passou pelo crivo da razão, pelo tribunal da razão, ou seja, ele faz uma crítica da própria razão (GIROTTI, 2008). O dogmatismo é, portanto, uma forma de conhecimento que emprega uma verdade como absoluta, sem precisar de validação ou comprovação, discordando de qualquer verdade que não seja a já estabelecida. Ao passo que o ceticismo discorda de toda e qualquer verdade absoluta, pre- valecendo sempre a procura pela verdade, pelo conhecimento, duvidando do próprio conhecimento. FIQUE ATENTO! Dogmatismo e ceticismo são duas formas de pensar que se contrapõe pela certeza do conhecimento. Enquanto dogmatismo emprega o dogma como conhecimento que não precisa de comprovação, o ceticismo prefere o caminho da dúvida, ques- tionando o conhecimento sem reflexão. 3 Filosofia empirista Enquanto a filosofia racional parte de raciocínios e processos racionais, o empirismo defende que a razão, a verdade e as ideias (conceitos) são adquiridos pelo sujeito por meio da experiência. De acordo com o empirismo, a razão é uma forma de conhecer e a adquirimos ao longo de nossa vida, por meio da experiência sensível (sentidos). Nesse ponto, nossa alma seria como uma folha em branco, sem nenhum conhecimento, que aos poucos vai ganhando conceitos e conhecimen- tos. O empirismo melhor se desenvolveu entre os séculos XVI e XVIII com os filósofos ingleses, como Francis Bacon, Thomas Hobbes,
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