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Resenha literária de Os noivos, Alessandro Manzoni

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A DESCONSTRUÇÃO DO SACERDÓCIO NA FIGURA DE DOM ABBONDIO E A
RECONSTRUÇÃO NA FIGURA DE FRADE CRISTOFORO
OS NOIVOS DE ALESSANDRO MANZONI
INTRODUÇÃO
Os noivos é um romance clássico da literatura italiana. A trama é ambientada no período de
1600 e conta a história de Renzo e Lucia, dois jovens que moram em um pequeno vilarejo e
estão prometidos em casamento. As complicações começam quando um homem, dom
Rodrigo, muito poderoso na região, se interessa por Lucia. Por motivo de orgulho, após uma
aposta com o primo Atilio, dom Rodrigo dá ordens para alguns bravos terem uma “conversa”
com dom Abbondio, o cura responsável por realizar o casamento. O cura, muito medroso
atende às ordens enviadas por dom Rodrigo e no dia marcado para o casamento inventa
várias desculpas para Renzo, para justificar o motivo de não poder realizar a cerimônia.
Não podemos deixar de evidenciar o poder da providência durante todo o romance. Assim
como não podemos deixar de falar do padre Cristoforo que tem ações fundamentais na
narrativa.
E é com base nas ações de dom Abbondio e de padre Cristoforo que faremos a nossa análise.
DOM ABBONDIO E A COVARDIA
Dom Abbondio é o primeiro personagem apresentado no romance, e isso não é uma mera
coincidência, já que é graças às atitudes covardes do cura que a história envereda por
caminhos tão sinuosos de dor e sofrimento.
No início do primeiro capítulo temos a descrição da paisagem das redondezas de Lecco.
[..] O próprio lugar de onde se contemplam esses muitos espetáculos é um
espetáculo por todos os lados: o sopé do monte por onde se passeia, desdobra-se
para cima e ao redor, com seus cumes e penhascos límpidos, destacados, mutáveis a
quase cada passo, abrindo-se e se expandindo em montes o que antes parecia ser
apenas um, e surgindo como cume o que pouco antes parecia costa. E o ameno, o
familiar desses sopés suaviza agradavelmente o selvagem e adorna ainda mais o
magnífico das outras vistas. (MANZONI, 2012, p.28)
E é na descrição dessa paisagem que o cura nos aparece pela primeira vez. “Por uma dessas
estradinhas, voltava para casa, contente de seu passeio, na tarde de 7 de novembro do ano de
1628, dom Abbondio, cura de uma das aldeias acima mencionadas [...]”(MANZONI, 2012,
p.29). Essa descrição tão detalhada da natureza que transmite calma e paz não é arbitrária, a
cena reflete a paz de espírito que estava presente na vida do cura, que vivia tranquilo, fazendo
as suas obrigações de maneira simplista.
Dizia tranquilamente o seu ofício e, às vezes, entre um salmo e outro, fechava o
breviário, mantendo dentro o indicador da mão, prosseguia seu caminho olhando
para o chão e jogando com o pé, contra o muro, as pedras que estorvavam a
estrada.(MANZONI, 2012, p.29)
É nessa mesma paisagem de paz que a vida do nosso cura muda de uma maneira inesperada.
Dom Abbondio era responsável por celebrar a união de Renzo e Lucia, nossos noivos
protagonistas do romance, só que todos não contavam com a inserção de mais um
personagem nessa história de amor, dom Rodrigo, que manda seus bravos para ter uma
conversa com o nosso, até aqui, calmo e pacato cura.
“O cura, depois de dobrar a curva e endereçar os olhos para o tabernáculo, como costumava
fazer, viu algo que não esperava, e que não gostaria de ver.” (MANZONI, 2012, p.29)
E é nesse momento que conheceremos a maior característica de dom Abbondio, o medo. O
cura é extremamente medroso e prefere sempre ceder aos mais poderosos por covardia do que
lhe possa acontecer. Depois do encontro com os bravos em cumprimentos de dom Rodrigo, o
cura foi para casa um pouco desnorteado, “O pobre dom Abbondio permaneceu um momento
de boca aberta, como que encantado, depois tomou a estrada que conduziu à sua casa,
arrastando as pernas que pareciam enrijecidas, uma depois da outra.”(MANZONI, 2012,
p.34).
Dom Abbondio “não havia nascido com o coração de leão” e escolheu a vida sacerdotal para
gozar de privilégios que os religiosos dispunham. Diferente da Senhora do monastério de
Monza, que foi induzida pelo pai a escolher a vida religiosa, dom Abbondio aceitou com
prazer a sugestão de seus parentes para se tornar padre, pois sentia-se como um vaso de barro
destinado a viver no meio de vasos de ferro, e tendo a “proteção” que os religiosos tinham e
não tendo que meter-se em situações conflitantes, saberia que poderia viver seus dias em paz,
mesmo nunca havendo pensado nas obrigações e possíveis sacrifícios que o ministério
poderia lhe trazer, aceitou muito de bom grado tornar-se cura, vivendo o sacerdócio
superficialmente.
E agora vendo-se em uma situação tão complicada, pensava apenas em como poderia ver-se
livre e põe-se a pensar em possíveis desculpas que daria Renzo para justificar o fato de não
poder realizar mais o casamento, e em suas confusões de pensamentos, em meio a sua
covardia, coloca a culpa nos noivos por, simplesmente, quererem casar-se. “Essa moçada se
apaixona porque não tem nada para fazer e depois só pensa em se casar, nem pensa na
confusão em que metem um pobre homem. Ah, pobre de mim” (MANZONI, 2012, p.38)
Junto com a figura de don Abbondio está atrelada a de sua serva fiel, Perpétua. A mulher
mesmo sendo “menos estudada” e de uma classe inferior a de seu chefe, tem mais coragem e
determinação que ele, pois quando o cura conta do ocorrido os primeiros pensamentos de
Perpétua é encontrar uma solução para realizar o casamento e tirar o chefe de possíveis
perigos, diferentemente do cura que já no princípio cede a proibição do matrimônio. “[..]
finalmente, com muitos tropeços, com muitos ‘ai de mim’ contou-lhe o miserável caso.”
(MANZONI, 2012, p.40).
“Outra das dele!” exclamou Perpétua. “Ah, que patife! Ah, que tirano! Ah, que
homem sem temor de Deus!”
“Quer se calar? Ou quer me arruinar completamente?”
“Oh! Estamos sozinhos aqui, ninguém nos ouve. O que o senhor vai fazer, pobre
patrão?”
“Vejam só”, disse don Abbondio, com voz indignada, “vejam só que bons conselhos
essa aí me dá” Vem me perguntar o que vou fazer, o que vou fazer, como se ela
estivesse enrascada e eu tivesse que salvá-la.”
“[...] Meu conselho seria que, como todos dizem que nosso arcebispo é um santos
homem e um homem de pulso, que não tem medo de ninguém, e que se deleita
quando pode chamar à atenção um desses poderosos para defender um pároco, eu
diria, e digo, que o senhor deve lhe escrever uma bela carta para informá-lo
como…”
“Quer se calar? Quer se calar? Isso são conselhos para dar para um pobre homem?
Quando eu levar uma bala pelas costas, Deus me livre, é o arcebispo que vai
tirá-la?” (MANZONI , 2012, p.)
Como podemos ver, depois de muito se lamentar e contar a fiel serva o que lhe havia
acontecido, ela lhe propõe uma idéia que nem se quer havia passado em sua mente, procurar
uma autoridade de maior poder na igreja para lhes auxiliar em um problema que, na mente de
dom Abbondio, era gravíssimo e mesmo assim o cura, dominado pelo medo, não vê outra
solução além de não realizar o casamento.
Dom Abbondio era um homem simplista, nunca procurou fazer nada que complicasse sua
vida, até os seus interesse culturais eram simples, os livros que escolhia para ler, eram os
primeiros que chegassem a sua mão, selecionados por outro padre que morava em uma
localidade vizinha.
Mas quando chegou o momento de falar com Renzo sobre o casamento, utilizou várias
artimanhas para tentar convencer o noivo. Dom Abbondio depois de uma noite mal dormida
teve de encarar Renzo e preparar muito bem as desculpas que usaria para justificar o
adiamento do casamento.
Seria preciso que você estivesse no meu lugar para saber quantos empecilhos
aparecem nesses casos, quantas contas temos que prestar. Eu sou muito bom de
coração, só penso em tirar os obstáculos do meio do caminho, em facilitar tudo em
fazer coisas para agradar os outros, deixo de lado os meus deveres e depois recebo
reprimendas ou coisa pior. (MANZONI, 2012, p.45)
Se analisarmos o discurso usado usado pelo cura, não nos parece muito complicada a forma
como pensou para tentar ludibriar Renzo, juntou todos os fatos e os colocou aocontrário.
E continuou falando “[...] o burro sou eu que negligencio meus deveres para não fazer as
pessoas penarem.” (MANZONI, 2012, p.45)
Talvez aqui, seja o único momento em que o cura fale a verdade, ele realmente está
negligenciando os seus deveres, mas não para o bem do povo e sim para o seu próprio.
Ao perceber que não está conseguindo convencer Renzo, dom Abbondio usa de um artifício
para fazer o noivo se sentir inferior e não querer mais discutir com o padre, começa a falar as
suas poucas palavras que conhecia do latim.
“Você sabe quais são os impedimentos dirimentes?”
“Como o senhor quer que eu saiba de impedimento?”
“Error, conditio, votum, cognatio, crime, Cultus disparitas, vis, ordo, ligamen,
honestas, Si sis afinis…” recitou dom Abbondio, contando na ponta dos dedos.
“O senhor está brincando comigo?”, interrompeu o jovem. “O que quer que eu faça
com seu latinório?”
“Então se não sabe das coisas, tenha paciência, e deixe para quem
sabe.”(MANZONI, 2012, p.46)
E assim, dom Abbondio fez o que pode para convencer Renzo de que não podia celebrar seu
casamento, deixando-se transformar em um fantoche de dom Rodrigo, por ser poderoso, e
humilhando Renzo que era um simples fiador, tentando mostrar-se superior.
PADRE CRISTOFORO E A CORAGEM
Padre Cristoforo é outro padre que aparece em nosso romance, mas tem uma representação
oposta do nosso já conhecido dom Abbondio.
Com uma conversão rodeada de conflitos, Ludovico, verdadeiro nome de padre Cristoforo, se
consagrou a vida religiosa em um momento conturbado de sua vida. Era filho de um ex
comerciante rico e sempre teve à disposição vários benefícios que nem todos de sua vila
poderiam ter. Um dia ao passear pela rua com seus servos, deparou-se com um indivíduo
muito conhecido nas redondezas de sua localidade por ser um típico charlatão poderoso,
podemos até assemelhar sua figura com a dom Rodrigo. E foi em meio a um duelo neste
encontro que Ludovico matou o poderoso, depois deste ter matado seu fiel servo, Cristoforo.
Para refugiar-se dos parentes vingativos do morto, encontrou abrigo em um monastério de
padres capuchinos e depois de discernir por um tempo, decidiu converter-se e aceitar o
ministério de frade. Após a conversão, adotou o nome de Cristoforo em homenagem ao
servo, e compreendendo a sua nova missão, marcou um encontro com o irmão do morto para
pedir-lhe o perdão e em meio a vários familiares, ajoelha-se e pede remissão de seu pecado
para aquele a que se sentiu ofendido por ter um irmão assassinado. Com essa atitude, do
agora padre Cristoforo, vemos que, ao aceitar o ministério de padre compreende que toda a
sua vida mudara e suas atitudes não seriam mais em benefício a si mesmo, mas ao próximo,
pois compreendia também que só assim chegaria a Deus.
Temos com essa cena, a disparidade entre dom Abbondio e padre Cristoforo na situação de
suas conversões. O primeiro foi simplesmente por temer estar entre os grandes e não ter como
defender-se por si só, tornara-se padre para sentir-se protegido pelas leis, enquanto o segundo
vê a sua chance de remissão por matar um homem, na conversão ao sacerdócio.
No que se refere a personalidade as nossas figuras religiosas também se encontram em
oposição. Enquanto o cura é um senhor com mais de sessenta anos que sempre procurou
evitar conflitos com os poderosos e tem como o principal motivador de suas ações o medo,
padre Cristoforo mostra a sua força até nas suas expressões.
De tempos em tempos, levantava a cabeça raspada, salva pela pequena coroa de
cabelos que rodeava segundo o ritual dos capuchinos, com um movimento que
deixava transparecer algo de altivo e inquieto, mas logo a baixava em atitude de
humildade. (MANZONI, 2012, p.69)
Mesmo sabendo da sua autoridade como padre capuchino, padre Cristoforo não a usava em
vão, andava de cabeça baixa em sinal de humildade e serviço.
Somente na cena em que enfrenta, cara a cara, dom Rodrigo vemos toda a sua autoridade
como padre, mesmo sentido-se em ameaça não deixa de cumprir o seu dever em defender os
pobres e humildes.
Ao movimento de dom Rodrigo, nosso frade colocou-se diante dele, mas com
grande respeito, e, levantando as mãos, como que para suplicar e detê-lo respondeu
mais uma vez: “Preocupo-me, é verdade, mas não menos com o senhor. São duas
almas que me preocupam mais do que meu sangue.[...]”.
“A sua proteção! É bom que o senhor tenha falado assim, que me tenha feito tal
proposta. O senhor passou das medidas e não o temo mais.”
[...] ”Tenho pena desta casa, a maldição está sobre ela.” (MANZONI, 2012, p.96)
Percebemos a representação tão oposta de dois religiosos no romance. Dom Abbondio, por
seu extremo medo dos poderoso, negligencia os seus deveres como padre ao não querer
entrar em conflito com dom Rodrigo, se nega realizar o casamento de Renzo e Lucia e ainda
os abandona para enfrentar um mal mais poderoso que eles. Já padre Cristoforo decide
enfrentar o perseguidor de Lucia para tentar defendê-la, usa de seus “poderes” como
capuchino e tenta abrigar os noivos o mais longe possível daquele que quer fazer-lhes mal.
È graças a covardia de dom Abbondio que Renzo e Lucia sofrem várias desventuras. E padre
Cristoforo os auxilia em vários momentos do romance, até em meio a peste, que era tão
temida por todos, padre Cristoforo se lança em meio aos doentes para ajudar e depara-se mais
uma vez com os noivos em uma triste situação, enquanto dom Abbondio esconde-se .
Ao final do romance os dois religiosos, assim como boa parte da população, se contaminam
com a peste, dom Abbondio consegue curar-se do mal, enquanto Cristoforo por boa vontade
se insere na lazareto, lugar em que se concentra o maior número de infectados pela peste e
assim, cuidando dos feridos acabar por ser mais uma das vítimas de uma doença que varreu a
Itália.
Cristoforo morreu com gloria, sempre procurando a sua remissão, enquanto Abbondio
permaneceu vivo escondendo-se como um animal.
Mesmo depois de tudo que sofreram Renzo e Lucia, dom Abbondio ainda se nega a realizar o
casamento, sempre inventando desculpas e só muda a sua postura, após certificar-se que dom
Rodrigo está realmente morto.
Depois de analisarmos como agiram de maneiras diferentes essa dupla durante todo o
romance e como as suas atitudes moldaram os caminhos de Renzo e Lucia, ora pela
providência, nas ações de padre Cristoforo, ora pelo sofrimento, nas ações de dom Abbondio,
é importante percebermos como essas duas personagens tão importantes nunca se
encontraram na narrativa, exatamente pelo papel que cada uma exerce, o de mudar o
caminhos dos noivos quando se encontram com eles. Seria, talvez, os lados opostos da
providência.
REFERÊNCIAS
MANZONI, Alessandro. Os noivos. São Paulo: Nova Alexandria, 2012. Tradução Francesco
Degani.
NOKODINOVSKA, Radica. Lingua, litteratura e cultura italiana: 50 anni di studi italiani.
Università “Ss. Cirillo e Metodio”. Facoltà di Filologia “Blaze Koneski”. Skopje, 2011.
MANTINI, Luigina. I Promessi Sposi. Disponível em:
<<https://ipromessisponline.wordpress.com/tag/fra-cristoforo/>> acesso em: 10/11/2019.
https://ipromessisponline.wordpress.com/tag/fra-cristoforo/

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