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A Operação Nordeste (Celso Furtado)

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1 
 
FURTADO, Celso. A Operação Nordeste. In: O Nordeste e a saga da Sudene (1958-
1964). Rio de Janeiro: Contraponto, 2009. pp. 29-71.1 
 
 “O desenvolvimento econômico, no mundo todo, tende a criar desigualdades. É uma lei 
universal inerente ao processo de crescimento: a lei da concentração. E dentro de um país 
de dimensões continentais como o Brasil, de desenvolvimento espontâneo, entregue ao 
acaso, os imperativos desta lei tendem a criar problemas capazes de acarretar tropeços à 
própria formação da nacionalidade”. 
“Tal afirmação, à primeira vista, poderá parecer simples frase de efeito, embora não seja. 
Permito-me dramatizar esta afirmação inicial porque estou convencido de que as 
crescentes disparidades regionais constituirão o mais grave problema do nosso país nesta 
segunda metade do século XX-problema principal, não só para nossa geração, mas 
seguramente para as duas gerações que nos seguirão. Não se trata de problema que possa 
ser resolvido por um governo ou por um grupo de homens, e é como tal que desejo seja 
compreendido”. 
“Este grande país se formou, historicamente, ao longo de um processo de integração 
política de regiões desarticuladas mas dotadas de um lastro cultural comum. Contudo, em 
seu processo de integração econômico, sofreu profundo desvio na primeira metade deste 
século, em consequência do processo mesmo de industrialização. Esta é uma afirmação 
de enorme importância, que exige adequadas explicações” (p. 30). 
[...] 
“Na época em que o Centro-Sul possuía uma simples economia de exportação, de 
características semicoloniais, igualmente vinculada aos grandes centros internacionais – 
economia de produtividade relativamente baixa, de estrutura parecida à do resto do Brasil 
-, embora formasse um mercado de maiores dimensões, a ação dos fatores tendentes à 
concentração da renda era menos visível (p. 31). À medida que esse centro maior, esse 
mercado mais importante no qual os outros começavam a se apoiar, se foi modificando 
internamente, com a industrialização, as relações de dependência se foram tornando 
patentes – transformaram-se progressivamente as antigas vinculações de economias de 
tipo primário, entre si, em relações de economias produtoras de matérias-primas com um 
centro industrial”. 
“Se esse processo chegasse a persistir por muito tempo, observaríamos seguramente no 
Brasil profundos desequilíbrios regionais que provocariam conflitos de natureza 
econômica e política capazes de retardar nosso desenvolvimento econômico e social”. 
“Não podem coexistir no mesmo país um sistema industrial de base regional e um 
conjunto de economias primárias dependentes e subordinadas, por uma razão muito 
simples: as relações econômicas entre uma economia industrial e economias primárias 
tendem sempre a formas de exploração”. 
“Esse fenômeno de tão fácil observação, cujo estudo me acostumei a fazer com a 
objetividade de quem trabalha em laboratório, como técnico das Nações Unidas – a 
tendência das economias industriais, em razão de sua forma de crescer, a inibir o 
 
1 Texto da palestra ministrada por Celso Furtado na sede do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB) 
no Rio de Janeiro em 1959. 
 
2 
 
crescimento das economias primárias -, esse mesmo fenômeno está ocorrendo dentro de 
nosso país” (p. 32). 
[...] 
 “Não seria possível modificar todo um processo histórico se não partíssemos de uma 
interpretação desse processo: de uma adequada formulação do problema, ou diagnóstico 
da situação, como hoje dizemos. Para transformar esse diagnóstico em autêntica política 
de desenvolvimento, em ação, necessitamos de adequado instrumental administrativo” 
(p. 34). 
“Ora, a insuficiência administrativa talvez seja o nosso mais grave problema. Isso com 
respeito à execução de qualquer política. Evoluímos rapidamente, no último quarto do 
século, quanto à concepção das funções governamentais”. 
“Atualmente, estamos todos convencidos de que é função precípua do Estado brasileiro, 
além de preservar a inteligência do nosso território, desenvolver as enormes 
potencialidades deste país. É uma corrida contra o tempo, esforço ingente para recuperar 
um imenso atraso relativo. Todavia, ainda não aparelhamos o Estado para o efetivo 
desempenho dessa complexa função de mentor do desenvolvimento. Nossa estrutura 
administrativa vem se transformando por partes, sem que jamais se haja empreendido sua 
reestruturação em função dos novos objetivos do Estado”. 
“Força é convir que, entre nós, o Estado não está aparelhado sequer para solucionar 
problemas econômicos correntes. Muitas das dificuldades que temos com entidades 
financiadoras internacionais decorrem do fato de não estarmos preparados para resolver, 
em tempo devido, os nossos problemas mais urgentes. Ainda menos o estamos para 
enfrentar esse problema muito maior – a tendência ao desequilíbrio regional -, razão de 
ser da Operação Nordeste. Deveríamos, portanto, partir de uma reforma administrativa”. 
“Todavia, a longa experiência que tenho de trabalhar para o governo, inclusive como 
técnico de administração, convenceu-me de que as reformas administrativas a nada 
conduzem, se não são antecedidas de efetiva reformulação da política a seguir. Por outro 
lado, é extremamente difícil mudar as rodas enquanto o carro está andando, isto é, 
introduzir adequadas modificações no aparelho administrativo à medida que vai sendo 
possível implantar a nova política. A Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste 
(Sudene_ pretende ser um órgão de natureza renovadora com o duplo-objetivo de dar ao 
governo um instrumento que o capacite a formular uma política de desenvolvimento para 
o Nordeste e, ao mesmo tempo, o habilite a modificar a estrutura administrativa em 
função dos novos objetos” (p. 35). 
“Definidos esses objetivos, deixará de haver multiplicidade de políticas no Nordeste: uma 
do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (DNOCS) e outra da Comissão do 
Vale do São Francisco; uma do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER) 
e outra do Departamento Nacional de Estradas de Ferro (DNEF); finalmente tantas 
políticas quantos são os órgãos do governo federal que operam na região, todos crescendo 
vegetativamente, repetindo coisas que fizeram no passado, bem ou mal, na medida em 
que puderam, e quase todos com enormes dificuldades principalmente porque não podem 
ver o problema no seu todo”. 
“Sem visão global do problema e, portanto, incapacitados para resolvê-lo, tende a gerar 
em seus quadros um profundo sentimento de frustração, que quase sempre encontramos 
nos responsáveis pela política do governo federal no Nordeste”. 
3 
 
“A ideia básica, por conseguinte, é a de que o governo terá uma só política de 
desenvolvimento em relação ao Nordeste. Para este fim a Sudene deverá congregar os 
dirigentes das agências governamentais mais importantes na área, coordenando os planos 
de todas elas, a serem feitos em cooperação com os técnicos do órgão integrador. Não se 
trata, portanto, de promover uma reforma administrativa geral do dia para a noite, que, 
obviamente, não teria nenhum sentido prático – iríamos apenas trocar tabuletas, mudar os 
nomes das coisas. Trata-se, na verdade, de unificar a ação do governo, submetendo-a ao 
mesmo conjunto de diretrizes. Uma vez chegados a um acordo sobre essas diretrizes, 
impõe-se traduzir as mesmas em programas de trabalho. Dessa forma, as atividades de 
planejamento estariam integradas. A descentralização viria apenas na etapa de execução, 
cabendo ao órgão coordenador acompanha-la em suas linhas gerais” (p. 36). 
[...] 
“Vejamos agora a região da Zona da Mata. É ali que se encontra o latifúndio açucareiro. 
O mal maior não está em que seja latifúndio, mas em que seja açucareiro. A Zona da Mata 
de Pernambuco, medindo cerca de 800 mil hectares, deve ter, em cana-de-açucar, cerca 
de 170mil hectares. Claro que há uma parte que é preciso guardar, de reserva florestal. 
Porque o latifúndio, ocasionalmente, apresenta essa vantagem. Quando estive no México, 
verifiquei que o minifúndio muitas vezes pode significar destruição total da reserva 
florestal, o aceleramento do processo de erosão e, consequentemente, o empobrecimento 
dos solos”. 
“Mas vamos ver o lado negativo do latifúndio açucareiro. O dono da terra não permite, 
por princípio, quase por doutrina, que se plante coisa alguma a não se açúcar. O morador, 
mesmo que haja terra disponível, não ocupada pela cana-de-açúcar, não pode plantar 
outra coisa. Primeiramente, porque o proprietário da terra tem medo que o indivíduo crie 
qualquer benfeitoria e, ao sair, queira indenização; em segundo lugar, porque quer que o 
morador plante cana. De modo que há tremenda resistência contra toda forma de cultura 
que não seja açúcar. Vejamos se é possível conceber, num caso concreto, outro tipo de 
organização de agricultura. O objetivo fundamental de qualquer reforma agrária, creio, é 
que a terra seja ocupada com fim social, quer dizer, beneficiando a coletividade. Na região 
do açúcar, por exemplo, temos de caminhar para um utilização muito mais racional das 
terras. Temos de acabar com a lenda de que as terras só produzem açúcar, não dão outra 
coisa. Temos de estudar os solos e aproveitar muito mais racionalmente o conjunto das 
terras, e isso sem prejudicar em nada o atual plantio de cana. Introduzindo a irrigação, 
como se começa a fazer, é possível reduzir a extensão do plantio da cana, elevando os 
rendimentos por hectare, que ainda são baixíssimo no Nordeste, e aumentando a 
disponibilidade de terra para outros fins. Se para tanto é necessário tomar a terra das mãos 
do fazendeiro, impor a apropriação ou desapropriação pelo Estado, esse já não é um 
problema econômico, mas um problema político. Na solução a ser adotada e que, em 
última instância, envolve a questão política, não é o técnico quem decide, mas o político, 
levando em conta as correntes de opinião e a oportunidade histórica de fazer uma coisa 
ou outra (p. 66). O que tenho a dizer, com toda a franqueza, é que se a grande maioria 
quiser adotar esta ou aquela solução, por exemplo, tomar as terras de uns e dar a outros, 
não sou eu quem vai se opor a isso, nem o técnico, nem o indigno latifundiário. O que 
não posso é acobertar, na qualidade de técnico, uma bandeira política qualquer. Antes 
teria de dizer que falo como simples cidadão ou aprendiz de político”. 
 
4 
 
“Comentarei agora o caso mais sério de uso inadequado dos recursos públicos no 
Nordeste, o das bacias de irrigação. O governo fez importantes investimentos em 
irrigação no Nordeste, nas bacias dos açudes. Essas bacias são subutilizadas por uma série 
de razões de ordem não econômica. O governo ali fez tudo: os estudos, a barragem, a 
terraplanagem, os canais e a drenagem. Cede a água por preço ínfimo e empresta as 
máquinas para o dono da terra trabalhar. Esse indivíduo, em muitos casos, passa a ser 
milionário do dia para a noite. Podemos perguntar: com que objetivo fez o governo esses 
investimentos? Fazer milionários? Não posso crê-lo. O objetivo deve ter sido outro. É 
isso que quero saber. Estou promovendo o debate entre os estudiosos da matéria. Estou 
estudando o assunto com o propósito de apresentar ao Congresso uma lei de irrigação 
para o Nordeste”. 
“A irrigação só se justifica naquelas bacias se tiver um fim social, pois não seria fácil 
justifica-la economicamente. O custo do hectare irrigado nas grandes bacias existentes e 
nas que vamos estabelecer no futuro é tão grande que nenhuma cultura justificaria o 
investimento. Hoje em dia se ganha muito dinheiro porque o governo tudo fornece de 
graça. Se pretendêssemos recuperar a inversão, o prazo de amortização teria de ser 
absurdamente longo. Nenhum país faria isso senão visando a um objetivo social. Estou 
convencido de que só se justifica essa caríssima irrigação, tecnicamente difícil, tendo em 
vista um objetivo social superior. Porque se não houver drenagem cuidadosa e 
permanente assistência técnico-agronômica a irrigação pode ser extremamente perigosa 
no Nordeste, pois a utilização da água em excesso pode fazer com que a salinização 
destrua a fertilidade do solo” (p. 66). 
“Essa irrigação cara, que deve ser supervisionada pelo governo, orientada, financiada, 
com técnicos, só se justificará se tiver outro objetivo que não seja enriquecer algumas 
pessoas. Esse objetivo, a meu ver, se existe, é dar maior estabilidade à produção de 
alimentos no Nordeste. Se, por exemplo, tivéssemos no Nordeste 200 mil hectares 
irrigados, podendo produzir, no correr de um ano, três safras, poderíamos, ao menos, ter 
uma grande reserva de alimentos no momento da seca. Na eventualidade de uma seca, as 
bacias deveriam ser mobilizadas para a produção intensiva de alimentos. E essa produção 
deveria ser controlada e utilizada dentro desse plano, a que me referia, de distribuição de 
alimentos por toda a região. Só com esse fim se justificaria. Para isso, é necessário que 
alguma autoridade possa decidir sobre o uso das terras. Ora,, em nosso direito, a decisão 
sobre o uso da terra é prerrogativa do proprietário. Aí a dificuldade”. 
“Estou convencido de que podemos contornar essa dificuldade pelo simples fato de que, 
nessa área, não é a terra o principal fator de produção, mas a água. Ora, seria perfeitamente 
possível controlar a venda da água, de tal modo que o uso da terra fosse feito em função 
do interesse social. Devemos pensar em uma lei de irrigação, e estamos trabalhando nesse 
sentido. Considero isso, na verdade, um problema de reorganização agrícola e de reforma 
agrária. Assim pretendemos ir, etapa por etapa, em cada região. E quando estivermos com 
os elementos na mão para sugerir, não me faltará coragem para dizer qual seja a solução. 
Mas se é oportuno ou não, não posse decidir: evidentemente, a política está acima da 
técnica. Também compreendo que um problema político pode ser atacado de maneiras 
distintas, mediante todo tipo de manobras. O político sabe perfeitamente que o que quer 
nem sempre é exatamente o que está dizendo. Portanto, tem todo direito de fazer discursos 
sobre reforma agrária, de gritar e encurralar outros, para galgar uma posição mais forte, 
mas poderá fazer outra coisa amanhã. Eu não sou político. Limito-me a dar informações 
de técnicos” (p. 67).

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