Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n.5, abr. 2003 A ná lis e S e to ria l 50 Indústria química brasileira se reestrutura e ganha competitividade, mas ainda é uma das responsáveis pelo saldo negativo da balança comercial O conceito de indústria química é controverso e foi merecedor de definição no Brasil pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pela Associação Brasileira de Indústria Química (ABIQUIM), a partir de critérios aprovados pela Organização das Nações Unidas (ONU). Segundo a ABIQUIM, tal controvérsia centrava- se na inclusão de atividades como refino de petróleo e na exclusão de segmentos tipicamente químicos, como resinas termoplásticas e de borracha sintética. Como indústria química no Brasil deve-se compreender os seguintes segmentos: produtos químicos inorgânicos (cloro e álcalis, intermediários para fertilizantes, fertilizantes, gases industriais e outros); produtos químicos orgânicos (petroquímicos básicos, intermediários para resinas e fibras e outros); resinas e elastômeros; fibras, fios, cabos e filamentos contínuos artificiais e sintéticos; defensivos agrícolas; sabões, detergentes, produtos de limpeza e artigos de perfumaria; tintas, vernizes, esmaltes, lacas e produtos afins; e produtos e preparados químicos diversos. As empresas pertencentes a cada segmento desses participam de estruturas de mercados diferenciadas e com graus de competição específicos. O objetivo deste artigo é apresentar as principais características da indústria química, sem focar-se especificamente na análise de cada um dos seus segmentos. Abertura econômica Segundo a ABIQUIM , o faturamento líquido da indústria química brasileira foi de US$ 38,3 bilhões em 2001, crescendo em torno de 1,5% ao ano entre 1990 e 2001. A década de 1990 representou um período de grandes transformações para essa indústria. Essas mudanças começaram no governo Collor com políticas econômicas que favoreciam a abertura de mercado, aumentando a competição nacional. Os problemas para a indústria brasileira, porém, não se restringiram apenas ao aumento da concorrência pela entrada de produtos importados, já que a economia do país a essa época passava por um período recessivo. Aliado a isto, a indústria começou a sofrer os reflexos da flutuação dos preços internacionais dos produtos químicos na dinâmica de formação dos preços nacionais. Tal circunstância negativa fez com que a indústria Em uma indústria intensiva em capital e em tecnologia, como a química, os investimentos são vultosos e rentáveis somente a partir de escalas mínimas de produção A nova dinâmica da indústria química brasileira A nova dinâmica da indústria química brasileira r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n.5, abr. 2003 ... 51 brasileira se reestruturasse para continuar competindo. Dentre os processos de reestruturação, destacam-se as mudanças da capacidade produtiva e o desenvolvimento de alternativas de mercados. O primeiro aspecto está relacionado ao processo de fusões, aquisições e desestatização, fechamento de fábricas e eliminação de linhas de produtos não- competitivas, bem como o aumento da produtividade. Já o segundo aspecto envolve o desenvolvimento do mercado exportador como alternativa para o produtor nacional. As transformações ocorridas na indústria química são específicas devido às características desse mercado, tais como: número restrito de matérias-primas principais; elevado grau de integração vertical; importância da relação cliente- fornecedor, dada a relevância do custo logístico; produção de co-produtos ou subprodutos que guardam relações fixas ou pouco flexíveis; e possibilidade de fabricar o mesmo produto por rotas alternativas. Tais características particularizam o mercado da indústria química e denotam as dificuldades oriundas das reestruturações brasileiras mencionadas. O preço dos produtos químicos foi controlado pelo governo federal por meio do Conselho Interministerial de Preços (CIP) de 1968 a 1991, considerando-se a utilização da capacidade, os custos variáveis, os custos fixos e despesas de operação e, por fim, o retorno médio sobre o investimento, que era considerado em torno de 16,67% sobre os investimentos brutos. Isso distanciava o Brasil da influência dos preços internacionais, protegendo os produtores nacionais e privilegiando a rentabilidade dos investimentos, já que se formava um poder de mercado artificialmente estabelecido para os fabricantes e que implicava um preço nacional maior que o internacional. A CIP, extinta pelo decreto do presidente Collor de 25/04/1991, deu nova dinâmica aos preços nacionais, aproximando-os dos mecanismos de formação de preços internacionais. O preço passou a ser determinado pela relação de oferta e demanda, acompanhado pela progressiva redução das tarifas alfandegárias. A redução do preço interno e o aumento da competição trouxeram dinamismo ao processo de reestruturação do mercado nacional. Dependência Em um mercado aberto, os preços são determinados pelos ciclos produtivos e pelo grau de utilização da capacidade produtiva. Em uma indústria intensiva em capital e em tecnologia, como a química, os investimentos são vultosos e rentáveis somente a partir de escalas mínimas de produção. Isso torna a oferta inelástica (insensível ao preço) no curto prazo e gera ciclos de baixa nos preços internacionais e, por conseqüência, nacionais. Além dessa característica da oferta, os preços são dependentes do nível de demanda, que é fortemente influenciada, segundo Wongtschowski1, pelo crescimento da renda nacional. Assim, períodos de baixo crescimento econômico também refletem no baixo dinamismo da indústria química local. Tal limitação estimulou a indústria nacional a expandir suas exportações, o que, porém, não a livrou da dependência em relação às flutuações da demanda. O aumento das exportações, apesar de significativo, não foi suficiente para reduzir o déficit na balança comercial da atividade, pois persiste ainda uma forte dependência de matérias-primas importadas. A indústria química é uma das principais responsáveis pelo saldo negativo da balança comercial. Alguns motivos desse resultado são: baixo valor agregado da produção local (exporta commodities) e escala de produção nacional muito inferior a de outros países. Acrescente-se ainda que os principais ativos inovadores e rentáveis são, sem exceção, importados. Diante disso, novos investimentos são viáveis somente quando há uma utilização significativa da capacidade produtiva e expectativa de crescimento da demanda. As empresas tendem a utilizar ao máximo a sua capacidade de produção. Quando chegam ao limite da capacidade de produção e há aumento da demanda, os preços se elevam (demanda maior que oferta). Os preços maiores incentivam novos investimentos e a ampliação da capacidade de produção. Novos investimentos projetam capacidades de produção bem acima do nível de demanda O aumento das exportações não foi suficiente para reduzir o déficit na balança comercial da atividade, pois persiste ainda uma forte dependência de matérias-primas importadas r e v i s t a FA E B U S I N E S S , n.5, abr. 2003 A ná lis e S e to ria l 52 em um primeiro momento, a fim de garantir escalas mínimas de produção, e há redução do preço. Tal preço irá se elevar continuamente até que se alcance o limite de produção, se aumente o preço, se incentivem novos investimentos e se forme nova capacidade de produção, reiniciando o ciclo de formação do preço. Fatores não relacionados diretamente ao mercado, como uma política restritiva de um país ou uma guerra, podem diminuir ou ampliar o tamanho do mercado internacional, afetando a formação do preço internacional e, por conseqüência, a do nacional. Essa dinâmica de mercado leva a uma tendência de concentração. Para a maioria dos segmentos da indústria química, o índice de concentração CR4 (compreende a participação de mercadodos quatro maiores fabricantes) é igual a 100%.2 Produtos químicos industriais têm preponderância do capital nacional, assim como adubos e fertilizantes. Os demais segmentos são preponderantemente de capital estrangeiro. Entre os segmentos de capital nacional, destaca-se a petroquímica, cuja estratégia de crescimento foi a fusão e aquisição. Particularmente, destaca-se a fabricação de petroquímicos básicos e resinas, que tomou outra configuração a partir da aquisição da Copene pela Odebrecht, incrementando a escala e ampliando a integração na cadeia produtiva. Desafios Por fim, as mudanças na estrutura produtiva da indústria química brasileira colocaram-na diante de um mercado com rentabilidade flutuante e vulnerável às características do próprio mercado. As estratégias de crescimento da atividade em questão devem considerar: demanda, oferta e tecnologia. Quanto à tecnologia, o desafio é avançar na busca pelo aumento de produtividade e desenvolvimento de novos produtos, subprodutos ou processos, já que há forte dependência externa quanto à tecnologia dos ativos. Em relação à oferta, a estratégia é de fusão e aquisição a fim de ampliar a capacidade de produção e aumentar os ganhos de escala, ainda pequena para o nível internacional. Para se estabelecer a demanda, deve-se monitorar os fatores determinantes da demanda, no intuito de se identificar em quais etapas do fluxo produtivo ela se encontra. Enfim, para aumentar a competitividade, precisa- se de uma política de amadurecimento da indústria nacional com relação ao uso eficiente dos seus recursos, visando reduzir fatores de vulnerabilidade. Uma política restritiva de um país ou uma guerra pode diminuir ou ampliar o tamanho do mercado internacional, afetando a formação do preço internacional e, por conseqüência, a do nacional NOTAS 1WONGTSCHOWSKI, Pedro. Indústria química: risco e oportunidades. São Paulo: Edgard Blüchen, 1999. 2WONGTSCHOWSKI, p.141-143. Christian Luiz da Silva é economista, doutor em Engenharia de Produção pela UFSC e professor da FAE Business School. E-mail: prof@christian-silva.ecn.br ν
Compartilhar