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Captação e Distribuição de Água Material Teórico Responsável pelo Conteúdo: Prof. Me. Wilson Luis Italiano Revisão Textual: Prof.ª Dr.ª Selma Aparecida Cesarin Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil • Introdução; • Da Colônia à República; • Movimento Sanitarista e Fundação Rockfeller; • Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP; • Serviço Especial de Saúde Pública – SESP; • A atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID; • Plano Nacional de Saneamento – PLANASA; • O Saneamento na Década de 1990; • O Saneamento no Século XXI até Hoje; • Organização do Setor de Saneamento no Brasil. · Compreender como se desenvolveram as ações de saneamento no país e suas relações com os interesses econômicos nacionais e internacionais; · Conhecer de forma expedita os principais fatos da historiografia do saneamento no Brasil. OBJETIVO DE APRENDIZADO Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Orientações de estudo Para que o conteúdo desta Disciplina seja bem aproveitado e haja maior aplicabilidade na sua formação acadêmica e atuação profissional, siga algumas recomendações básicas: Assim: Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte da sua rotina. Por exemplo, você poderá determinar um dia e horário fixos como seu “momento do estudo”; Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma alimentação saudável pode proporcionar melhor aproveitamento do estudo; No material de cada Unidade, há leituras indicadas e, entre elas, artigos científicos, livros, vídeos e sites para aprofundar os conhecimentos adquiridos ao longo da Unidade. Além disso, você também encontrará sugestões de conteúdo extra no item Material Complementar, que ampliarão sua interpretação e auxiliarão no pleno entendimento dos temas abordados; Após o contato com o conteúdo proposto, participe dos debates mediados em fóruns de discus- são, pois irão auxiliar a verificar o quanto você absorveu de conhecimento, além de propiciar o contato com seus colegas e tutores, o que se apresenta como rico espaço de troca de ideias e de aprendizagem. Organize seus estudos de maneira que passem a fazer parte Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Mantenha o foco! Evite se distrair com as redes sociais. Determine um horário fixo para estudar. Aproveite as indicações de Material Complementar. Procure se alimentar e se hidratar quando for estudar; lembre-se de que uma Não se esqueça de se alimentar e de se manter hidratado. Aproveite as Conserve seu material e local de estudos sempre organizados. Procure manter contato com seus colegas e tutores para trocar ideias! Isso amplia a aprendizagem. Seja original! Nunca plagie trabalhos. UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Introdução Tão importante quanto dominar uma sucessão de datas e de fatos que caracteri- zam os processos históricos, é o aluno (o cidadão) compreender os vínculos da evo- lução do saneamento no Brasil com os interesses econômicos (internos e externos). Da Colônia à República No Brasil colônia (período entre a descoberta até o início do século XIX), nossa Economia baseava-se no plantio de cana-de-açucar e café. A água era necessária ao processo de moagem da cana e de lavagem dos grãos e a maior parte das vilas se instalava próxima às nascentes e aos córregos de onde se captava a água. O saneamento não era pauta dos governos. Apenas em 1723, foi construído no Rio de Janeiro o primeiro aqueduto no Brasil, que transportava água captada no Rio Carioca até um chafariz no Largo da Carioca. O sistema foi ampliado, aperfeiçoado e, a partir de então, começou a ser adotado em outras cidades do país (FUNASA, 2015). Importante! Que o aqueduto em questão trata-se dos Arcos da Lapa? Figura 1 – Arcos da Lapa Fonte: Wikimedia Commons Você Sabia? Os serviços de abastecimento de água e de esgotamento sanitário não apresen- tavam forma organizada para a prestação desses serviços. As ações em saneamen- to eram pontuais, descontínuas e restritas a áreas isoladas. A partir de meados do século XIX, o Brasil passa por importantes mudanças e se inicia um processo de êxodo rural para os centros urbanos, criando condições propícias às doenças epidêmicas. Os primeiros serviços de saneamento surgiram em decorrência da ausência de infraestrutura e eram prestados pelo Setor Público e por Empresas Privadas. Nos maiores centros urbanos, o Estado, em regra, delegava a prestação dos serviços a concessionárias estrangeiras. 8 9 Importante! A partir de 1910, o Estado tem uma atuação mais centralizadora. As políticas sociais surgem como resposta às pressões populares. Até meados do século XX, todas as concessões foram canceladas em função da má qualidade na prestação dos serviços (FUNASA, 2015). Importante! Movimento Sanitarista e Fundação Rockfeller A Fundação Rockfeller, no início do século XX, direcionou ao Brasil apoio técnico e financeiro no combate às endemias rurais (malária e ancilostomíase). Sua atuação inicia-se por São Paulo e se expande para outros estados do Brasil, coincidindo com o período em que o Governo Federal esboça conduzir o saneamento em todo o território nacional, em decorrência do trabalho acumulado e desenvolvido pela Liga Pró-Saneamento (BENCHIMOL, 2001). Ancilostomíase: a ancilostomíase é uma infecção transmitida pelo contato com o solo contaminado, causada por parasitos nematoides das espécies Necator americanus e Ancylostoma duodenale. É uma das formas de infecção crônica mais comum em humanos, com estimativa de 740 milhões de casos, especialmente, em áreas rurais pobres dos trópicos e subtrópicos, segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS). Ex pl or A Fundação Rockfeller foi criada em maio de 1913, em Nova Iorque, por um poderoso Grupo Econômico dos Estados Unidos, constituído a partir da Standard Oil, em aliança com a Igreja Batista. Começou a desenvolver ações em Educação e Saúde, no Sul dos Estados Unidos. Por intermédio da International Health Commission, também criada em 1913, abriu frentes na América Latina, Europa, Ásia e África (BENCHIMOL, 2001). Ex pl or A Liga Pró-Saneamento do Brasil foi fundada em 1918, com o objetivo de atuar em prol do saneamento, não apenas do interior, mas de todo o Brasil, como caminho para a modernização e o desenvolvimento da nação. Foi extinta em 1920, após a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública. Para saber mais, leia o texto disponível em https://goo.gl/gcjB6U. Ex pl or Esse apoio da Fundação Rockfeller é visto por autores como subterfúgio para ocultar as reais intenções da Fundação: expansão da indústria extrativa e agrária norte-americana e de sua supremacia política e ideológica. Estudos mais recentes 9 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil tentam amenizar o viés da hegemonia política e econômica como real interesse das ações da Fundação. Durante a Primeira Guerra Mundial, sua presença coincide com o “Movimento Sanitarista”, encabeçado por um grupo de experientes médicos em campanhas sanitárias organizadas por Oswaldo Cruz, entre 1903 e 1913 (BENCHIMOL, 2001). Assista ao documentário “Oswaldo Cruz, o médico do Brasil” (Projeto Memória), disponível em: https://youtu.be/vLhiOq07KRc.Ex pl or Em 1918, a gripe espanhola contabiliza 18.000 mortes no Rio de Janeiro e 30.000 no país, expondo a incapacidade das oligarquias em resolver os problemas nacionais, que fomenta a organização dos médicos e da opinião pública em defesa da modernização e da centralização dos serviços sanitários, por intermédio de uma política voltada não só para doenças urbanas, como também para as doenças rurais (BENCHIMOL, 2001). Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP Em 1918, o então Presidente Epitácio Pessoa envia ao Congresso as principais rei- vindicações do “Movimento Sanitarista”. Em 1920, é criado o Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP), vinculadoao Ministério da Justiça e Negócios Interiores. O DNSP é uma vitória dos médicos brasileiros na organização da prestação dos serviços de saúde em termos do território brasileiro. À frente do DNSP até 1926, Carlos Chagas estabelece vários acordos com a Fundação no campo da febre amalera, ancilostomíase, malária e ensino da Medicina e Enfermagem. Entretanto, enfrenta dificuldades internas e externas na condução do DNSP. Há fortes reações nacionalistas à intenção da Rockfeller em se apoderar de um campo em que os sanitaristas brasileiros tinham notório saber, principalmente, pelo legado de Oswaldo Cruz contra a febre amarela, de 1903 a 1907, no Rio de Janeiro. Atingem seu ápice na forma de combate ao vetor da febre amarela: as fumigações (contra o Aedes aegypti), de Oswaldo Cruz, versus o ataque do mosquito na forma larvária, da Fundação (BENCHIMOL, 2001). Em 1928, eclode um novo surto de febre amarela no Distrito Federal e em mais 43 localidades do Estado do Rio de Janeiro. Esse regresso foi assimilado como incompetência das oligarquias para a resolução dos problemas nacionais. Oswaldo Cruz, há vinte anos em sua exitosa batalha contra a febre amarela, dispunha de condições políticas e jurídicas favoráveis para implantar um modelo profilático polêmico, com Campanhas executadas à força. 10 11 Os anos 1928 a 1932 demarcam um período de transformações cruciais na história da febre amarela, determinadas por uma complexa conjunção de fatores de natureza social e política, técnica, científica e epidemiológica: o Rio de Janeiro tinha cerca de 1,5 milhões de habitanes (mais do que o dobro do início do século); a Revolução de 1930 alterou as bases institucionais vigentes; a infecção do macaco rhesus, na África, pôs fim aos modelos animais e às teorias etiológicas vigentes, às pesquisas, às vacinas, às novas ferramentas para diagnóstico. Esses episódios consubstanciam um novo modelo de combate à febre amarela, derrubando não só as crenças suntentadas pela Rockfeller, como pelos herdeiros de Oswaldo Cruz. A epidemia de febre amarela, no Rio de Janeiro, desferiu o golpe de misericórdia na teoria do foco-chave e na crença de que a erradicação da doença seria tarefa simples. Figura 2 – Aspecto de casas infectadas Fonte: books.scielo.org Observa-se na foto que as casas eram cobertas com telas de algodão, antes de se introduzir o gás à base de enxofre, para matar os mosquitos em sua fase alada. Os trabalhos de “expurgo”, base da campanha de Oswaldo Cruz entre 1903 e 1907, no Rio de Janeiro e em Belém, foram repudiados pela Fundação Rockfeller, que defendia exclusivamente o combate às larvas. Os expurgos voltaram a ser praticados na epidemia de 1928-1929, usando- -se a nebulização com Flit e outros inseticidas em substituição ao enxofre (BENCHIMOL, 2001). Em 1931, o contrato com a Fundação foi revisto e os americanos, por meio do Serviço Cooperativo de Febre Amarela, ficaram reponsáveis pelo combate à doença em quase todo o país, exceto no Rio de Janeiro, onde os trabalhos foram coordenados por brasileiros, até 1932, e em São Paulo, que resistiu à intervenção federal até 1938. 11 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Serviço Especial de Saúde Pública – SESP Em 1942, é criado o Serviço Especial de Saúde Pública, SESP, a partir de acordo bilateral entre Brasil e Estados Unidos, após o III Encontro de Ministros das Relações Exteriores, realizado no Rio de Janeiro, ocasião em que os representantes dos dois países assinaram os “Acordos de Washington”, no bojo da estratégia estadunidense de apoio aos países da América Latina, na perspectiva de frear a ofensiva comercial e política dos países no Eixo no hemisfério sul. Os americanos precisavam de matérias-primas brasileiras (como, por exemplo, borracha e minérios) e seus soldados, assentados no norte e no nordeste, sucum- biam às doenças tropicais. Os trabalhadores brasileiros, se também estivessem protegidos contra a malária e outras doenças infecciosas, seriam mais produtivos na extração dessas matérias-primas. O governo brasileiro, a partir do transitório incremento da demanda gerada pela 2ª Grande Guerra, tenta esboçar um programa nacional desenvolvimentista. A plataforma desses interesses (econômicos, bélicos e políticos) ancorava-se no discurso da Política da Boa Vizinhança (BENCHIMOL, 2001). Política de boa vizinhança : https://goo.gl/iqkXWb Ex pl or O SESP nasce como “Agência Especial”, subordinada ao Ministério da Educação e Saúde, e dispunha de autonomia administrativa e financeira. Em função do caráter bilateral, subordinava-se, também, ao Institute of Inter-American Affairs (IIAA), integrante do Office of the Coordinator of Inter-American Affairs (CIAA), criado pelo Presidente Roosevelt e dirigido por Nelson Rockfeller. A história do SESP pode ser caracterizada em duas fases: • De sua criação, em 1942, até 1945 – Quando serviu aos interesses norte- americanos. Inicia-se o Programa da Amazônia para ampliação da produção e exportação de borracha para os Estados Unidos e o Programa Vale do Rio Doce (MG), respaldando a criação da Companhia Vale do Rio Doce e a construção da estrada de ferro Vitória-Minas, bem como o Programa Mica. O SESP era um braço norte-americano: executava políticas sanitárias pontuais e estava fadado a se extinguir com o final da Guerra (FUNASA, 2015); • De 1946 a 1960 – Quando se articulou aos projetos de desenvolvimento do Estado brasileiro. Terminada a Guerra, desapareceram as razões de sua criação; brasileiros e americanos interessados na permanência do SESP conseguiram, junto ao IIAA, a renovação do acordo até 1960. Nessa fase, o SESP promove a Saúde Pública em áreas de fronterira econômica (principalmente na Amazônia e no Nordeste), atribuição prevista desde sua criação, em 1942, e que se consolida no Plano Salte, implantado no governo de Eurico Gaspar Dutra (1946 a 1951) (FUNASA, 2015). 12 13 Importante! Os projetos nacionais desenvolvimentistas passaram a considerar a saúde um dos elementos essenciais para a valorização das pessoas e do desenvolvimento econômico. Em decorrência, o SESP protagonizou a prestação dos serviços de Saúde nas regiões desses projetos desenvolvimentistas, durante a década de 1950. Importante! Nessa fase (2ª), o SESP abriu frentes em áreas como Higiene Industrial e Engenharia Sanitária, transformando a agência num modelo de Organização Sanitária no Brasil, baseda em: a) Treinamento de pessoal qualifi cado para trabalhar nas Unidades de Saúde e administrar o modelo; b) Investimento em educação sanitária; c) Criação de uma rede integrada de Unidades de Saúde; d) expansão dessa rede para os municípios e estados brasileiros (FUNASA, 2015). Em 1960, o acordo com os Estados Unidos foi encerrado e o SESP foi transfor- mado na Fundação Serviço Especial de Saúde Pública, FSESP, tornando-se refém da falta de verbas e do empreguismo. Em 1991, a FSESP foi extinta e seus quadros, incorporados à Superintendência das Campanhas (Sucam), passaram a integrar a atual Fundação Nacional de Saúde (FUNASA). A atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID A atuação do Banco Interamericano de Desenvolvimento – BID, no Brasil, está atrelada à lógica da remuneração do capital investido nos prestadores de serviços de saneamento, que deveriam garantir seu equilíbrio (sustentabilidade) financeiro mediante cobrança tarifária, e inicia sua atuação no financiamento do saneamento no Brasil a partir da década de 1960. O facilitador desse processo foi a criação, em 1959, no governo JK, da Superintendência para o Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), ocasião em que os empréstimos externos, via BID, para ações de saneamento são ampliados significativamente (REZENDE, 2000). Nesse momento, a partir da atuação da SUDENE, do DNOS e do BID, foi concebida uma inversão na prestação dos serviços de saneamento: o modelo baseado nas Empresas de Economia Mista e nas Autarquias se apresentavacomo mais viável frente à Administração Direta via FSESP. Começou a ser implantada 13 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil no setor de saneamento a lógica financeira do retorno do capital investido, cujos serviços deveriam ser sustentáveis financeiramente, mediante pagamento de tarifas, orientação que se consolidaria no PLANASA (MORAES; BORJAS, 2001). Como destinatários dos financiamentos do BID havia as autarquias municipais ligadas à FSESP e responsáveis pelas ações de saneamento em nível local. O BID também fomenta a criação de Empresas estaduais de Economia Mista para a prestação dos serviços de saneamento. Vincula ao contrato de financia- mento (por parte dos contratantes) a clara descrição das exigências relacionadas à autonomia administrativa, tarifária, arrecadatória e legislativa. No final da década de 1960, o BID passou a condicionar seus financiamentos à transferência da con- cessão dos serviços de saneamento dos municípios para as Empresas estaduais de Economia Mista, transferência esta em muito facilitada pelo regime militar (MORA- ES; BORJAS, 2001). Plano Nacional de Saneamento – PLANASA Em 1964, foi criado o Banco Nacional de Habitação – BNH, com a tarefa de implantar uma Política Nacional de Desenvolvimento Urbano. Em 1967, foi-lhe atribuída a função de diagnosticar a situação do saneamento. É criado, no âmbito do BNH, o Sistema Financeiro de Saneamento – SFS, bem como, os Fundos Estaduais de Água e Esgoto (FAEs). O financiamento aos municípios passou a ser realizado pelo BNH, mediante SFS, em conjunto com os Estados e com a contrapartida obrigatória dos municípios. A partir da década de 1970, o setor adquire envergadura nacional e, em 1971, é criado o Plano Nacional de Saneamento, PLANASA, com as seguintes diretrizes (MARICATO, 1987): • Criar e consolidar as Companhias Estaduais de Saneamento Básico, com um viés de Gestão Empresarial; • Dar sustentabilidade financeira ao setor, por meio do fortalecimento dos Fundos de Água e Esgoto (FAE), mediante transferências do FGTS e dos orçamentos federal e estadual; • Atender a população urbana em 80% com serviços de abastecimento de água e em 50% com serviços de esgotamento sanitário, até 1980. As Companhias Estaduais de Saneamento Básico As Companhias Estaduais de Saneamento Básico CESB(s) deveriam ser capazes de estabelecer sua autonomia como unidades empresariais. Na 1ª década do PLA- NASA, a disponibilização de recursos mediante BNH, SFS e FAE(s) foi abundante, permitindo a manutenção de baixas tarifas e grandes investimentos. 14 15 Com a crise econômica do final da década de 1970, o término da carência dos financiamentos, o aumento das despesas com amortizações e encargos, não há recursos para a operação dos sistemas de saneamento implantados. A ingerência política das CESB(s) e a míngua dos recursos impõem o ônus da manutenção (TUROLLA, 2002). Os Governos (Federal e Estadual) e as CESB utilizaram todos os mecanismos de pressão e de chantagem econômica para a cooptação dos prefeitos e vereadores dos municípios brasileiros no processo de concessão dos serviços de saneamento às CESB(s) (PEIXOTO, 1994). A Sustentabilidade Financeira Na lógica do SFS, previa-se que a participação do BNH seria diminuída à medida que os FAE(s) fossem capazes de obter autonomia financeira, a partir do fluxo de tarifas gerado pelos investimentos. Mas, essa equação não fechou. A crise econômica que se instaura no final da década de 1970, as políticas de combate à inflação e o arrocho salarial impediram a cobrança de tarifas realistas. Não havia dinheiro para a remuneração do capital investido. Não havia dinheiro para a operação. O PLANASA e as CESB(s) entram em colapso (TUROLLA, 2002). A Cobertura dos Serviços de Água e Esgoto De fato, no Brasil, durante o PLANASA, mais pessoas tiveram acesso aos ser- viços de saneamento (MARICATO, 1987). Na Tabela a seguir, apresenta-se a evo- lução do percentual da população urbana atendida com abastecimento de água e esgoto (rede), no período de 1970 a 1995. Tabela 1 – Realizações do PLANASA (%) População Urbana Atendida 1970 1991 1995 Abastecimento de Água 60 86 91 Esgoto (rede de coleta) 22 49 66 Fonte: Parlatore, 2000 Não se pode ignorar que essa expansão dos serviços de saneamento implicou relativa queda da mortalidade infantil e destaca que a eficiência dos sistemas im- plantados é extremamente onerosa (MARICATO, 1987). Observa-se na Tabela 1 significativo avanço no percentual de cobertura; entre- tanto, sem o atingimento de 100%. Em 1986, o BNH foi extinto e a Caixa Econômica Federal assumiu o SFS. Im- portante salientar que a Constituição de 1988 viria a definir que os municípios se- riam responsáveis pelos serviços de interesse local, ou seja, as mazelas do modelo deveriam ser assumidas pelos Municípios. Formalmente, o PLANASA foi extinto em 1992 (TUROLLA, 2002). 15 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil O Saneamento na Década de 1990 Com o final das ações do PLANASA, inicia-se um período de carência de re- cursos para investimentos em saneamento. Alia-se a esse período o processo de redemocratização do país e a eclosão de enfermidades já erradicadas (dengue, febre amarela, cólera). Nesse cenário, fomenta-se o debate sobre o saneamento no país. O Estado passa a funcionar a partir de novas diretrizes políticas e econômicas e seu papel no campo das Políticas Públicas é alterado. Nesse contexto, surge e é enviado ao Congresso o Projeto de Lei nº 199/93, nos moldes do que seria a Lei 11.445/2007 (descentralização, ações integradas – água, esgoto, lixo e drenagem – e controle social). Apesar de aprovado pelo Congresso Nacional, foi vetado integralmente pelo Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, em oposição a outro projeto em curso de elaboração no âmbito do Projeto de Modernização do Setor de Saneamento (PMSS), financiado pelo Banco Mundial e coordenado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) (BORJA et al., 1998). Em 1990, no Governo Collor, foi criada a Secretaria do Saneamento, vinculada ao Ministério da Ação Social (MAS). A antiga Superintendência de Campanhas de Saúde Pública (SUCAM) foi transformada em Fundação Nacional de Saúde – FUNASA (FUNASA, 2015). Em 1992, no Governo Itamar Franco, foi criado o Programa de Modernização do Setor de Saneamento, PMSS, financiado pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento – BIRD. Sua execução ficou a cargo da Secretaria de Política Urbana – SEPURB, do Ministério do Planejamento e Orçamento, MPO. Em 1995, a Política Nacional de Saneamento do Governo FHC é resultante dos trabalhos do PMSS e da vigência das Leis nº. 8.987/95 e 9.074/95, que dispõem sobre a concessão ou a permissão da prestação dos serviços públicos. É caracterizada pela: a) modernização; b) flexibilização na prestação dos serviços com forte viés de privatização; c) definição de marcos regulatórios para controle da prestação de serviços. Intensifica-se, mais do que no PLANASA, a concepção do saneamento vinculado à estrutura de Mercado, sujeito ao lucro e suas regras (MORAES; BORJA, 2001). Em 2001, é enviado ao Congresso o Projeto de Lei 4.147/2001 (em regime de urgência constitucional, 45 dias para tramitação e aprovação). Tem como objetivo estimular a privatização dos serviços de saneamento, mediante transferência para 16 17 os estados da titularidade municipal na prestação dos serviços de saneamento, garantida pela Constituição Federal, facilitando a privatização das 27 Companhias de Águas e Esgotos dos estados e do Distrito Federal. Figura 3 – Recortes de Jornal Fonte: books.scielo.org Apresentam-se, na Tabela 2, os percentuais de cobertura acumulados até o ano 2000. A Política Nacional de Saneamento na gestão de Fernando Henrique Cardoso, entre 1995 e 2002, objetivou universalizar os serviços até 2010 (TUROLLA, 2002). Tabela 2 – Cobertura de redes de abastecimento de água e coleta de esgotosno Brasil. Percentual de domicílios atendidos População Urbana Atendida 1970 1980 1990 2000 Água 60,50 79,20 86,30 89,90 Esgoto 22,20 37,00 47,90 56,00 Fonte: IBGE, 2000 O Saneamento no Século XXI até Hoje Em 2003, no Governo Lula, foi criado o Ministério das Cidades – MC, cuja missão seria superar o recorte setorial da habitação, do saneamento e dos transportes, considerando na sua integração o uso e a ocupação do solo. Integrou a estrutura do MC, a Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, SNSA, cuja criação expressou uma resposta efetiva à luta e às demandas históricas dos movimentos sociais. A construção da Política Pública de Saneamento e a atuação do Ministério das Cidades via Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental se baseou em três pilares: (i) reorganização institucional do setor; (ii) planejamento, retomada e a ampliação dos investimentos em saneamento; (iii) formulação de um marco regulatório para o setor (CORDEIRO; BRITTO; PEREIRA, 2011). A 1ª Conferência Nacional das Cidades, em outubro de 2003, ocorreu após amplo processo participativo e mobilizatório, tornando-se um marco importante na reestruturação do Setor de Saneamento, em nível nacional. 17 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Importante! Tal mobilização pode ser evidenciada pelo fato de ter sido precedida por 1.427 Conferências Municipais e de 185 Conferências Regionais, envolvendo 3.457 municípios de todos os estados da Federação. Além disso, 26 dos 27 governos estaduais existentes convocaram Conferências Estaduais. Importante! Marco Regulatório A Lei 11.445/2007 estabeleceu as diretrizes nacionais da POLÍTICA de Sa- neamento Básico, com três funções diferentes para a gestão do saneamento: I) a função planejadora; II) a função reguladora; e III) a função de prestação dos serviços (BRASIL, 2007). Ela estimula a cooperação entre entes federados, sendo que os serviços podem ser prestados para um ou vários Municípios – prestação regionalizada – contíguos ou não e deve haver uniformidade de fiscalização e regulação dos serviços. Torna, ainda, obrigatória a elaboração dos planos municipais, regionais e nacional de Saneamento Básico. O Plano Nacional de Saneamento Básico – PLANSAB foi aprovado pelo Decreto Presidencial nº 8.141, de 20/11/2013, e pela Portaria Interministerial nº 571, de 5/12/2013 (REF, Ano). É o eixo central da atuação do Governo, responsável pela definição de programas, ações e estratégia de investimento. Fixou para 2033 a meta para universalização dos serviços de saneamento. Apresentam-se a seguir os percentuais de cobertura acumulados até 2010. Tabela 3 – Atendimento e déficit por componente do Saneamento Básico no Brasil, 2010 População Atendida 1970 1980 1990 2000 2010 (Atendimento) Adequado Precário Total Sem Abas/to de Água 60,50 79,20 86,30 89,90 59,40 33,90 93,3 6,80 Esgotamento Sanitário 22,20 37,00 47,90 56,00 39,70 50,70 90,4 9,60 Resíduos Sólidos - - - - 58,60 27,20 85,8 14,20 Fonte: PLANSAB 18 19 Importante! Linha do Tempo • Da Colônia à República: o Saneamento não é pauta dos governos. Os serviços de abastecimento de água não apresentavam forma organizada para sua a prestação; • 1903 a 1913: Estruturação do Movimento Sanitarista, liderado por Oswaldo Cruz – Batalha épica de Oswaldo Cruz e sua equipe contra a febre amarela; • 1914 a 1918: Presença da Fundação Rockfeller, a partir da 1ª Guerra Mundial – O apoio aos serviços de saneamento é meio para interesses econômicos (borracha e minério); • 1918: Liga Pró-Saneamento do Brasil – Objetivo de atuar em prol do saneamento em todo o Brasil (rural e urbano); • 1918: a Gripe Espanhola contabiliza 18.000 mortes no país; • 1920: Instituição do Departamento Nacional de Saúde Pública – DNSP; • 1920 a 1926: Carlos Chagas está à frente do DNSP; • 1928: novo surto de febre amarela no Rio de Janeiro; • 1931 a 1939: sucessivas renovações com a Fundação Rockfeller; • 1942: Criação do SESP (Agência Especial). Na 1ª Fase (1942 a 1945), serve mais a interesses norte-americanos. Na 2ª Fase (1946 a 1960), articula-se aos projetos de desenvolvimento do Estado brasileiro; • 1961: o SESP é transformado na FSESP; • 1960 a 1967: forte atuação do BID. Lógica do retorno do capital investido mediante cobrança de tarifa; • 1964: criação do Banco Nacional de Habitação – BNH; • 1971: criação do Plano Nacional de Saneamento – PLANASA; • 1986: declínio do PLANASA (formalmente extinto em 1992) – Redução nos índices de mortalidade; endividamento extremo; • 1990: criada a Secretaria de Saneamento, no Ministério de Ação Social, no governo Collor; • 1992: criação do Programa de Modernização do Saneamento – PMSS, no governo Itamar Franco; • 1993: Projeto de Lei nº 199, aprovado pelo Congresso e vetado na íntegra pelo governo FHC; • 1995: Legislação regulatória de concessões; • 2001: Projeto de Lei 4.147 – estímulo às privatizações, transferência da titularidade dos municípios para os estados; • 2003: criação do Ministério das Cidades; • 2007: Lei 11.445 – Marco Regulatório do Saneamento: Funções de Gestão; Cooperação entre entes federados; • 2013: aprovação do PLANSAB – Universalização prevista em 2033. Em Síntese 19 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Organização do Setor de Saneamento no Brasil Há três modalidades de prestação dos serviços de saneamento básico previstas na Legislação vigente: a prestação direta, a indireta e a gestão associada. Observe a Figura 4. Figura 4 – Formas de Prestação dos Servços de Saneamento Fonte: Ribeiro, 2005 Apresenta-se na Tabela 4 o percentual de municípios por componente, para cada modalidade de prestação dos serviços, conforme ilustrado na 4. Observa-se que, para o abastecimento de água, quase a metade dos municípios é atendida pelas Companhias estaduais. Para o componente “esgotamento sanitário”, há uma inversão e a maioria dos municípios tem esse tipo de serviço prestado diretamente pelas prefeituras e, somando-se as autarquias (também públicas), o percentual é superior a 70%. Em ¼ dos municípios, esse componente é operado pelas CESB(s). Em relação a resíduos, o percentual sob a responsabilidade direta (pública) é ainda maior. Finalmente, em drenagem urbana, são os municípios, por intermédio (geralmente) de suas Secretarias de Obras (serviços, infraestrutura), com estrutururas sofríveis, que prestam os serviços de drenagem urbana. Tabela 4 – Tipo de Prestador de Serviço em percentual, por Município e por componente Tipo de Prestação do Serviço % de Municípios Água Esgoto Resíduos Drenagem Administração Direta do Poder Público 30,50 62,60 86,90 99,00 Autarquia 8,90 10,70 0,40 0,50 Companhias Estaduais 45,50 24,90 0,60 0,30 Empresa privada 4,80 1,20 11,80 0,10 Outra 10,30 0,70 0,30 0,10 Fonte: PNSB, 2000 (IBGE 2002). 20 21 Material Complementar Indicações para saber mais sobre os assuntos abordados nesta Unidade: Sites Livro vira a história da Fundação Rockefeller de cabeça para baixo https://goo.gl/WngE1m Movimento Sanitarista https://goo.gl/jnd91f Política de boa vizinhança https://goo.gl/Twv7CL Livros Política Habitacional no Regime Militar MARICATO, E. Política Habitacional no Regime Militar. Do Milagre Brasileiro à Crise Econômica. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 1987. Vídeos Documentário Completo: Oswaldo Cruz, o médico do Brasil (Projeto Memória) https://youtu.be/vLhiOq07KRc 21 UNIDADE Saneamento: Estado, Interesses – Histórico no Brasil Referências BENCHIMOL, J. L. (coord.). Febre amarela: a doença e a vacina, uma história inacabada [online]. Rio de Janeiro: FIOCRUZ, 2001. 470p. Disponível em https:// portal.fiocruz.br/pt-br/content/febre-amarela-doenca-e-vacina-uma-historia- inacabada. Acesso em 10 de janeiro de 2018. BRASIL. Ministério da Saúde. Fundação Nacional de Saúde. Manual de Saneamento. 4.ed. Brasília: FUNASA, 2015. 642p. CORDEIRO, B. D.; BRITTO, A. L.; PEREIRA, T. D. A política nacional de saneamento: Notas sobre avanços e impasses nos governosLula (2013-2010). XIV ENCONTRO NACIONAL DA ANPUR, p. 21. Rio de Janeiro/RJ, maio de 2011. MARICATO, E. Política Habitacional no Regime Militar. Do Milagre Brasileiro à Crise Econômica. Petrópolis/RJ. Editora Vozes, 1987. PEIXOTO, N. O Barulho das Águas e a Gestão dos Serviços de Saneamento. São Paulo: Editora Água e Vida,1994. TUROLLA, F. A. Política de Saneamento Básico: Avanços Recentes e Opções Futuras de Políticas Púbicas. Brasília, IPEA 2002. Disponível em http://www.ipea. gov.br/portal/index.php?option=com_content&view=article&id=4155 MORAES, Luis Roberto Santos; BORJA, Patrícia Campos. Política de Saneamento no Brasil. Salvador. 2001. Não Publicado. RIBEIRO, Wladimir Antônio. A Lei de Consórcios Públicos (Lei nº. 11.107, de 06 de abril de 2005). Apresentação realizada na Reunião da Região Integrada de Desenvolvimento do Distrito Federal e do Entorno. Brasília: Ministério das Cidades; Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental, 2005. Não publicado. Sites Visitados <http://books.scielo.org/id/4nktq>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. <http://pesquisa.bvsalud.org/bvsms/resource/pt/mis-38860>. Acesso em: 10 de janeiro de 2018. 22
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