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Direito unidade 2

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Aula 1Personalidade e Capacidade - unidade 2.docx
Aula 1Personalidade e Capacidade; pessoas e bens
No estudo do Direito Civil, os sujeitos de Direitos são a primeira e mais essencial definição do nosso sistema de Direito e estão na base de toda e qualquer relação jurídica, porque definem pessoa, estabelecem as suas características e determinam a capacidade civil – ou capacidade de interação das pessoas no universo; definem bens e patrimônio e fundamentam o mundo econômico e negocial; as obrigações e os contratos estabelecem as diretrizes para a segurança dos negócios em sociedade e, finalmente, a responsabilidade civil identifica os atos ilícitos civis, os danos e as indenizações ou reparações deles decorrentes, garantindo a própria perpetuação da vida em sociedade.
Sujeitos de Direitos, pessoa, personalidade
Como anteriormente estudamos, os seres humanos organizaram-se socialmente e paralelamente a essa organização surgiram as normas e regras de conduta que, garantindo a vida em sociedade, compuseram o que hoje denominamos, em sentido amplo, como sendo o Direito; seu estabelecimento criou faculdades e normas de ação, na medida em que impunham obrigações ou garantiam direitos aos indivíduos nas suas inter-relações sociais com os demais, garantindo a sobrevivência do grupo.
Surgia assim o primeiro dos institutos do Direito: o Sujeito de Direitos, o detentor de direitos e de deveres em esfera jurídica e social, o destinatário do conjunto de normas de conduta que conhecemos por Direito, aquele de quem se pode exigir determinado comportamento conforme a lei ou a quem se pode aplicar determinada sanção pela sua inobservância.
Assim, somente será Sujeito de Direitos (assim considerado como sendo o destinatário do Direito) o ser humano; todos os demais organismos, todos os demais seres, todos os demais objetos, animados ou inanimados, móveis, imóveis ou semoventes, não serão Sujeitos de Direitos, não serão os destinatários das normas jurídicas, não estarão subordinados a normas e faculdades de agir, apenas entrando na seara do Direito para serem apropriados, para serem utilizados economicamente pelos Sujeitos de Direitos.
Se a dimensão física do Sujeito de Direitos é o ser humano, a sua dimensão ideal será a pessoa: a representação social de sua individualidade, da sua distinção dentre todos os demais seres humanos, da apreensão da natureza de ente dotado de direitos e deveres, de obrigações e faculdades, de ente que interage em sociedade na forma estabelecida ou não proibida por tais normas de conduta.
Assim, temos que o Sujeito de Direitos apresenta uma dimensão biológica – o ser humano, que é o indivíduo considerado em si mesmo, o indivíduo, dotado das características que o tornam titular de direitos e deveres inerentes à humanidade, e uma dimensão social – a pessoa, que é a representação dessa humanidade em planos coletivos, no curso da vida em sociedade.
É o seguinte o teor do artigo 1º de nosso Código Civil:
Art. 1º Toda pessoa é capaz de direitos e deveres na ordem civil.
O termo Pessoa deriva do vocábulo latino persona, que designava as máscaras usadas pelos artistas das tragédias em suas encenações teatrais. Faziam, assim, alusão à representação exterior, externa, do ser humano em sociedade, distinguindo-a do conteúdo interior, personalíssimo, inerente à sua própria humanidade.
À condição essencial da pessoa no Direito chama-se personalidade.
Essa será a sua dimensão dinâmica, aquilo de que será dotada a pessoa que legitima o exercício dos direitos e deveres em esfera jurídica; é a personalidade que dá ao ser humano a interação necessária com seus pares para o exercício de sua condição de sujeito de direitos e deveres, possibilitando que viva e interaja com os demais segundo as normas de conduta de sua sociedade.
Assim, personalidade será a medida da aptidão da pessoa para tornar-se titular de direitos e de obrigações em planos jurídicos e sociais.
Temos, portanto, que serão os Sujeitos de Direitos assim estruturados: em sua dimensão biológica, de concretude, os seres humanos considerados em si mesmos, com seu conjunto de características específicas que os identifica e distingue de todos os demais componentes do Universo; em sua dimensão social, abstrata, ideal, as pessoas, a cuja representação dinâmica denominamos personalidade – e que é o canal de interação com o mundo.
Objeto de Aprendizagem
Vejamos agora uma animação que aborda as diferentes esferas da personalidade.
Sob o critério da dinamicidade, a personalidade (que é esfera de investidura, esfera dinâmica, de movimento) será exclusividade da pessoa, que representa idealmente o sujeito de Direitos, cuja acepção física se integra ao ser humano – ou seja, a personalidade será atributo da pessoa, que corresponde à esfera social do ser humano, a personalização do sujeito de direitos e deveres, o destinatário de qualquer norma social.
As pessoas poderão ter duas formas de existência:
· Existência natural, física ou concreta
· Existência ideal ou abstrata
Essas pessoas serão: a pessoa física, ou pessoa natural, cuja dimensão concreta e externa será o próprio ser humano, e a pessoa jurídica, denominação que se empresta usualmente à pessoa ideal, à pessoa abstrata, que é uma criação humana, uma ficção a que se empresta personalidade permitindo a prática de determinados atos ou negócios e que possui vida distinta de seus componentes.
É certo, então, afirmarmos que existe um tipo de pessoa que não apresenta dimensão física, concreta; que não compreende nem é compreendida por um ser humano e, principalmente, que não existe por si própria (como as pessoas naturais ou físicas), mas sim e tão somente em virtude de uma criação abstrata e ficcional, que parte de uma ou mais pessoas físicas, e que, preenchidos certos requisitos determinados por lei, adquire personalidade, podendo praticar atos como uma individualidade distinta de seus instituidores.
Exemplos desse tipo de pessoa (da pessoa jurídica) serão todas as empresas, todas as companhias, quaisquer que sejam as suas respectivas áreas de atuação e de funcionamento; serão pessoas jurídicas os bares, os restaurantes, os bancos, as instituições de ensino; a elas se atribui personalidade sob certas condições previstas em lei e para a prática de atos predeterminados em seu instrumento de constituição, que via de regra é o contrato social; elas poderão contratar entre si e com terceiros, ter funcionários, fazer investimentos, agindo por meio de seus representantes – sim, pela própria inexistência de sua esfera de concretude, como anteriormente pudemos mencionar
Nosso Código Civil enumera a tipologia das pessoas jurídicas de que ora tratamos na forma seguinte:
Art. 44. São pessoas jurídicas de direito privado:
I. as associações;
II. as sociedades;
III. as fundações;
IV. as organizações religiosas;
V. os partidos políticos;
VI. as empresas individuais de responsabilidade limitada.
§ 1º São livres a criação, a organização, a estruturação interna e o funcionamento das organizações religiosas, sendo vedado ao poder público negar-lhes reconhecimento ou registro dos atos constitutivos e necessários ao seu funcionamento.
§ 2º As disposições concernentes às associações aplicam-se subsidiariamente às sociedades que são objeto do
§ 3º Os partidos políticos serão organizados e funcionarão conforme o disposto em lei específica.
Temos, portanto, que as pessoas poderão ser físicas ou naturais ou jurídicas ou ideais, conforme a forma de que se revestirem (a primeira dotada de esfera morfológica, esfera física, esfera de concretude, e a segunda dotada apenas de esfera ideal ou abstrata); vimos ainda que apenas as pessoas poderão ser Sujeitos de Direitos e Deveres na esfera jurídica e social.
Coisas, Bens
Chegamos, então, à primeira e à principal distinção que fazemos em Direito e a que chegamos por exclusão: aquela que, literalmente, divide todo o Universo em duas modalidades, em dois tipos de seres: as pessoas e as coisas – e foi justamente essa distinção que permitiu que chegássemos
ao atual estágio dos direitos das coisas (direitos de propriedade), ao direito comercial, ao direito tributário, entre outros tantos.
Pessoas já definimos – e sabemos corresponderem, em síntese, aos seres humanos (vale dizer, só será pessoa aquele também dotado de humanidade); à definição de coisa chegamos por exclusão, fazendo um raciocínio a contrario sensu; portanto, coisa será tudo aquilo que não for pessoa.
Uma vez que as pessoas representam os sujeitos de direitos em sociedade, as coisas apenas existem para serem apropriadas e, assim, atenderem à sua finalidade econômica.
Essa determinação reside na própria dissociação fundamental que fazemos entre pessoa e coisa, considerando pessoa como destinatária das normas de direito e coisa como objeto a ser apropriado e sobre o qual incidirão as normas de que se fazem titulares as pessoas – e aí encontramos outra distinção: entre as coisas que possuem valor econômico e aquelas que não o possuem.
Às coisas que possuem valor econômico – qualquer que seja a sua natureza ou ordem de grandeza – denominamos bens; àquelas que não o possuem, denominamos simplesmente coisas. Todavia, no mundo atual, o estado de evolução tecnológica restringe, de fato, a possibilidade de existência de uma coisa a que ninguém possa emprestar valor econômico algum.
Os velhos e clássicos exemplos para coisas sem valor econômico estão de há muito ultrapassados (pela própria evolução social), não mais se prestando para designar coisas sem valor a água e o ar atmosférico – que foram, por muito tempo, exemplos frequentes de coisas sem medida de valoração, que poderiam, dessa forma, ser apreendidas por qualquer um a qualquer tempo sem consequências econômico-jurídicas relevantes.
Ninguém duvidaria, em sã consciência, de que nos dias atuais, a Humanidade não pode considerar a água doce potável como objeto desprovido de estimativa econômica, o mesmo se dando com o ar atmosférico não poluído.
O atual estágio de nossa evolução tecnológica levou a um aproveitamento tão abrangente dos elementos de qualquer natureza que a cada dia se torna menos crível a existência de algo desprovido de qualquer valor (ou algo que não tenha jamais valor algum para ninguém).
Tipologia e classificação dos Bens
Diferentemente das pessoas, os bens podem revestir-se de características tão distintas entre si como um tijolo e um passarinho, razão pela qual são analisados em suas subdivisões, a saber:
a. Bens Móveis - São aqueles que se podem transportar de um ponto a outro sem que percam as suas características físicas. Exemplo: uma cadeira.
b. Imóveis - São aqueles que não se podem transportar de um ponto a outro sem que percam as suas características físicas. Exemplo: uma casa
c. Semoventes - São aqueles que se movem de um ponto a outro por seus próprios meios ou forças. Exemplo: um cão.
d. Fungíveis - São aqueles que se podem substituir por outros de igual quantidade, qualidade e forma. Exemplo: dinheiro.
e. Infungíveis - São aqueles que não se podem substituir por outros de igual quantidade, qualidade e forma. Exemplo: uma pintura de determinado autor.
f. Materiais, corpóreos ou concretos - São os que possuem esfera concreta, física. Exemplo: um automóvel.
g. Imateriais, incorpóreos ou abstratos - São os que não possuem esfera concreta, física. Exemplo: o software.
h. Presentes - Aqueles que já existem no momento do contrato. Exemplo: um animal já existente.
i. Futuros - Aqueles que ainda não existem no momento do contrato, mas têm sua existência previsível. Exemplo: um animal ainda em gestação.
j. Estimáveis- Aqueles cujo valor pode ser estimado. Exemplo: uma escultura que se encontre em comércio.
k. Inestimáveis - Aqueles cujo valor não pode ser estimado. Exemplo: a escultura O Pensador, de Rodin.
l. Bens no comércio - Aqueles que podem ser objeto de apropriação pelas pessoas e consequentemente de negócios jurídicos entre elas. Exemplo: um livro.
m. Fora de comércio - Aqueles que não podem ser objeto de apropriação pelas pessoas e consequentemente de negócios jurídicos entre elas. Exemplo: órgãos humanos.
n. Públicos - Aqueles que ainda não existem no momento do contrato, mas têm sua existência previsível. Exemplo: as praias.
o. Privados - Aqueles que pertencem a indivíduos particulares. Exemplo: um terreno particular.
Mesmo parecendo simples, essa classificação pode encerrar certa dificuldade, em hipóteses especiais que, via de regra, atendem a utilidades econômicas.
Assim, por exemplo, um bem imóvel por sua natureza pode se tornar móvel e vice-versa, como no caso das árvores destinadas ao corte para venda da madeira (que são essencialmente imóveis, mas tornam-se móveis por antecipação, para o Direito, por força do contrato de compra e venda) ou o alambique que se encontre no interior de uma destilaria (que pode ser movido de um ponto a outro sem perder suas características, mas torna-se imóvel por acessão intelectual, já que de sua existência depende a exploração econômica do imóvel, a que adere).
Contextualizando a utilidade dessa classificação para a atividade da gestão, vemos que um software é um bem incorpóreo, de valor geralmente estimável (se bem que às vezes extremamente considerável), particular (quando de propriedade intelectual de alguém, que o licencia, por exemplo), fungível e integra o comércio, diferentemente do DVD em que é comercializado, que, por seu turno, será um bem corpóreo, móvel, de valor estimável (e imensamente inferior ao valor do software de que é suporte físico).
Início e fim da personalidade
A personalidade, que permite ao sujeito de direitos interagir socialmente, possui delimitação temporal definida; vale dizer, possui início e final; a personalidade humana se inicia no momento do nascimento com vida e se extingue no momento da morte. Durante esse lapso de tempo – a própria vida – o indivíduo será pessoa, estará apto a agir socialmente, apreendendo os bens e se relacionando com os demais.
A determinação destes momentos – nascimento com vida e morte – é do domínio das ciências médicas, não cabendo a sua definição ao Direito; no curso da história foram empregados técnicas e métodos diversos para aferir a vida ao nascimento e para verificar a morte (apenas como exemplo, a morte já foi determinada pela ausência de respiração, pela parada cardíaca e atualmente é usado o critério da morte cerebral).
Segundo nosso Código Civil, em seus artigos 2º e 6º:
Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.
(...)
Art. 6o A existência da pessoa natural termina com a morte; presume-se esta, quanto aos ausentes, nos casos em que a lei autoriza a abertura de sucessão definitiva.
Essa orientação não foi alheia a críticas, havendo significativa corrente doutrinária que entende mais correto admitir-se o início da personalidade coincidindo com o da concepção, após o que necessariamente o indivíduo teria se apropriado da personalidade, ou seja, teria se tornado uma pessoa. Todavia, foi o critério empregado pelo nosso primeiro Código Civil, promulgado em 1916, e se manteve no Código Civil atual, promulgado em 2002.
Assim, antes do nascimento e depois da morte não existe personalidade, já que seu início ou ainda não se verificou ou já ocorreu a sua cessação. Portanto, o nascituro e o cadáver não são pessoas – e, assim, por exclusão, são coisas.
São, outrossim, coisas de tal forma influenciadas pela personalidade ainda não verificada ou já extinta que recebem de nosso Direito tratamento diferenciado – ao nascituro se reconhece a expectativa do direito à vida e, como tal, ele pode receber heranças e doações sob condição de nascer com vida, ao passo que o cadáver não pode ser objeto de negócios jurídicos e o seu vilipêndio consiste em ilícito penal próprio.
A pessoa jurídica também possui marcos inicial e final de existência – são eles o registro de seu contrato ou de seus atos constitutivos junto ao Órgão competente e a formalização e posterior registro de sua dissolução,
e isso se dá porque não possui esfera concreta ou morfológica, não podendo, como as pessoas de existência real, nascer e morrer.
Tal é o disposto no Código Civil:
Art. 45. Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.
Parágrafo único. Decai em três anos o direito de anular a constituição das pessoas jurídicas de direito privado, por defeito do ato respectivo, contado o prazo da publicação de sua inscrição no registro.
(...)
Art. 51. Nos casos de dissolução da pessoa jurídica ou cassada a autorização para seu funcionamento, ela subsistirá para os fins de liquidação, até que esta se conclua.
§ 1º Far-se-á, no registro onde a pessoa jurídica estiver inscrita, a averbação de sua dissolução.
§ 2º As disposições para a liquidação das sociedades aplicam-se, no que couber, às demais pessoas jurídicas de direito privado.
§ 3º Encerrada a liquidação, promover-se-á o cancelamento da inscrição da pessoa jurídica.
Nosso Direito estende às pessoas jurídicas a proteção dos direitos da personalidade, que representam o substrato mínimo necessário para a existência da própria pessoa, nos termos seguintes:
Art. 52. Aplica-se às pessoas jurídicas, no que couber, a proteção dos direitos da personalidade.
Para a teoria concepcionista a personalidade se inicia com a concepção e não quando do nascimento com vida. Todavia, esta não é a orientação de nosso Código Civil, que adota a teoria natalista do início da personalidade.
Nem sempre o nascimento com vida foi suficiente para a determinação do início da personalidade – em algumas sociedades, como na grega, ou na romana, exigia-se, além disso, forma humana (aparência exterior de pessoa) e viabilidade (possibilidade de manutenção da vida por si só) para a apreensão da personalidade. Caso não preenchesse tais requisitos, o recém-nascido não a adquiria.
A ausência de qualquer um deles – mesmo os de caráter essencialmente subjetivo, como forma humana, ou incertos, como viabilidade – impedia que o recém-nascido pudesse vir a ser considerado pessoa e geralmente ele era abandonado à própria sorte e acabava fenecendo.
A evolução da própria concepção do ser humano e de sua função no mundo levou a que não mais se admitisse a exigibilidade de tais requisitos para a determinação da personalidade; alguns autores afirmam que os romanos justificavam a exigibilidade da forma humana em sua crença na possibilidade de uma mulher, mantendo relacionamento sexual com um animal, gerar um híbrido humano – animal – tal era a definição de monstro – como o Minotauro, misto de homem e touro e que, portanto, não deveria ser sujeito de direitos e deveres.
Imagem do Minotauro, do poeta, tipógrafo e pintor inglês William Blake (1757-1827).
O requisito da viabilidade é mais sutil, porém não menos insidioso: determina que o recém-nascido, para que seja considerado pessoa, precisa ser dotado de condições fisiológicas que lhe permitam a manutenção, por si só, da vida extrauterina, ou seja, da vida independente do organismo da mãe. Assenta-se num raciocínio eminentemente utilitarista: a sociedade não pode ser onerada com a obrigatoriedade de sustento dos incapazes de se manterem por si próprios, porque esse ônus deixará, necessariamente, de ser empregado em prol de atividades e investimentos que trariam maior retorno aos contribuintes, aos integrantes aptos do corpo social.
Infelizmente esse pensamento encontrou acolhida em diversos momentos históricos e ainda hoje se pode perceber sua defesa – mais ou menos tímida conforme a situação – em vários segmentos sociais. A cada dia podemos observar o crescimento de teses e argumentos de caráter eugenista sendo defendidos em nossa sociedade, talvez por desconhecimento do que representaram, para a Humanidade, em momentos como a II Guerra Mundial e o regime nazista.
Importante destacar que a sociedade humana, diferentemente de outros grupamentos animais, não se rege apenas e tão somente pelas implacáveis leis naturais, mas sim por normas e regras sociais, que são uma abstração concebida e mantida pelos seres humanos.
Não se pode, portanto, simplesmente desconsiderar o imperativo ético e moral de cuidar dos inválidos e dos incapazes, simplesmente porque o homem não pode limitar seu olhar sobre o semelhante ao mesmo olhar que deita sobre uma máquina. A mútua assistência, o mútuo socorro, a caridade, a bondade e a virtude são condições que, ao longo dos séculos de nossa civilização, pretendemos se tenham tornado essenciais à manutenção da vida social.
Capacidade
O exercício dos direitos e deveres pressupõe não apenas a condição encerrada na personalidade, inerente à natureza da pessoa, mas também condições intrínsecas que a habilitem à prática dos atos em sociedade de forma adequada à salvaguarda de seus interesses e à manutenção de sua própria pessoa e de seus bens.
A essa condição se denomina capacidade, e consiste em poder a pessoa, por si só e sem a participação de quem quer que seja, gerir sua vida e seus bens e praticar livremente todos os atos da vida, tais como casar-se, comprar, vender, exercer uma profissão, entre inúmeros outros.
Desta forma, teremos dois graus de restrições à plena capacidade: aqueles decorrentes da inexperiência presumida, ou seja, que são empregados à proteção dos menores, e aqueles decorrentes da enfermidade ou da má formação, que levam à impossibilidade, de fato, do exercício pleno da vida negocial, como na hipótese dos portadores de enfermidades ou deficiências mentais.
Assim dispõe o Código Civil:
Art. 3o São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I. os menores de dezesseis anos;
II. os que, por enfermidade ou deficiência mental, não tiverem o necessário discernimento para a prática desses atos;
III. os que, mesmo por causa transitória, não puderem exprimir sua vontade.
Art. 4o São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I. os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II. os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental, tenham o discernimento reduzido;
III. os excepcionais, sem desenvolvimento mental completo;
IV. os pródigos.
Parágrafo único. A capacidade dos índios será regulada por legislação especial.
A tutela da incapacidade se dá pela representação ou pela assistência: a representação, que se dá nas hipóteses da incapacidade absoluta, impõe que os atos da vida civil que toquem ao incapaz sejam praticados por seu representante, enquanto que a assistência determina que o incapaz praticará o ato que lhe toque, porém não o poderá fazer sozinho, sendo assistido por alguém capaz, que supra a sua incapacidade relativa.
O incapaz, ainda quando o seja absolutamente, pratica atos da vida civil – ele compra, vende, aluga, herda, doa, enfim, pratica todos os atos da vida em sociedade – apenas não o faz por si próprio, ou sem a participação de seu representante ou assistente.
Contextualizando, na hipótese da compra de um imóvel pelo incapaz: se a incapacidade for absoluta, quem assina a escritura é o seu representante (mas quem pratica o ato é o incapaz, em cujo patrimônio se integra o bem adquirido); se a incapacidade for relativa, assinam a escritura o próprio incapaz e seu assistente (que, assim, assiste ao incapaz, suprindo a sua incapacidade relativa para a prática do ato).
A representação e a assistência são estabelecidas para a defesa dos interesses e do patrimônio do incapaz e não como forma de restrição à prática dos atos da vida civil; existem para a sua proteção e não para impedir que viva e se relacione economicamente. Assim, não podem ser considerados óbices para a realização dos atos, mas sim como garantidores da estabilidade das relações jurídicas.
À representação ou assistência do menor denomina-se tutela; à representação ou assistência dos portadores de
enfermidade ou deficiência mental denomina-se curatela. Portanto, terão tutores os menores e curadores os enfermos ou deficientes mentais.
Domicílio
Para a realização de sua vida negocial, a pessoa possui um local que será o de sua residência ou o de seu estabelecimento, aquele onde exercerá os atos jurídicos e onde demandará e será demandada judicialmente; a esse local se chama domicílio civil, e pode coincidir ou não com o endereço residencial ou comercial.
O Código Civil regulamenta o estabelecimento do domicílio das pessoas na forma seguinte:
Art. 70. O domicílio da pessoa natural é o lugar onde ela estabelece a sua residência com ânimo definitivo.
Art. 71. Se, porém, a pessoa natural tiver diversas residências, onde, alternadamente, viva, considerar-se-á domicílio seu qualquer delas.
Art. 72. É também domicílio da pessoa natural, quanto às relações concernentes à profissão, o lugar onde esta é exercida.
Parágrafo único. Se a pessoa exercitar profissão em lugares diversos, cada um deles constituirá domicílio para as relações que lhe corresponderem.
Art. 73. Ter-se-á por domicílio da pessoa natural, que não tenha residência habitual, o lugar onde for encontrada.
Art. 74. Muda-se o domicílio, transferindo a residência, com a intenção manifesta de o mudar.
Parágrafo único. A prova da intenção resultará do que declarar a pessoa às municipalidades dos lugares, que deixa, e para onde vai, ou, se tais declarações não fizer, da própria mudança, com as circunstâncias que a acompanharem.
O domicílio não será sempre voluntário. Algumas pessoas têm seu domicílio determinado por lei, portanto terão domicílio necessário. Nos termos do Código Civil:
Art. 76. Têm domicílio necessário o incapaz, o servidor público, o militar, o marítimo e o preso.
Parágrafo único. O domicílio do incapaz é o do seu representante ou assistente; o do servidor público, o lugar em que exercer permanentemente suas funções; o do militar, onde servir, e, sendo da Marinha ou da Aeronáutica, a sede do comando a que se encontrar imediatamente subordinado; o do marítimo, onde o navio estiver matriculado; e o do preso, o lugar em que cumprir a sentença.
Finalmente, mas não menos importante, existe o domicílio de eleição, que é aquele estabelecido pelos contratantes como sendo o foro, o local onde deverão ser dirimidas as questões eventualmente suscitadas pelo negócio jurídico. É usualmente empregado nas atividades empresariais e o Código Civil o regulamenta na forma seguinte:
Art. 78. Nos contratos escritos, poderão os contratantes especificar domicílio onde se exercitem e cumpram os direitos e obrigações deles resultantes.
É de extrema relevância o estabelecimento e a determinação do domicílio, tanto para os atos da vida civil como para os atos empresariais; ele determina, como já vimos, onde a pessoa será demandada judicialmente em termos espaciais (sendo a medida do alcance da lei, como vimos anteriormente), bem como onde será tributada ou onde realizará as suas atividades empresariais.
No tocante às pessoas jurídicas, a disposição é a seguinte:
Art. 75. Quanto às pessoas jurídicas, o domicílio é:
I. da União, o Distrito Federal;
II. dos Estados e Territórios, as respectivas capitais;
III. do Município, o lugar onde funcione a administração municipal;
IV. das demais pessoas jurídicas, o lugar onde funcionarem as respectivas diretorias e administrações, ou onde elegerem domicílio especial no seu estatuto ou atos constitutivos.
§ 1o Tendo a pessoa jurídica diversos estabelecimentos em lugares diferentes, cada um deles será considerado domicílio para os atos nele praticados.
§ 2o Se a administração, ou diretoria, tiver a sede no estrangeiro, haver-se-á por domicílio da pessoa jurídica, no tocante às obrigações contraídas por cada uma das suas agências, o lugar do estabelecimento, sito no Brasil, a que ela corresponder.
Para aprofundar o conhecimento dessa matéria, estude o tópico 6 do livro Direito Civil: Introdução, Pessoas e Bens (RS – EDUCS), de Alexandre Cortez Fernandes.
Vídeo da Unidade
Para se aprofundar sobre personalidade, capacidade, coisas e bens, assista ao vídeo da unidade.
Se preferir, faça o download do áudio (mp3 compactado) deste vídeo clicando aqui.
Atividade
Tício é um funcionário público com 35 anos de idade que, certo dia, passou a apresentar problemas de comportamento que, em constante agravamento, levaram à absoluta impossibilidade de trabalhar e de administrar a sua própria vida pessoal e econômico-financeira. Submetido a perícia médica, foi diagnosticado com enfermidade mental que o tornou absolutamente incapaz, devidamente atestada.
Que providências a sua família deverá tomar para a proteção e a tutela de seus interesses em planos legais?
Digite a sua resposta no espaço abaixo e, quando terminar, clique em Conferir.
Aula 2 Obrigações e contrato - unidade 2.docx
Aula 2Obrigações e Contratos
Introdução
As pessoas interagem economicamente em sociedade se apropriando dos bens (as coisas que possuam valor econômico) e estabelecendo relações com outras pessoas, relações estas que, quando dotadas de coeficiente econômico, são consideradas negócios jurídicos.
Esse relacionamento interpessoal é fundamental para a perpetuação da sociedade como hoje a conhecemos, vez que a circulação das riquezas no ambiente social, ou o comércio, é elemento fundamental de nossa estrutura cultural.
Historicamente a passagem do mundo feudal para o mundo moderno foi marcada pela ascensão da burguesia enquanto classe social em planos políticos; essa ascensão representou, em planos econômicos, a alteração dos mecanismos de acumulação de riqueza, que deixaram de se concentrar na propriedade de terras e de servos, passando a valorizar principalmente a mercancia, vale dizer, o comércio.
Na imagem a seguir, visualizamos as rotas de comércio transnacionais das Grandes Navegações, que representam a ascensão da burguesia e a necessidade da estruturação do comércio em planos legais.
E, para a viabilidade do comércio, essencial se revelava a formação de um sistema jurídico que regulamentasse os atos de comércio, os atos negociais, em vez de proteger a propriedade fundiária e a manutenção das relações entre proprietários e servos, relações absolutamente diversas das relações econômicas que a nova ordem impunha.
Esse sistema jurídico foi representado pela estruturação do Direito das Obrigações e Contratos, em planos civis e comerciais. Assim como a uniformidade da moeda, nesse momento histórico e social havia a necessidade do estabelecimento de regras comuns à maior parte do mundo, que permitissem os atos de mercancia entre os diversos povos, que não poderiam interagir sem um denominador comum a respeito dessas regras, que pudesse ser conhecido previamente e obedecido por todos.
Não se pode conceber a realização de comércio internacional em uma sociedade na qual cada feudo possui um padrão monetário e um sistema jurídico diferentes, muitas vezes absolutamente díspares entre si; a ascensão da burguesia impôs a criação de um conjunto de regras mais ou menos homogêneo, e esse conjunto de regras, aperfeiçoado na medida das exigências das evoluções históricas, nos foi legado em parte como Direito das Obrigações.
A Europa Feudal se caracterizava pela imensa pulverização das divisões territoriais entre as áreas de poder e influência dos Senhores Feudais. Esse estado de organização geopolítica, que atendia ao modelo então vigente, era um obstáculo virtualmente intransponível ao comércio.
A imagem a seguir representa a estrutura social feudal, em forma de pirâmide, e pretende demonstrar a composição de uma sociedade de castas altamente hierarquizada, transmitindo a impressão de imobilidade, estagnação, para se contrapor à ideia de sociedade mercantil, burguesa, essencialmente volátil e menos hierarquizada.
A estrutura da sociedade feudal era extremamente hierarquizada e estática, com papéis e posições definidos, em geral, pelo nascimento – e não contemplava a ascendente burguesia como uma das classes relevantes.
Portanto, temos que o direito obrigacional surgiu como resposta a um imperativo econômico e social e coincidiu com uma profunda alteração nos regimes políticos das então Metrópoles, movimento de que Portugal foi um dos precursores – a superação da Idade Média e o consequente início da Idade Moderna.
Requisitos de estabelecimento do direito obrigacional
O primeiro requisito para o ingresso no Direito das Obrigações é a relevância econômica dos negócios praticados; sem coeficiente econômico esses negócios serão de outra natureza, como, por exemplo, aqueles advindos dos direitos da personalidade, que são dissociados de coeficiente econômico ou são dotados de um coeficiente econômico inestimável.
Assim, apenas podemos considerar um determinado negócio jurídico como compra e venda – e, portanto, integrante do Direito das Obrigações – quando preencha os elementos coisa, partes e preço, ou seja, quando presente o conteúdo econômico na relação. Da mesma forma uma doação, embora não tenha o elemento preço vinculando o ato entre as partes, recairá sobre um bem que possua valor econômico, já que, sem possuí-lo, jamais será objeto de um contrato.
Importante destacar que essa apreciação de conteúdo econômico será uma regra de nosso Direito Privado, para o qual toda pretensão jurídica ou juridicamente admissível terá, via de regra, equivalência econômica, ou seja, quem realiza um negócio jurídico, quem formaliza um contrato, quem propõe uma ação, em geral deverá demonstrar que assim o faz por alguma razão econômica, ainda que inestimável, porque, como já vimos, uma das finalidades do direito privado é a garantia, a regulamentação da circulação das riquezas em sociedade.
Os negócios jurídicos estabelecidos entre as pessoas, as obrigações, têm sua origem na formação de contratos, em disposição legal ou em virtude do cometimento de atos ilícitos (hipótese da responsabilidade civil). São hipóteses de que trataremos nesta Unidade.
Formação e cumprimento dos contratos
A formação de contratos se verifica quando as partes – as convergências de interesses contratantes (por exemplo: parte vendedora e parte compradora, em um contrato de compra e venda) – estabelecem um negócio jurídico, dispondo sobre a destinação econômica que pretendem emprestar a determinado bem (qualquer que seja a sua natureza).
Será um contrato a compra e venda, e suas partes serão vendedor e comprador, vale dizer, partes no contrato, porque representam convergências de interesses: uma se interessa por adquirir determinado bem enquanto a outra se interessa por colocá-lo em comércio por um certo preço, consequentemente transmitindo sua propriedade ao comprador e por isso mesmo chegam a esse determinado contrato e não a outro.
É regra de nosso Direito a liberdade para contratar. Isso significa que os cidadãos poderão contratar livremente, desde que respeitados a licitude e a possibilidade do objeto e a capacidade das partes contratantes.
O fato de nosso Código Civil regulamentar determinados contratos, chamados por isso de contratos típicos, não impede que as partes livremente convencionem a formação de contratos diversos destes, a que se chamarão contratos atípicos.
A liberdade de contratar, ou de assumir obrigações, pressupõe a liberdade de interagir socialmente e de praticar ou deixar de praticar atos jurídicos na medida do interesse de cada indivíduo.
Outro elemento essencial do direito das obrigações é a coercitividade patrimonial que se estabelece quando da contratação, quando da conclusão do negócio. Não se pode simplesmente assumir uma obrigação, concluir um negócio jurídico, sem a intenção de cumpri-la, sem a seriedade na sua execução; sem esse animus, sem essa vontade, não subsistiria qualquer negócio, mormente aqueles de conteúdo economicamente apreciável.
Isso quer dizer que, em caso de inadimplemento, de descumprimento da obrigação, o patrimônio da parte inadimplente, daquela que deixou de cumprir o que lhe cabia por força do contrato, responderá por esse inadimplemento, ou seja, o devedor terá seus bens comprometidos com o cumprimento da obrigação ou do contrato.
Em última instância, o Estado pode executar os bens componentes do patrimônio do inadimplente para o cumprimento da obrigação, ou para sua indenização.
Importante frisar que o direito obrigacional apenas se estabelece entre pessoas, em primeiro lugar porque apenas pessoas podem interagir socialmente; depois porque uma pessoa apenas pode se relacionar com um bem se apropriando dele, jamais mantendo com ele qualquer relação senão de assenhoreamento ou de propriedade.
O contrato não será necessariamente, obrigatoriamente, escrito; também não se confundem o contrato com o seu instrumento, que é a sua forma. Contrato é a convergência de interesses, que preexiste à sua formalização, ou seja, preexiste à sua redação e até mesmo à sua assinatura, porque a assinatura nada mais é do que a reiteração da vontade anteriormente manifestada, que a parte exterioriza sob um critério de formalidade.
Assim, o contrato se estabelece quando as partes convencionam a natureza do negócio jurídico e seus desdobramentos, suas repercussões econômicas e jurídicas – e não quando as partes assinam o seu instrumento, porque, quando o fazem, o contrato já estava firmado, uma vez que o negócio entre elas já se encontrava decidido.
Repercussões patrimoniais das obrigações e contratos
Quando as partes estabelecem um negócio jurídico, comprometem o seu patrimônio para garantir a sua consecução ou o seu cumprimento. Como já pudemos observar, o direito obrigacional não se sustentaria desprovido do poder de coerção patrimonial; de tal forma que ao cumprimento de um contrato se submetem os bens dos contratantes.
O inadimplemento, ou o descumprimento dos contratos, impõe não apenas o seu cumprimento coercitivo como gera a obrigação de indenizar nas hipóteses em que o cumprimento coercitivo se mostrar impossível ou naquelas em que a sua simples imposição não se mostra suficiente para compensar o prejuízo causado ao devedor pelo inadimplemento.
Como vimos anteriormente, ao Estado cabe a exclusividade na administração da Justiça e ainda no que diga respeito ao uso da força, ao monopólio da violência lícita, ou social e juridicamente admissível; tocam-lhe a estrutura judicial e o denominado Poder de Polícia.
Portanto, o Estado – Juiz (que, como anteriormente mencionamos, é a representação do Estado quando compõe os conflitos surgidos entre os cidadãos) poderá determinar que o bem objeto do contrato de compra e venda descumprido pelo vendedor seja transferido para o patrimônio do comprador, por exemplo, e, além disso, pode determinar o emprego da força para realizar essa transferência.
Nunca será demais reiterarmos que as partes jamais poderão, por meios próprios, substituir o Estado – Juiz, já que a vida em sociedade organizada pressupôs a entrega do monopólio da composição dos conflitos ao Estado, com a sua consequente retirada da esfera de poder dos particulares, pelo que o exercício dos direitos por meios próprios, ou o exercício das próprias razões é ato ilícito, somente sendo admissível em hipóteses excepcionais, como a legítima defesa ou o estado de necessidade, por exemplo.
Tipologia das Obrigações em nosso sistema de Direito:
Já vimos que a circulação de riquezas em nossa sociedade se mantém graças à estruturação de um ramo do Direito que denominamos, para fins didáticos, Direito das Obrigações, e que surgiu com a transição da Idade Média para a Idade Moderna, portanto teve a sua origem em uma profunda alteração das estruturas sociais, que abandonaram o feudalismo, ingressando na sociedade mercantil.
As subsequentes alterações na estrutura social, decorrentes do fordismo e da revolução industrial, nos séculos anteriores, e da sociedade de consumo de massa e da globalização mais recentemente, impuseram alterações e aperfeiçoamentos ao direito obrigacional, que passou a incorporar normas e regras adequadas às realidades negociais então emergentes.
Para um maior conhecimento dos temas
globalização, fordismo e revolução industrial, pesquise na Wikipédia:
· Fordismo
· Globalização
· Revolução industrial
· Ludismo
Em brevíssima síntese, e para fins acadêmicos, podemos classificar as obrigações segundo a natureza do negócio e da prestação que encerram da seguinte forma: obrigações de dar, obrigações de fazer e obrigações de não fazer.
Obrigações de darObrigações de fazerObrigações de não fazer
Obrigações de dar são aquelas cuja prestação encerra a entrega de um determinado bem, ou de seu equivalente; por exemplo, na compra e venda necessariamente teremos a entrega do objeto ao comprador quando do pagamento do preço ou quando da formalização do negócio. Assim também na doação, em que apenas não encontramos o preço, ou o valor estimado para o bem objeto da relação obrigacional.
Os contratos, que representam a corporificação das obrigações, quaisquer que sejam os seus tipos ou as suas cláusulas, necessariamente limitam-se ao estabelecimento de uma ou mais dessas obrigações.
Por exemplo, no contrato de locação podemos observar as obrigações de fazer, consistente em permitir, o locador, que o locatário use economicamente o bem locado, e de não fazer, consistente em exigir-se do locador que não pratique nenhum ato visando a livre utilização econômica do bem pelo locatário no prazo e nos limites do contrato.
Contratos e obrigações e as relações de consumo
O fenômeno da criação da sociedade de consumo impôs ao Direito uma evolução de conceitos e uma nova abordagem da teoria obrigacional e da teoria da relação contratual. Um novo tipo de negócio passou a ser primordial para o funcionamento econômico da sociedade, a relação de consumo dirigida ao mercado indistintamente, por isso mesmo denominada relação de consumo de massa.
As especificidades dessa alteração social modificaram conceitos que mantínhamos ainda sobreviventes do liberalismo econômico que impregnava o pensamento jurídico-político do século XIX, em que a liberdade para contratar era um fato real no cotidiano, e não existiam as figuras do fornecedor, do consumidor e do contrato de adesão.
Também a forma de contratar, de assumir obrigações economicamente estimáveis em sociedade, se alterou profundamente na era das relações de massa, na medida em que os contratos, ou instrumentos das obrigações, deixaram de ser redigidos em razão de um acordo de vontades entre pessoas e passaram a ser a bem da verdade instrumentos preconcebidos, elaborados anteriormente pelos fabricantes ou fornecedores e veiculados à população como um todo e indistintamente, cabendo ao cidadão, então tornado consumidor, apenas escolher entre assinar ou não o contrato ou, por outra, entre contratar na forma preestabelecida ou simplesmente não contratar.
A esse tipo de instrumento chamou-se contrato de adesão, porque a participação do consumidor na elaboração de seu conteúdo simplesmente inexiste ou se limita à adesão a cláusulas predefinidas pelos fornecedores, fabricantes e vendedores.
A própria complexidade crescente na sociedade humana e, via de consequência, nas relações sociais e jurídicas, passou a demandar do cidadão um maior conhecimento para a prática dos atos em sua vida negocial – e por isso esse cidadão passou a ser cada vez menos capaz de compreender exatamente as implicações dos seus atos, cada vez mais complexos.
A contratação de um plano de seguro saúde, contrato usual em nossa sociedade, pressupõe, para seu amplo conhecimento, noções técnicas de ordem médica e jurídica que a média dos cidadãos não detém, e nem se pode exigir que detenha, pela sua especificidade, restando sujeito, portanto, a toda sorte de abusos por parte de quem elabora tais contratos.
As relações assim constituídas tinham sua origem na evidente predominância de uma parte sobre a outra, o que criava desequilíbrio essencial nos contratos, causando prejuízos injustificáveis à parte mais fraca.
Interveio nosso sistema de Direito relativizando a liberdade e a autonomia das partes na formação de contratos para restabelecer, tanto quanto possível, o equilíbrio nas relações negociais.
E o fez por meio da definição das figuras do consumidor, do fabricante e do vendedor e da instituição de alguns princípios, que são:
· a interpretação em benefício do consumidor dos contratos de adesão;
· a nulidade ou anulação das cláusulas abusivas destes instrumentos em seu desfavor;
· a consideração de sua deficiência em termos processuais quando de ação judicial em face de fornecedores, fabricantes e vendedores (a denominada hipossuficiência) com a consequente inversão do ônus da prova em seu favor.
Essas alterações integram um fenômeno que em doutrina passou a denominar-se dirigismo estatal das relações contratuais, e representa, de fato, uma intervenção do Estado na formação dos contratos, porém com a finalidade de garantir, tanto quanto possível, a isonomia e a igualdade de condições entre as partes contratantes.
Para aprofundar o conhecimento dessa matéria, estude os tópicos 7, 8 e 9 do livro Direito Civil: Introdução, Pessoas e Bens (RS – EDUCS), de Alexandre Cortez Fernandes.
Atividade
A liberdade para contratar é a norma do nosso ordenamento jurídico. Seu reconhecimento importa em que as obrigações e contratos não serão necessariamente cobertos por determinada forma, senão em hipóteses especiais, legalmente previstas. Além disso, o objeto dos contratos apenas poderá ser limitado pela possibilidade jurídica e a licitude.
Dito isto, analise as afirmativas a seguir e assinale a alternativa correta:
1. aUm contrato que tenha por objeto a compra e venda de certo bem por meio de amostras será considerado inválido por serem grátis.
2. bUm contrato de aluguel de um imóvel que possua cláusula determinando a cor de sua pintura no ato da entrega será inválido.
3. cUm contrato cujo objeto consista na cessão de um terreno no Céu será considerado inexistente pela impossibilidade de seu objeto.
4. dUm contrato de prestação de serviço cujo objeto consista no assassinato de um terceiro será válido porque o objeto será ilícito criminalmente.
5. eUm contrato que determine, como multa, a prestação de trabalho compulsório e não remunerado será válido pelo arbitramento do valor.
Aula 3 Responsabilidade Civil unidade 2.docx

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