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Medicina FTC – 2021.1 Catarina Viterbo 1 Prof. Felipe Góis – Emergências Cirúrgicas - 27/03/2021 ATLS – Cap. 3 Introdução Passo inicial na abordagem do choque → Reconhecer sua presença. Nenhum sinal vital e teste de laboratório é capaz de diagnosticar o choque. Diagnóstico é feito pela avaliação clínica: • Presença de perfusão e oxigenação tecidual inadequadas. Definição: Anormalidade do sistema circulatório, que resulta em perfusão orgânica e oxigenação tecidual inadequadas. 2º passo • Identificar a provável causa. Pacientes traumatizados → Em choque apresentam hipovolemia, entretanto também pode ter choque cardiogênico, obstrutivo, neurogênico e, ocasionalmente cardíaco. Pneumotórax hipertensivo e pneumotórax cardíaco podem produzir choque obstrutivo, por reduzir o retorno venoso e este porque o sangue no saco pericárdico inibe a contratilidade e o débito cardíaco (DC). • Esse diagnóstico deve ser considerado nos doentes com lesões potenciais acima do diafragma. Choque neurogênico: resulta de lesão extensa da medula espinhal no nível da coluna cervical e torácica alta. Choque não resulta de trauma de crânio isolado. Vítima de lesão de medula podem apresentar, inicialmente, choque por vasodilatação e hipovolemia relativa. Choque séptico deve ser considerada nos doentes que a chegada à sala de emergência tenha sido postergada por muitas horas. Hemorragia → Causa + comum de choque no traumatizado Fisiopatologia do Choque Fisiologia cardíaco básica Débito cardíaco: é o volume de sangue bombardeada pelo coração a cada minuto. • É determinado por: DC= VS X FC Pré-carga: expressa pelo volume do retorno venoso para o coração. • É determinada pela: o Capacitância venosa o Estado de volemia o Pela diferença entre a pressão venosa sistêmica média e a pressão do átrio direito. ▪ Essa diferença determina o fluxo venoso. O sistema venoso pode ser considerado um reservatório ou um sistema de capacitância dentro do qual o volume sanguíneo pode ser dividido em 2 componentes: • 1º componente → Não contribui para a pressão venosa sistêmica média representa o volume de sangue que permaneceria no circuito de capacitância se a pressão do sistema fosse igual a zero. • 2º componente o + Importante o Representa o volume sanguíneo venoso que contribuiu para pressão venosa sistêmica média. o As relações entre o volume contido no sistema venoso e a pressão venosa descrevem a complacência do sistema. ▪ Esse gradiente de pressões movimenta o fluxo venoso e determina o volume de retorno venoso para o coração. o Perda sanguínea → Espolia o 2º componente do volume venoso, reduz o gradiente pressórico e o retorno venoso. Lei de Starling: O comprimento das fibras musculares relaciona-se às propriedades contráteis do miocárdio. O Volume sanguíneo venoso que volta para o coração determina o comprimento das fibras miocárdicas depois do enchimento ventricular, no fim da diástole. Pós-carga: resistência vascular periférica, ou seja, a resistência ao fluxo anterógrado de sangue. Fisiopatologia da perda sanguínea Mecanismo de compensação • Progressiva vasoconstrição da circulação cutânea, muscular e visceral → Para preservar o fluxo sanguíneo ao rins, coração e cérebro. • Com a perda sanguínea ocorre o aumento da FC para tentar preservar o DC. o Taquicardia → Sinal precoce de choque. Medicina FTC – 2021.1 Catarina Viterbo 2 • Liberação de catecolaminas endógenas aumenta a RVP. o PAD aumenta e a pressão de pulso diminuiu ▪ Essa ações não resultam aumentos significativos da perfusão orgânica. • Hormônios vasoativos → Histaminas, bradicinina, beta- endorfinas, cascata de prostanoides e outras citocinas. o Efeito profundo na microcirculação e na permeabilidade vascular. Retorno venoso • Preservado na fase inicial do choque, por algum mecanismo compensatório, pela redistribuição do volume sanguíneo no sistema venoso. Para restabelecer o retorno venosos normal: • Interromper o foco de sangramento • Reposição volêmica apropriada Nível celular • Células que não são perfundidas e oxigenadas inadequadamente começam a fazer metabolismo anaeróbico. • Se o choque for prolongado a oferta de ATP inadequada, a membrana perde a capacidade da membrana celular manter sua integridade e gradiente elétrico normal desaparece. • São liberados oxido nítrico sintetase (iNOS), TNF e outras citocinas. o Subsequente disfunção de múltiplos órgãos e sistemas. A administração de soluções eletrolíticas e sangue ajudam a combater tal processo. O tratamento do doente é direcionado para reverter o estado de choque. Objetivos do tratamento do choque hemorrágico • Controle da hemorragia • Restabelecimento do volume circulante adequado. Importante: Vasopressores são contraindicados porque pioram a perfusão tecidual. A maioria dos traumatizados com choque hipovolêmicos precisam de intervenção cirúrgica ou angioembolização para reverter o estado. Avaliação Inicial 1. Assegurar a via aérea e ventilação adequada 2. Avaliação das condições circulatórias Na maioria dos traumatizados, são tratados como choque hipovolêmico. Só não trata assim se tiver claras evidências que apontam outra etiologia. Exame físico • Avaliação ABCDE • Registro das condições iniciais para monitorização da resposta ao tratamento o Sinais vitais o Débito urinário o Nível de consciência Via aérea e ventilação • Estabelecimento de VA permeável com ventilação e oxigenação adequada. → Prioridade • Manter SatO2>95% Circulação • Controle da hemorragia externa (pressão externa ou torniquete) • Obtenção de acesso venoso adequado • Avaliação da perfusão tecidual Distúrbio neurológico • Rápido exame neurológico para determinar o nível de consciência. • Movimentação ocular • Resposta pupilar São dados úteis para avaliação da perfusão cerebral, acompanhamento da evolução de distúrbios neurológicos e prognóstico. Modificações na função do SN não implica necessariamente em lesão craniana, apenas perfusão inadequada do cérebro. Exposição • Deve ser despido o paciente e examinada cuidadosamente para pesquisa de lesões associadas. • Prevenir hipotermia com líquidos aquecidos e técnicas de reaquecimento. Dilatação gástrica • Pode ser a causa de hipotensão inexplicada ou arritmia cardíacas em decorrência do estímulo vagal. • Essa dilação aumenta o risco de aspiração gástrica e complicação. • Para descomprimir, introduz-se um tubo naso/orogástrico conectado a um equipamento de aspiração. Sondagem vesical • Permite a avaliação da presença de hematúria → Indicando o acometimento do retroperitônio • Monitorização da perfusão renal → Débito urinário • Contraindicações: o Sangue no meato uretral o Próstata deslocada cranialmente, móvel ou não palpável Causas de hemorragia oculta • Sangue no chão • + 4 locais → Tórax, pelve, abdome e coxa Acesso Vascular Melhor forma • Inserção de 2 cateteres intravenosos periféricos o Calibre mínimo de 6 no adulto • Antes de considerar qualquer possibilidade de cateterismo venoso central (CVC) Para infusão rápida de grandes volumes ou cateteres intravenosos periféricos e calibrosos são preferíveis. Use líquidos aquecidos e bombas de infusão rápida quando há hemorragia maciça. • Acesso periférico: veias do antebraço e antecubitais. o Obs: Se não for possível puncionar as veias supracitas, deve fazer a dissecção da safena ou acesso venoso central. • Acesso central: femoral, jugular ou subclávia. Medicina FTC – 2021.1Catarina Viterbo 3 o Obs: <6 anos antes de se tentar o CVC deve- se tentar o intraósseo. Quando não puderem ser inseridos em condições estéreis (maioria dos casos) devem ser trocados tão logo as condições permitirem. Complicações da falha de CVC → Pneumotórax e hemotórax Assim que se conseguir o acesso venosos são: • Colhidas amostras de sangue para tipagem • Prova cruzada • Exames laboratoriais adequadas • Estudos toxicológicas • Teste de gravidez • Gasometria arterial • RX de tórax → Confirmar a posição do cateter Reposição volêmica inicial Soluções eletrolíticas isotônicas aquecidas (RL ou SF) • Promover a expansão intravascular transitória • Contribuir para estabilização do volume vascular • Dose habitual: o 1-2L → Adulto o 20 ml/kg → Criança • O volume absoluto dos fluidos para reanimação deve ser baseado na resposta do doente. • Importante: Contabilizar o fluido que já foi administrado no ambiente pré-hospitalar. Importante → Avaliar a resposta do doente à reposição volêmica a evidência de perfusão/oxigenação adequada. Caso a quantidade necessária para restaurar/manter a perfusão for muito maior que o previsto, torna-se necessária para reavaliação diagnóstica e pesquisa de lesões ocultas. Se a pressão subir rapidamente antes que a hemorragia seja controlada, pode haver aumento do sangramento. A infusão contínua de grandes quantidades de fluidos e sangue na tentativa de atingir PA normal não substitui o controle definitivo. Administração excessiva de fluidos por exacerbar a tríade letal: • Coagolopatia • Acidose • Hipotermia o Com ativação da cascata de inflamação. Tratamento inicial do trauma fechado → Principalmente o TCE • Repor a hipovolemia • Evitar hipotensão Traumatismos penetrantes com hemorragia, o retardo da reposição até que o controle definitivo da hemorragia tenha sido realizado pode prevenir hemorragia maior. Colocar na balança a restauração da perfusão e os riscos inerentes ao aumento da hemorragia: • Reanimação controlada • Reanimação balanceada • Reanimação hipotensiva • Hipotensão permissiva Avaliação da reposição volêmica e perfusão do órgão Sinais favoráveis ao retor na perfusão • Normalização da PA • Pressão de pulso • Frequência de pulso Evidências da normalização da perfusão → Porém são de difícil quantificação. • Melhora da PVC • Circulação cutânea Débito urinário é um indicador sensível de perfusão renal (desde que o paciente não esteja em uso de diurético) Mudanças na pressão venosa central podem fornecer informações adicionais importantes, justificando o risco da CVC em casos complexos. • Débito urinário: monitor de fluxo sanguíneo renal. o A reposição deve restabelecer o débito para: ▪ Adulto → 0,5ml/kg/h ▪ Criança → 1ml/kg/h • Equilíbrio ácido básico: doentes com choque hipovolêmico tem alcalose respiratória devido a taquipneia, seguida de acidose metabólica nas fases precoces do choque por metabolismo anaeróbio. o A persistência da acidose reflete reanimação inadequada ou perda sanguínea continuada (considerar abordagem cirúrgica) o Bicarbonato não deve ser usado para tratamento da acidose secundária ao choque. Decisões terapêuticas baseadas na resposta à reposição volêmica inicial Resposta rápida Resposta transitória Resposta mínima ou sem resposta Sinais vitais Retorno normal Melhora transitória, recidiva de diminuição da PA e aumento da FC Continuam anormais Perda sanguínea estimada Mínima (10- 20%) Moderada e persistente (20%-40%) Grave (>40%) Necessidade de + cristaloide Baixa Baixa a moderada Moderada com ponte para transfusão Necessidade de sangue Baixa Moderada a alta Imediata Preparo do sangue Tipado com prova cruzada Tipo-específico Liberado em caráter de emergência Necessidade de cirurgia Possível Provável Muito provável Presença precoce do cirurgião Sim Sim Sim Principal aspecto para determinar a terapêutica subsequente → Resposta do doente. Observando-se a resposta inicial podemos identificar o doente cuja perda de sangue foi maior que a estimada e aqueles com sangramento persistente que precisam de controle cirúrgico. Importante identificar os doentes: • Hemodinamicamente estáveis→ Taquicardia, taquipneia e oligúria. • Hemodinâmica normais → Não exibem sinais de perfusão inadequada. Possíveis respostas à reposição: Medicina FTC – 2021.1 Catarina Viterbo 4 • Resposta rápida: resposta rápida a reposição e permanece hemodinamicamente normal após o término da reposição. o São doentes que tiveram perda pequena (<20%) o Não está indicada administração adicional de soros ou infusão sanguínea. o Indispensável avaliação cirúrgica. • Resposta transitória: responde à reposição rapidamente, porém à medida que reduz a velocidade da infusão, há deterioramento dos níveis de perfusão. o Perda intermediária (20-40%) o Sangue e derivados são indicados + intervenção cirúrgica para controle da hemorragia. • Resposta mínima/ausente: indica necessidade de intervenção definitiva imediata (cirurgia ou embolização) para controlar a hemorragia exsanguinante (>40%) o Casos raros, → Pode resultar em insuficiência da bomba (trauma cardíaco, tamponamento, pneumotórax hipertensivo) o A pressão venosa central e ecocardiografia ajudam na diferenciação das causas. Reposição sanguínea Doentes com resposta transitória ou mínima (hemorragia classe II ou IV) necessitarão de sangue e derivados como parte precoce de sua reanimação. A alternativa preferível é sangue com todas as provas cruzadas. • Entretanto, o procedimento para realizar as provas cruzada completas exige 1h, de modo que não se pode esperar. o Exceto, em casos de pacientes estáveis. Na maioria dos bancos de sangue, o tipo específico pode ser providenciado em até 10 min (compatível no sistema ABO e Rh com o doente). O sangue específico é a primeira escolha para doentes que respondem transitoriamente. Quando o tipo específico não está disponível, indica-se o uso de concentrado de hemácias tipo O e, assim que possível, o uso do sangue do tipo específico. Autotransfusão pode ser feita com tubos de drenagem de tórax que permitem coleta estéril, anticoagulação e retransfusão de sangue drenado e deve ser considerada no hemotórax volumoso. Hipotermia → Deve ser evitada/corrigida com uso de aquecedores de sangue, cristaloides aquecidos a 39º. Transfusão maciça → >10 unidades de sangue em 24h. • Esse tratamento tem sido denominado como balanceado, hemostático ou reanimação com controle de danos. • Esforços concomitantes para o rápido controle de danos, redução dos efeitos deletérios da coagulopatias, hipotermia e acidoses são extremamente importantes. • Deve incluir disponibilidade de todos os componentes só sangue. Traumatismos graves e hemorragias consomem os fatores de coagulação, podendo levar a coagulação precoce. A transfusão maciça com diluição de plaquetas e fatores de coagulação e os efeitos da hipotermia na cascata são as causas mais comuns de coagulopatias no trauma. O TTP e o TTPA e contagem de plaquetas são estudos valiosos na 1ª h, devendo orientar a transfusão. A maioria dos doentes que recebe transfusão de sangue necessita de suplementação de Ca+, devendo esta ser guiada pela dosagem do cálcio ionizado. Considerações Especiais Equiparação da PA: para tratar o choque hipovolêmico é necessário aumento do fluxo sanguíneo e da oxigenação. • Um aumento da pressão sanguínea não pode equivaler a uma aumento concomitante do DC ou da recuperação do choque, ou seja, pode resultar no aumento da PA, mas não melhorar a perfusão eoxigenação. Idoso: há uma diminuição da resposta simpática no sistema cardiovascular (fisiológico) podendo resultar em déficit na resposta do receptor de catecolaminas e diminuição da complacência cardíaca. • O idoso não consegue aumentar a FC ou eficiência das contrações miocárdicas como o jovem. • A doença aterosclerótica também faz com que muitos órgãos se tornem extremamente sensíveis a reduções do fluxo sanguíneos. • Muitos doentes idosos já apresentam depleção de volume pré-existente por uso crônico de diuréticos ou desnutrição. • O uso de beta bloqueadores podem mascarar a taquicardia e outros medicamentos podem comprometer a resposta ao trauma, assim como redução na complacência pulmonar, diminuição da capacidade de difusão e fraqueza geral. • Em idosos, devemos considerar a monitorização invasiva para guiar a reposição volêmica. • O envelhecimento glomerular e tubular reduz a capacidade do idoso em preservar o volume como respostas a liberação dos hormônios de fase aguda. • O tratamento deve começar com reanimação precoce e agressiva e monitorização cuidadosa. Atletas • Grupo com alta capacidade de compensar a perda sanguínea. • Mascarando os sinais de hipovolemia Gravidez: tendo em vista a hipervolemia fisiológica, torna-se necessária uma perda sanguínea maior para que a gestante manifeste a normalidades Medicamentos • Betabloqueadores e bloqueadores dos canais de cálcio → Podem alterar a resposta hemodinâmica • Superdosagem de insulina → Pode ser responsável por hipoglicemia. • Uso crônico de diuréticos → Pode explicar a hipocalemia inesperada • AINES→ Pode prejudicar a função plaquetária. Hipotermia • Doentes hipotérmicos não respondem a reposição volêmica e administração de sangue, e podem desenvolver/piorar coagulopatias. • O reaquecimento rápido geralmente corrige a hipotensão e hipotermia do doente. • O melhor tratamento para a hipovolemia é a prevenção! Devemos sempre reavaliar o doente em busca de prevenir complicações ou minimizar danos. Medicina FTC – 2021.1 Catarina Viterbo 5 Atenção aos sinais de hemorragia contínua (resposta transitória). Após completar o tratamento inicial, o risco de hiper-hidratação é minimizado por monitorização cuidadosa, principalmente da PVC (indicada a capacidade das câmaras cardíacas diretas de aceitar a carca líquida) Lembrar que: 1. A medida precisa da função cardíaca é a relação entre o volume VDF e VS. a. A PVC e DC são estimativas indiretas pouca sensíveis a essa relação. 2. O nível inicial da PVC e volume renal podem não ter correlação a. A PVC pode ser alta mesmo em situações de déficit volêmico significativo – uso de vasopressores, DPOC, vasoconstrição generalizada. 3. A PVC inicialmente baixa que se eleva com administração de líquidos sugere necessidade de continuar a expansão volêmica a. Pesquisar novo foco de sangramento. 4. A diminuição da PVC sugere perda volêmica contínua e implica necessidade de manter a reposição hidroeletrolítica/sanguínea 5. Elevação abrupta da PVC sugere reposição volêmica completada ou comprometimento da função cardíaca; 6. Elevações importantes da PVC podem ser causadas por hipervolemia resultante de hipertransfusão, disfunção cardíaca, tamponamento cardíaco ou elevação da pressão intratorácica por pneumotórax hipertensivo. O posicionamento ideal do cateter é na VCS, acima do AD. Possíveis complicações da CVC • Infecção • Lesão vascular • Lesão nervosa • Embolia • Trombose • Pneumotórax
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