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Sangramento da primeira metade da gestação

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aBORTO – CASO 8
	MILENA DURÃES – 4º SEMESTRE
 Sangramentos de primeira metade de gestação
As causas mais comuns de sangramento na primeira metade da gestação são aborto, gestação ectópica e doença trofoblástica gestacional.
O sangramento vaginal no primeiro trimestre da gravidez é relativamente comum, ocorrendo em aproximadamente 25% das pacientes que sabem que estão grávidas. Em muitas pacientes o sangramento é autolimitado e deve-se, provavelmente, à implantação ovular no endométrio decidualizado.
Se o sangramento não for autolimitado e for acompanhado de dores fortes, contrações uterinas e colo dilatado, as alterações clínicas são irreversíveis e a gestação está condenada ao fracasso. Por serem tais alterações irreversíveis, a ultra-sonografia tem pouco a oferecer nestes casos.
Se o sangramento e os espasmos forem relativamente brandos e o colo estiver longo e fechado, o diagnóstico é de ameaça de aborto. A análise deste grupo revela que em 50% dos casos há problemas com a gravidez (1); o diagnóstico diferencial compreende um amplo espectro de condições, incluindo uma gravidez intra-uterina normal (50% das pacientes), uma gravidez intra-uterina anormal em andamento, um aborto não percebido, um ovo defeituoso, retenção de produtos da concepção, gravidez ectópica e doença trofoblástica gestacional. A ultra-sonografia é especialmente importante nestas pacientes, porque permite obter dados fundamentais não só para determinar a causa exata do sangramento, mas também, para sugerir o tratamento apropriado.
Em comparação com o exame convencional pela via abdominal, a literatura enfatiza que, nas pacientes com ameaça de aborto, a ultra-sonografia vaginal é mais eficaz, não só por fazer o diagnóstico específico de gravidez ectópica, mas também por esclarecer achados indeterminados vistos no exame transabdominal (2-5). Em geral, se a idade gestacional for menor que 8 ou 9 semanas, o exame ultra-sonográfico deve começar pela abordagem vaginal. Se o exame for incompleto ou inconclusivo, uma abordagem abdominal pode fornecer informações complementares. Uma abordagem transabdominal é freqüentemente satisfatória no final do primeiro trimestre (gestação com mais de 9 semanas). Claro está que, nos casos difíceis, anormais ou inconclusivos, um exame vaginal deve também ser feito para esclarecer os achados.
Quando se avalia uma paciente com ameaça de aborto, é muito importante determinar se o saco gestacional intrauterino é visível e se tem uma aparência normal (6). Usando-se a ultra-sonografia transabdominal, um saco intrauterino deve normalmente ser visível quando o β-hCG é maior ou igual a 1800 mIU/ml (segundo Padrão Internacional), ou seja, maior ou igual a 3240 mIU/ml (Preparação de Referência Internacional) (7). O saco vitelino e o embrião devem ser detectados quando o diâmetro médio do saco é de 20 e 25mm, respectivamente (6). Usando-se um transdutor vaginal, o nível discriminatório de β-hCG para detecção do saco é de 1000 mIU/ml (segundo Padrão Internacional) ou 1800 mIU/ml (Preparação de Referência Internacional) (8); o saco vitelino e embrião devem ser detectados com o diâmetro médio do saco (DMS) de 8mm e 16mm, respectivamente (9). Nos casos provavelmente anormais, deve-se considerar repetir o ultra-sonografia nas próximas semanas, para acompanhamento.
Saber que o diâmetro médio do saco gestacional normalmente aumenta 1 mm por dia, permite ao ultra-sonografista recomendar um intervalo de tempo apropriado entre o exame inicial e o(s) de seguimento (10). Embora não seja universalmente aceito, muitos ultra-sonografistas recomendam também um exame ultra-sonográfico no segundo trimestre para triagem de anormalidades das quais não se suspeitou durante o primeiro trimestre.
Uma vez detectado o embrião, a atividade cardíaca é normalmente identificada no exame transabdominal quando o comprimento cabeça-nádega (CCN) é de 9 mm (11); o CCN correspondente na ultra-sonografia vaginal é de 4-5mm (12-14). A despeito da atividade cardíaca, a ultra-sonografia pode revelar achados que sugerem alguma anormalidade. Estes achados incluem (A) bradicardia: menos de 100 BPM na gestação com idade inferior ou igual a 6,2 semanas ou menos de 120 BPM na gestação com idade entre 6,3 e 7 semanas (15) (16); (B) um saco oligoidramniótico (anormal = DMS – CCN < 5 mm) (17); (C) um saco vitelino de aparência anormal (com diâmetro > 5 mm) (18); (D) cavidade amniótica anormalmente grande, ou cavidade amniótica “vazia”(19,20).
Não está claro se uma hemorragia subcoriônica está ou não associada com uma evolução desfavorável, seja na época do sangramento inicial (21- 23) ou no período perinatal (22-24).
A hipótese de gravidez ectópica deve ser considerada quando o saco gestacional não é detectado e o nível de β-hCG excede o nível discriminatório para a sua detecção, especialmente se não ocorreu um sangramento vaginal significativo. Em pacientes com suspeita de gravidez ectópica, a ultra-sonografia vaginal pode ser usada isoladamente para a avaliação da paciente (25).
O papel da ultra-sonografia com Doppler para avaliar pacientes com sangramento no primeiro trimestre continua indefinido. Na experiência de alguns pesquisadores, a medida do índice de resistência (IR) para avaliar o fluxo sangüíneo útero-placentário provou ser eficaz para diferenciar as gestações intra-uterinas normais das anormais (26); os achados de outros pesquisadores, entretanto, não foram similares (27). Alguns pesquisadores tem, também, defendido que a ultra-sonografia com Doppler colorido e pulsado tem uma maior sensibilidade para o diagnóstico da gravidez ectópica (28-30); isto também não é universalmente aceito (31,32). Em mulheres com provável doença gestacional trofoblástica, a ultra-sonografia com Doppler do tecido trofoblástico revela um estado de baixa impedância e alto fluxo que difere do padrão de baixo fluxo e alta impedância visto nas mulheres com gestações inviáveis ou com mioma degenerado (33,34). O Doppler pode provar ser especialmente útil para avaliar a invasão miometrial da doença trofoblástica e para acompanhar mulheres com doença trofoblástica que estão recebendo quimioterapia.
Abortamentos recorrentes 
Segundo a Organização Mundial de Saúde, aborto é a interrupção da gestação antes de 20 semanas ou com concepto pesando menos de 500 gramas. Até 20% das pacientes com gravidez clinicamente aparente abortam. Cerca de 50% dos abortos espontâneos ocorrem antes da 8ª semana de gestação, sendo a anomalia cromossômica a etiologia mais frequentemente associada a esta doença.
O abortamento é definido como a interrupção da gravidez antes de atingida a viabilidade fetal. A Organização Mundial da Saúde estabelece como limite para caracterizá-lo a perda de conceptos de até 22 semanas ou 500 gramas. Os termos “abortamento” e “aborto” algumas vezes são empregados como sinônimos, porém “abortamento” refere-se ao processo e “aborto”, ao produto eliminado. 
Incidência 
O abortamento é a mais comum intercorrência obstétrica. Até 20% das gestações evoluem para aborto antes de 20 semanas, sendo que, destas, 80% são interrompidas até a 12ª semana. A perda de gestações subclínicas ou não diagnosticadas é ainda maior, podendo chegar a 30%. A frequência diminui com o avançar da idade gestacional, sendo que o risco geral de abortar depois da 15ª semana é baixo (0,6%). O abortamento é dividido em precoce e tardio, respectivamente, se ocorre antes ou após a 12ª semana de gestação. 
Fatores de risco 
Numerosos fatores estão associados a maior risco de perda gestacional: 
• Idade: o risco de aborto aumenta com o avançar da idade materna, chegando a 40% aos 40 anos e 80% aos 45 anos; 
• Antecedente de aborto espontâneo: aumenta após duas ou mais perdas; 
• Tabagismo: o consumo de mais de 10 cigarros por dia aumenta em cerca de 1,5 a 3 vezes a chance de abortar. O tabagismo paterno também pode ser prejudicial. Dessa forma, os casais devem ser encorajados a abandonar o hábito; 
• Consumo de álcool e drogas; 
• Uso de anti-inflamatórios não hormonais: pode aumentar o risco de abortarse usados próximos à concepção. O uso de acetaminofeno, no entanto, constitui opção segura; 
• Cafeína: alguns estudos mostram associação entre alto consumo de cafeína (mais que quatro xícaras de café expresso por dia) e abortamento, mas os dados ainda são um pouco controversos; 
• Extremos de peso: IMC < 18,5 ou > 25. 
Etiologia 
Anormalidades cromossômicas: são as causas mais comuns, responsáveis por até 50% das perdas gestacionais precoces. Decorrem de gametas anormais, fertilização anômala ou irregularidades na divisão embrionária. A maioria acontece por acaso, não sendo decorrentes de “defeitos herdados” da mãe ou do pai. A alteração cromossômica mais frequente no aborto é a Trissomia do cromossomo 16. Só podem ser confirmadas quando o material de aborto é enviado para análise citogenética. 
Alterações uterinas: podem ser congênitas ou adquiridas. Dentre as congênitas, temos as malformações uterinas – útero bicorno, septado, didelfo e unicorno. São alterações na forma do útero que podem piorar o sítio de implantação e a vascularização, aumentando o risco de perda gestacional. A mais comum delas é o útero septado, também o único passível de correção cirúrgica. Nos demais casos, devem ser oferecidos apenas orientação e segmento. Dentre as alterações adquiridas, temos os leiomiomas e as sinéquias (aderências). Sugere-se que sejam corrigidas cirurgicamente quando são de grande dimensão e deformam a cavidade uterina. 
Fatores endócrinos: alterações na produção de progesterona e dos hormônios tireoidianos podem, a rigor, prejudicar o desenvolvimento de um embrião normal, mas sua relação exata com o abortamento ainda permanece controversa. O diabetes insulino-dependente mal controlado também aumenta o risco de perda. 
Fatores imunológicos: são causas de abortamento de repetição, não devendo ser pesquisados na perda precoce eventual. 
Infecções: os principais processos infecciosos que podem levar ao abortamento são rubéola, toxoplasmose, parvovirose, citomegalovírus, HIV, sífilis e listeriose. 
Sem causa aparente: na maioria das vezes não se determina a etiologia da perda gestacional. 
Apresentações clínicas e condutas 
a) Ameaça de abortamento ou abortamento evitável: assim classificado quando o concepto mantém a vitalidade. O quadro clínico é discreto, caracterizando-se por sangramento vaginal de pequena intensidade e pouca dor em cólica. O útero permanece aumentado e o orifício interno, fechado. O exame ginecológico é importante para afastar lesões, pólipos e vaginites agudas, que podem ocasionar sangramento vaginal, principalmente após o coito. Fundamentação Teórica 3 Caso complexo Maria do Socorro Abortamento e pré-natal Especialização em SAÚDE DA FAMÍLIA À ultrassonografia, não há alterações significativas: o saco gestacional encontra-se íntegro e, caso haja embrião maior que 5 mm, é possível visualizar batimentos cardíacos embrionários. Quando ainda não há achado ultrassonográfico, pode-se lançar mão da dosagem quantitativa de β-HCG. De modo geral, quando o β-HCG está maior que 1.500 a 2.000mUI/ ml, deve haver saco gestacional intrauterino. Além disso, em uma gestação normal, os valores de β-HCG aumentam 66% (ou 1,8 vez) a cada 48 horas. Os sinais ultrassonográficos de mau prognóstico são saco gestacional irregular, frequência cardíaca fetal abaixo de 100 batimentos por minuto entre cinco e sete semanas e hematomas subcoriônicos maiores que 25% do diâmetro do saco gestacional. Na vigência desses achados, a ultrassonografia deve ser repetida dentro de sete a dez dias. A causa exata do sangramento raramente é determinada e frequentemente atribuída à migração da placenta. Imagens ultrassonográficas de hematomas retrocoriônicos podem explicar alguns casos. Devem ser indicados repouso relativo, abstinência sexual (por até 15 dias depois de cessado o sangramento), prescrever analgésicos e antiespasmódicos. A administração de progesterona exógena é ainda controversa. A paciente deve receber orientações e apoio psicológico. A evolução pode ser tanto para gravidez normal como para aborto inevitável, mas, na realidade, 90-95% das gestações entre 7 e 11 semanas que apresentam sangramento, mas em que são identificados batimentos cardíacos (>100/min), evoluem para gestação normal. 
b) Abortamento inevitável: definido quando o produto conceptual perde a vitalidade e não existe possibilidade de evolução da gestação. A sintomatologia é mais intensa quanto à hemorragia e à dor. O colo do útero pode estar dilatado, embora o produto gestacional possa ou não ter sido eliminado total ou parcialmente. Os sinais da gravidez costumam sofrer atenuação. Pode ser completo ou incompleto. 
1b) Abortamento inevitável completo: definido quando há eliminação total do conteúdo uterino. É mais frequente quando a perda gestacional acontece até oito semanas de gravidez. À ultrassonografia não se identificam imagens do produto conceptual, podendo haver apenas coágulos. Não é necessário nenhum tipo de tratamento, apenas analgésicos, se necessário. 
2b) Abortamento inevitável incompleto: ocorre quando há somente eliminação parcial do conteúdo uterino. Geralmente apresenta sangramento ativo, embora na maioria das vezes não seja volumoso. Em alguns casos, percebe-se a presença de material ovular ao exame físico ginecológico e o colo aberto, com sangramento e cólicas. É aquele caso em que a paciente chega ao atendimento eliminando o material, porém ainda não o fez por completo, também chamado por alguns de abortamento em curso. Contrariamente, em alguns casos, ocorre a eliminação parcial dos produtos ovulares, as cólicas e o sangramento diminuem e o colo fecha. O diagnóstico é feito pelo encontro de restos ovulares à ultrassonografia. Nesses casos, a conduta pode ser expectante, medicamentosa ou cirúrgica. 
Conduta cirúrgica: o tratamento convencional para a perda gestacional é a dilatação e a curetagem uterina. O procedimento traz riscos anestésicos, de perfuração uterina ou formação de sinéquias, mas, em geral, os riscos são baixos e o procedimento é feito de maneira segura e eficaz. A curetagem é indicada para as pacientes que não querem aguardar a eliminação espontânea ou para aquelas que apresentam sangramento importante ou sinais de infecção. As opções são curetagem tradicional, com cureta fenestrada, ou aspiração manual a vácuo (AMIU). 
Tratamento medicamentoso: nos casos de gestações maiores que 12 semanas, antes da curetagem recomenda-se indução com misoprostol, 200 a 400 mcg via vaginal, até a eliminação do concepto, seguida da curetagem. Também pode ser indicado nos casos em que se quer evitar a conduta cirúrgica em abortamentos precoces. Além de ser droga segura e eficaz, é de baixo custo e tem poucos efeitos colaterais. No entanto, seu uso é restrito a ambientes hospitalares. 
Conduta expectante: indicada nos casos de aborto precoce para mulheres sem alterações hemodinâmicas nem sinais de infecção. Na maioria das vezes, a eliminação acontece dentro de duas semanas após o diagnóstico, mas intervalos de até quatro semanas não são incomuns. Apesar de a conduta expectante apresentar chance de eliminação incompleta e necessidade de medicação ou curetagem, não está associada a maior risco de infecção. O tempo recomendado para resolução espontânea costuma ser de um mês. Pode-se indicar ultrassonografia de controle após a resolução. 
Aborto infectado: situação em que há restos intrauterinos e infecção. Na maioria das vezes é resultado de abortamentos provocados de forma ilegal. A paciente apresenta quadro clínico de aborto incompleto associado a sinais de infecção, como dor local importante, útero amolecido, eliminação de material com odor fétido, comprometimento do estado geral, febre e taquicardia. Nos casos não complicados a infecção está restrita ao útero. Nos casos complicados, a infecção pode se estender aos anexos, peritônio ou se generalizar e evoluir para septicemia. Geralmente são infecções polimicrobianas a partir da ascensão de germes que fazem parte da flora vaginal e intestinal, como cocos anaeróbios, FundamentaçãoTeórica 4 Caso complexo Maria do Socorro Abortamento e pré-natal Especialização em SAÚDE DA FAMÍLIA gram-negativos, bacteroides e Clostriduim perfingrens (ou welchii). Nesse último caso, a paciente evolui rapidamente com quadro de icterícia cianótica e hemoglobinúria. Os índices de mortalidade são altos. O tratamento deve ser iniciado pela internação da paciente, tentativa de isolar o agente etiológico pela coleta de material cervical e hemocultura, correção do estado hemodinâmico, administração de ocitocina e antibioticoterapia endovenosa. Os esquemas propostos são: (1) Ampicilina + Gentamicina + Clindamicina ou (2) Penicilina Cristalina + Gentamicina + metronidazol. Após a instituição da antibioticoterapia, deve-se proceder ao esvaziamento uterino, sempre com administração de ocitocina antes e durante o procedimento, para diminuir o risco de perfuração. Caso haja abcessos, esses devem ser drenados. Em casos graves sem melhora após 48 horas e com comprometimento dos tecidos uterinos, pode ser necessária a histerectomia. 
Abortamento retido: também conhecido como missed abortion, é assim definido quando há morte do produto conceptual e retenção da gravidez por um período maior que 30 dias. Há regressão dos sintomas da gravidez, exceto pela amenorreia persistente. O volume uterino se estabiliza ou involui. A conduta é o esvaziamento uterino por curetagem ou AMIU. 
Abortamento habitual: definido pela ocorrência de três abortos espontâneos consecutivos, sendo classificado em primário ou secundário caso seja ou não antecedido por parto. Acomete de 0,5 a 1% dos casais. Nesse caso, o casal deve ser encaminhado para investigação no intervalo intergestacional para pesquisa de possível causa. 
DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Os principais diagnósticos diferenciais do abortamento são as outras síndromes hemorrágicas do primeiro trimestre da gravidez: gestação ectópica e doença trofoblástica gestacional. No caso de gravidez ectópica, a suspeita diagnóstica é feita quando o β-HCG é positivo e não há achado de gestação intrauterina. Níveis de β-HCG maiores que 1.500 a 2.000 mUI/ml obrigatoriamente devem cursar com achado de saco gestacional tópico. A gestação molar é caracterizada por sangramento, útero habitualmente maior do que o esperado para idade gestacional e achado de vesículas à ultrassonografia. O diagnóstico é confirmado pelo anátomo-patológico do material de abortamento. Abortamento legal (interrupção da gravidez) O Código Penal Brasileiro só permite o aborto no Brasil nas seguintes situações: Artigo 128: Não se pune o aborto provocado por médico: I. Se não há outro meio de salvar a vida da gestante; II. Se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido do consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu responsável legal. Do ponto de vista jurídico, a lei não estabelece limites para a idade gestacional. No primeiro caso, é dispensável o consentimento da gestante. Somente o médico pode avaliar essa necessidade. A intervenção independe de autorização judicial ou policial. Nesse caso, deve estar caracterizado o “estado de necessidade”, sendo ideais a anuência por escrito de dois médicos e a notificação ao Comitê de Ética da instituição onde será realizado. No caso de abortamento após violência sexual, o procedimento só é permitido com o prévio consentimento da gestante ou de seu representante legal, caso seja menor ou incapaz. Não há necessidade de sentença condenatória ou de autorização judicial. De acordo com o Decreto-Lei no 2848, de 7 de setembro de 1940, art. 128, inciso II, do Código Penal, o aborto é permitido quando a gravidez resulta de estupro ou outra forma de violência sexual. O Código Penal não exige qualquer documento para a prática do aborto, a não ser o consentimento da mulher. A mulher não tem o dever legal de notificar o fato à polícia. Deve-se orientá-la a tomar as providências policiais e judiciais cabíveis, mas caso ela não o faça, não lhe deve ser negado o abortamento. O objetivo do serviço de saúde é garantir o direito à saúde, e seus procedimentos não devem ser confundidos com os procedimentos reservados à polícia ou à justiça. Se o médico for induzido ao erro pela gestante ou por terceiros quanto à ocorrência de violência sexual, ele não responderá pelo crime (art. 20, parágrafo 1º do Código Penal). A Portaria nº 1.508, de 01/09/2005, dispõe que o Procedimento de Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez é composto de quatro fases: (1) relato da gestante perante dois profissionais da saúde; (2) parecer técnico do médico após anamnese, exame físico e exames subsidiários; (3) assinatura da gestante ou de seu representante legal; (4) termo de consentimento livre e esclarecido. Apesar da não obrigatoriedade do Boletim de Ocorrência, existe alguma discussão quanto a isso no Poder Executivo, sendo recomendado, portanto, que se apresente tal documento. Além disso, deve o médico valer-se dos elementos a respeito do estupro, quais sejam: declaração da mulher, anamnese e exame físico, atestados, laudo do IML, se houver, laudo ultrassonográfico comparativo com a data de ocorrência, entre outros. Ainda hoje não é permitido no Brasil o aborto no caso de fetos com malformações graves ou incompatíveis com a vida, apesar de essa questão estar sendo cada vez mais debatida e discutida. Nos últimos anos, centenas de alvarás judiciais têm Fundamentação Teórica 5 Caso complexo Maria do Socorro Abortamento e pré-natal Especialização em SAÚDE DA FAMÍLIA sido concedidos. Portanto, diante de grave anomalia fetal, o médico somente poderá proceder à interrupção da gravidez após autorização por alvará judicial. 
Métodos para esvaziamento uterino 
AMIU – aspiração manual intrauterina: consiste na aspiração do material intrauterino com cânulas flexíveis de plástico e descartáveis. É seguro e de fácil realização, apresentando menor risco de perfuração quando comparado aos métodos tradicionais. Eventualmente pode ser realizado com anestesia local ou sedação leve. 
Aspiração a vácuo: realizado com sistema a vácuo e cânulas rígidas. Não tem grande indicação nos casos de abortamento. 
Curetagem uterina tradicional: realiza-se a dilatação cervical, se necessário, com velas de Hegar, e a retirada do material uterino com curetas fenestradas. Deve-se ter cuidado para não perfurar o útero, e a administração concomitante de ocitócitos é rotineira. Recomenda-se também histerometria indireta no início e ao final do procedimento. 
Tratamento medicamentoso: infusão de ocitocina até expulsão do conteúdo uterino, seguida de curetagem uterina ou AMIU. Ou utilização de misoprostol no fundo de saco vaginal, 200 a 400 mcg a cada 8 horas até a eliminação. Também costuma ser necessária curetagem posterior. A medicação é sempre indicada nos casos de abortos tardios ou úteros maiores que 12 semanas. Nota-se que ambas têm uso apenas hospitalar. 
Para todos 
Sempre se deve encaminhar o material abortado para estudo anátomo-patológico. Deve-se sempre verificar o tipo sanguíneo materno. Se a paciente for Rh negativo com parceiro Rh positivo ou desconhecido, deve-se prescrever a imunoglobulina Rh idealmente até 72 horas após o evento. 
COMPLICAÇÕES 
São raras. Mas mais frequentes são permanência de restos, hemorragia e infecção, sendo mais comuns nos casos de abortamento provocado. Tardiamente, pode ocorrer formação de sinéquias uterinas. 
Considerações finais 
O abortamento é a mais frequente intercorrência obstétrica. Apesar disso, costuma ser acontecimento isolado. As mulheres devem receber orientações e apoio psicológico para superar a dor da perda e partir para nova tentativa. Não há consenso entre o período de tempo ideal recomendado entre o abortamento e a nova gravidez. De modo geral, sugere-se um intervalo de três meses, ou dois a três ciclos menstruais normais.
DIAGNÓSTICO
 É consenso que a história clínica e o exame físico constituem partes importantes da avaliação da paciente com sangramento genital. O diagnóstico de aborto deve ser considerado quando uma mulher em idade reprodutiva, com vida sexual ativa,apresenta atraso menstrual, sangramento vaginal, acompanhado de cólicas. A paciente pode relatar perda de feto e restos ovulares junto com o sangramento. Outros sintomas vão ocorrer dependendo da gravidade do caso, tais como: fraqueza, tonturas, sudorese e perda da consciência. Nos casos em que há infecção, a paciente poderá se queixar de dor abdominal contínua, sangramento de odor fétido, calafrios e febre. 
O exame clínico da paciente deve incluir o exame físico geral (com verificação dos sinais vitais) e específico, com ênfase no exame pélvico para se definir a forma clínica de aborto. A depender do volume de sangramento, poderão estar presentes sinais de hipovolemia, tais como palidez, taquicardia, hipotensão arterial, agitação, torpor e choque. Se houver infecção, poderá haver também hipertermia, taquipnéia e dor à palpação uterina. Nos casos mais graves, é possível o encontro de dor abdominal e sinal de Blumberg positivo, indicando acometimento do peritônio parietal por processo inflamatório. O exame especular permite a avaliação da quantidade e local de sangramento e se existem restos ovulares. Eventualmente, poderá ser observada alguma lesão decorrente da manipulação de genitais por instrumental. O toque vaginal bidigital e bimanual possibilita a determinação do volume uterino e dilatação cervical. 
Os exames complementares comumente solicitados na avaliação do sangramento genital são os mostrados abaixo. Outros testes laboratoriais, tais como urina tipo 1, uréia, creatinina, bilirrubinas, gasometria e hemocultura devem ser solicitados conforme o quadro clínico da paciente. 
a) Teste de gravidez: deve ser realizado para toda paciente em idade reprodutiva com sangramento. Geralmente, o teste é feito na urina e mostra positividade mesmo antes do atraso menstrual (após 10 dias da concepção). Um teste negativo é possível nos casos de aborto retido. 
b) Hemograma: a dosagem de hemoglobina e o hematócrito podem auxiliar na avaliação da magnitude do sangramento. A contagem global e específica dos leucócitos fornece informações sobre a existência de processo infeccioso associado. Leucopenia significa infecção grave e mau prognóstico. Plaquetopenia pode estar associada a situações de coagulopatia presente em abortos infectados e retidos. 
c) Tipo sanguíneo e triagem de anticorpos: exames obrigatórios, pela eventual necessidade de transfusão sanguínea e prevenção de aloimunização Rh. Para todas as pacientes com Rh negativo é obrigatório o uso de imunoglobulina anti-Rh. 
d) Coagulograma: indicado para avaliação de gravidade, especialmente em abortos infectados, retidos e outras formas de aborto com sangramento volumoso. Devem ser avaliados: Tempo de Protrombina, Tempo de Tromboplastina Parcial Ativado, dosagem de fibrinogênio e dos produtos de degradação da fibrina. 
e) Exames de imagem: ultrassonografia pélvica deve ser solicitada na ameaça de aborto, para se avaliar a vitalidade fetal, para confirmação de aborto completo ou na suspeita de complicações, como abscessos pélvicos. Raio-X de abdomen deve ser solicitado quando há suspeita de corpo estranho intrauterino e em situações onde há suspeita de perfuração uterina ou intestinal. A Tomografia Computadorizada é exame auxiliar a ultrassonografia na avaliação de complicações infecciosas.
TRATAMENTO 
A conduta deve ser individualizada segundo a gravidade de cada caso, semana de gravidez e tipo de aborto. Condições potencialmente ameaçadoras da vida (como grandes sangramentos, sepse e choque) devem ser diagnosticadas e medidas iniciais de suporte devem ser tomadas: acionar a central de regulação de urgência e encaminhar a paciente para um hospital de referência (caso a paciente se encontre em unidades básicas ou pronto-atendimentos), manter a paciente em jejum, manter as vias aéreas livres, fornecer O2, realizar venóclise em vaso calibroso (Abocath 18) e hidratação endovenosa com soro fisiológico 0.9% ou Ringer Lactato (2 litros), instituir tratamento antiespasmódico endovenoso para aliviar a dor e, se houver febre, prescrever antitérmico endovenoso. Ao se considerar cada tipo de aborto, tratamentos específicos devem considerados: 
a) Ameaça de aborto: é possível o tratamento domiciliar, se não houver dificuldade de acesso da paciente aos serviços de saúde. A conduta nestes casos baseia-se em repouso físico e sexual, evitar o uso de absorventes internos, aumentar a ingesta hídrica, antiespasmódicos via oral (se necessário) e orientação para retorno quando houver piora da dor, aumento do sangramento ou febre. A mesma deve ser orientada a manter seguimento pré-natal. 
b) Aborto completo: após a confirmação dessa forma de aborto, pelo quadro clínico e exame ecográfico, a paciente deve receber alta do serviço com orientações para retornar se houver aumento da dor, do sangramento ou febre. 
c) Aborto inevitável ou incompleto: a paciente deve ser hospitalizada para correção de hipovolemia e anemia (se presentes) e resolução da gestação, por esvaziamento uterino da seguinte forma: • Idade gestacional inferior a 12 semanas: esvaziamento uterino por aspiração manual intrauterina (AMIU), vácuo-aspiração elétrica ou curetagem. • Idade gestacional superior a 12 semanas: aguardar eliminação do feto e realizar curetagem uterina na sequência. Nestes casos, ocitocina deve ser prescrita para aumentar o tônus e a contratilidade uterina e auxiliar na eliminação de restos ovulares (20 U em 500 ml de soro fisiológico ou soro glicosado 5%, a 20 gotas/minuto). Nos casos em que o colo uterino não apresenta dilatação suficiente para realização do procedimento e o quadro clínico é estável, a paciente pode receber misoprostol (200 μg) a cada 4-6 horas, em fundo de saco vaginal, até que o colo fique suficientemente dilatado e permita o esvaziamento uterino. Se houver instabilidade hemodinâmica, colo uterino deve ser dilatado mecanicamente pela aplicação das Velas de Hegar. 
d) Aborto retido: essa forma de aborto, por ser assintomática, dificilmente será atendida em serviços de urgência. Porém, após receber este diagnóstico, a paciente deve ser encaminhada para o serviço de referência para realizar a propedêutica específica e resolução da gestação, como orientada no item acima. 
e) Aborto infectado: a conduta nesta forma de aborto é semelhante à adotada para aborto incompleto, associada ao uso de antibioticoterapia. O esquema preferencial de tratamento é a associação da gentamicina (1,5mg/kg/dose a cada 8 horas) com a clindamicina (900 mg de 8/8 horas). As pacientes deverão permanecer com terapia endovenosa por 48 horas após o último pico febril. A laparotomia explorada, com possibilidade de histerectomia, fica reservada para situações mais graves, incluindo presença de massas anexiais, suspeita de perfuração uterina, gangrena uterina, sepse ou na falha das medidas clínicas usuais.
Fator RH negativo
Para a avaliação de uma gestante com história de Rh negativo é fundamental ter um exame confirmatório, saber o fator Rh do pai da criança e acompanhar, se necessário, por meio da verificação do exame de Coombs indireto, a situação sorológica da paciente (com a periodicidade que dependerá de sua idade gestacional). É muito importante avaliar se houve alguma das principais formas de exposição materna ao sangue fetal, como: deslocamento prematuro de placenta; abortamento espontâneo; morte fetal intraútero; gestação ectópica; mola hidatiforme; amniocentese; biópsia de vilosidades coriônicas; cordocentese; abortamento induzido; transfusão sanguínea intrauterina; versão externa; manipulação obstétrica e trauma abdominal. É imprescindível que o diagnóstico se antecipe à Doença Hemolítica Perinatal (DHP). Isso significa que, ao se firmar o diagnóstico de DHP, reconhecemos que medidas importantes deixaram de ser tomadas antes da atual gestação. São recomendadas as seguintes atitudes preventivas:
Período pré-gestacional: detecte a mulher com risco de desenvolver isoimunização maternofetal, pela solicitação da tipagem sanguínea com definição do fator Rh. Caso se identifique fator Rh negativo,deve-se pesquisar a presença do anticorpo anti-D, por meio do teste de Coombs indireto;
Período pré-natal: adote medidas recomendadas para o período pré-gestacional, caso ainda não tenham sido realizadas. A preocupação nesta fase é a instalação da DHP.
Se forem identificados anticorpos anti-D (Coombs indireto positivo), as gestantes devem ser encaminhadas ao pré-natal de alto risco, no qual se determinará a intensidade da hemólise provocada no feto e poderão ser indicados procedimentos invasivos com maior brevidade. Caso o Coombs indireto resulte negativo, no entanto, como resultado de uma falta de evidências em relação ao custo-benefício da periodicidade da pesquisa desse anticorpo, há pouco consenso entre sociedades profissionais no que diz respeito às melhores práticas. Seguindo as recomendações do Ministério da Saúde ele deve ser novamente solicitado a cada 4 semanas, após a 24ª semana gestacional (1). A Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia recomenda que isso seja feito após a 20ª semana gestacional (2).
Período pós-natal: tem o objetivo de proteger as gestações futuras. Promove-se, na gestante com Rh negativo, a pesquisa do grupo sanguíneo e do fator Rh no sangue do recém-nascido, assim como o teste de Coombs direto para verificar a presença de anticorpos maternos anti-D no seu sangue. Se o recém-nascido for Rh positivo e seu Coombs direto for negativo, a mãe deverá receber a imunoglobulina protetora.
A síndrome antifosfolípide (SAF) 
é uma doença autoimune caracterizada pela ocorrência de eventos trombóticos em qualquer leito vascular e de eventos gestacionais, na presença dos anticorpos antifosfolípides (aPL) persistentemente positivos.
Os primeiros relatos de detecção de anticorpos antifosfolípides datam do início do século XX, com identificação do anticorpo de Wasserman (inicialmente descrito em pacientes infectados pelo Treponema pallidum) em pacientes sem o diagnóstico de sífilis (falso positivo biológico para teste sorológico para sífilis). Nos anos 1950, foi descrito que tais pacientes apresentavam positividade para um inibidor da coagulação, denominado anticoagulante lúpico (LA), que é utilizado ainda hoje. Com a evolução dos testes e o aumento da disponibilidade dos métodos de ELISA, foram descritos os anticorpos anticardiolipina (aCL) e o anti-beta-2-glicoproteína I (aB2GPI), que também fazem parte dos critérios classificatórios atuais.
A ligação dos aPL aos fosfolípides de membrana se dá através da ligação com a beta-2-glicoproteína I. Após essa ligação, que acontece na presença de um second hit, ocorre ativação endotelial, de monócitos e plaquetas, levando a um estado pró-coagulante e pró-inflamatório e à ativação do complemento, o que gera trombose e interfere com o trofoblasto e com as células deciduais.
Diagnóstico da SAF
O diagnóstico da SAF é clínico-laboratorial e pode ser endossado pelos critérios classificatórios da doença, propostos em 2006 na cidade Sydney.
Um ponto importante de se comentar é que, apesar do grande volume de publicações nos últimos anos a respeito da síndrome, esses critérios classificatórios não acompanharam todo o corpo de evidência acumulado recentemente. Por esse motivo, novos critérios classificatórios vêm sendo discutidos por especialistas de todo o mundo e devem estar disponíveis nos próximos anos.
As manifestações clínicas mais características da SAF são as tromboses e as perdas gestacionais. As tromboses podem acometer qualquer leito vascular (arterial ou venoso), de qualquer calibre. As tromboses venosas são as manifestações mais frequentes, acometendo predominantemente os membros inferiores. Dentre as tromboses arteriais, as mais prevalentes são os acidentes vasculares encefálicos isquêmicos (AVEi).
As perdas gestacionais ocorrem, caracteristicamente, no final da gestação; no entanto, podemos encontrar as mais diversas formas de morbidade gestacional, como perdas precoces recorrentes, pré-eclâmpsia, eclâmpsia e síndrome HELLP.
Outras manifestações clínicas relativamente comuns que não fazem partes dos critérios classificatórios são: livedo/vasculopatia livedoide, plaquetopenia (geralmente entre 50-150 mil/mm3), anemia hemolítica, enxaqueca, fenômeno de Raynaud, valvopatia (mitral > aórtica), nefropatia (microangiopatia trombótica), coreia, entre outros.
Os aPL (LA, aCL e aB2GPI) devem ser pesquisados em todos pacientes com suspeita de SAF. A importância da realização dos 3 exames é que, na presença de tripla positividade, o risco trombótico se eleva muito. Como esses anticorpos podem se elevar transitoriamente, é importante que sejam confirmados 12 semanas após um primeira dosagem positiva.
Avaliação do risco de trombose e de morbidade gestacional
Podemos classificar o risco do paciente com SAF para eventos trombóticos e gestacionais de acordo com o perfil de anticorpos e algumas características clínicas.
A definição de alto risco varia, mas conhecemos a importância da tripla positividade (positividade para os 3 anticorpos utilizados nos critérios classificatórios – LA, aCL e aB2GPI) na ocorrência de eventos na SAF. Este é o principal fator de risco laboratorial para ocorrência de trombose e eventos gestacionais.
Dentre os 3 anticorpos, o LA é o que apresenta maior associação com eventos, seguido pelos aCL IgG e aB2GPI IgG. Os isotipos IgM e IgA, tanto do aCL quanto do aB2GPI, parecem ter menor importância que os demais já citados.
Além disso, a presença de outros fatores adicionais, como fatores de risco cardiovascular, associação com lúpus eritematoso sistêmico (LES), tabagismo, imobilização prolongada, cirurgia, uso de anticoncepcional combinado oral, síndrome nefrótica, trombofilias hereditárias entre outros, aumentam a chance de novos eventos.
Na tentativa de unificar todos esses fatores de risco, foi desenvolvido um escore global de risco para pacientes com SAF que recebeu o nome de GAPSS (Global AntiPhospholipid Syndrome Score). Este escore inclui hipertensão (1 ponto), dislipidemia (3 pontos), positividade LA (4 pontos), aCL (5 pontos), aB2GPI (4 pontos) e antifosfatidilserina/protrombina (aPS/PT – 3 pontos). No entanto, devido à indisponibilidade de aPS/PT em muitos centros, esse escore foi ajustado, com supressão desse anticorpo (adjusted Global AntiPhospholipid Syndrome Score).
Tratamento da síndrome antifosfolípide
O tratamento da SAF pode ser dividido de acordo com a manifestação clínica apresentada e será apresentado separadamente a seguir, de maneira resumida.
Tromboprofilaxia primária
Nesse contexto, temos que considerar 3 grupos de pacientes: (1) aPL positivos sem LES, (2) aPL positivos com LES e (3) pacientes com passado de perda gestacional sem eventos trombóticos (SAF gestacional puro).
No primeiro grupo (aPL sem LES), não há estudos randomizados duplo-cegos que suportem o uso de AAS profilático. No estudo APLASA (The AntiPhosphoLipid Antibody Acetylsalicylic Acid), o número de eventos foi menor do que o esperado na análise interina e o estudo acabou sendo interrompido por incapacidade de obtenção de tamanho amostral adequado. Apesar disso, em uma meta-análise de estudos retrospectivos em sua maioria (N=1208 pacientes), o uso de AAS evitou a ocorrência de um primeiro evento arterial, mas não de um primeiro venoso. Um estudo para o uso de hidroxicloroquina (HCQ) em pacientes com aPL sem LES também foi desenvolvido, porém teve que ser interrompido por diversos motivos. Como conclusão, em pacientes com aPL sem LES, o uso de AAS é razoável naqueles com baixo risco de sangramento, desde que associado a padrão de aPL de alto risco (LA, títulos de aCL ≥80 e altos títulos de aB2GPI) ou de fatores de risco cardiovascular.
No caso de aPL com LES, o uso tanto do AAS quanto da HCQ parece ser benéfico na prevenção de trombose, conforme demonstrado por estudos observacionais. Desse modo, ambas as medicações estão indicadas em pacientes com LES e positividade para os aPL.
Por fim, no terceiro grupo (SAF gestacional puro), estudos de caso-controle demonstraram que esses pacientes possuem risco aumentado de trombose quandocomparados com a população controle. No entanto, não temos ensaios clínicos com alta qualidade metodológica e os estudos observacionais com AAS apresentam resultados conflitantes. Ainda assim, devido ao maior risco de eventos trombóticos, é razoável se considerar o uso de AAS em pacientes com SAF gestacional, especialmente na presença de outros fatores de risco para trombose.
Tromboprofilaxia secundária: eventos venosos
Atualmente, sugere-se que o uso de anticoagulação de moderada intensidade com antagonistas de vitamina K (alvo de INR entre 2 e 3) por toda a vida seja o tratamento padrão para prevenção de novos eventos venosos em pacientes com SAF.
Em um estudo conduzido por Crowther et al., não houve diferença de desfechos entre o grupo com INR 2-3 e grupo com INR 3-4. No entanto, graves limitações metodológicas impedem a extrapolação desses resultados: a maioria dos pacientes apresentavam apenas eventos venosos, pacientes com recorrência venosa e INR >2 foram excluídos e os pacientes alocados no grupo INR 3-4 encontravam-se em faixa subterapêutica em 43% do tempo (sendo que 66% dos eventos trombóticos nesse grupo ocorreram com INR <2). Outro estudo com os mesmo critérios de exclusão encontrou resultados semelhantes.
Caso o paciente apresente recidiva da trombose com INR em faixa terapêutica (entre 2-3), algumas alternativas podem ser adotadas, como aumento do alvo do INR para 3-4, associação de AAS, HCQ ou estatinas (dados apenas de modelos murinos) ou troca para heparina de baixo peso molecular subcutânea. Os novos anticoagulantes orais diretos (DOACs) não devem ser usados nesse contexto.
Tromboprofilaxia secundária: eventos arteriais
A ocorrência de eventos arteriais é um marcador de gravidade na SAF e, portanto, é tratada de maneira mais agressiva que os eventos venosos. Via de regra, a maioria dos autores utilizam a varfarina com alvo de INR 3-4 ou a associação entre varfarina com INR 2-3 e AAS.
O estudo APASS (Antiphospholipid Antibodies and Stroke Study) não encontrou benefício da anticoagulação versus AAS. No entanto, também existem graves limitações relacionadas à metodologia desse estudo, como a dose de aPL em apenas um momento, a maioria dos pacientes selecionados possuíam baixos títulos de aPL e eram mais idosos (por volta dos 60 anos). Assim, não podemos considerar esse estudo como adequado para o entendimento atual da SAF e não deve ser, desse modo, utilizado.
Em uma revisão sistemática (N=1740 pacientes), pacientes com alvo entre 3-4 apresentaram menor risco de recorrência arterial (versus alvo entre 2-3), o que também foi documentado em outros estudos mais recentes.
Outro estudo sugere ainda que a associação de varfarina (qualquer alvo) com AAS apresenta melhores desfechos para pacientes com eventos arteriais, quando comparado com grupos sem AAS.
De maneira análoga aos pacientes com recorrência venosa, devemos testar os níveis de anticoagulação para pacientes com recorrência arterial. Caso ele esteja no alvo programado, devemos intensificar o tratamento: se AAS + alvo 2-3, subir para AAS + alvo 3-4; se alvo 3-4, associar AAS. Além disso, podemos considerar a associação com HCQ ou estatina (poucos dados em humanos) ou troca para heparina de baixo peso molecular subcutânea.
Tratamento da SAF catastrófica
A SAF catastrófica (SAFc) é definida como uma síndrome rara associada a falência orgânica multissistêmica aguda devido a oclusão microvascular (microangiopatia trombótica). Os critérios para seu diagnóstico são: envolvimento de 3 ou mais órgãos, em menos de 1 semana, com positividade para aPL e evidência histológica de trombose microvascular. Em 50% dos casos, a SAFc surge após um evento precipitante, como infecções, atividade de LES, retirada de varfarina, neoplasias, cirurgia e trauma.
Na última análise do CAPS Registry, um registro mundial para estudo da SAFc, o tratamento com terapia tríplice (anticoagulação + pulsoterapia com metilprednisolona + imunoglobulina humana ou plasmaférese) foi superior às demais combinações de terapia nas análises retrospectivas. Caso haja falha no tratamento, há relatos de casos anedóticos com rituximabe ou eculizumabe.
SAF gestacional: profilaxia de eventos gestacionais
Devido ao risco aumentado de pré-eclâmpsia, todo paciente com SAF gestacional deve receber profilaxia com AAS.
Para prevenção de novas perdas gestacionais, o tratamento padrão é o uso de heparina de baixo peso molecular em dose profilática (p.e., enoxaparina 1 mg/kg/dia), associada ao AAS. Isso se baseia em estudos que demonstraram que as taxas de sucesso gestacional foram maiores nesse tipo de tratamento, quando comparado com AAS isolado. Caso o paciente apresente recorrência de eventos gestacional com enoxaparina profilática, podemos utilizar doses terapêuticas (p.e. enoxaparina 1 mg/kg de 12/12 horas).
Após o parto, a enoxaparina deve ser mantida em doses profiláticas por, pelo menos, 6-12 semanas.
Uma consideração a ser feita é que, se o paciente apresentou passado de evento trombótico e está em uso de anticoagulação oral por toda vida, durante a gestação ele deverá ser tratado com enoxaparina em doses terapêuticas (1 mg/kg de 12/12 horas). Para evitar malformações fetais relacionadas à varfarina, essa troca para a enoxaparina deve ser realizada até 6 semanas da data da última menstruação.
Se a paciente apresentar perdas apesar da terapia otimizada, o uso de HCQ pode ser considerado, baseada em análises retrospectivas.
Manifestações não trombóticas
O tratamento das manifestações não-trombóticas não está totalmente definido e se baseia no tipo de acometimento.
A plaquetopenia e a anemia hemolítica relacionada à SAF são tratadas de maneiras semelhantes às outras citopenias de origem autoimune, com corticoides, IVIG, azatioprina, micofenolato e rituximabe.
Lesões cutâneas geralmente são tratadas com anticoagulação, AAS e/ou imunossupressores.
Nas manifestações cardíacas, renais e as outras não-trombóticas, não existe benefício documentado da anticoagulação. Medicações que interferem com a via do mTOR estão sendo testados no tratamento da SAF, especialmente em pacientes com manifestações renais e/ou transplantados.

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